Escolar Documentos
Profissional Documentos
Cultura Documentos
Agustin Cueva
4. Em todo caso, o marxismo sustenta que o problema das classes sociais não
pode ser estudado corretamente senão for a partir de uma teoria geral da
sociedade e da história. Por isso, antes de abordar esse problema é mister
começar definindo alguns conceitos fundamentais do material histórico.
1. A relação dos homens com a natureza para efeitos da produção; relação que
é captada pelo conceito de forças produtivas, que designa a capacidade que os
homens possuem em determinado momento para obter certa produtividade,
com ajuda de seus conhecimentos e técnicas, máquinas, ferramentas, etc.
2. A relação que os homens estabelecem entre si no processo produtivo, quer
dizer, o que se denomina relações sociais de produção.
Porém, e por sua mesma condição de conceito localizado num nível muito alto
de abstração, o conceito de modo de produção necessita complementar-se
com outro, que se situe num nível de concretude maior. Este conceito é o de
formação social, que se refere às sociedades historicamente dadas, nas que
já não encontramos um só modo de produção e em estado "puro", mas, por
regra geral, uma combinação específica de vários modos de produção.
Esta combinação não consiste desde logo em uma simples justa-posição, mas
sim constitui uma estrutura articulada de maneira muito complexa:
3. Por último, junto aos modos de produção fundamentais, que são aqueles
capazes de impor sua hegemonia em uma formação social (comunitário
primitivo, escravista, feudal, capitalista e socialista), existem também modos de
produção secundários, que só podem aparecer em um plano subordinado,
dependendo de algum modo de produção fundamental. É o caso do modo de
produção mercantil simples (produção artesanal e pequeno-campesina), ao
que denominaremos, para marcar seu caráter específico, forma de produção.
E Lenin, por sua parte, definiu as classes pelos "lugares" que grandes grupos
de homens ocupam num sistema de produção historicamente determinado:
"As classes são grandes grupos de homens que se diferenciam entre si, pelo
lugar que ocupam num sistema de produção historicamente determinado, pelas
relações em que se encontram frente aos meios de produção (relações que as
leis estabelecem e consagram), pelo papel que desempenham na organização
social do trabalho e, por conseguinte, pelo modo e a proporção em que
percebem a parte da riqueza social de que dispõem. As classes sociais são
grupos humanos, um dos quais pode apropriar-se do trabalho do outro por
ocupar postos diferentes em um regime determinado de economia social".
Definição que nos permite precisar dois pontos mais sobre a teoria marxista
das classes sociais:
1. Que as classes não são o efeito de qualquer nível da estrutura social, nem é
o resultado da articulação do econômico, o político e o ideológico (como afirma
Nicos Poulantzas, por exemplo), mas sim que elas se geram e adquirem
existência objetiva a nível da matriz econômica de certos modos de produção.
Por isso, quer dizer, porque as classes têm uma existência objetiva mesmo
antes de que os agentes sociais tomem consciência de sua posição estrutural,
é que o próprio Lenin, em seu livro O desenvolvimento do capitalismo na
Russia, pode prever com alguns anos de antecipação o comportamento político
das classes da Russia czarista na revolução democrático-burguesa de 1905, e
escrever o que segue no prólogo da segunda edição dessa obra:
Por último, havia que precisar dentro destas generalidades primeiras, que a
existência das classes num determinado modo de produção redefine a
natureza das duas instâncias superestruturais, na medida em que lhes confere
inevitavelmente um caráter classista. A instância jurídico-política já não é neste
caso um conjunto de instituições a serviço de toda a sociedade, senão que está
constituída por aparatos de classe; do mesmo modo que a instância ideológica
não é a representação do mundo da comunidade toda, mas a esfera em que as
ideias dominantes são necessariamente as da classe dominante.
Este texto de Marx, que por si só constitui uma obra prima de análise
sociológica, nos coloca, pois, totalmente, no problema do que se chamou a
classe "em si" e a classe "para si". Com efeito, esses camponeses constituem
uma classe social a nível econômico, visto que estão colocados em uma
mesma situação estrutural, que objetivamente os opõe a outras classes da
respectiva formação social; porém, o próprio Marx estima que, a outro nível,
que é o político, esses camponeses não constituem uma classe. Tomada ao pé
da letra, a segunda afirmação pode induzir a confusão e prestar-se para as
interpretações mais diversas e caprichosas; porém, seu sentido contextual é
perfeitamente claro: se os camponeses são "incapazes de fazer valer seus
interesses de classe" é porque já são objetivamente ("em si") uma classe
social, mesmo que não estejam organizados como tal no plano político nem
tenham tomado ainda consciência ("para si") daquela situação objetiva.
No mesmo sentido vai esta outra análise de Marx, sobre a classe trabalhadora,
em Miséria da Filosofia:
"A grande indústria concentra em um mesmo local uma massa de pessoas que
não se conhecem entre si. A competência divide seus interesses. Mas a defesa
do salário, os une em uma ideia comum de resistência: a coalizão. Portanto, a
coalizão persegue sempre uma dupla finalidade: acabar com a concorrência
entre os trabalhadores para poder fazer uma concorrência geral aos
capitalistas. Se o primeiro fim da resistência se reduzia a defesa do salário,
depois, à medida em que os capitalistas se associam por sua vez movidos pela
ideia da repressão, as coalizões, em um princípio isoladas, formam grupos, e a
defesa pelos trabalhadores de suas associações frente ao capital, sempre
unido, acaba sendo para eles mais necessária que a defesa do salário. Nesta
luta - verdadeira guerra civil - se vão unido e desenvolvendo todos os
elementos para a batalha futura. Ao chegar a este ponto, a coalizão toma
caráter político".
Este não é, desde logo, o lugar apropriado para engatar uma discussão ampla
sobre este assunto; somente gostaríamos de observar que incluindo certos
autores que em termos gerais aceitam os pontos de vista de Marx sobre as
classes sociais na sociedade capitalista, estimam que eles perdem pertinência
tratando-se das formações precapitalistas. É, por exemplo, a opinião do
sociólogo francês Georges Gurvitch, para quem as classes "só aparecem nas
sociedades globais industrializadas nas que os modelos técnicos e as funções
econômicas estão particularmente acentuadas". Gurvitch chega inclusive a
afirmar que "Marx vacilou muito enquanto a saber se havia de reconhecer a
existência das classes em todo tipo de sociedade, fora das sociedades
arcaicas e da sociedade futura ou comunista completamente realizada".
Porém, Marx é perfeitamente claro sobre este ponto: "A história de todas as
sociedades até nossos dias é a história da luta de classes"; escreve no
Manifesto, embora Engels observe, com razão, que o termo "todas" não inclui,
obviamente, as sociedades "pré-históricas", quer dizer, preclassistas.
Para o marxismo, então, as classes sociais são algo inerente não somente ao
modo de produção capitalista, mas também a outros, como o feudal e o
escravista. No entanto, o fenômeno adquire características distingas nestes
últimos.
Dizíamos, no numeral II deste trabalho, que em cada modo de produção se dá
uma forma diferente de articulação entre os níveis econômico, jurídico-político
e ideológico, variando em cada caso o grau e a forma de intervenção das duas
instâncias superestruturais sobre a base econômica. Pois bem, isto não deixa
de ter suas consequências sobre a estrutura de classes, que adquire uma
forma diferente segundo o modo de produção de que se trate. No modo de
produção capitalista as classes sociais não só se geram a nível da
infraestrutura econômica como também, aparecem como um puro efeito desta,
sem que nem o jurídico nem o ideológico intervenham diretamente em sua
filiação; em outros modos de produção não ocorre o mesmo:
Analisamos até aqui o problema das classes sobretudo em seu nível teórico
mais abstrato; isto é, a nível do conceito de modo de produção. Agora é
necessário localizar-se em um plano mais concreto, o de uma formação social,
para examinar algumas das características que a estrutura de classes pode
apresentar a este nível.
Contudo, basta pensar no fato de que uma formação social articula em sua
sinuosidade vários modos de produção para compreender a razão pela qual o
número de classes pode aumentar sensivelmente a este nível.
3. Temos, além disso, múltiplas situações “mistas”, que já não podem ser
conceituadas como simples “anomalias”, já que são fenômenos inerentes a
formações acentuadamente heterogêneas ou em processo de transição. Tais
situações são, por exemplo, a dos latifundiários semi-capitalistas (aqueles
que na América Latina receberam o nome de “oligarquia”); ou aquele semi-
proletariado, no que tanto insistiu Lenin ao estudar a formação social russa:
Mas não só isto. As classes como já vimos, não são unicamente efeitos
passivos da infraestrutura econômica da sociedade mas, através dos níveis
político e ideológico, se convertem em verdadeiros agentes sociais e, neste
sentido, têm uma história, sua própria história. Assim grande parte dos
“camponeses” protagonistas do movimento revolucionário mexicano da década
de 1910, por exemplo, eram já “peões” assalariados ou pelo menos
semiassalariados. Assistindo-se a estes dados somente, até seria possível
demonstrar que nos anos da revolução o “proletariado” já era o grupo
predominante entre os pobres do campo. Porém, como explicar a ideologia e o
comportamento político dos grandes movimentos agrários da época se não se
tem em conta o fato de que ainda aqueles “assalariados” que os integravam
não constituem todavia um proletariado em sentido estrito, mas sim, em sua
historicidade concreta, um campesinado em curso de proletarização?
E é necessário ter bem presente este critério, para não confundi-lo com outros,
como o da quantidade da riqueza, as diferenças “culturais”, etc. Assim, o que
separa os proprietários de plantações (grande burguesia agrária), por exemplo,
dos chamados camponeses “ricos” (burguesia média agrária), e os converte
em frações de classe distintas, não é o fato de que estes são menos “ricos” que
aqueles nem, menos ainda, o de que os primeiros possuam uma cultura
“urbana” e os segundos uma cultura “rural”. O que os separa realmente, é sua
localização em fases distintas, embora cronologicamente simultâneas, do modo
de produção capitalista: os proprietários de plantações pertencem à fase
monopólica, os camponeses ricos não.
Este estrato, que como o próprio Lenin assinalou, surge nos países
imperialistas donde as “ganancias monopolistas elevadas... engendram a
possibilidade econômica de subornar para as camadas superiores do
proletariado”, pode desenvolver-se também nos países dependentes, e
sobretudo nos enclaves imperialistas que há em seu seio (a “aristocracia
trabalhadora” das minas de Chuquicamata e El Teniente, no Chile, é o melhor e
mais recente exemplo dele).
Além disso, é justo reconhecer que nos próprios clássicos do marxismo o termo
“classes” ou “estamentos” médios foram empregados com certa margem de
flutuação. Porém, há um primeiro ponto que está muito claro: quando Marx fala
dessas “classes” ou “estamentos” jamais inclui neles os setores tais como os
intelectuais ou a burocracia, os que por si mesmos não têm, na teoria marxista,
o estatuto de classe social.
Esta situação estrutural tende, por outro lado, a produzir efeitos ideológico-
políticos muito específicos no caso da pequena burguesia:
Não ficaria por estudar a situação de alguns grupos sociais específicos, como
os intelectuais e a burocracia, que segundo a teoria marxista não constituem
classes sociais propriamente ditas. E não o são, porque tais grupos, aos que
pode-se denominar camadas ou categorias, não se geram a nível da matriz
econômica de um determinado modo de produção, mas que surgem a nível
superestrutural, seja na instância jurídico-política (caso da burocracia), ou na
ideológica (caso dos intelectuais).
Porém, há alguns elementos que devem ter-se em conta para uma análise
mais concreta da inserção da burocracia na estrutura de classes:
Por último, não se deve esquecer que a esfera ideológica goza de uma
autonomia relativa, a qual, em determinadas circunstâncias, pode permitir que
os intelectuais adquiram um peso próprio e até sejam capazes de gerar
subconjuntos ideológicos relativamente autônomos.