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Proteção contra surtos em sistemas de tecnologia da informação

Sergio Roberto Santos

Introdução

Em uma economia baseada em informação, sistemas de transmissão de dados formam a


estrutura nervosa de toda a sociedade. Surtos de tensão causados por acoplamentos
galvânicos, indutivos ou capacitivos nos condutores de sinal1 podem danificar os
Equipamentos de Tecnologia da Informação (ETI2) comprometendo totalmente as atividades
de uma empresa, causando enormes prejuízos.
A especificação dos Dispositivos de Proteção Contra Surtos (DPS) para proteção das conexões
(Entradas e saídas) de sinal deve levar em conta parâmetros adicionais, além dos já utilizados
na especificação dos DPS para as entradas de energia3

Confiabilidade

A confiabilidade representa o tempo em que um sistema esta disponível para cumprir suas
funções. Quanto mais um sistema é confiável, maior o tempo em que podemos utiliza-lo em
nossas atividades e menor a frequência em que ele se encontra indisponível.
Entre as possíveis fontes de mau funcionamento de um sistema de transmissão de dados estão
as sobretensões transitórias causadas por descargas atmosféricas e operações de
chaveamento.
A importância de proteger os sistemas elétrico-eletrônicos contra as sobretensões transitórias
justifica-se pelo aumento da confiabilidade que obtemos ao evitar:

- A danificação dos equipamentos;


- A degradação dos seus componentes com a diminuição da sua vida útil;
- O mau funcionamento temporário dos ETIs e a necessidade de reinicializa-los.

Condutores de sinal

Condutores de sinal conduzem corrente elétrica com o objetivo de transportar informação


entre dois pontos através de condutores metálicos4.
Os valores mais comuns de intensidade de tensão e corrente para circuitos de sinal são
inferiores a 48V e 50mA respectivamente, enquanto a faixa de frequência em circuitos de sinal
varia entre 0Hz, corrente continua, e Gigahertz.
Ao contrário dos circuitos de energia, os circuitos de sinal são mais sensíveis a variações nos
seus parâmetros. Enquanto a amplitude e a frequência podem variar nos circuitos de energia,
os limites aceitáveis desta variação são bem menores nos circuitos de sinal para que a

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informação transmitida não seja perdida.

Conceitos

Um sistema eficiente de proteção contra surtos é obtido através da utilização integrada de


várias medidas como a equipotencialização5, blindagem e roteamento dos cabos, e instalação
de Dispositivos de Proteção contra Surtos (DPS).
Este sistema tem o objetivo de evitar que surja em qualquer terminal de um ETI uma
sobretensão transitória maior do que ele possa suportar, evitando correntes induzidas nos
condutores ou desviando para o sistema de aterramento as correntes de surto antes que elas
cheguem aos terminais dos ETIs.

Fundamentos da Proteção contra Surtos

Para proteger um ETI contra surtos de tensão é necessário integrar todos os condutores, de
energia e sinal, no sistema de equipotencialização nas transições das Zonas de Proteção contra
Raios (ZPR) (Figura 1). Isto não significa a instalação aleatória de um DPS em todos os cabos
conectados ao equipamento.
As blindagens dos cabos e as estruturas metálicas normalmente não energizadas devem ser
interligadas diretamente à barra de equipotencialização principal /local (BEP/BEL).
Os condutores normalmente energizados como cabos de energia, telefônicos, UTP, etc.,
devem ser interligados ao BEP/BEL através de DPS (Figura 2), que irão realizar uma
equipotencialização transitória através das características não lineares da sua impedância
interna.

Proteção de ETIs

Figura 1. Conceito de Zonas de Proteção contra Raios (ZPR)

1-Linhas de energia, 2-Linhas de dados, 3 – ETI a ser protegido, LPZ (ZPR).

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Figura 2. Ligação equipotencial para cabos de sinal

1- Dispositivo a ser protegido, 2- Ligação direta a barra de equipotencialização


(Desejável), 3 – Centelhador a gás (equipotencialização através da blindagem), 4 –
Centelhador a gás, 5 – Interligação a barra de equipotencialização, 6 – Barra de
equipotencialização, 7- Condutores de sinal, 8- Cabos de energia, 9 – DPS para
energia, 10 – Blindagem dos cabos de sinal.

O interesse na suportabilidade dos semicondutores às sobretensões transitórias se originou


nos anos 60 nos laboratórios Bell (EUA). Pesquisas posteriores tentaram quantificar a energia
que alguns semicondutores poderiam absorver antes que eles falhassem ou se danificassem
totalmente, mas as primeiras soluções comerciais só surgiram a partir dos anos 70.
Os Equipamentos de Tecnologia da Informação (ETIs) precisam de atenção especial para a sua
proteção contra sobretensões transitórias.
Além da proteção das entradas de energia, também devem ser protegidas as conexões dos
condutores de sinal. Todo condutor metálico conduz uma corrente elétrica, seja ela destinada
a transmissão de energia ou informação, e este condutor poderá também conduzir uma
corrente de surto.
As conexões de sinal têm menor suportabilidade às sobretensões transitórias, existem em
maior numero e têm cada uma, características diferentes em um mesmo ETI. Outro agravante
para as proteção dos cabos de sinal é o grande numero de ligações a outros ETIs que estas
conexões podem proporcionar, possibilitando a interligação entre sistemas de aterramento
diferentes e se originando de diferentes ZPRs.
Embora a utilização de medidas de proteção contra surtos esteja disseminada entre os
profissionais de instalações elétricas, muitas vezes a responsabilidade pela proteção dos
condutores de sinal nos ETIs fica relegada a uma terra de ninguém, já que existem profissionais
de telecomunicações ou informática com pouco conhecimento sobre surtos de tensão.

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Dispositivos de Proteção contra Surtos

Um DPS é uma chave elétrica controlada pela tensão em seus terminais. Quando a diferença
de potencial no DPS chega a um determinado valor ele comuta de um estado de alta para
baixa impedância, alterando a configuração do circuito elétrico onde ele está inserido,
permitindo o desvio da corrente de surto para o sistema de aterramento, proteção de modo
comum, evitando assim que apareça no equipamento protegido uma tensão acima daquela
que ele possa suportar, ou seja, da suportabilidade do equipamento.
Os componentes utilizados na fabricação do DPS possuem capacitâncias e indutâncias que têm
um aspecto negativo na transmissão de sinais de alta frequência. O projeto do DPS deve
justamente ser desenvolvido para minimizar a sua influência no circuito onde ele será
instalado, para que no período em que não esta atuando o DPS seja “invisível” ao ETI.
Desta forma cada sistema de comunicação necessita um DPS especifico que cause uma
atenuação menor ou igual à permitida pelo sistema.
Dois fenômenos devem ser evitados:
- A atenuação do sinal conduzido;
- A condução de correntes que circulam pelo aterramento para o próprio ETI.

Componentes de um DPS

Cada componente utilizado na fabricação de um DPS, centelhadores, varistores ou diodos, têm


características que os favorecem em um aspecto e desfavorecem em outro, de tal modo que
não existe um único componente ideal que possa ser utilizado em todos os modelos de DPS.
Estes componentes possuem os mesmos princípios de funcionamento, mas características
(Resistências, indutâncias e capacitâncias) diferentes.
Por isso a utilização destes componentes na fabricação de DPS para sinais é mais restrita do
que na fabricação de DPS para energia.
O circuito básico de um DPS para sinal compreende um centelhador, uma impedância (Um
resistor ou indutor) em série para o desacoplamento6 e um diodo avalanche (Figura 3).
Devido a sua relativa alta capacitância os varistores normalmente não são utilizados na
fabricação de DPS para sinais ou são utilizados apenas em DPS instalados em sistemas de
menor frequência (≤kHz).
Além da impedância dos seus componentes não lineares, o layout, o involucro, os condutores
internos e o processo de fabricação determinam a impedância do DPS.
Se forem utilizadas resistências no desacoplamento eliminam-se as indutâncias e
consequentemente pode-se trabalhar com sinais de maior frequência. Com a utilização de
indutores, existe uma indutância que reduz a frequência de transmissão possível, mas permite
a condução de sinais de maior intensidade, já que para a frequência de trabalho a queda de
tensão no indutor será menor do que em um resistor com a mesma função.

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Especificação

Figura 3. Diagrama de um DPS de dois estágios.

A escolha do DPS adequado para a proteção de uma entrada de sinal depende de vários
fatores, mas o principal é o tipo de sinal ou o protocolo do sistema. Diferentes tipos de sinal
tem tensão, corrente e frequência especificas.
Existem vários sistemas de transmissão como redes em estrela, sistema de telefonia analógica
e digital, interfaces RS232 e RS485 e redes ethernet categoria 5E ou 6 (Figura 4).
Cada um destes sistemas é padronizado por normas técnicas que determinam sua tensão de
trabalho e sua frequência de transmissão. Cabe ao projetista procurar o DPS, ao mesmo
tempo, compatível com o sistema de transmissão e com capacidade de condução corrente de
surto e nível de proteção adequados ao ETI. Caso contrário o equipamento estará protegido,
mas o sistema não conseguirá comunicar-se ou o sistema funcionará corretamente, mas os
DPS especificados não protegerão os equipamentos.
Entre as características mais importantes dos sistemas de transmissão, devemos prestar
atenção nos parâmetros a seguir:

Perda por inserção (a/dB) – Atenuação do sistema desde a entrada até a saída. Mostra a
função de transmissão do sistema e o ponto de 3 dB.
Perda por retorno (dB) – Parâmetro que indica em dB a perda de potência de entrada devido à
reflexão. Em sistemas bem ajustados, este valor é de aproximadamente -29 dB, sendo
ele particularmente importante em sistemas com antenas.
Frequência limite (Fg) – A frequência limite descreve o comportamento do DPS em função da
frequência. As propriedades capacitivas e/ou indutivas dos componentes atenuam o sinal em
caso de frequências demasiadamente altas. O ponto critico se denomina frequência limite Fg.
A partir deste ponto o sinal já perdeu 50% (3dB) de sua potência de entrada. A frequência
limite é determinada como função de critérios de medição definidos. Normalmente quando
não se tem nenhum dado, refere-se aos chamados sistemas 50Ω.

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Figura 4. Topologia de redes

Uma duvida comum na proteção de ETIs é onde o DPS deve ser instalado. Em um sistema de
vídeo, por exemplo, um DPS de sinal deve ser instalado junto à câmera e outro junto ao
receptor ou gravador de imagens. A ausência de um destes DPS em um dos ETIs não
compromete a proteção do outro, porque a DPS protege individualmente o equipamento ao
seu lado.
Os DPS para sinal podem ser classificados em proteção básica, média ou fina, dependendo da
sua localização entre as zonas de proteção contra raios (ZPR) e a distancia ao equipamento
protegido.
A proteção básica é utilizada na transição entre as ZPR0B→1, e os DPS são ensaiados na curva
10/350µS não podendo ser instalados junto aos ETIs devido ao seu nível de proteção.
A proteção fina é aquela utilizada na transição entre as ZPR1→3, e os DPS são ensaiados na
curva 8/20µS, devendo ser instalados junto aos ETIs.
A proteção média é uma combinação entre as duas formas anteriores de proteção, podendo
ser instalada entre qualquer ponto entre as ZPR0B→3. Os DPS para esta aplicação podem ser
instalados em qualquer fronteira entre as ZPRs.
Outros fatores são o tipo de conector, o espaço disponível e a distância do condutor de
equipotencialização do DPS, que serão importantes para a instalação do dispositivo de
proteção.

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Paso 1
Selecionar o sistema correspondente
Tipo de interface Velocidade de transmissão Nível de sinal
Exemplo Exemplo Exemplo
Analógica (Fax / modem) < 5KBit / s 170V

Exemplo de seleção do sistema de transmissão

Paso 2
Determinar a fronteira entre ZPRs onde o DPS será instalado
Conexão Condutores protegidos Montagem
Exemplo Exemplo Exemplo
Bornes 4 Caixa IP 54

Exemplo de determinação do DPS adequado

Instalação do DPS

Como qualquer dispositivo, o DPS deve ser instalado corretamente para proteger os ETIs sem
interferir com o funcionamento do sistema.
Os DPS de sinal devem ser conectados às portas destes equipamentos e aterrados nos próprios
ETIs (Figura 5). Para que isto seja possível, estes DPS devem ter conexões adequadas ou o
formato de conectores (Figura 6), para facilitar a conexão e permitir o melhor posicionamento
junto aos ETIs.
A atenção com a instalação deve-se principalmente aos motivos abaixo:

- Comprimentos adicionais dos cabos podem introduzir impedâncias suficientes para a


atenuação do sinal além do limite permitido;
- A instalação do DPS distante do ETI pode fazer com que a tensão entre os terminais do DPS e
do ETI sejam diferentes e o DPS não atue adequadamente;
- Se as conexões entre o DPS e o ETI forem diferentes, serão necessários adaptadores que
acrescentam atenuação ao sistema e custos adicionais.

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Figura 5. Instalação de um DPS

Figura 6. DPS para cabos coaxiais com conector DS-F W/W

Erros mais comuns na especificação ou instalação de um DPS de sinal.

1) Não considerar a frequência de transmissão do DPS;


2) Não verificar o tipo de conector do ETI;
3) Não instalar o DPS de sinal junto ao ETI;
4) Não aterrar o DPS no terminal de aterramento do ETI;
5) Instalar o DPS apenas no transmissor ou no receptor.

Aterramento

O aterramento é parte fundamental de um sistema elétrico destinado principalmente à


proteção de pessoas.
Paralelamente às suas funções de segurança, o aterramento também define o funcionamento
dos sistemas elétrico-eletrônicos através da criação de uma referência de tensão para os vários
circuitos.
Devido às várias formas de acoplamento existentes na instalação não é possível eliminar
interferências nos ETIs através da construção de malhas de aterramento exclusivas para cada
sistema existente na instalação, como o sistema da concessionária de energia, sistema de
proteção contra descargas atmosféricas, sistema de dados, etc.
Como um DPS não é um filtro, como antes ele era chamado, deve-se trabalhar as
interferências propagadas pelo aterramento independente da instalação do DPS.

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Existem no mercado dispositivos como relés, optoacopladores e conversores, que eliminam
ruídos em entradas de sinal e são específicos para controlar as interferências. Estes
dispositivos têm funções diferentes das desempenhadas pelos DPS, sendo que cada um deles
tem a sua utilização especifica. DPS servem para a proteção contra surtos de tensão e
interfaces para evitar interferências em entradas de dados.

Conclusão

Para a proteção de ETIs contra surtos de tensão é necessária a atuação conjunta já na fase de
projeto, ou no máximo na instalação do sistema, dos responsáveis pelos ETIs, dos DPS e
responsável pela operação dos sistemas.
Sem as informações corretas sobre as características de frequência de transmissão, origem e
destino dos condutores e suportabilidade dos ETIs, torna-se difícil para o projetista do sistema
de proteção contra surtos determinar as características corretas dos DPS e as medidas
adicionais necessárias.
Mais importante ainda é obter um comprometimento do fornecedor dos ETIs com as medidas
necessárias para reduzir a sua vulnerabilidade, evitando que futuramente que a queima ou
mau funcionamento destes equipamentos devido a um surto de tensão seja considerado
inevitável.

Notas

1- Condutores de sinal conduzem corrente elétrica destinada a transmitir informação ao


invés de energia;
2- Equipamento de Tecnologia da Informação (ETI). Ver item 3.3.4 da NBR 5410- 2004,
Instalações elétricas de baixa tensão;
3- A especificação dos DPS para energia deve ser feita seguindo os critérios do item 8 das
referências abaixo;
4- A fibra ótica não conduz corrente elétrica, inclusive correntes de surto.
5- Ligação equipotencial – Uma conexão elétrica de baixa impedância que une partes
metálicas de uma instalação, incluindo condutores externos à edificação, eliminando
ou reduzindo a diferença de potencial entre elas.
6- Como os centelhadores, varistores e diodos respondem às sobretensões em tempos
diferentes, é necessário coordenar a atuação destes elementos quando no mesmo
DPS, para garantir que o componente de maior capacidade de absorção de energia
atue primeiro.

Glossário.

Nível de proteção (Vp) – O mais alto valor de tensão atingido nos terminais de um DPS antes
que ele atue.
Tempo de resposta (Tr) - O tempo de resposta caracteriza o tempo necessário para o elemento
de proteção usado no DPS começar a atuar. O tempo de resposta pode variar dentro de certos
limites dependendo da inclinação da função du/dt do surto de tensão ou di/dt do surto de
corrente.
Tensão Nominal (Vn) - A tensão nominal é a voltagem para qual um dispositivo é projetado. Ela
pode ser a tensão DC ou o valor RMS de uma tensão alternada senoidal.

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Tensão residual (Vr) - O valor de pico da tensão residual que aparece nos terminais do DPS
durante a condução da corrente de surto.
Zona de proteção contra raios (ZPR) - O termo zona de proteção contra raios refere-se aquelas
áreas na qual o ambiente eletromagnético causado pelo raio pode ser definido e controlado.

Referências

[1] NBR 5410-2004 – Instalações elétricas de baixa tensão; ABNT, Associação Brasileira de
Normas Técnicas.
[2] NBR 5419- 2005 – Proteção de estruturas contra descargas atmosféricas; ABNT, Associação
Brasileira de Normas Técnicas.
[3] NBR IEC 61643-1:2007 – Dispositivos de proteção contra surtos em baixa tensão; Parte 1:
Dispositivos de proteção conectados a sistemas de distribuição de energia de baixa tensão;
ABNT, Associação Brasileira de Normas Técnicas.
[4] Santos, S.R.S. Dispositivos de Proteção contra Surtos (DPS). Zonas de Proteção contra
Raios, Características e Aplicações do DPS do Tipo I; Revista O Setor Elétrico, Ano 7, Edição 61,
Outubro 2012
[5] Santos, S.R.S, Araújo, A.- Proteção contra Surtos em Equipamentos de Tecnologia da
Informação (ETIs); Revista O Setor Elétrico, Ano 6, Edição 62, Março 2011.

Sergio Roberto Santos é engenheiro eletricista especializado na proteção contra sobretensões


transitórias.

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