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Sumário
Introdução
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“As reflexões levadas a cabo até agora demonstram que regras e princípios são razões
de naturezas distintas. Princípios são sempre razões prima facie e regras são, se não houver
o estabelecimento de alguma exceção, razões definitivas” (ALEXY, 2008, p. 106).
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“A maneira de avaliar nossos valores e a maneira de decidir o que ‘é bom para nós’
e o que ‘há de melhor’ caso a caso, tudo isso se altera de um dia para o outro. Tão logo
passássemos a considerar o princípio da igualdade jurídica meramente como um bem
entre outros, os direitos individuais poderiam ser sacrificados caso a caso em favor de fins
coletivos” (HABERMAS, 2004, p. 368).
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O ponto é assim tratado por Benvindo (2010, p. 308, tradução nossa): “Depois de
tudo, normas jurídicas não podem depender de ‘maior ou menor’ observância de seu con-
teúdo, dado que possuem um ‘código de obrigação binário característico das expectativas
normativas de comportamento’ que corresponderá à obediência ou não do sujeito ao direito,
e não a um dever gradual como se cada contexto pudesse dar origem a uma obrigação ape-
nas relativa de observância da prescrição jurídica. Se subvertemos esse caráter normativo
das normas jurídicas, então o direito perde seu caráter imperativo e sua prioridade sobre
pontos de vista axiológicos. Não serão os valores e interesses sociais que serão traduzidos
no, e determinados pelo sistema de direitos, mas ao contrário, será o sistema de direitos
que será traduzido nos, e determinado pelos valores e interesses sociais. Na medida em
que essa tradução ou determinação reduz a prioridade do sistema de direitos sobre pontos
de vista axiológicos e, de qualquer forma, não pode ser justificado a não ser por padrões
costumeiros, um sério problema de racionalidade aparece” (tradução livre do seguinte
excerto: “After all, legal norms cannot rely on ‘more or less’ observance of their contents,
given that they have a ‘binarily coded obligation character of behavioral expectations’ that
will correspond to one’s compliance or not with the law, and not a gradual duty as though
each context could originate a relative obligation to the legal prescription. If we subvert this
normative character of legal norms, than law loses its enforceable character and its priority
over axiological points of view. It is not the values and social interests that are then translated
into, and shaped by, the system of rights, but rather it is the system of rights that is translated
“Como fatos e normas são confundidos uns com os outros por meio
da ponderação – afinal, pelo pensamento integrativo de Alexy, não há
necessidade prática de distinção entre fundamentação e justificação de
normas – o juiz, em última instância, pode apoiar-se apenas em sua pró-
into, and shaped by, the values and social interests. Inasmuch as this translation or shaping
undermines the priority of the system of rights over axiological viewpoints and, anyhow,
cannot be justified but by customary standards, a serious problem of rationality arises”).
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“A apropriação da persecução de interesses sociais, de processos de formação da
vontade política e dos discursos morais por parte da mais alta corte é alcançada mediante
uma profunda transformação do conceito de Constituição: esta deixa de ser compreendida
– tal qual nos tempos da fundamentação racional-jusnaturalista da democracia – como
documento da institucionalização de garantias fundamentais das esferas de liberdade nos
processos políticos e sociais, tornando-se um texto fundamental a partir do qual, a exemplo
da Bíblia e do Corão, os sábios deduziriam diretamente todos os valores e comportamentos
corretos. O TFC, em muitos de seus votos de maioria, pratica uma ‘teologia constitucional’”
(MAUS, 2000, p. 192).
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Tradução livre do seguinte excerto: “For facts and norms are confounded with each
other by way of balancing – after all, with Alexy’s integrative thinking, there is practically
no need for a distinction between justification and application of norms – the judge can
ultimately rely solely on her own capacity to integrate the diferente practical reasons by
establishing preference relations among them. Fundamentally, the firewall between law-
making and decision-making that Günther, Dworkin and Habermas so fiercely attempted
to preserve in their theories for the problem of indeterminacy of law in post-conventional
societies becomes a mere abstract reference”.
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Tradução livre do seguinte excerto: “With this definition based on norm structure
and requiring a weighing of values in situations, Alexy does indeed avoid the reproach of
speaking in favor of a ‘tiranny of values’. With it, however, he rules out the possibility of
being able to criticize values themselves in the light of principles or in discursive procedures.
According to his model, everything that appears as ‘value’ in a specific instance would have
to be put through a weighing procedure without it being possible to question this value itself.
This leads one to conclude that, in weighing, the criteria for judging the degree of impor-
tance of conflicting values follow from the existing order of priority in each case. What that
means can be made clear by Alexy’s proposal to give up the distinction between principles
and policies, which was introduced by Dworkin. This does indeed correctly characterize
the de facto state of adjudication in constitutional courts, but its characteristic confounding
of principles and the administrative or economic systems’ functional imperatives is also
taken over at the same time. For a procedural theory of justification and application, on
the other hand, values as collective need interpretations would have to remain criticizable.
However, this can only be achieved if particular types of adjudication and application are
not already predetermined by a particular norm structure”.
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“Para tanto, é fundamental que o decisor saiba que a própria composição estrutural
do ordenamento jurídico é mais complexa que a de um mero conjunto hierarquizado de
regras, em que acreditava o positivismo jurídico: ordenamento de regras, ou seja, de normas
aplicáveis à maneira do tudo ou nada, porque capazes de regular as suas próprias condições
de aplicação na medida em que portadoras daquela estrutura descrita por Kelsen como
a estrutura mesma da norma jurídica: ‘Se é A, deve ser B.’ Ora, os princípios são também
normas jurídicas, muito embora não apresentem essa estrutura. Operam ativamente no
ordenamento ao condicionarem a leitura das regras, suas contextualizações e inter-relações,
e ao possibilitarem a integração construtiva da decisão adequada de um hard case. Os
princípios, ao contrário das regras, como demonstra Dworkin, podem ser contrários sem
ser contraditórios, sem se eliminarem reciprocamente. E, assim, subsistem no ordenamento
princípios contrários que estão sempre em concorrência entre si para reger uma determinada
situação” (CARVALHO NETTO, 2004, p. 38-39).
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Não se pretende, aqui, relativizar a força das regras. Veremos adiante que Dworkin
(1985, p. 16), reconhece que a existência de uma disposição normativa clara sobre determi-
nado caso será uma razão bastante forte para decidir na linha do que aquela regra estatui.
No entanto, o autor adverte que casos difíceis podem não ser adequadamente resolvidos
com uma aplicação que bastaria para aquilo que chama de “casos fáceis”.
Por isso, será necessário um discurso (ar- “Contudo, ainda que uma norma passe por
gumentação) que trate da aplicabilidade das esse crivo, isso não mais significa que ela
deva ser aplicada a todos os casos em que
normas abstratas às situações concretas, cuja
aparentemente poderia se aplicar segundo
necessidade avulta em caso de colisões exter- a alegação dos próprios envolvidos. Ao
nas entre normas válidas. Para Günther (1995, contrário, como veremos, a legitimidade ou
p. 283), essa argumentação deve primar pela a constitucionalidade de uma norma não
significa, por si só, que pretensões abusivas
imparcialidade, o que será garantido quando,
não possam ser levantadas em relação à sua
no ato de aplicação, o intérprete levar em con- aplicação aos casos concretos.
sideração todos os aspectos da situação concreta
[...]
a ser decidida (complete description of the situa-
É que, na modernidade, a edição de normas
tion). Dessa forma, o aplicador complementará
gerais, hoje sabemos bem, não elimina o pro-
a descrição genérica da situação prevista na blema do Direito, tal como ansiado nos dois
norma com os aspectos concretos do momento paradigmas anteriores e neles vivencialmente
de aplicação. Nesse ato, poderá ser demonstrada negado, mas, pelo contrário, o inaugura. O
a aplicação da regra adequada e coerente para problema do Direito moderno, agora clara-
mente visível graças à vivência acumulada, é
regulamentar a situação. exatamente o enfrentamento consistente do
Essa atividade é necessária porque uma desafio de se aplicar adequadamente normas
norma aplicável está inserida num ordenamen- gerais e abstratas a situações de vida sempre
to complexo, de princípios equiprimordiais individualizadas e concretas, à denominada
situação de aplicação, sempre única e irrepe-
e necessários. Essa norma é um “argumento”
tível, por definição.
em favor de determinada decisão, que deve
[...]
ser avaliada na mesma medida em que argu-
mentos em sentido contrário também o são É apenas no campo dos discursos de aplica-
ção, ao se levar a sério as pretensões a direito
(GÜNTHER, 1993, p. 236). Por isso, as normas nele levantadas, mediante o escrutínio das
válidas – independentemente de se tratarem de especificidades daquele caso concreto, que
regras ou princípios – são chamadas pelo autor essas pretensões poderão ser qualificadas
germânico de razões prima facie, aplicáveis (mas como legítimas ou abusivas, inclusive aquelas
calcadas em previsões legais literais.”
não necessariamente aplicadas), que induzem
o processo decisório para determinada direção,
mas que não se constituem nas razões defini- Obviamente, é bom que não se relativize
em excesso a força normativa de uma regra
is, its relation to other valid norms in a situation. That is clara que trate da situação analisada. Dworkin
why the coherence of valid norms belonging to a form of (1985, p. 16) diz que a existência de uma regra
life cannot be determined independently of the concrete
situation”. clara que defina sua aplicação servirá, na maior
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Tradução livre do seguinte excerto: “The rule book is relevant to that ultimate ques-
tion. In a democracy, people have at least a strong prima facie moral right that courts enforce
the rights that a representative legislature has enacted. That is why some cases are easy cases
on the rights model as well as on the rule-book model. If it is clear what the legislature has
granted them, then it i salso clear what they have a moral right to receive in court. (...) But
though the rights model concedes that the rule book is in this way a source of moral rights
in court, it denies that the rule book is the exclusive source of such rights. If, therefore, some
case arises as to which the rule book is silente, or if the words in the rule book are subject
to competing interpretations, then it is right to ask which of the two possible decisions in
the case best fits the background moral rights of the parties” (DWORKIN, 1985, p. 16).
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A tradução optou por usar a expressão direitos fundamentais em vez da tradução
direitos morais para retratar o termo inglês moral rights usado por Dworkin (1985). Isso
porque o sentido que o autor emprega na obra é de evidente juridicidade desses direitos,
o que poderia ser equivocadamente apreendido pelo uso de direitos morais. Não se nega,
contudo, que Dworkin (1985) usa a expressão moral rights para expressar direitos que
existiram até mesmo antes de reconhecimento normativo pelo Estado, conforme expres-
samente anotado no texto (DWORKIN, 1985, p. 11-12), o que se afasta do uso tradicional
da expressão direitos fundamentais no direito brasileiro. No entanto, entendendo funda-
mental compreender a inserção dos moral rights no âmbito jurídico, a escolha feita para a
tradução, crê-se, é justificada.
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