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A Filosofia , o Filosofar e a Filosofia da Educação

Prof. Renato Nunes1

A sociedade moderna, salvo alguns redutos muito específicos – as academias,


marginalizou a Filosofia e o filosofar. As situações do cotidiano, da vida, os problemas,
a educação, a economia, a política... não têm recorrido à Filosofia para seu diagnóstico.
O que se percebe, pelo contrário, é uma incessante luta para desqualificá-la 2. A
sociedade pragmática, consumista e tecnocrata criou a escola tecnicista e autoritária que
baniu a filosofia dos currículos, expurgando-a das escolas. A ordem, hoje, é produzir
uma massa passiva, homens sem consciência, mão-de-obra dócil à implantação e
solidificação de um modo de produção mais preocupado com o capital do que com o
próprio ser humano.

Karl Jaspers, filósofo contemporâneo (1965), assim caracterizou os tempos


atuais a respeito da anti-filosofia:

“Um instinto vital, ignorado de si mesmo, odeia a filosofia. Ela é


perigosa. Se eu a compreendesse, teria de alterar minha vida.
Adquiriria outro estado de espírito, veria as coisas à uma
claridade insólita, teria de rever meus juízos. Melhor é não
pensar filosoficamente. Muitos políticos vêem facilitado seu
nefasto trabalho pela ausência da filosofia. Massas e funcionários
são mais fáceis de manipular quando não pensam, mas tão
somente usam de uma consciência de rebanho. É preciso que os
homens não se tornem sensatos. Mais vale, portanto, que a
filosofia seja vista como algo entediante. Oxalá dasaparecessem
as cátedras de filosofia. Quanto mais vaidades se ensine, menos
os homens estarão arriscados a se tocarem pela luz da filosofia.
Assim, a filosofia se vê rodeada de inimigos, a maioria dos quais
não tem consciência desta condição. A autocomplascência
burguesa, os convencionalismos, o hábito de considerar o bem
estar material como razão suficiente da vida, o hábito de só
apreciar a ciência em função de sua utilidade técnica, o ilimitado
desejo de poder, a bonomia dos políticos, o fanatismo das
ideologias, a aspiração a um nome literário... tudo isso proclama
a anti-filosofia”.3

O interesse em promover o gosto pela filosofia, a partir desta constatação de


Jaspers, é praticamente nulo. Para reverter este quadro é necessário mais do que
simplesmente rever os juízos sobre os quais a consciência é postulada, é necessário
rever as relações de poder, as imposições da mentalidade autoritária da classe
dominante, e, mais do que isso, bem preparar os acadêmicos dos cursos universitários.
No caso específico da disciplina de Filosofia da Educação, acreditamos que ela tem uma
contribuição significativa neste processo, pois faz-se presente em todos os Cursos de
Licenciatura das Universidades.

1
- Professor do Departamento de Ciências Humanas da UNISC. Mestre em Filosofia.
2
- Destaca-se, contudo, a tímida iniciativa na Lei de Diretrizes e bases da Educação nacional (LDB
9394/96), que indica seu retorno aos currículos do Ensino Médio, desde que os estabelecimentos de
ensino disponham de pessoal qualificado para ministrá-la. Esta lei não garante seu retorno, apenas o
faculta.
3
- JASPERS, Karl. Introdução ao pensamento filosófico. São Paulo: Cultrix, 1971. p. 138.
De fato os homens não estão habituados a pensar, a refletir filosoficamente. Mas
o que significa reflexão? A palavra é oriunda do verbo latino “reflectere”, que significa
voltar atrás. É, pois, um re-pensar, ou ainda, um pensamento consciente de si mesmo,
capaz de avaliar, de verificar, de analisar. Refletir é o ato de retomar, reconsiderar os
dados disponíveis, revisar, vasculhar numa busca constante de significado. É examinar
devidamente, prestar atenção, analisar com cuidado. Neste sentido, toda reflexão é
pensamento, mas nem todo pensamento é reflexão.

Para que uma reflexão seja, de fato, filosófica, deve ser radical, rigorosa e de
conjunto.4 Radical porque a situação a ser investigada deve ser posta em termos
radicais, ou seja, investigada desde suas raízes, desde seus fundamentos. Deve ser uma
reflexão feita em profundidade. Rigorosa, porque não pode ser uma reflexão feita de
qualquer jeito, dispersa, fragmentada, ametódica. Para ser filosófica tal reflexão deve
ser desenvolvida seguindo um rigor determinado, colocando-se em questão as
conclusões da sabedoria popular e as generalizações apresentadas pela ciência. E deve
também ser de conjunto, ou seja, no sentido de que não pode ser parcial, tendenciosa,
mas sim relacionada com os demais aspectos do contexto em que está inserida. Estes
aspectos (radicalidade, rigorosidade e de conjunto) não podem ser concebidos de forma
estanque ou separada, e sim compreendidos como uma permanente interação social.

Para o professor Antoniazzi5

“A função crítica da filosofia não é a pretensão. Pelo contrário, ela é


antes de tudo reconhecimento de sua pobreza, de sua negatividade,
de sua dependência, de sua situação à margem (e não ao centro) da
cidade ou da cultura. A filosofia não pretende trazer novos
conhecimentos, novo saber, não acrescenta algo às ciências, nem à
arte ou à religião”.

Entende-se, por esta passagem, que a filosofia deve ser um conjunto de


conhecimentos que tem por função primeira re-pensar, discutir e analisar a arte, a
política, a religião, as ciências,... Ela deve compreender no conceito seu tempo e a
sociedade em que vive. Mas para tanto ela deve pressupor, de algum modo, uma crise
da sociedade, uma cisão interna, uma divisão, uma insatisfação com o imediato, com o
óbvio. A filosofia se constitui no movimento que se recusa a aceitar a realidade imediata
para transformá-la numa realidade pensada, compreendida no conceito.6

Definir a tarefa da filosofia simplesmente como “pensar o seu tempo”, pode


induzir ao equívoco de pôr a etiqueta famosa da filosofia sobre qualquer reflexão acerca
de objetos e fenômenos da época. Não podemos, como bem nos alertou o jovem Marx 7
em 1842, transformar a filosofia em “reportagem jornalística”. Mas para que isso não
ocorra devemos oferecer as condições para que alunos e professores investiguem de
fato, obedecendo o método próprio da filosofia. E para isso, é mister incentivá-los à
pesquisa, ao ensino e à extensão, conforme suas peculiaridades. E esta é também uma

4
- SAVIANI, Dermeval. Educação: do senso comum à consciência filosófica. 10. ed. São Paulo:
Cortez, 1991.
5
- ANTONIAZZI, Alberto. Para que serve a filosofia no ensino superior? Veredas, São Paulo,
1983/1984. p. 08.
6
- Sobre esta caracterização convém analisar o texto do professor Henrique C. de Lima Vaz: Filosofia no
Brasil hoje. Em Cadernos SEAF, nº. 1, agosto de 1978, p. 7-16.
7
- Para outras informações a este propósito, cf. Rüdiger BUBNER. Ermeneutica e critica
dell’ideologia. Brescia:Quiriniana, 1979. p. 216.
das pretensões deste projeto: criar as condições necessárias para que professores e
alunos de filosofia da educação possam melhor desenvolver suas tarefas.

Já para o professor Pegoraro8

“na prática, há três modos de se fazer filosofia: primeiro, a


filosofia como aprendizagem dos grandes sistemas, que são
transmitidos fielmente pelos mestres e prontamente
repetidos pelos discipulos; segundo, a filosofia como busca
e contemplação de metas transcendentes, aqui, ela será
apenas um puro exercício da mente, auxiliado pelos textos
dos grandes mestres; e terceiro, a filosofia encarada como
busca de sentido ou análise da experiência humana vivida
no processo histórico”.

Percebemos, a partir desta análise de Pegoraro, que o primeiro modo de filosofar


é o apresentado pelos compêndios de História da Filosofia e pelos tratados filosóficos,
que procuram transmitir didaticamente as principais teses de um sistema; o segundo é o
da crítica das posturas clássicas, apresentada pelos pensadores mais lúcidos de uma
determinada época, falta-lhes, contudo, a elaboração de novos conceitos à luz do
fervilhar cultural do presente; e o terceiro é o da apresentação das inúmeras dimensões a
que o ser humano é solicitado a enfrentar em seu cotidiano. O que importa, entretanto, é
que independente do modo de se fazer filosofia, a cada instante somos solicitados e
desafiados por novos problemas e situações. A filosofia visa descobrir, nestes problemas
e situações, uma finalidade: a realização humana pessoal e social no tempo. Esta deve
ser a busca concreta do filósofo. Ao mesmo tempo, cabe-lhe a tarefa da denúncia dos
entraves ideológicos, políticos, e culturais que desviam as pessoas do movimento da
justiça, da liberdade e da sociabilidade humanas. O modo de fazer filosofia nunca pode
se dar por completo, nunca pode dogmatizar-se, isso porque ele é histórico e deve
acompanhar o movimento e a emergência de novas situações culturais e históricas. Esta
forma de filosofar não é trabalho para um mestre solitário, mas exige a participação de
muitos estudiosos, atentos ao caminhar das ciências e da experiência sócio-cultural da
comunidade. É por isso que a pesquisa e a biblioteca se constituem em um momento
privilegiado do filosofar.

Heidegger9 ao referir-se à filosofia, por sua vez, assim se expressa:

“os pensadores gregos, Platão e Aristóteles, chamaram a


atenção para o fato de que a filosofia, e o filosofar, fazem
parte de uma dimensão do homem, que designamos de
dis-posição. (...) Seria muito superficial, e, sobretudo uma
atitude mental pouco grega, se quiséssemos pensar que
Platão e Aristóteles apenas constatam que o espanto é a
causa do filosofar. Se esta fosse a opinião deles, então
diriam: um belo dia os homens se espantaram, a saber,
sobre o ente e o fato de ele ser e de que ele seja.
Impelidos por este espanto, começaram eles a filosofar”.
O que Heidegger está a dizer, nesta célebre passagem , é que o espanto, a origem
do filosofar, ao menos para os filósofos gregos, sempre está na base de todo processo
investigativo. É ele, o espanto, a admiração, que nos provocam à busca, à conquista, à
8
- PEGORARO, Olinto Antonio. Crise do ensino superior, ausência da Filosofia? Veredas, São Paulo,
1983/1984. p. 23.
9
- HEIDEGGER, M. O que é isto – a filosofia? São Paulo:Abril Cultural, 1973. p. 219. (Col.
Pensadores).
investigação. Sem estes elementos não existe filosofia. O aluno das disciplinas de
filosofia da educação deve ser incentivado a admirar-se (no sentido grego do termo), a
buscar, a conquistar. E, mais do que isto, a manter sempre viva esta admiração, pois
somente assim poderá, cada vez mais, alcançar metas novas. Mas para que isto se torne
verdade ele deve, desde já, sentir em seus professores esta mesma admiração, esta
mesma preocupação em desenvolver um pensamento filosófico sério e moderno. Ele
deve ter material (biblioteca) suficiente para “matar” sua curiosidade, sua admiração,
seu espanto diante das descobertas que o curso lhe proporciona.

O filosofar é uma tarefa pessoal porque para cada homem se constitui na forma
suprema de se relacionar, na sua consciência, consigo mesmo. Por ela, o homem busca
dar-se conta da totalidade de sua experiência pessoal, no espaço e no tempo, pois

“é a vida que suscita o perguntar filosófico. O homem deve


compreender a vida, mas existem muitas situações em que
não o consegue. Minha vida, entretanto, é minha e não
posso passar ao lado como se ela não me dissesse respeito...
O legítimo filosofar é a tentativa de responder
pessoalmente a um perguntar pessoal. Neste sentido, o
autêntico e legítimo filosofar precisa ser original per se:
trata-se de um assunto pessoal, um perguntar e responder
do próprio homem”.10

Na escola fenomenológica, o ponto de partida da filosofia é a vivência; já na


escola marxista, como já aludido, são as condições sociais que instigam o sujeito a sair
de seu comodismo, de sua situação dada de imanência, e buscar a transcendência, nem
que seja a transcendência imediata de sua atual situação de dominado. Em cada qual
destas escolas faz-se presente, cada uma a seu modo, a postura crítica do filosofar, como
queria Saviani, da consciência humana fundada na liberdade. Esta liberdade é a
condição de desimplicação dos comprometimentos ético-políticos que se manifestam na
vivência, também de força de inserção do homem em determinadas condições sociais.
Assim, não há ponto de partida para a reflexão filosófica que desconsidere liminarmente
as opções ético-políticas prévias em que se está. Não é possível para filosofia dissociar
primitivamente teoria e prática e pretender ser teoria e não prática. Sobre isso, Marx
expressou-se da seguinte forma:

“toda vida social é essencialmente prática. Todos os mistérios


que conduzem a teoria ao misticismo encontram sua solução
racional na prática humana e na compreensão desta prática.”11

Isto posto sobre a filosofia, convém analisarmos sua relação com a educação,
objeto deste projeto.

Cada povo tem um processo de educação pelo qual transmite a cultura, seja de
maneira informal ou por meio de instituições como a escola. No entanto, nem sempre o
homem reflete especificamente e de maneira rigorosa sobre o ato de educar. Muitas
vezes a educação é dada de maneira espontânea, a partir do senso comum, repetindo-se
costumes transmitidos de geração para geração.

10
- LUIJPEN, W. Introdução à fenomenologia existencial. São Paulo:EPU/EDUS, 1973. p. 17.
11
- MARX, Karl. Ad Feuerbach. Oeuvres. Paris:Gallimard, 1982. p. 1033. (oitava tese).
A teoria, contudo, é necessária para que se supere o espontaneísmo, permitindo
que a ação educacional se torne mais coerente e eficaz. Aliás, é bom lembrar que
segundo o conceito de práxis, a teoria não se separa da prática, que é o seu fundamento.
Isso significa que ela não se desliga da realidade, mas nasce do contexto social,
econômico e político em que vai atuar. Quanto mais rigorosa for, mais intencional será a
prática.

Se a filosofia é uma reflexão radical, rigorosa e de conjunto que se faz a partir


dos problemas propostos pelo nosso existir, é inevitável que entre esses problemas
estejam os que se referem à educação. Portanto, cabe ao filósofo acompanhar reflexiva e
criticamente a ação pedagógica, de modo a promover a passagem “de uma educação
assistemática ( guiada pelo senso comum) para uma educação sistematizada (alçada ao
nível da consciência filosófica)”.12

A partir da análise da contexto vivido, o filósofo indaga a respeito do homem


que se quer formar, quais os valores emergentes que se contrapõem a outros, já
decadentes, e quais os pressupostos do conhecimento subjacentes aos métodos e
procedimentos utilizados. Como se vê, destacamos aí os três aspectos: antropológico,
axiológico e epistemológico.

Cabe à filosofia, entre outras coisas, examinar a concepção de homem que


orienta a ação pedagógica, para que não se eduque a partir da noção abstrata de “criança
em si”, de “homem em si”. Da mesma forma, não há como definir objetivos
educacionais se não temos claros os valores que orientam nossa ação. O filósofo deve
avaliar os currículos, as técnicas e os métodos a fim de julgar se são adequados ou não
aos fins propostos sem cair no tecnicismo, risco inevitável sempre que os meios são
supervalorizados e se desconhecem as bases teóricas do agir.

Diante do avanço das ciências humanas, alguém talvez argumente que a


filosofia da educação terá seu campo bastante restringido. Embora sejam
importantíssimas as conquistas da psicologia e da sociologia, e delas muito tem se
aproveitado a pedagogia, a filosofia tem ainda tarefas bastantes específicas, que não
podem ser desprezadas.

Além das análises antropológicas e epistemológicas acima referidas, a filosofia


tem a função de interdisciplinaridade, pela qual estabelece a ligação entre as diversas
ciências e técnicas que auxiliam a pedagogia. Por exemplo, é a análise filosófica que
permite refletir a respeito do risco que representam os “ismos”, ou seja, a
preponderância de uma determinada ciência na análise dos fenômenos pedagógicos ( o
psicologismo, o sociologismo, o economicismo, etc.).

Tendo sempre presente o questionamento sobre o que é a educação, a filosofia


não permite que a pedagogia se torne dogmática nem que a educação se transforme em
adestramento ou qualquer outro tipo de pseudo-educação.

É necessário que a formação do pedagogo esteja voltada não só para o preparo


técnico-científico, mas também para a politização e a fundamentação filosófica de sua
atividade.

12
- SAVIANI, D. Educação: do senso comum à consciência filosófica. São Paulo:Cortez, 1980. p. 54.
Como reflexão filosófica, a filosofia da educação desenvolve sua tríplice tarefa:
fundamentalmente como reflexão antropológica, epistemológica e axiológica.

Sua tarefa é buscar o sentido mais profundo do próprio sujeito da educação, ou


seja, de construir a imagem do homem em sua situação de sujeito/educando. Como tal
torna-se uma antropologia filosófica, buscando integrar as contribuições das ciências
humanas.

Nessa tarefa, ela é, pois, reflexão eminentemente antropológica e, como tal,


torna-se alicerce das demais tarefas que lhe couberem. Só que não basta dizer que cabe
à filosofia da educação construir a imagem do homem que se propõe a educar. É que
essa formulação pode nos induzir à idéia, tradicional em nossa cultura filosófica, de se
desenhar uma essência do homem, seja a partir da metafísica clássica, seja a partir da
própria ciência positiva.

Conforme vimos, a tradição filosófica ocidental, tanto através de sua


perspectiva essencialista (metafísica) como de sua perspectiva positivista (ciência
positiva), acabou construindo, por um lado, uma imagem universal e abstrata da
natureza humana e, por outro, uma imagem do homem como simples prolongamento da
natureza biológica.

Nos dois casos, a filosofia da educação perde seu ponto de apoio, pois não fica
adequadamente sustentada a condição básica da existência humana, que é sua profunda
e radical historicidade. É que o sentido da existência do homem só pode ser apreendido
em suas mediações históricas e sociais concretas. A imagem que a filosofia deve
construir do homem só será consistente se baseada nestas condições reais da existência.

Assim, os sujeitos humanos envolvidos na esfera educacional, sujeitos que se


educam e que buscam educar, não podem ser reduzidos a modelos abstratamente
concebidos de uma natureza humana, modelo universal idealizado, nem a uma máquina
natural, prolongamento orgânico da natureza biológica. Deste modo, só uma
antropologia filosófica é capaz de apreender o homem existindo sobre mediações
histórico-sociais, sendo visto como um ser eminentemente histórico-social. Aqui se fará
concreta e efetiva a colaboração entre a filosofia da educação e as ciências humanas da
educação.

Mas, de um segundo ponto de vista, considerando que a educação é


fundamentalmente uma prática social, a filosofia da educação vai ainda contribuir para a
sua compreensão e efetivação, mediante uma reflexão voltada para os valores que a
sustentam e para os fins que a norteiam. A reflexão filosófica se faz, então, reflexão
axiológica, pesquisando a dimensão valorativa da consciência e a expressão do agir
humano relacionado com os valores.

Também quanto a este aspecto, a tradição filosófica ocidental, coerente com seus
pressupostos, tendeu a ver como fim último da educação a realização de uma perfeição
dos indivíduos como plena atualização de uma essência modelar, ou, ainda, entendeu
esta perfeição como plenitude de expansão e desenvolvimento de sua natureza
biológica.
Hoje, a filosofia da educação busca desenvolver sua reflexão levando em conta
os fundamentos antropológicos da existência humana tal como se manifestam em
mediações histórico-sociais, dimensão esta que qualifica e especifica a condição
humana.

A filosofia tem ainda uma terceira tarefa: a tarefa epistemológica. Cabe-lhe


instaurar uma discussão sobre questões que envolvam os processos de produção,
sistematização e transmissão do conhecimento presentes no processo específico da
educação.

Essa questão é importante para a filosofia da educação porque a educação


pressupõe também mediações subjetivas, isto é, ela pressupõe a intervenção da
subjetividade de todos aqueles que se encontram envolvidos por ela. Em cada um dos
momentos da atividade educativa está necessariamente presente uma inevitável dose de
subjetividade, que impregna todo o processo. A atividade da consciência é uma
mediação necessária às atividades da educação.

Nesse seu momento epistemológico, a filosofia da educação investe no


esclarecimento das relações entre a produção do conhecimento e o processo da
educação.

A construção de um sistema de saber no âmbito da educação, o estatuto


científico da própria educação, a natureza interdisciplinar do conhecimento
educacional, bem como o processo de ideologização presente na teoria e na prática da
educação,são, entre outros, os campos da indagação epistemológica da filosofia da
educação.

Tendo em vista o significado intrínseco da filosofia da educação, é possível


entender a exigência de sua presença no currículo dos cursos de preparação de
educadores e a necessidade de sua atuação permanente na prática do profissional da
educação. Sua presença nos currículos dos cursos de preparação de educadores não se
justifica por critérios de erudição ou academicismo. Ao contrário, trata-se de uma
exigência do próprio amadurecimento humano do educador.

A reflexão filosófica, desenvolvida no âmbito teórico da filosofia da educação,


deverá propiciar ao futuro profissional da àrea de educação as condições de explicação
do projeto educacional a ser desenvolvido por nossa sociedade na busca de seu destino e
de sua civilização.

Com efeito, cabe à filosofia da educação explicar e explorar o significado da


condição humana no mundo. Ela deve colocar para o educador a questão antropológica
a ser instaurada nas coordenadas histórico-sociais da existência concreta dos homens.

O profissional da educação não poderá entender sua tarefa e nem realizá-la,


dando sua contribuição histórica ao desenvolvimento do projeto de sua sociedade, se
não tiver por base uma visão da totalidade do humano.
À filosofia da educação cabe, então, colaborar para que essa visão seja
construída com coerência e “sistematicidade”, no decorrer do processo de sua formação
e sustentada durante o processo de sua atuação prática no social.
À luz do que dissemos, podemos concluir que é tríplice o objetivo da educação
do educador: ela deve dar formação científica, política e filosófica. E à Filosofia da
educação, como àrea de reflexão, cabe a tarefa pedagógica de responder pela sua
formação filosófica.

Por formação técnico-científica devemos entender o domínio dos conhecimentos


científicos relacionados com a realidade educacional. Domínio qualificado e competente
que permita ao educador ter uma visão objetiva dessa realidade, superando todas as
formas ingênuas e superficiais dos dados que constituem a educação em sua
fenomenalidade. Por isso, os cursos de preparação dos profissionais da educação, como
quaisquer outros cursos de formação profissional, não podem perder de vista essa
exigência dos procedimentos rigorosos da ciência na construção do conhecimento do
objeto educacional.

Esse embasamento científico servirá de lastro para o domínio das técnicas


instrumentais do trabalho a ser desenvolvido. A educação é uma prática de intervenção
social e, como tal, exige instrumentos, metodologias específicas, que possam torná-la
eficaz na consecução de seus objetivos. As técnicas atuam como mediações para fins
visados, devendo ser cientificamente fundadas, superadas as formas espontaneístas ou
intuicionistas de agir.

Além dessa qualificação técnico-científica, o educador precisa de uma formação


política, isto é, a apropriação e o desenvolvimento de uma consciência social e
sensibilidade às condições especificamente políticas, não só de sua atividade, mas de
todo o tecido social no qual desenvolverá sua ação pedagógica. Trata-se da
competência de compreender e de agir coerentemente com essa compreensão.
Educação só tem sentido no âmbito de um projeto político mais amplo.

Finalmente, ao educador impõe-se uma formação filosófica, ou seja, a


sensibilidade de que sua ação educacional depende ainda de sua inserção num projeto
antropológico. Com isso se quer dizer que a educação só ganha sentido pleno a partir
de uma visão de totalidade, que articula o destino das pessoas ao de toda a comunidade.

Em síntese, dadas as características específicas da educação, a preparação do


profissional dessa área deve garantir-lhe, com solidez e competência, um rigoroso
domínio dos conteúdos científicos e de habilidades técnicas, uma consistente percepção
das relações situacionais dos homens e uma abrangente sensibilidade às condições
antropológicas de sua existência

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