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TODOS OS AMANHÃS

ASCENÇÃO E QUEDA
TODOS OS AMANHÃS
Uma Crônica de Bilhões de Anos das Fortunas Mistas da Espécie Miriáde do Homem
Parte Um: Ascenção e Queda

Autor: C. M. Kosemen
Tradução: Mirano Flos
Esta obra não possui nenhuma intenção de quebrar direitos autorais de outros autores, mas divulgar sem fins fi-
nanceiros o produto para o público brasileiro.

Publicado em 2006 e traduzido em 2021


CAPÍTULO UM

PARA MARTE

Após milênios de preliminares terrestres, as conquistas da Humanidade em nível notável começaram


com sua unificação política e a colonização gradual de Marte. Embora a tecnologia para conquistar este
mundo já existisse há algum tempo, as disputas políticas, as mudanças de agendas e a pura inércia do
conforto fizeram esse passo ser mais distante do que o necessário.

Somente depois que os riscos começaram claramente a se apresentar, somente depois que o meio
ambiente da Terra começou a ceder sob a pressão de doze bilhões de almas industrializadas, a
Humanidade finalmente assumiu essa tarefa momentosa.

Ao longo das décadas, viajar para Marte e, mais tarde, estabelecer-se no planeta, foi visionado de forma
rápida e relativamente fácil. Provavelmente complexo, mas possível e administrável em curto prazo.
Porém, quando a hora finalmente chegou, percebeu-se que esse não era o caso.

A obra tinha que ser realizada passo-a-passo. O bombardeio atmosférico por micróbios geneticamente
modificados gerou uma atmosfera respirável em um ciclo que levou séculos. Mais tarde, alguns
fragmentos de cometas foram desviados de seus cursos para formar mares, oceanos; água. Quando a
espera finalmente terminou, remanescentes da flora e fauna da Terra foram introduzidos com adaptações
no planeta recém-modificado.

Quando tudo estava pronto, as pessoas vieram de seu mundo superlotado. Estavam dentro naves sem
volta; foguetes de fusão e planadores atmosféricos, lotados até as bordas com colonos, dormindo em
sonhos de um novo começo.

Os primeiros passos em Marte não foram dados por astronautas, mas por crianças descalças em enormes
campos de grama sintética.
Um módulo de pouso leva as primeiras pessoas ao éden da pré-terraformada Marte.
CAPÍTULO DOIS

OS MARCIANOS SEPARATISTAS

Por várias centenas de anos Marte permaneceu como um remanso; prosperando, porém ainda apagada
em comparação ao esplendor da Terra, que brilhava mais do que nunca. Graças à relocação das industrias
das quais mais exigiam do meio ambiente, a Terra poderia usurpar tudo, sem ter que danificar ainda mais
sua biosfera defasada.

Isso, porém, não iria durar. Como a gradual separação da colônia de uma metrópole, os governantes de
Marte adotaram uma nova identidade marciana. Eles se tornaram Marcianos Separatistas.

A diferença entre Terra e Marte não era apenas política. Algumas gerações em uma gravidade mais leve
teve como resultado para os Separatistas corpos finos e pequenos, formas que seriam surreais em sua
antiga casa. Isso, combinado com uma certa quantidade de engenharia genética, elevou o divórcio das
pátrias a um novo nível.

Por um tempo, o cisma silencioso entre os dois planetas foi mutualmente aceito, e o balanço de poder
oscilava em um equilíbrio delicado. Mas o impasse Terra-Marciano não durou, assim como não poderia
durar para sempre. Com recursos ilimitados e uma população energética, Marte foi obrigada a assumir a
liderança.
CAPÍTULO TRÊS

GUERRA CIVIL

Esperava-se que a superação marciana ocorresse de duas maneiras; por meio de ganhos econômicos a
um longo prazo ou por um doloroso, porém muito mais curto, conflito armado. Por quase duzentos anos,
o primeiro método pareceu surtir efeito, mas esse alongamento gradual acabou sendo consumado da
maneira mais destrutiva possível.

Praticamente, desde seu estabelecimento, a cultura Marciana foi impregnada por um pensamento
carregado de rebeldia contra a Terra. Músicas, filmes e publicações diárias reiteravam essas noções
continuamente, até que elas se tornaram concretas. A Terra era a velha e ossificada, prendendo a
Humanidade no passado, enquanto Marte era nova; dinâmica, ativa e inventiva. Marte era o futuro.

Essa ideologia finalmente atingiu seu semiparanóico ápice revolucionário. Aproximadamente mil anos
depois, as nações de Marte baniram todos os comércios não essenciais e as viagens com a Terra.

Para a Terra, foi uma sentença de morte. Sem os recursos e indústrias de Marte, o Auge Terrestre
rapidamente se tornaria uma sombra pálida de sua antiga glória. Como o comércio de bens essenciais
continuou, ninguém morreria de fome. Mas para cada cidadão da Terra, o boicote marciano significou a
perda de até três quartos de suas rendas anuais.

A terra não teve escolha a não ser recuperar os seus antigos privilégios, mesmo que fosse necessário
utilizar a força. Séculos depois de sua unificação política, a Terra se preparou para a guerra.

A maioria dos pensadores (e fantasistas) de tempos anteriores imaginava uma guerra interplanetária
como um espetáculo glorioso e acelerado, com espaçonaves massivas, guerreiros solitários e heróis
de último-minuto. Nenhuma fantasia poderia estar mais distante da realidade. A guerra entre planetas
era resumida a lentas, enervantes séries de decisões precisamente cronometradas, resultando em
destruições de escalas bíblicas.

Na maior parte do tempo os combatentes nunca se viam. Na maior parte do tempo os combatentes nem
se encontravam na mesma área. A guerra tornou-se um duelo de máquinas complicadas e autônomas,
programadas para maximizar os danos ao outro lado, sempre em busca do maior tempo de sobrevida.

Tal conflito trouxe uma destruição horrenda para ambos os lados. Fobos, uma das luas de Marte, foi
estraçalhada, e caiu em direção do planeta como granizo de meteoritos. A Terra recebeu um impacto
polar que matou um terço de sua população.

Mal escapando da extinção, os povos da Terra e Marte fizeram as pazes e reforjaram um sistema solar
unido. Custou-lhes mais de oito bilhões de almas.
C A P Í T U L O Q U AT R O

O POVO ESTELAR

Os sobreviventes concordaram que grandes mudanças eram necessárias para garantir que tal guerra
como esta nunca ocorresse novamente. Essas reformas foram tão abrangentes que acarretaram não só
mudanças políticas e econômicas, mas mudanças biológicas também.

Uma das maiores diferenças entre as pessoas dos dois planetas era que, com o tempo, elas quase se
tornaram espécies diferentes. Acreditava-se que o sistema solar nunca poderia ser completamente
unificado até que essa discrepância fosse superada.

A resposta foi uma nova subespécie humana, igualmente e melhor adaptada não somente à Terra e a
Marte, mas também às condições da maioria dos ambientes recentemente terraformados. Além disso,
esses seres foram concebidos com cérebros maiores e talentos elevados, tornando-os mais grandiosos
que a soma de seus predecessores.

Normalmente, seria difícil convencer qualquer população a fazer uma escolha entre a esterilização
obrigatória ou a criação de uma nova raça de seres superiores. No entanto, as memórias da guerra
ainda estavam dolorosamente frescas, e foi mais fácil implementar esses procedimentos radicais após
a carnificina. Qualquer resistência ao nascimento da nova espécie não se estendeu além de queixas
escassas e ataques triviais.

Em apenas algumas gerações, a nova raça começou a provar seu valor. Organizados com um único estado
e auxiliados pelos desenvolvimentos tecnológicos da guerra, eles rapidamente terraformaram Vênus, os
Asteroides e as luas de Júpiter e Saturno.

Logo, no entanto, até mesmo o domínio do Sol se tornou pequeno. As novas pessoas que herdaram o
sistema Solar queriam ir mais além, a novos mundos em estrelas distantes. Eles estavam prestes a se
tornar o Povo Estelar.
CAPÍTULO CINCO

COLONIZAÇÃO E O ÉDIPO MECÂNICO

Mesmo para o Povo Estelar, a viagem interplanetária era uma tarefa momentosa. As primeiras mentes se
debruçavam intensamente na busca de respostas para questões que somente a viagem mais rápida que a
luz e hiperespaço pareciam ser a solução.

Basicamente, era impossível até mesmo levar um grande número de pessoas com suprimentos
suficientes para a estrela mais próxima, tornando colonização viável. As tecnologias existentes só podiam
alcançar meras porcentagens da velocidade da luz, tornando a jornada um caso que se estenderia por
longas épocas. Enormes “naves geracionais” foram concebidas e até construídas, mas sucumbiram às
dificuldades técnicas ou à anarquia após alguns ciclos.

A solução era chegar no destino primeiro e, em seguida, fazer os colonos. Para esse fim, rápidas e
pequenas naves automatizadas foram enviadas às estrelas. A bordo estavam máquinas semi-sencientes
programadas para replicar e terraformar o planeta e, em seguida, construir os habitantes a partir dos
materiais genéticos armazenados a na nave.

Um problema bizarro atormentou essas tentativas. A primeira geração de humanos a ser fabricada
ocasionalmente desenvolveu uma estranha afeição pelas máquinas que os fizeram. Eles rejeitaram sua
própria espécie e morreram após a massiva crise de identidade que os seguiram. Este complexo de Édipo
tecnológico não era incomum; quase metade de todas as tentativas de fundar colônias foram perdidas por
meio dele.

Mesmo assim, no entanto, a metade restante foi suficiente para preencher o braço espiral da galáxia
próprio da Humanidade.
CAPÍTULO SEIS

O VERÃO DO HOMEM

Logo depois após a colonização da galáxia pela Humanidade veio a sua primeira era do ouro real.
Moldados por profetas mecânicos, os sobreviventes das pragas edipianas edificaram civilizações que se
igualaram e até superaram seus ancestrais solares.

Essa difusão pelos sistemas solares não significou a perda de unidade. Pelos céus, fluxos constantes de
comunicação eletromagnética ligavam os mundos da Humanidade com tal eficiência que não havia
colônia que não soubesse dos acontecimentos de seus distantes irmãos. O fluxo livre de informações
significava, sobre outras coisas; um ritmo amplamente acelerado de crescimento tecnológico. O que
não podia ser descoberto em um mundo era auxiliado por outro, e qualquer novo desenvolvimento
tecnológico era rapidamente compartilhado com todos em um reino que se estendia por séculos de luz.

Não surpreendentemente, os padrões de vida aumentaram para níveis antes inimagináveis. Embora isso
não significava exatamente uma utopia galáctica, era seguro dizer que os membros da galáxia colonizada
dedicavam vidas nas quais o trabalho; tantos servil quanto mental, era puramente compulsório. Graças à
riqueza dos céus e ao trabalho das máquinas, cada humano teve acesso a uma fortuna material e cultural
maior do que a de algumas nações dos dias de hoje.

Durante todo esse desenvolvimento, um fenômeno curioso foi observado. Embora a vida alienígena fosse
abundante nas estrelas, ninguém havia encontrado qualquer sinal de verdadeira inteligência. Alguns
atribuíram isso a uma raridade geral, enquanto outros atribuíram à influência divina; ressuscitando a
religião.

Independentemente da teorização, uma questão ficou absolutamente e verdadeiramente sem resposta. O


que realmente aconteceria se a Humanidade encontrasse seus iguais ou superiores no espaço?
Dois membros do Povo Estelar assistem a um filme holográfico enquanto relaxam sob os restos
da flora indígena de seu mundo colonizado. Para eles, a vida é uma felicidade contínua.
CAPÍTULO SETE

UM AVISO PRÉVIO

Naquela época, uma pequena descoberta de imensas implicações alertou a Humanidade que ela poderia
não estar sozinha.

Em um mundo recém-colonizado, os engenheiros encontraram os restos mortais de uma criatura


intrigante, considerada assim porque tinha todas as marcas de um animal da Terra em um planeta
alienígena. Com o nome justificável de Panderavis pandora, o fóssil colossal pertencia a um animal
parecida com um pássaro de enormes garras. Pesquisas posteriores determinaram que ele era um
terizinossauro altamente derivado, pertencente uma linhagem de dinossauros herbívoros que morreram
há bilhões de anos na Terra.

Para alguns, era uma prova irrefutável da criação divina. O ressurgimento da religião, primeiramente
alimentado pela aparente solidão da Humanidade nos céus, intensificou-se ainda mais.

Outros interpretaram de forma diferente. Panderavis havia mostrado aos humanos que entidades;
poderosas suficientes para visitar a Terra, capturar animais e adaptá-los a um mundo estranho, estavam
à solta na galáxia. Considerando o tempo abismal do próprio fóssil, os seres misteriosos eram milênios
mais velhos que a humanidade quando capazes de realizar tal atos.

O aviso foi claro. Não havia como dizer o que aconteceria se a Humanidade, de repente, se deparasse com
esta civilização. Um contato benevolente era obviamente preferido e até esperado, mas valia a pena estar
preparado.

Silenciosamente, a Humanidade mais uma vez começou a construir e armazenar armas, agora de
potência interplanetária. Havia ferramentas terríveis, capazes de tornar estrelas em supernovas e
destruir sistemas solares inteiros. Infelizmente, até mesmo esses preparativos se mostrariam ineficazes
com o tempo.
Uma reconstrução de Panderavis mostra sua garra em formato de ancinho, com as quais ela
cavava sulcos no solo para encontrar seu alimento. Animais locais oportunistas caminhavam ao
lado de Panderavis, procurando por pedaços que sobraram de seu banquete.
C A P Í T U LO O I TO

QU

O primeiro contato estava prestes a acontecer. A galáxia, quanto mais o Universo, era simplesmente
grande demais para apenas uma espécie singular desenvolver inteligência. Qualquer atraso no contato
significava apenas um aumento do eventual choque cultural. No caso dos descendentes da Terra, esse
“choque cultural” significou a completa extinção da Humanidade como era conhecida.

Com quase um bilhão de anos, a espécie alienígena conhecidas como Qu eram nômades galácticos,
viajando em migrações de um braço espiral para outro a cada determinada época. Durante suas viagens,
eles constantemente se modificaram e aprimoraram até se tornarem mestres da manipulação genética
e nanotecnologia. Com essa habilidade de controlar o mundo material, eles assumiram uma missão
religiosa auto-imposta de “reconstruir o universo como bem desejassem”. Poderosos como deuses, os Qu
se viam como os arautos divinos do futuro.

Este dogma estava enraizado no que tinha sido uma tentativa benevolente de proteger a própria raça do
seu poder. No entanto, a obediência cega e inquestionável dos Qu os fizeram monstros.

Para eles, a Humanidade, com todas as suas glórias relativas, nada mais era do que objetos transmutáveis.
Em menos de mil anos, todos os mundos humanos foram destruídos, despovoados ou ainda pior;
transformados. Apesar do rearmamento fervoroso, as colônias não conseguiram nada contra seus
inimigos de bilhões de anos, exceto por alguns lampejos de resistência efêmera.

A humanidade, antes governante das estrelas, agora estava extinta. No entanto, os humanos não.
Qu triunfante sob a queda do Homem. À sua esquerda flutua um drone nanotecnológico, à
direita, uma criatura rastreadora geneticamente modificada.
CAPÍTULO NOVE

HUMANIDADE EXTINTA

Os mundos da humanidade, jardins de paraísos terraformados, pareciam estranhamente vazios para


os Qu. Geralmente não havia matéria-prima disponível além das pessoas, suas cidades e alguns nichos
básicos da ecologia, povoados por animais e plantas geneticamente modificados da Terra. Isso ocorreu
porque, em primeiro lugar, os humanos destruíram as ecologias alienígenas originais.

Ofendido por outra raça que tentava refazer o universo, o Qu se propôs a punir esses “infiéis” usando-os
como materiais de construção de sua visão. Embora isso tenha levado à extinção completa da senciência
humana, também salvou a espécie através da preservação de sua herança genética em uma miríade de
novas e estranhas formas.

Povoado por humanos ersatz, agora em todos os aspectos - de animais selvagens a animais de estimação
a ferramentas geneticamente modificadas - os Qu reinaram supremo por quarenta milhões de anos nos
mundos de nossa galáxia. Eles ergueram monumentos com quilômetros de altura e mudaram a superfície
de planetas inteiros, aparentemente por puro capricho.

Um dia, eles partiram como tinham vindo. Pois a missão deles era sem fim e eles não iriam, não
poderiam parar até que tivessem varrido todo o cosmos.

Atrás deles, os Qu deixaram milhares mundos, cada um cheio de criaturas bizarras e ecologias que um dia
foram homens. A maioria deles pereceram logo depois que seus cuidadores saíram, outros duraram um
pouco mais para depois sucumbir a instabilidades de longo prazo. Em alguns poucos mundos preciosos,
descendentes das pessoas realmente conseguiram sobreviver.

Neles estava o destino das espécies, agora divididas e diferenciadas além do reconhecimento.
Uma pirâmide Qu de 160 metros de altura eleva-se sobre o mundo silencioso que outrora
abrigou quatro bilhões de almas. Essas estruturas são a marca registrada de Qu e podem ser
vistas em todos os mundos habitáveis pelos quais passaram.

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