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Depressão infanto-juvenil

Os transtornos afetivos ou transtornos do humor se constituem cada vez mais em fonte de


significativa de preocupação para a sociedade como um todo. Descrições médicas de
transtornos de humor na literatura são encontradas na literatura desde 5000 anos atrás e
vêm sendo mais bem compreendidos ao longo do tempo, graças à maior experiência clínica,
estudos de genética, neuroimagem e neuropsicologia, entre outros, fazendo com que a
depressão se firmasse como entidade clínica e diagnóstico médico incontestável.
Entretanto, muito há que ser compreendido sobre a etiopatogenia da depressão, uma vez
que ela é uma doença essencialmente humana, não havendo ainda, meios plenos dela ser
compreendida fora do contexto humano (Bueno R, 2006).

É sabido que diagnosticar depressão nem sempre é uma tarefa fácil. Muito menos quando
se trata de diagnosticar depressão em crianças e adolescentes. Vive-se hoje uma era
globalizada, com uma pletora de meios de informação, onde o indivíduo tem muito mais
acesso as informações sobre as distintas patologias médicas, se informando mais e melhor
sobre os seus sintomas. Com isso, não raro, muitos pacientes ou mesmo os pais já chegam
autodiagnosticados ou com o diagnóstico “pronto” do filho aos consultórios, sejam
universitários ou privados. Muitos, inclusive, chegam munidos de questionários de auto-
avaliação já preenchidos, que imprimem na internet ou através de revistas.

A depressão é vista como uma doença crônica na qual o indivíduo pode apresentar diversos
sintomas depressivos e em diferentes graus de intensidade. Muitas vezes se inicia na
infância ou adolescência, com curso prolongado, podendo eventualmente persistir por toda
a vida. É sabido que a maioria dos pacientes deprimidos relata o início dos sintomas
depressivos desde a infância. Por se tratar de uma patologia grave e reconhecidamente
cíclica, sabe-se hoje que a depressão de início precoce necessita de cuidados o quanto antes,
para que se evitem prejuízos no desenvolvimento e no funcionamento global de uma
criança (Yorbik et al., 2004).

Depressão infanto-juvenil

Sabe-se que existe uma tendência natural em se pensar na infância como um período feliz,
livre de preocupações ou responsabilidades, apesar das pesquisas mostrarem que as
crianças também sofrem de depressão. Até o momento é consenso geral entre
pesquisadores e clínicos que crianças e adolescentes podem deprimir (F I. Lee, 2007),
apesar da pouca concordância que existe em relação à natureza e a estrutura dos sintomas
depressivos nessa população, que costumam se apresentar de modos distintos para as
diferentes faixas etárias (Birmaher et al, 2004; González-Tejeras et al., 2005), tornando o
reconhecimento dos sintomas um desafio para muitos especialistas. Sentimentos de tristeza
em função de perdas ou manifestações de raiva decorrentes de frustração são na maioria
das vezes reações afetivas normais e passageiras e não requerem tratamento. Porém,
dependendo da intensidade, persistência e presença de outros sintomas concomitantes, a
tristeza e a irritabilidade podem ser indícios de quadros afetivos em crianças e adolescentes.
Sintomas disfóricos do dia-a-dia não apresentam conotação psiquiátrica e ocorrem como
uma resposta afetiva aos eventos cotidianos, com quadros breves e que não comprometem
as condutas adaptativas das crianças (Fu- I L, 2007).

Estudos mostram que a síndrome depressiva pode variar em função do funcionamento


cognitivo, habilidade social e grau de desenvolvimento biológico de cada criança que, por
sua vez, apresenta dificuldades para nomear, reconhecer e demonstrar seus próprios
sentimentos (Weiss e Garber, 2003; González-Tejeras et al., 2005; Luby et al., 2006).
Sabemos hoje que a idade de uma criança e o grau de desenvolvimento psíquico exercem
papel importante nos sintomas e manifestações clínicas da depressão (Weller EB 1992;
Castel S, 1997). Assim, nos primeiros anos de vida, onde ainda não há a aquisição plena da
linguagem verbal, devemos estar atentos à expressão facial e à postura da criança, já que
nesse período ela pode não ter condições de relatar seus próprios sentimentos e emoções.
O lactente pode evidenciar retraimento social, desânimo e desinteresse em atividades de
lazer, bem como apatia, inapetência e pouca resposta a estímulos sensoriais, como por
exemplo, o abraço (Luby et al., 2003). Mas ele pode ser do tipo que chora muito e que é
difícil de ser consolado, ou ainda aquela criança nitidamente irritada, agressiva e inquieta,
com alternâncias do humor, desde tristeza profunda a momentos de descontrole e raiva,
com as chamadas “tempestades afetivas”. No primeiro ano de vida, a perda de habilidades
já adquiridas, como regressão da linguagem, ecolalia e enurese, é freqüente. Dos dois aos
cinco anos, é comum a dependência excessiva, com ansiedade de separação, pouco controle
dos impulsos, irritabilidade ou instabilidade emocional. A partir dos três aos quatro anos,
as crianças devem ser entrevistadas face a face, para que se possa obter, com as
informações fornecidas pelos pais, um histórico completo e uma definição de diagnóstico
confiável (Fu- I, 1996).

Crianças até seis anos, na pré-escola, quando deprimidas, não raro estão com o peso abaixo
da média para a idade e apresentam a fisionomia triste ou de seriedade, irritação,
inapetência, agitação psicomotora ou hiperatividade, insônia com ansiedade, balanceios,
estereotipias e agressividade contra si mesmo ou contra terceiros (Fu–I et al., 2000).
Podem manifestar cansaço intenso com falta de energia, anedonia, com perda do prazer e
do interesse em atividades que antes gostava e até para brincar (Luby et al., 2006) .
Comumente queixam-se de sentimento de tédio e de que nada presta e tudo é chato.
Queixas somáticas vagas e inespecíficas como dor de cabeça, dor muscular e ou abdominal
são freqüentes e correspondem a sentimentos de angústia e sofrimento emocional (Luby et
al., 2003).

Na idade escolar, as crianças deprimidas, além de aparentarem tristeza, se mostram


irritadas e emocionalmente instáveis. Podem manifestar indiferença afetiva, e não ter
reação a estímulos, seja eles positivos ou negativos. É comum a anedonia com isolamento
social e familiar voluntários. Sintomas clássicos da depressão como lentidão de
movimentos, voz lenta, monótona e monocórdica, e a expressão de sentimentos de
desesperança e sofrimento emocional são mais comuns nessa idade, mas é importante
ressaltar que agitação psicomotora, hiperatividade e pouco controle dos impulsos também
são sintomas freqüentes nessas crianças, fato que pode confundir o diagnóstico quando
feito por especialista não experiente no assunto. O aumento da distraibilidade e a
dificuldade de memorização são comuns e levam a uma piora do desempenho escolar.

Kovacs et al.(2003) dão ênfase à investigação de disforia, que é a anedonia associada a


mudança de humor, em desproporção ao estímulo, para o diagnóstico de depressão maior
em crianças de idade escolar. A perturbação de crianças frente a estímulos e a hiper-
reatividade hostil e agressiva nem sempre são valorizadas como sendo a expressão de um
sofrimento, nessas crianças.

Segundo Lee Fu-I, em crianças e adolescentes, as súbitas mudanças de comportamento não


justificadas por fatores de estresse são de extrema importância e devem sempre ser
valorizadas e investigadas como sendo sintomas potencialmente depressivos. A
irritabilidade é um sintoma freqüente, embora pouco específico na psiquiatria da infância,
podendo ser visto em crianças normais, mas é um sintoma realmente comum entre crianças
e adolescentes deprimidos. (Fu-I et al., 2000). A irritabilidade torna-se patológica quando
qualquer estímulo é sentido como perturbador e a criança ou adolescente apresenta hiper-
reatividade de característica desagradável, hostil e eventualmente agressiva (Dalgalarrondo
P, 2000). Alterações do humor com forte componente de irritação, amargura, desgosto ou
agressividade se constituem em quadros disfóricos que podem estar presentes nos
transtornos afetivos. Provavelmente, por conta de estarem em desenvolvimento, as crianças
não tem capacidade par compreender o que acontece internamente e, com freqüência,
apresentam comportamento agressivo (Curatolo, 1999). Portanto, é fundamental que
crianças e adolescentes que apresentem mudanças súbitas de comportamento e não
justificadas por fatores de estresse não passe pelo especialista sem que o mesmo pense na
possibilidade de depressão. Em Psiquiatria da Infância e Adolescência é comum que
crianças com alterações do humor do tipo disfórico, antes adequadas e adaptadas
socialmente possam passar a apresentar condutas irritáveis, destrutivas e agressivas, com
violação de regras sociais anteriormente aceitas, como parte do quadro depressivo.

Lamentavelmente, o que se vê na prática diária é o predomínio de reações defensivas e


hostis por parte dos familiares, educadores e outros profissionais da área de saúde, que,
ignorantes da situação, acabam interpretando a irritabilidade da criança de modo errôneo e
simplista, na maioria das vezes.

É sabido que crianças deprimidas geralmente têm auto-estima baixa e que falam de si
mesmas de modo negativo, se achando ruins, tontas e se sentindo fracassadas e preteridas
pela família, muitas vezes com a certeza de que ninguém se preocupa com elas. A culpa
pode ser entendida pela fala de que tudo está errado por causa da sua existência ou na de
que ela deve ser punida ou que seria melhor morrer (Mesquita e Gilliam, 1994). A relação
entre o apetite e o peso na depressão pode variar, desde perda de peso até o seu ganho,
muitas vezes chegando a graus importantes de obesidade. Igualmente, queixas de pesadelos
ou de despertares noturnos são freqüentes, bem como insônias acompanhadas de
ansiedade ou rituais noturnos. O aumento da distraibilidade e a dificuldade de
memorização são comuns e levam a um comprometimento do desenvolvimento escolar,
podendo confundir a depressão com o Transtorno de Déficit de Atenção e Hiperatividade
(Yorbik et al., 2004; González-Tejeras et al., 2005), transtorno comum em crianças e
adolescentes, cujos sintomas cardinais são a desatenção, hiperatividade e impulsividade,
com promoção de piora no rendimento escolar.

Os adolescentes deprimidos relatam claramente sentimentos depressivos como a


desesperança e a dificuldade de concentração e freqüentemente se mostram irritados e
hostis. A desesperança, descrença e a sensação de que as coisas jamais mudarão podem
levá-los a tentar o suicídio. Aumento ou diminuição do peso, apetite e da quantidade de
sono podem variar, bem como é visto graus variados de falta de energia e desinteresse pelas
atividades antes prazerosas. Isolamento social voluntário, hipersensibilidade ao fracasso,
rejeição e frustração , bem como a falta de perspectivas e expectativas de futuro também
são freqüentes. Igualmente, o uso e abuso de substâncias psicoativas é comumente
observado nesses casos e pode estar relacionado a “autotratamento ou automedicação”,
para o alívio da dor causada pela depressão (González-Tejeras et al., 2005).

Pensamentos de suicídio, vontade de morrer ou planejar a própria morte são encontrados


em todas as idades, mudando apenas os graus de intensidade e freqüência, sendo menos
freqüente em crianças e mais comum nos adolescentes e devem ser abordados sempre e em
qualquer idade (Liu et al., 2006).

Utiliza-se os mesmos critérios diagnósticos para criança, adolescentes e adultos.


Entretanto, o reconhecimento e diagnóstico de depressão são mais difíceis na Infância e
Adolescência, principalmente porque eles podem ter dificuldade em reconhecer e nomear
seus próprios sentimentos.

Cumpre ressaltar que cerca da metade dos casos de transtornos afetivos têm um outro
diagnóstico psiquiátrico em comorbidade, como por exemplo, algum tipo de transtorno de
ansiedade. A associação desses dois transtornos é tão grande que sintomas de ansiedade na
infância podem ser sinal preditivo mais eficiente par depressão do que para transtornos de
ansiedade (Birmaher B, 1997).

Cumpre lembrar que adolescentes do sexo feminino têm maior risco de desenvolver
depressão do que os do sexo masculino. Em casos de depressão na infância, observa-se
história familiar de depressão com início precoce. Estressores psicossociais, presença
simultânea de outros transtornos psiquiátricos ou doença crônicas são fatores doença risco
para desenvolvimento de depressão em crianças e adolescentes.

Conclusão
Os transtornos afetivos podem ocorre na Infância e Adolescência. o diagnóstico e o
tratamento precoces podem mudar o futuro de uma criança, evitando prejuízos ao
desenvolvimento e favorecendo a elaboração de vivencias relacionadas aos transtornos
afetivos.

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