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RESUMO
ABSTRACT
Cad. Pesq., São Luis, v. 14, n. 2, p.! 09-118, jul./dez. 2003 109
tratado filosófico que fornecesse apenas a organização e a garantia
soluções e fórmulas para o agir hu- da vida dos homens.
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apenas a terrificante situação das ram inadequadas [não só] para for-
vítimas que fugia à qualquer expli- necerem regras para a ação - pro-
blema clássico colocado por Platão
cação conceitual tradicional, tam-
- ou para entenderem a realidade
bém os carrascos criminosos esca- histórica e os acontecimentos que
pavam para além do classificado criam o mundo moderno - que foi
pela tradição. a proposta hegeliana - mas, tam-
bém, para inserirem as perguntas
Do mesmo modo como as vítimas relevantes no quadro de referênci-
nas fábricas da morte ou nos cam- as da perplexidade contemporânea.
pos do esquecimento já não são
"humanas" aos olhos do carrasco, Ora, ética e política não se
também essa novíssima espécie de dissociam no pensamento de
criminosos situa-se além dos limi- Hannah Arendt e se houve um es-
tes da própria solidariedade do pe-
facelamento da tradição e um
cado humano (ARENDT, 1989, p.
510). ofuscamento do significado da po-
lítica, o mesmo aconteceu no cam-
Ao se voltar o olhar para tão po da ética, pois, sendo a política a
assombrosa experiência, cabe per- categoria mais abrangente, tudo que
guntar: existem de fato padrões, nela acontece se reflete na esfera da
mandamentos, crenças religiosas ou ética. Assim, dando continuidade
proposições morais que assegurem à explicação, Lafer (1979, p. 10)
a conduta humana em uma regra acrescenta:
geral universalmente válida?
De fato, o fenômeno totalitário re-
Segundo Hannah Arendt, dian-
velou que não existem limites às
te desses fatos, o esfacelamento da deformações da natureza humana
tradição tomou-se patente, ou seja, e que a organização burocrática de
a tradição ocidental não foi capaz massas, baseada no terror e na ide-
de explicar, enquadrar, justificar ou ologia, criou novas formas de go-
verno e dominação, cuja perversi-
prever o fenômeno totalitário e suas
dade nem sequer tem grandeza.
implicações e conseqüências. Na
introdução da obra de Arendt, En- Ao mencionar que no fenôme-
tre o Passado e o Futuro, Lafer no totalitário nem a perversidade
(1979, p. 10- 11) esclarece: tem grandeza, Lafer traz à tona um
outro ponto da reflexão de Arendt.
Diante deste fenômeno, os padrões
morais e as categorias políticas que Trata-se da "banalidade do mal",
compunham a continuidade histó- tema abordado em seu livro
rica da tradição ocidental se torna- Eichmann em Jerusalém: um rela-
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o convívio de diferentes, não de morte e sim, para vida. Vida que
iguais. Distinguindo-se da interpre-
traz em seu bojo a capacidade hu-
tação geral comum do homem en-
quanto zoon politikon (Aristóteles), mana de agir.
em conseqüência da qual o políti-
co seria inerente ao ser humano,
o fato de que o homem é capaz de
agir significa que se pode esperar
Arendt acentua que a política sur-
dele o inesperado, que ele é capaz
ge não no homem, mas sim, entre
de realizar o infmitamente impro-
os homens, que a liberdade e a es-
vável (ARENDT, 2001, p. 191).
pontaneidade dos diferentes ho-
mens são pressupostos necessários
Deste modo, a força do con-
para o surgimento de um espaço
entre os homens, onde só então se ceito de natalidade reside no fato de
toma possível a política, a verda- que Arendt, como aponta
deira política [pois] "o sentido da Sontheimer (1999, p. 11):
política é a liberdade"
(SONTHEIMER 1999, p. 8-9). [... ] quer chamar nossa atenção
hoje, em meio as calamidades coti-
Para Arendt, tal liberdade está dianas e insuficiências da política
contida no poder que cada pessoa prática, para o fato de que não de-
possui de começar algo totalmente vemos nem podemos contentar-nos
com isso [...]. O homem pode agir
novo que, em forma de milagre hu- e começar algo novo [...], não pre-
mano, interrompe o curso de todo e cisa ser a marionete de um destino
qualquer processo. situado fora de seu ser.