ISBN 85-7419-268-6
Coordenação de produção
Ivan Antunes
Preparação de originais
Cleusa Conte
Capa
Ray e Joca
CONSELHO EDITORIAL
Eduardo Peñuela Cañizal
Norval Baitello Junior
Maria Odila Leite da Silva Dias
Celia Maria Marinho de Azevedo
Gustavo Bernardo Krause
Maria de Lourdes Sekeff (In memoriam)
Cecília de Almeida Salles
Pedro Roberto Jacobi
Lucrécia D’Alessio Ferrara
1. Essa expressão, muito utilizada nas teses eslavas da Semiótica da Cultura (como veremos
adiante), é de autoria dos semioticistas das escolas de Tartu e Moscou, liderados por Yuri
Lotman. Refere-se a todos os acontecimentos, idéias e objetos que não participam de uma
determinada cultura. Assim, tudo o que não participa dessa dada cultura é, para ela, sua
correpondente não-cultura. É preciso ressaltar que ao nos referirmos a algum dado
“estranho” como não-cultura não estamos afirmando que aqueles elementos não são
culturais ou não possuem características culturais. Toda não-cultura é cultura no sistema
que a contém.
16 A ARTE DOS SLOGANS
O Lugar do Slogan
O slogan vai aparecer num abiente que tem como vizinhos
alguns “saberes” já constituídos há algum tempo: a propaganda e o
marketing.
A idéia de marketing está intimamente ligada ao modo de
produção capitalista. O próprio termo, de origem norte-americana,
nos diz do ato de vender e comprar toda espécie de mercadoria ou
produtos – gêneros ou especialidades 2 – em algum ponto de
comercialização. Não se trata aqui de um mercado de trocas qualquer
– o que nos remeteria aos primórdios da história do homem – mas de
um espaço historicamente delineado no Ocidente, a partir do século
XVI.3
O conceito de marketing que ainda vige e em torno do qual é
pssível reunir um certo consenso é assim explicitado pela American
Marketing Association:
2. “os produtos naturais (arroz, feijão, minério, etc) são gêneros. Os produtos industriais são
especialidades” (Sant’anna, 1982: 28).
3. “Se bem que os primeiros esboços da produção capitalista tenham sido feitos muito cedo
em algumas cidades do Mediterrâneo, a era propriamente capitalista não data senão do
século XVI” (Marx, 1964:17). É importante notar que para MARX, esse não é um mero
marco factual, determinado por algum acontecimento de relevo, mas um lapso de tempo
quando se dá a “separação radical entre o produtor e os meios de produção arrancados sem
discussão aos produtores”; isto acontece “nas entranhas da ordem econômica feudal” (Marx,
1964: 19).
20 A ARTE DOS SLOGANS
PUBLICIDADE
Algumas Críticas e Algumas Teorias
A publicidade é, hoje, algo que nos envolve por completo.
Engana-se quem pensa que ela só existe na televisão, nos jornais, nas
revistas e nas rádios. Ela está nos muros das cidades, nas paredes das
casas, nas embalagens, nos cartazes, folhetos, adesivos, nos livros,
nos rótulos, nas roupas, nos utensílios domésticos, em quase tudo o
que é consumido pelo homem moderno. E se nos ocuparmos em
estudar a língua da publicidade com maior interesse, verificaremos
facilmente como sua maneira de falar, seu linguajar, seu discurso,
extrapolam em muito o espaço que ocupa formalmente, o dos meios
de comunicação de massa. Ela já faz parte integrante da conversa
rotineira das pessoas, infesta o discurso do burocrata, está na boca
dos oradores, dos políticos, dos homens de negócio, dos intelectuais
e, irremediavelmente, fixada em nossos pensamentos. Os apelos
publicitários que nos assolam a todo momento e em todos os lugares
penetraram as entranhas do homem moderno, transformando sua
subjetividade, promovendo profundas alterações em seu modo de
ver, pensar e se comportar no dia-a-dia.
Essa “intromissão” na vida das pessoas foi objeto de muitas
críticas nos anos 60-70 por parte de estudiosos da modernidade
preocupados, entre outras coisas, com o fenômeno do consumismo.
Em 1962 surgiu na França a revista especializada Cahiers de la
Publicité, que circulou apenas até 1968. Nela, muitos questionamentos
impulsionaram o desenvolvimento do saber e do fazer publicitários.
Nessa publicação, como nos diz Louis Quesnel, muitas das
preocupações ainda atuais já eram enfrentadas:
8. Se bem que o termo manipulação não seja expressamente utilizado por Baudrillard nesta
obra, é nesse sentido que podemos entender muitas de suas incursões críticas à publicidade,
muito embora o autor não entre no mérito do julgamento de valor moral. Entretanto, suas
análises críticas bem permitem tais interpretações, como se pode verificar na introdução
da edição portuguesa de 1974, escrita por J.P.Mayer, da Universidade de Reading, cujo
parágrafo final aqui transcrevemos:
“ A Sociedade de Consumo, escrito em estilo denso, deveria constituir objeto de cuidadoso
estudo para a geração mais jovem, que tomou, provavelmente como tarefa, a destruição
do mundo monstruoso, se é que não obsceno, da abundância dos objetos, com tanta energia
e força apoiado pelos mass media e, sobretudo, pela televisão; mundo que a todos nos
ameaça.” (Baudrillard,1972: 10-11)
24 A ARTE DOS SLOGANS
9. Pode-se incluir aqui Jean Baraduc (A Denotação nos Anúncios Publicitários,1972) que
estabeleceu uma espécie de gramática da imagem e Chébat e Hénaudlt (L’Efficacité de
L’Image Publicitaire in Communications et Language n.22) que introduzem a questão
da ordem de leitura como fator condicionador do sentido.
10. Ver “A Estrutura Ausente” (1987), pp 51 a 78.
11. A classificação mais conhecida de Peninou é a das três funções da publicidade: a) a
denominação, quando o produto recebe seu nome, o nome próprio; b) a predicação ou o
caráter, a imagem, a personalidade do produto e c) a exaltação, quando se enumeram as
virtudes que tornam o produto anunciado superior aos demais, objeto do desejo manifesto
ou latente do consumidor.
LUIZ CARLOS ASSIS IASBECK 27
12. Barthes vai levantar a necessidade de estudar o conjunto texto/imagem quando afirma
que uma das operações mais importantes da mensagem publicitária se dá nessa
confluência. Assim, o texto escrito ou fornece a chave do sentido – conduzindo a leitura
da imagem – ou a destaca em relevo, explicando-a, guiando a interpretação. Isto é possível
porque, segundo Barthes, a imagem é, por essência, polissêmica, ao passo que o texto
escrito tem caráter mais unívoco; daí ser este o caminho para privilegiar um sentido
possível, ou o sentido desejado, intencional.
28 A ARTE DOS SLOGANS
O PUBLICITÁRIO –
ARTESÃO E ARTÍFICE
Assim como o artesão nem sempre tem consciência de que em
sua produção estão inscritos os signos de uma comunidade, de uma
cultura, de uma identidade social, assim também o publicitário não é
capaz, muitas vezes, de se dar conta da dimensão sócio-cultural das
concepções criativas presentes no anúncio que elabora. O homem de
propaganda está constantemente sintonizado em necessidades
prementes e imediatas que devem ser satisfeitas para agradar ao
cliente, ao anunciante e motivar o consumidor, propiciando o tão
desejado retorno comercial. Para tanto, empenha-se em produzir
uma comunicação publicitária com a qual seu público-alvo se
identifique, e que seja capaz de corresponder às expectativas desse
público. Pode também ousar aquilo que o meio publicitário tanto
celebra como genialidade nos festivais e concursos patrocinados no
mundo inteiro por emissoras de televisão e renomados periódicos.
Evidentemente, nesse meio, a publicidade é tratada de forma diversa,
envolvendo políticas e decisões administrativas, políticas e negociais,
questões bem distantes daquelas que ocupam a maioria dos teóricos.
A originalidade dos apelos, o que comumente se denomina
criatividade em propaganda, resulta quase sempre de transgressões
à hierarquia dos códigos, à organização standard da linguagem (seja
ela escrita, sonora ou visual), aos estereótipos consagrados. Porém,
grande parte dessas novidades se institucionalizam na linguagem,
incorporando-se ao acervo das modernas técnicas de publicidade
como eficazes mecanismos retórico-persuasivos. Umberto Eco assim
se manifesta sobre a função da originalidade nos anúncios
publicitários:
13. Entendemos por SEMIOSE (do grego SEMIOSIS) a ação do signo no processo de
significação: “There is widespread agreement in the literature concerning the linkage of
the broad, general sense of semiosis with the signification process...For Peirce, semiotic
is the view that “the doctrine of the essential nature and fundamental varieties of possible
semiosis (C.Papers 1931-66:5.488)” apud Maryann Ayim, Encyclopedic Dictionary of
Semiotics, 1986-888)
LUIZ CARLOS ASSIS IASBECK 31
A Publicidade no Brasil
A Prática e o Laboratório
A história nos mostra que uma evolução significativa nos modos
de se fazer publicidade tornou esta atividade altamente complexa e
diversificada. A incorporação de modernas tecnologias acompanha a
sofisticação das exigências dos anunciantes e do público, sempre
sedento de novidades, numa sociedade que, cada vez com mais
acelerado dinamismo, recebe e responde a estímulos comunicativos.
O motor que propulsiona essas mudanças pode ser localizado, à
primeira vista, nos processos econômicos ou, mais especificamente,
na necessidade cada vez maior de girar mercadorias.
Por isso, ao comentar aqui, ainda que rapidamente, alguns
aspectos que julgamos significativos na evolução da publicidade,
teremos forçosamente de nos reportar às transformações ocorridas
no capitalismo mundial por volta de 1870, período que marca a
dominação da economia pelo capitalismo industrial, coincidindo com
o final da dominação britânica e o início das rivalidades entre países
imperialistas. Por volta desse período, a publicidade começou a se
desenvolver.
No Brasil, ela seguiu timidamente a tendência mundial, com
alguns traços de pioneirismo, muito embora nos encontrássemos,
ainda, muito distantes do desenvolvimento industrial. Segundo
Hermam Lima, “foi aqui que surgiram os primeiros anúncios
ilustrados (...) publicados nos pasquins Mequetrefe e Mosquito,
editados no Rio de Janeiro” (apud Góes Jorge, 1977: 23) Este último,
dedicado exclusivamente à publicidade comercial, publicou, já em
1898, o primeiro anúncio ilustrado em duas cores. Os anúncios
classificados, por sua vez, eram publicados desde 1806 pelo jornal A
32 A ARTE DOS SLOGANS
14. “Substantivo”, aqui refere-se à categoria morfológica dos vocábulos que predominam
nos classificados de jornal.
15. De 1900 a 1910 foram lançadas as seguintes revistas: Revista da Semana, Malho, Fon-
Fon, Careta, Vida Paulistana, a maioria editada em São Paulo e Rio de Janeiro e
mantidas por anunciantes locais. A maioria dos anúncios era de produtos farmacêuticos,
lojas e hotéis (GÓES Jorge, 1977: 24)
16. A J.W.Thompson era constituída, nesta época, pelo Departamento de publicidade da
G.M. Seguindo o modelo, a N.W. Ayer & Son, agência que detinha a conta da FORD
nos EUA, abre filial no Brasil.
LUIZ CARLOS ASSIS IASBECK 33
17. Termo em inglês com o qual denomina-se, no Brasil, a agência de publicidade criada e
mantida pela mesma empresa que anuncia.
36 A ARTE DOS SLOGANS
18. “Instruções e diretrizes transmitidas, de forma resumida, pela chefia de uma agência de
propaganda aos responsáveis pela execução de um determinado trabalho” (Rabaça,
1978:51). O termo serve também para identificar as instruções que o anunciante passa à
agência.
19. A computação gráfica, que chegou ao Brasil no início dos anos 80, hoje é de uso comum
e largamente utilizada nas produções publicitárias, tanto nas animações para TV, Cinema,
Internet, como para produção de anúncios impressos.
LUIZ CARLOS ASSIS IASBECK 37
DISCURSO E TEXTO
Temos utilizado, de forma aparentemente indistinta, os termos
“texto” e “discurso” quando nos referimos à linguagem publicitária.
Cabe-nos, nesse momento inicial, precisar alguns interpretantes de
tais signos, não apenas por um interesse meramente formal, mas
sobretudo porque um e outro serão muito utilizados nos próximos
capítulos, trazendo em seu bojo conceitos fundamentalmente distintos.
Falamos de discurso, latu-sensu, enquanto processo semiótico,
lugar onde acontece a ação sígnica que resulta na produção de sentido.
O discurso é, como diz Cereda (apud Perez Tornero, 1982:26-28),
uma modalidade privilegiada e específica de aplicação de linguagens
38 A ARTE DOS SLOGANS
TEXTO E IMAGEM
As peças publicitárias, sejam elas concebidas para a mídia
impressa (jornais, revistas, panfletos, outdoors, folders, rótulos,
etiquetas, embalagens), sejam para a mídia eletrônica (rádio, televisão,
cinema, vídeo), são hoje, basicamente, constituídas de texto escrito
(ou falado) e imagens (estáticas ou animadas).
Embora os primeiros anúncios fossem exclusivamente escritos,20
foi com o advento da técnica de reprodução de imagens que a
publicidade ganhou maior espaço na mídia e assumiu maior eficácia
em suas funções.
A polêmica envolvendo texto/imagem ou, antes, entre poesia e
pintura remonta à antiguidade. Eustáquio Barjau, analisando o
fragmento 361 da Epístola aos Pisões, de Horácio, nos diz que ele
foi interpretado da seguinte maneira: “toda obra poética é bela na
medida em que dela se possam extrair quadros”. Também em sua
Poética, Aristóteles fala que “os pintores podem, assim como os
poetas, imitar os homens, suas características, tais como são ou
melhores do que são.” 21
20. Os primeiros anúncios publicitários de que se tem notícia se assemelhavam àquele gênero
que hoje denominamos anúncios classificados, nas páginas dos jornais:
“La historia de la publicidad fija el origen de su forma actual de representación en los
clasificados a partir de finales del siglo XVII, cuando en Inglaterra se comenzó a publicar
The Advertiser. Es durante esta época que la palabra inglesa advertisement pasó de ser
primeiro un colofón, luego un medio para los tipógrafos anunciaran sus servicios y los
escritores el mérito de su obra, hasta convertirse finalmente en un gênero periodístico”
(Zayas, 1991:6)
21. Citado por Eustáquio Barjau, na introdução a Laocoonte, de G. Ephrain Lessing, ed.
espanhola (Ed. Nacional) 1977, p.24.
42 A ARTE DOS SLOGANS
22. W.J.T. Mitchell é autor de Iconology: image, text, ideology. Ele nos mostra um amplo
conceito de imagem e apresenta à página 10 da referida obra, a divisão dos ramos de
imagem, que sucintamente aqui esboçamos.
LUIZ CARLOS ASSIS IASBECK 45
23. a primeira expressão (explosão dos sentidos) é atribuída a Roland Barthes em “A Retórica
da Imagem”; a segunda, a A. Moles em “O Cartaz”.
24. O ano de 1895 é considerado o ano inicial do cinema, quando Lumière promove a primeira
sessão de cinema no Gran Café de Paris. De 1895 a 1906, G. Meliès produz uma série de
filmes, conquistando grande público. A partir de 1906, David Griffith inaugura os códigos
daquilo que hoje conhecemos como linguagem cinematográfica. Apenas em 1928 aparece
o cinema falado. Segundo Arlindo Machado, os primeiros aficionados pelo cinema já
entendiam a linguagem das imagens em movimento na tela, mas os novos adeptos
necessitavam ouvir as preleções do conferencista educativo, pessoa que comentava o
enredo do filme para a platéia e evidenciava as mensagens morais ali contidas.
25. a afirmação que se segue foi pronunciada em aula da disciplina “Texto Publicitário” na
ESPM, 2o Semestre de 1991.
LUIZ CARLOS ASSIS IASBECK 47
26. os anúncios de produtos farmacêuticos ocuparam grande parte dos espaços da imprensa
e do rádio no início do século XX. Os maiores anunciantes do gênero foram Polvilho
Granado (1903), Pomada Minâncora (1914), Emulsão Scott (1907), Pilulas de Vida do
Dr. Ross (1898) e Biotônico Fontoura (1915). Fonte:Breve História da Farmácia Brasileira
– Philippe Guédon – 1965
27. o termo reclame era utilizado nos primórdios da publicidade comercial para “designar
qualquer tipo de propaganda comercial : anúncio, cartaz, prospecto, jingle, etc” (Rabaça,
1978:396)
48 A ARTE DOS SLOGANS
O SLOGAN
O termo slogan tal como nos chegou, é de origem francesa. No
entanto, ele remonta, segundo Olivier Reboul, à expressão escocesa
“sluagh-ghairm”, que quer dizer “grito de guerra de um clã” (Reboul,
1986:7-8). Na França, começou a ser usado com sentido pejorativo,
designando doutrinamento, propaganda, reclame. No século XVI, a
Inglaterra o transformou em “catchword”, ou seja, “palavra-engodo”.
Mas o termo francês acabou por predominar na Inglaterra, já no século
XIX, para especificamente designar a divisa de um partido político,
de uma ideologia ou de uma linha filosófica. Coube aos Estados
Unidos tornar o francesismo slogan conhecido em todo o mundo na
acepção de divisa comercial, tal como hoje o entendemos.
Estas informações lingüísticas e históricas são importantes
porquanto nos remetem à gênese verbal do slogan e, mais
precisamente, a sua origem oral. Normalmente, quando localizamos
o desenvolvimento massivo da publicidade no final do século XIX e
no início do século XX (com o aparecimento dos cartazes e dos
jornais), esquecemo-nos de considerar que algumas estruturas que
viriam a colaborar na composição desse novo apelo comunicativo já
estavam consolidadas, há séculos, na tradição oral. É certo que a
publicidade vai revitalizar os slogans e dar-lhes destaque especial no
contexto da sua tão eficiente e peculiar retórica persuasiva. Mas
também é inegável que o moderno slogan publicitário herdou
tradições milenares das frases feitas e dos ditos populares – como
veremos no próximo capítulo – a um custo relativamente baixo,
incorporando-os em seus formatos, adequando-os aos seus propósitos,
com grande ganho de escala, como diz Lisa Block de Behar:
28. Hitler, Mussolini, Churchil, Eisenhower e Charles de Gaulle, líderes políticos de grande
expressividade, tiveram suas linhas políticas fomentadas por maciços apelos sloguísticos,
como reconhecem estudiosos e críticos da publicidade, tais como Jean Baudrillard, U.
Eco, R. Barthes, G. Peninou, O. Reboul, entres outros.
LUIZ CARLOS ASSIS IASBECK 51
OS SLOGANS NA
PUBLICIDADE DOS BANCOS
Se, por um lado, a abordagem do nosso objeto de trabalho –
como afirmamos – é capaz de nos permitir maior mobilidade de
investigação, por outro, tende a criar uma demanda – em nível de
pesquisa – por um universo de ação específico onde esse objeto atue
como texto cultural. Um paradoxo compreensível quando entendemos
que a Semiótica da Cultura tem como pressuposto básico o fato de
que “nenhum sistema sígnico possui um mecanismo que lhe permita
funcionar isoladamente” (apud Prevignano, 1979-194) e que, por
isso mesmo, os textos culturais são resultantes de relações que
envolvem diferentes sistemas em uma unidade informacional
“fechada em si, relativamente delimitada, com começo, meio e fim,
fronteiras externas e internas e uma mensagem significativa” (Lotman,
1978: 101-112). Um texto é, pois, um conjunto organizado de signos;
porém, esses signos, tomados individualmente, não lhe são exclusivos
e não significam coisa alguma senão no contato, na relação com os
demais signos. É a qualidade desse contato e o resultado das
conseqüentes contaminações sígnicas que vão produzir sentido e dar
corpo ao texto. Por esse motivo, todo texto é, ao mesmo tempo, único
e universal, particular e coletivo, individual e familiar a todos os
demais textos.
Assim, estudar o slogan, na sua materialidade, não significa
isolá-lo do meio no qual age, mas considerá-lo como um texto (já
que possui sentido) dentro de um texto maior que lhe amplia o sentido
e objetiva a finalidade comunicativa. Estudá-lo como texto cultural,
entretanto, significa investigá-lo em ação, em atuação num universo
cultural de características específicas onde venha a ganhar
peculiaridades que lhe delimitem território e fronteiras.
LUIZ CARLOS ASSIS IASBECK 53
A Produção de Sentido
no Slogan Publicitário
IN HOC SIGNO VINCES!
O imperador romano Constantino (312-337 d.C.), ao assumir
o poder, defrontou-se com um sério problema que ameaçava a
sobrevivência do Império Romano: a moral austera dos cristãos, os
poderes atribuídos à Igreja primitiva e o crescente número de
“convertidos” estavam contribuindo para formar, aos poucos, com
muita união e disciplina, um Estado independente no coração do
Império Romano. A situação se tornara mais grave, uma vez que
uma grande parte do seu exército era constituída por cristãos. Segundo
Gibson,29 não foram outros os motivos que levaram Constantino a se
converter ao Cristianismo, oficializando a nova doutrina no poder e
convocando, inclusive, o denominado “Concílio de Nicéia”, onde
foram definidos, com a participação do Estado, os princípios da crença
cristã. Um dos problemas que ocasionava grandes discussões
teológicas, na época, dizia respeito às vantagens terrenas, às
conquistas imperialistas. Constantino manteve uma certa neutralidade
nas disputas dos teólogos, mas, precisando contar com o seu exército
nas incursões ao Oriente, disse ter tido dos céus uma oportuna visão:
uma cruz acompanhada dos dizeres “In Hoc Signo Vinces!” (“Sob
este signo, vencereis!”).
A solução havia caído dos céus! Imediatamente, mandou
confeccionar estandartes com o sinal da cruz acompanhado da
sugestiva frase. Seu exército não só se ampliou em número de
guerreiros como também ganhou entusiasmo suficiente para, em
29. “The Decline and Fall of the Roman Empire”, citado por B. Russell in “A História da
Filosofia Ocidental”, vol. II p. 28.
58 A ARTE DOS SLOGANS
PARENTESCOS E AFINIDADES
Provérbios, máximas, anexins, refrães, adágios, parêmias,
jargões, clichês, divisas, lemas, palavras de ordem e normas 30 são
30. Nem sempre é possível estabelecer uma distinção bem clara entre todas essas formas de
frases breves, que primam pelos efeitos retóricos. De modo geral, podemos entendê-las
da seguinte forma:
Provérbios: sentença de caráter prático e popular (...) expressa em forma sucinta e
geralmente rica em imagens.;
Máximas: princípio básico e indiscutível de ciência ou arte; sentença ou doutrina moral.
Anexins: dito sentencioso de extração popular.
60 A ARTE DOS SLOGANS
Os Provérbios
Os provérbios são frases que primam pelo aspecto didático,
veiculando ensinamentos de caráter prático e de cunho popular,
através, principalmente, de metáforas do dia-a-dia que fazem parte
da cultura de um determinado grupo. Não há grupo social que não
disponha de um acervo de provérbios, no qual os signos mais
representativos de sua cultura estejam estigmatizados. Através deles,
são mobilizadas e inculcadas as ideologias de poder – em muitos
casos, de forma sutil.
Historicamente, os provérbios pertencem à tradição oral; quando
escritos – e conforme são escritos – podem assumir o caráter de
chavões inconvenientes ou acabam por denotar pobreza de repertório.
Não há neles argumentos lógico-verbais capazes de explicar sua
31. Na apresentação da citada edição, informa-se que as introduções aos livros sagrados, “mais
amplas e atualizadas (...) foram amplamente enriquecidas com o auxílio dos documentos
do II Concílio Vaticano” (Dalbosco, 1982:1). Consideramos, portanto, que a fonte de tais
informações, não explicitadas na obra, seja documento em poder dos estudiosos dos
escritos bíblicos.
62 A ARTE DOS SLOGANS
32. “Com efeito, o que distingue o provérbio do slogan não é nem a sua forma nem sua data,
mas a sua função, uma função de ensinamento” (Reboul, 1986: 141)
LUIZ CARLOS ASSIS IASBECK 65
As Máximas
Por máxima entendemos aqueles princípios básicos de alguma
ciência, arte ou de alguma doutrina. Trata-se de um axioma 35 ou de
33. Slogan de anúncio de máquina de Lavar Roupas, veiculado por ocasião do dia das mães,
no ano de l990. Cita o provérbio popular “Mãe, só tem uma”
34. Alguns autores acreditam que os provérbios populares têm sua razão de ser neles mesmos,
considerando ser acessória a intenção de ensinar. É o caso de Wilhelm Grimm, citado
por A. Jolles:
“o verdadeiro provérbio popular não nos oferece voluntariamente um ensinamento. Não é o
fruto de meditações solitárias, mas o lampejo de uma verdade pressentida desde longa
data e que encontra, por si mesma, sua expressão mais elevada.” (apud Jolles, 1976: 135)
35. “Axioma é um princípio necessário, comum a todos os casos, evidente por si mesmo, não
propriamente indemonstrável, mas de demonstração desnecessária, tal é a evidência do
que se declara: o todo é maior do que a parte, duas quantidades iguais a uma terceira são
iguais entre si” (Garcia, 1982: 308).
66 A ARTE DOS SLOGANS
36. in “Objetividade e Parcialidade”, palestra proferida pelo comunicador alemão Harry Pross,
no auditório do jornal A Folha de São Paulo, em ll.l0.90.
68 A ARTE DOS SLOGANS
As Palavras de Ordem
Agrupamos sob esse título os gêneros frasais conhecidos por
NORMAS, DIVISAS, LEMAS, diferentes entre si na composição
sintática, mas muito aproximados pelo caráter de cumprimento
compulsório que determinam àqueles que os elegem.
A NORMA é uma frase breve que tem a função de transmitir
aviso, ordem – geralmente uma proibição – ou uma orientação. A
finalidade prioritária é a comunicação de ações imediatas, que não
admitem contestações ou polêmicas de qualquer espécie:
Proibido fumar.
Sirva gelado.
Deve-se beber seco.
O fumo é prejudicial à saúde.
Silêncio. Hospital.
Entrada Proibida.
Devagar. Desvio.
Homens na pista.
Este lado para cima.
Cuidado. Frágil.
Independência ou Morte.
Tradição, Família, Propriedade.
Liberdade, Igualdade, Fraternidade.
Libertas quae Sera Tamem.
In Hoc Signo Vinces.
Hei de vencer.
Desanimar, jamais.
Unidos, venceremos.
Tudo pelo Social.
Coragem e Determinação.
(...) e por isso, o Ponto Frio não é apenas bom. Ele é Bonzão!37
Clichês e Chavões
Mas o lugar-comum há muito deixou de ser sinônimo de
trivialidade, de prosaicismo. Ele habita hoje as mais altas esferas
LUIZ CARLOS ASSIS IASBECK 73
38. Entendemos por “suporte de significação” os elementos extra-textuais que servem de apoio
ao entendimento, aquilo que Décio Pignatari em Semiótica da Arte e da Arquitetura,
denomina intersignicidade: a coleção de outros signos que entram em composição ou num
mesmo campo sígnico para trazer familiaridade ao novo signo.
74 A ARTE DOS SLOGANS
39. “Os sons da linguagem, enquanto fenômenos de empirismo exterior, apresentam dois
aspectos: o aspecto motor e o aspecto acústico (...). É nítido que é o fenômeno acústico
que visa o sujeito falante, é o único diretamente acessível ao auditor. Quando eu falo é
para ser ouvido. Dos dois aspectos do som é portanto o aspecto acústico que apresenta
antes de tudo um valor intersubjetivo, social (BARTHES, 1977: 22).
LUIZ CARLOS ASSIS IASBECK 75
Você não pode abrir mão desse prazer. (VW Santana 2000)
Saia do lugar-comum. Entre no Santana.(VW Santana)
Mais do que nunca, é preciso criar.(DM9)
O Banco que está ao seu lado. (Nacional)
Use e Abuse. (Mate Leão)
Frases de Arrastão
Frases Entrecortadas
Frase de Ladainha
Frase Labiríntica
Frases Fragmentárias
FIGURAS DE ESTILO
As Figuras Metafóricas
A Metáfora
A Comparação
A Metonímia e a Sinédoque
Catacrese
41. O INPI - Instituto Nacional de Propriedade Industrial define com a terminologia “marca-
símbolo” a marca figurativa ou mista (só imagem ou imagem e letras) que representa uma
empresa ou um produto.
LUIZ CARLOS ASSIS IASBECK 89
A Perífrase
O banco do guarda-chuva.
Figuras de Significação
Antítese
MÃE
SENHORA
ESPOSA
PATROA
(eixo paradigmático)
AMIGA
COMPANHEIRA
PROSTITUTA
PUTA
44. apud transcrição de aula do Prof. Norval Baitello Jr. na disciplina “Semiótica da Cultura”,
na PUC/SP, dia 03.04.90
94 A ARTE DOS SLOGANS
Hipérbole
Ironia
Eufemismo
Animismo ou Prosopopéia
Figuras de Construção
Silepse
Pleonasmo
Elipse
Zeugma
Hipérbato
Assíndeto
Anacoluto
Reticências
47. Ricardo Ramos em curso “Texto Publicitário, 10.09.90, Escola Superior de Propaganda
e Marketing. Gravação e transcrição.
48. Este slogan funciona como legenda, encimando uma fotografia que apresenta frutas
tropicais.
LUIZ CARLOS ASSIS IASBECK 105
Exclamação
A Relação Retórica/Funcionalidade
nos Slogans
Vimos, pois, como o emprego de alguns artifícios lingüísticos
pode contribuir para que as frases de efeito do texto publicitário e os
slogans ganhem força pelo impacto, tornem-se mais expressivos e
impressivos e adquiram feições estéticas que muito os aproximam
das construções poéticas.
A eficácia de tais “malabarismos” lingüísticos não é privilégio
da língua portuguesa. Em todos os idiomas, recursos como os que
estudamos são largamente utilizados, com resultados que chegam a
ser surpreendentes. Olivier Reboul nos mostra que alguns deles são
habilmente empregados em língua francesa e inglesa e que, em muitos
casos, traduções bem sucedidas podem produzir resultados igualmente
favoráveis. Também não são raras as situações nas quais a tradução,
devidamente aculturada através de transposições intersemióticas,
chega a ser mais impactante que a versão original.50
Porém, não podemos nos esquecer de que, como já ressaltamos,
o slogan não funciona isoladamente numa peça publicidade 51. Ele
interage com os demais elementos e muito de sua força advém dessa
contaminação produtiva. Entretanto, sem deixar de levar em conta
tais considerações, é possível concluir que alguns slogans são capazes
de, por si mesmos, desencadearem novas relações, a ponto de
constituírem motes de campanhas. Nestes casos, tornam-se ponto de
partida para derivações de outros elementos promocionais. Mas em
todos os casos, o slogan é eminentemente verbal e, portanto,
contingenciado às vicissitudes dessa modalidade de linguagem.
Muitas agências especializadas em consultoria na área de
marketing promovem avaliações prévias da potencialidade de slogans,
mediante encomenda de empresas interessadas. A HCA, por exemplo,
produziu em 1991 pesquisa do gênero, a pedido do Banco do Brasil,
e pôde constatar a força do slogan proposto – “Aqui tem alguém que
acredita em você” – mediante análise técnica da frase e dados
estatísticos auferidos em pesquisas de opinião. A linguagem direta, a
afirmação localizada e o uso do lugar-comum – “alguém que acredita
em você” – foram determinantes para que os resultados indicassem a
frase “no mesmo plano de preferência dos slogans do Unibanco e do
Bamerindus, à frente dos slogans do Bradesco e do Itaú” 52, muito
embora o objeto da pesquisa ainda não tivesse sido maciçamente
divulgado pela mídia.
53. A revista “Exame”, de 3 de maio de l989, publicou reportagem de duas páginas sob o
título “Por que a Coca era isso aí?”, onde o gerente de planejamento da marca afirma que
o slogan só foi substituído “para não envelhecer”. Para implementá-lo e conseguir tamanho
grau de pregnância, a Coca-Cola “investiu l milhão de dólares, só na produção da
campanha publicitária” (Exame n.156 pp 98-99).
LUIZ CARLOS ASSIS IASBECK 109
55. Ver, também, capítulo 1, deste trabalho, “O publicitário - Artesão e Artífice”, onde
apresentamos inicialmente tais questões.
LUIZ CARLOS ASSIS IASBECK 125
O Conceito de Cultura
Dentre as várias formas de se entender “cultura”, elegemos para
nosso trabalho aquela defendida pelos teóricos da Semiótica da
Cultura que, em conjunto, elaboraram e publicaram as “Teses Para
uma Análise Semiótica da Cultura”:58
58. A Semiótica da Cultura resulta da união de diversos estudiosos das escolas de Tartu e
Moscou (V.V.Ivanov, Iuri Lotman, A.M.Pjatigorskij, V.N.Toporov e B.A.Uspenskij) que
compilaram suas teses e as publicaram, em documento conjunto, no ano de 1973. Para
nosso estudo, utilizamo-nos do texto original publicado por Carlo Prevignano em “La
Semiotica nei Paesi Slavi”, em língua italiana, traduzido por José E.M.Sônego.
59. O conceito de texto é tratado no primeiro capítulo, sob o título “Discurso e Texto”, páginas
30 a 36.
LUIZ CARLOS ASSIS IASBECK 127
60. Ver cap. I, “Publicidade - Algumas Críticas e Algumas Teorias”, onde afirmamos que a
linguagem publicitária já faz parte do discurso da modernidade. Colón Zayas, em
“Publicidad y Hegemonia: interrogando el Canón”, afirma que a “publicidade é o discurso
hegemônico do capitalismo”.
LUIZ CARLOS ASSIS IASBECK 129
A Cultura do Dinheiro
Por que o dinheiro não é mencionado na publicidade dos bancos,
exceto por metáforas e outras tantas figuras de linguagem? Seria o
dinheiro apenas um “intermediário” nas trocas econômicas? Estas
questões nos remetem a Marx, que faz uma interessante análise do
processo cultural que simbiotiza o dinheiro às necessidades humanas
de segurança, conforto, tranqüilidade dentre outras, procurando
estabelecer, de acordo com as suas preocupações, os limites entre a
essência e a aparência das coisas:
Aquilo que mediante o dinheiro é para mim, o que posso pagar,
isto é, o que o dinheiro pode comprar, isto sou eu, o possuidor
do próprio dinheiro. As qualidades do dinheiro – qualidades e
forças essenciais – são minhas, de seu possuidor. O que eu sou e
130 A ARTE DOS SLOGANS
tenho vocação para estudar, mas não tenho dinheiro para isso,
não tenho nenhuma vocação (isto é, nenhuma vocação efetiva,
verdadeira) para estudar. Ao contrário, se realmente não tenho
vocação alguma para estudar, mas tenho a vontade e o dinheiro,
tenho para isso uma vocação efetiva. O dinheiro, enquanto meio
e poder gerais – exteriores, não derivados do homem enquanto
homem, nem da sociedade humana enquanto sociedade – para
fazer da representação efetividade e da efetividade uma pura
representação, transforma igualmente as forças efetivas,
essenciais, humanas e naturais em puras representações abstratas
e, por isto, em imperfeições, em dolorosas quimeras, assim como,
por outro lado, transforma as imperfeições e quimeras efetivas
(...) em forças essenciais efetivas e poder efetivo. Segundo esta
destinação, o dinheiro é a inversão geral das individualidades,
que as transforma em seu contrário e que adiciona as suas
propriedades, propriedades contraditórias. Com tal poder
inversor, o dinheiro atua também contra o indivíduo e contra os
laços sociais, etc., que se dizem essenciais. Transforma a
fidelidade em infidelidade, o amor em ódio, a virtude em vício,
o vício em virtude, o servo em senhor, o senhor em servo, a
estupidez em entendimento, o entendimento em estupidez (MARX,
1978: 31-32).
61. Os fragmentos de textos que anteriormente citamos são retirados do terceiro manuscrito
dos “Manuscritos Econômico Filosóficos” escritos por Marx ainda jovem, em 1844, em
Paris, com a colaboração de Engels. A citação que se segue é extraída do primeiro capítulo
de “O Capital”, publicado originalmente em 1867.
132 A ARTE DOS SLOGANS
62. “O conceito de texto vem sendo usado num sentido especificamente semiótico; em
primeiro lugar, ele não é aplicado somente às mensagens em língua natural, mas também
em qualquer veículo que tenha um significado global (textual), seja ele um rito, uma obra
de arte figurativa ou uma composição musical (...) Texto como signo global, texto como
sucessão de signos...” (Tesi per un’analisi semiotica delle culture, in Prevignano,
1979:1990). Sobre “texto”, ver também pp.30 a 36, do primeiro capítulo deste trabalho,
quando abordamos as idéias de Iuri Lotman sobre o conceito de “texto”, em sua obra “A
Estrutura do Texto Artístico”.
LUIZ CARLOS ASSIS IASBECK 133
63. Utilizamo-nos, aqui, da terminologia empregada por Charles S.Peirce para dizer da relação
do signo com o seu objeto: qualidade (ícone), existência singular, material (índice) e
generalidade ou arbitrariedade (símbolo). Fonte: O que é Semiótica, Lúcia Santaella (1988:
83-96)
134 A ARTE DOS SLOGANS
64. “As leis da natureza das mercadorias atuam através do instinto natural dos seus
possuidores. Eles somente podem referir suas mercadorias umas às outras e por isso apenas
como mercadorias ao referi-las, antiteticamente, a outra mercadoria como equivalente
geral. É o que resulta da análise da mercadoria. Mas apenas a ação social pode fazer de
uma mercadoria equivalente geral. A ação social de todas as outras mercadorias, portanto,
exclui determinada mercadoria para nela representar universalmente seus valores. A forma
natural dessa mercadoria vem a ser assim a forma equivalente socialmente válida. Ser
equivalente geral passa, por meio do processo social, a ser a função especificamente social
da mercadoria excluída. Assim, ela torna-se dinheiro” (MARX,1983: 80-81).
LUIZ CARLOS ASSIS IASBECK 135
O Dinheiro e a Produção de
Textos Culturais
Uma das hipóteses que inicialmente lançamos é a de que a
publicidade dos bancos — aqui, analisada via slogans — intenta
solidificar a dependência ao dinheiro, num fluxo contínuo de
mensagens que se desprendem do caráter meramente referencial em
vantagem da conotação metalingüística.65
Visto como signo, o dinheiro não pode falar senão de seu objeto
imediato, ou seja, daquilo a que se refere: o valor arbitrado de uma
mercadoria colocada em situação de troca. O objeto do signo dinheiro
não é, pois, nem a mercadoria – que não pode ser confundida com o
seu valor de troca, pois possui, como vimos, valor de uso — nem sua
conformação material em cédulas ou moedas de metal — que hoje já
não possuem valor imanente, apenas simbólico.
O signo dinheiro pode ser entendido também como um sistema
sígnico do ponto de vista de sua estrutura interna: as cifras monetárias.
Elas supõem uma gramática própria, estruturada em códigos contábeis
específicos, cujos elementos estão em constante interação, modulando
valores diferenciados. Este sistema nos fornece informações, na
medida em que seus componentes são colocados em operação, mas
pouco significam se desvinculadas dos objetos aos quais atribuem
valor. As relações intra-sistemáticas que ocorrem no fenômeno
dinheiro nos levariam a compreender o mecanismo funcional desse
sistema, mas seriam insuficientes aos nossos propósitos de evidenciar
as relações financeiras enquanto formadoras de “textos culturais”.
Marx também sabia que a significação do dinheiro na cultura do
capital resultava da formação de redes de significados, onde vários
signos entravam em constante interação. Por isso, não concordava
com o fato de se enfocar o dinheiro como “mero signo”:
66. Prof. Norval Baitello Jr., sobre a leitura do conceito de texto em “O problema do Signo e
do Sistema sígnico na Tipologia da Cultura Anterior ao Século XX” de Iuri Lotman.
Citação em aula, dia 15.03.90, na PUC/SP.
67. Quando tratarmos, mais a frente, da teoria dos códigos culturais de Ivan Bystrina, veremos
mais claramente a interdependência entre realidade cultural e realidade biológica.
LUIZ CARLOS ASSIS IASBECK 137
A Publicidade do Dinheiro e a
Segunda Realidade
Como “operador de cultura”, o texto publicitário – especialmente
os slogans – não pode deixar de ser analisado segundo os códigos de
que se utiliza para promover transformações de linguagem e
multiplicar os diversos modos de se ver o mundo. Para respaldar tais
estudos, é indispensável que nos aprofundemos no conhecimento
operativo dos códigos da cultura que formam os “textos culturais”.
O semioticista tcheco Ivan Bystrina, em seu “Semiotik der
Kultur” classifica-os em três grandes grupos:
LUIZ CARLOS ASSIS IASBECK 139
Os Universais da Cultura
Além de simples, tais mecanismos básicos não são, também,
numerosos. Pelo fato de estarem na base de quase todas as culturas,
são denominados por Ivanov68 universais. Assim os classifica Ivan
Bystrina (1989):
BINARIEDADE
68. Cf. Ivanov, V.V. (1983) Gerade und Ungerade - Hirzel - Stuttgart.
140 A ARTE DOS SLOGANS
POLARIDADE
ASSIMETRIA
ESTRATÉGIAS DE SUPERAÇÃO
b) transpolarização:
d) as zonas cinzentas
72. Cf.Van Gennep, Arnold - Os Ritos de Passagem - 1978 - Ed. Vozes, Petrópolis.
73. A expressão “Ritos de Passagem” foi cunhada pelo antropólogo Arnold van Gennep, em
1909 para “as cerimônias que se realizam ao se abandonar uma ordem e ingressar em outra”
(apud Harry Pross,”Estructura Simbólica del Poder” p.68.
74. Anotação de aula da disciplina “Sistemas Intersemióticos I - Semiótica da Cultura” , na
PUC/SP em 05.04.90.
146 A ARTE DOS SLOGANS
Tempo é Dinheiro
Uma das relações mais comumente estabelecidas nos textos
publicitários dos bancos é aquela que vincula a posse do dinheiro
(riqueza, entesouramento, acumulação de capital) a uma suposta
garantia de um futuro tranqüilo, sem os sobressaltos e as adversidades
da primeira realidade e da realidade social. Podemos observá-las em
slogans tais como:
76. apud Revista da Federação Latino Americana de bancos - FELABAN, n.53 - Novembro
de 1984 - Ed. Kelly, Bogotá, p.109.
156 A ARTE DOS SLOGANS
77. Segundo Décio Pignatari, a primeira revolução industrial – a mecânica – chegou ao Brasil
apenas nos anos 50; a segunda – a eletrônica –, apenas nos últimos 10 anos (anotação de
aula da disciplina “Ambiente e Comunicação”, ministrada pelo prof. Pignatari, na FAU/
USP, primeiro semestre 1991).
158 A ARTE DOS SLOGANS
O Slogan e o Sonho
No berço da cultura se encontravam textos e processos textuais,
começando pelo sonho, pelas anomalias psíquicas, pela
alucinação das drogas, pelas visões e pelo êxtase que se
realizavam nos mitos (...) e as atividades que o homem
desenvolveu paralelamente como ser cultural são derivadas, todas
elas do jogo, das atividades lúdicas” (BYSTRINA, 1989: 253).
primárias. O jogo cria, antes da cultura, aquela que será sua estrutura
básica: as regras, as leis, os territórios e os personagens. É uma das
primeiras formas de narrativa que ameniza a nostalgia do real,
evidenciando a natureza sígnica das linguagens.
Os êxtases ou as visões, alucinógenas ou não, foram, segundo
Bystrina, os responsáveis primeiros pela criação dos mitos na cultura
humana. Derivaram-se daí os rituais, as cerimônias, os cultos aos
deuses, a literatura, a filosofia, as utopias, as ideologias e as crenças,
de modo geral.
As variantes psíquicas — como a esquizofrenia, as neuroses e a
psicopatia — fizeram surgir formas diferenciadas e distorcidas de
perceber a realidade e explicam a tendência da cultura de
antropomorfizar objetos, imprimir ritmos e geometrizar formas,
abstrair sentimentos e de representá-los artisticamente, enfim, de criar
símbolos, capazes de ampliar a significação, desatando os laços
físicos que uniam os signos aos seus objetos.
O sonho é tido por Bystrina como o elemento fundante da
cultura. Michel Jouvet diz que “o homem sabe que sonha desde o
alvorecer da humanidade” (1978:96-117) e cita Malinovski ao afirmar
que a “atividade onírica está na raiz da crença da existência de uma
alma ou de um espírito”. O sonho é a mais primitiva das manifestações
da capacidade humana de reelaborar os fatos da vida em forma de
narrativa simbólica compactada.
Estudando a estrutura lingüística dos slogans, a forma breve e
econômica (condensada) de se anunciar e sua competência de motivar
ações, somos levados a aproximar a sua produção à produção dos
sonhos, linguagem simbólica que opera segundo mecanismos muito
parecidos, como podemos depreender da análise que Freud, em A
Interpretação dos Sonhos, faz dos fenômenos da condensação e do
deslocamento.
Ao reconstruir a realidade de forma simbólica, o sonho se
processa através de imagens ligadas por uma gramática peculiar. A
narrativa daí resultante forma aquilo que Freud denomina “conteúdo
manifesto”. Permeando tal narração, estão os “conteúdos latentes”,
ou seja, “os pensamentos oníricos”, através dos quais é possível
interpretar os sonhos:
Deslocamento e Condensação
Ainda segundo Olivier Reboul, é na concisão que os slogans
permitem “despistar todos os equívocos e despertar todas as ilusões”
(1986:60). Através de formas sintéticas e condensadas, os slogans
podem reformular uma necessidade já detectada, proporcionando às
pessoas a sensação de saberem o que querem; podem transferir, por
deslocamento, essa necessidade para um objeto qualquer, mesmo que
este não possua relação aparente com a falta acusada; podem
apaziguar interesses opostos em torno de uma sugestão nova e podem,
ainda, pela simples exposição do desejo, sugerir a esperança da
satisfação. Vejamos como isso acontece, nos slogans abaixo:
79. ver “O sonho do Besouro” em Interpretação dos Sonhos, 1a. parte, 1972 pp 309-315.
170 A ARTE DOS SLOGANS
80. Os dois primeiros slogans citados são traduções adaptadas do inglês, respectivamente
“Coke is it” e “You can’t be the feeeling”; o último, “Always Coke” ainda está em fase
de implantação e deve merecer, em português, alguma adaptação. No texto, traduzimos
literalmente este último slogan.
LUIZ CARLOS ASSIS IASBECK 171
Para atingir essa finalidade, deve ser atrativo e fantasioso, deve realçar
as ilusões e deve, enfim, fazer sonhar.
A publicidade é a arte mais popular do mundo industrializado.
Andy Warhol e Ridley Scott, por exemplo, entenderam muito bem o
que é a linguagem publicitária: a arte pop de Warhol e o cinema de
Scott possuem inúmeros elementos oníricos em suas estruturas que
operam segundo os mecanismos de deslocamento e condensação, de
forma fragmentária, para criar fantasias, retirando muitos de seus
substratos das articulações mágicas da publicidade.
O consumidor, antes de desejar o produto ou serviço, precisa
sonhar. Ele quer ter o seu imaginário estimulado por vôos que o
distanciem da dura realidade do dia-a-dia. É altamente sintomático
que no Brasil existam hoje mais televisores que geladeiras, como
acusa o último censo do IBGE, de 1992: o “consumidor” pode viver
com um mínimo de conforto, mas não pode abrir mão do máximo de
irrealidade, do máximo de fantasia.
Por isso ele é extremamente complacente com a “farsa”
produtiva da publicidade. Ele sabe muito bem que aquele banco que
se anuncia entre sorrisos na tela de sua TV não o atende senão após
esperas intermináveis em longas filas, através de funcionários de
humor amargo e semblante estressado. Esta gritante incongruência é
encarada com naturalidade ou, na maioria das vezes, nem mesmo é
questionada. O mundo mágico da publicidade, a sedução das boas
frases e das imagens atraentes é o que conta. O resto é realidade. Não
fosse isso, como poderíamos explicar o fato de um cigarro ser
anunciado com o slogan “O Sucesso”, entre imagens de iates e lindas
mulheres?
Antes de qualquer racionalização, é preciso entender que a
publicidade não existe para estimular raciocínios, assim como o sonho
relatado jamais possui as cores do sonho vivido. Muitos dos desejos
irrealizados só encontram satisfação na arte. Essa é talvez a única
realidade que interessa, o único grande prazer de que nenhum cidadão
pode ser desprovido.
Afinal, de que outra maneira seria possível abolir as imposições
da primeira realidade, senão pelo sonho e seus derivados? E é daí
que nascem todas as produções simbólicas que formam o acervo da
cultura humana.
CAPÍTULO IV
Slogans e Identidade
Traços Individualizantes
Vimos até agora como o slogan, em especial os slogans dos
bancos, se localiza no universo das produções publicitárias.
Analisamos seus parentescos com as demais fórmulas históricas afins,
os recursos estilísticos e de retórica mais comumente empregados na
produção dos textos. Examinamos o slogan do ponto de vista da
semiótica da cultura, procurando mostrar como ele constitui texto
cultural na publicidade bancária, articulando as metáforas do dinheiro
através de mecanismos parecidos com os dos sonhos.
Nossa abordagem não corresponderia a nossas expectativas se
deixássemos de reunir neste estudo, os traços individualizantes pelos
quais um slogan pode ser reconhecido. Muitos deles já foram
considerados em diversos momentos deste trabalho. Propositalmente,
deixamos para o final essa compilação, para não condicionarmos
previamente nosso leitor a identificar essas características de forma
isolada, dificultando, assim, o entendimento da produção de sentido
que, como vimos, se dá semioticamente.
O slogan é considerado pelo senso comum como um simples
resultado de “insights” criativos, ou até mesmo como resultado de
inspirações momentâneas. Porém, como em qualquer atividade
criativa, a produção supõe um certo conhecimento do objeto do qual
se fala, seja por referência direta, por indicialização ou por
simbolização.
As informações sobre o objeto podem estar centradas em
qualquer uma de suas peculiaridades imanentes, em sua origem, em
sua destinação ou em sua finalidade; os contingenciamentos externos
176 A ARTE DOS SLOGANS
81. Ver estudo sobre a função poética do slogan, no item 6 do capítulo III desta dissertação.
178 A ARTE DOS SLOGANS
Política de Uso
O uso do slogan está atrelado aos objetivos comunicacionais.
Assim, se o que se deseja é promover a empresa como um todo, a
função do slogan será a de compor com a marca, signo identificador
e individualizador da entidade jurídica. Podemos denominá-lo “slogan
institucional”. Visualmente, esse tipo de slogan aparece normalmente
atrelado à marca-símbolo e ao logotipo, compondo a denominada
“assinatura” do anunciante. Para atender a esta finalidade, a frase
deve estar permeada da filosofia de atuação da empresa ou, quando
possível, indicar seu direcionamento ou suas intenções de imagem.
A neutralidade do seu conteúdo – o não-comprometimento com uma
ou outra ação específica do anunciante – permitirá ao slogan maior
mobilidade, mesmo em anúncios associados, como é o caso do Banco
do Brasil, que, normalmente assina campanhas publicitárias em
conjunto com órgãos governamentais. O slogan institucional é,
segundo a legislação brasileira de marcas e patentes,82 objeto de
registro, ainda que seu uso seja de curta duração.
Os slogans que anunciam produtos e/ou serviços gozam de
rotatividade mais intensa que os institucionais. Possuem maior
autonomia de veiculação, distribuição espacial privilegiada no espaço
físico (gráfico) ou prioridade acústica no tempo de áudio. Uma
campanha que pretenda promover um novo produto ou serviço,
normalmente utiliza slogans referenciais, ou seja, frases que dizem
respeito diretamente ao objeto anunciado. Porém, gradativamente,
tais slogans tendem a se desprender do produto, substituídos por outros
de caráter indicial e, finalmente simbólico.
É possível observar também que slogans de maior sucesso não
se referem aos produtos mas às marcas desses produtos ou mesmo à
marca da empresa que os produz. Os publicitários já entenderam
que, antes de ser “bom”, o produto precisa ter uma boa marca.
Podemos constatar tal tendência nas últimas campanhas feitas para a
82. O INPI – Instituto Nacional da Propriedade Industrial – com sede no Rio de Janeiro, é o
órgão governamental que promove os registros e concede as licenças de uso de marcas,
incluindo aí os slogans.
LUIZ CARLOS ASSIS IASBECK 179
83. O slogan “Não tem comparação” foi assimilado rapidamente pelo público, chegando a
fazer parte dos chavões do dia-a-dia. Envolvendo peças para televisão e mídia impressa,
a campanha da Brastemp foi eleita como uma das melhores dos últimos anos no País.
84. O alastramento das campanhas antifumo pelo País foi, talvez, o mais importante fator a
determinar a mudança de rumos da publicidade desses produtos. Não é mais possível
anunciar cigarros pela sua qualidade, mas apenas por valores culturais associados ao uso
das marcas.
180 A ARTE DOS SLOGANS
– o O o –