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Atlas Agro Final 06-09 PDF
Atlas Agro Final 06-09 PDF
EXPEDIENTE
O ATLAS DO AGRONEGÓCIO é uma publicação conjunta dos escritórios
no Brasil da Fundação Heinrich Böll e da Fundação Rosa Luxemburgo,
sediados no Rio de Janeiro e em São Paulo, respectivamente.
Autores: Alceu Luís Castilho, Benjamin Luig, Bruno Stankevicius Bassi, Christian Rehmer, Christine Chemnitz, Christine Pohl,
Christoph Then, Christophe Alliot, Claudia Schmitt, Denis Monteiro, Dietmar Bartz, Elise Mills, Flávia Londres, Gabriel Bianconi
Fernandes, Heike Moldenhauer, Jan Urhahn, Jennifer Clapp, Jim Thomas, John Wilkinson, Juliana Casemiro, Juliana Dias, Katrin
Wenz, Leonardo Sakamoto, Maria Emília Pacheco, Maureen Santos, Roman Herre, Saskia Hirtz, Shefali Sharma, Sophia Murphy,
Stanka Becheva, Stephen Greenberg, Sylvian Ly, Vanessa Schottz, Verena Glass, Viviane Brochardt
Edição em inglês
Christine Chemnitz, Fundação Heinrich Böll
Benjamin Luig, Fundação Rosa Luxemburgo
Mute Schimpf, Amigos da Terra Europa
ISBN 978-85-62669-25-5
Este material é licenciado por Creative Commons “Attribution-ShareAlike 4.0 Unported“ (CC BY-SA 4.0).
Para o contrato de licença, veja http://creativecommons.org/licenses/by-sa/4.0/legalcode.
Para um resumo (não um substituto), veja http://creativecommons.org/licenses/by-sa/4.0/deed.en.
2018
SUMÁRIO
14 LATIFÚNDIO 26 BIOFORTICAÇÃO
QUEM SÃO OS DONOS DA NEM MAIS FORTE,
TERRA NO BRASIL? NEM MAIS SAUDÁVEL
Se formassem um país, os latifúndios brasileiros Como a manipulação genética de plantas
seriam o 12º maior território do planeta, com 2,3 com o objetivo de aumentar a concentração
milhões de km², área maior que a Arábia Saudita. de um ou mais micronutrientes vem
provocando desequilíbrio nos alimentos.
16 TECNOLOGIA AGRÍCOLA
MANOBRAS DIGITAIS – QUANDO 28 COMMODITIES
TRATORES FUNCIONAM ONLINE COMIDA, RAÇÃO OU ENERGIA?
A agricultura de precisão promete revolucionar Quatro corporações ocidentais dominam o
a gestão das áreas de produção. Mas beneficiará mercado global de produtos agrícolas. Agora
apenas os latifúndios e as empresas agropecuárias uma companhia chinesa juntou-se a elas.
intensivas em capital.
30 FABRICANTES
18 FERTILIZANTES MARCAS DOMINANDO MERCADOS
AGROTÓXICOS PARA O SOLO Cinquenta fabricantes representam 50%
Os fertilizantes sintéticos aumentam a produtividade das vendas globais na indústria de alimentos.
da agricultura, mas não melhoram a qualidade do As grandes empresas são as que mais crescem e,
solo. Os fabricantes querem vender mais, apesar dos rapidamente, estão aumentando suas
altos custos energéticos e ambientais. participações no mercado.
38 REGRAS 50 ALTERNATIVAS
PODER DE MERCADO E EM BUSCA DE UM NOVO CAMINHO
DIREITOS HUMANOS A agroecologia é um conceito bem-sucedido
Repetidamente, as corporações deixam que promove métodos agrícolas em sintonia
de respeitar os direitos humanos. com os ecossistemas locais. Ela já é utilizada em
Medidas voluntárias não são suficientes: cultivos de arroz no mundo inteiro.
precisamos de regras vinculantes.
52 ALTERNATIVAS
40 BRASIL AGROECOLOGIA NO BRASIL
O AGRO É LOBBY: A BANCADA Valorizando as dimensões da ciência, das
RURALISTA NO CONGRESSO práticas, dos movimentos sociais e das
Dominando o Legislativo, pressionando o Executivo inovações institucionais.
e influenciando o Judiciário, o setor vem se
configurando como principal força no retrocesso de
legislações socioambientais e de defesa dos direitos. 54 AUTORES E FONTES
O
Brasil comumente é “vendido” como embalagem a presença de ingredientes
um país com múltiplas regiões e geneticamente modificados, sofreu
diversidade na produção de alimentos. retrocessos coordenados pela Bancada
Grãos, frutas, legumes, frango, carne, tudo Ruralista e perdeu efeito prático.
para alimentar a população com sabor, saúde
e abundância. A propaganda no intervalo O “Agro é Pop”, mas quem não tem acesso
dos noticiários na TV, das novelas ou das salas a feiras ou mercado de produtos orgânicos
de cinema repete com imagens coloridas o ou agroecológicos, quem não pode pagar
sucesso do agronegócio brasileiro: “Agro é por alimentos livres de veneno, acaba refém
Tec”, “Agro é Pop”, “Agro é Tudo”. Será? da indústria alimentícia. Os supermercados
comuns dependem da oferta de conglomerados
O agronegócio é um dos pilares da economia cada vez mais poderosos, que nem sempre
de muitos países do Sul global, e em especial priorizam a qualidade dos alimentos ou a saúde
da brasileira. Corporações nacionais do setor dos consumidores. Falta transparência em um
agroalimentar estão entre as maiores do campo em que os setores público e privado
mundo, conforme você poderá verificar nas se confundem, onde política e interesses
próximas páginas. A história desse sucesso, econômicos se misturam o tempo todo.
contudo, não é tão singela como fazem crer
A
equipes de marketing bem remuneradas. concentração do mercado de produção
É o que mostram dados e informações aqui e distribuição de alimentos na mão
reunidos, análises dos players mundiais do de um número cada vez menor de
negócio da alimentação, com ênfase na conglomerados transnacionais não é uma
realidade brasileira. realidade exclusiva do Brasil. Com dados,
infográficos, cifras e mapas, o Atlas do
Evidenciamos que o campo tem sido marcado Agronegócio demonstra que este é um
pela concentração de terras nas mãos de cada fenômeno global. Ao apresentar um quadro
vez menos produtores, pela expansão de geral das transformações em curso no
plantações de monocultivos – especialmente mundo, a publicação evidencia os limites
soja, milho e cana-de-açúcar – e pelo socioambientais de um sistema onde a
consequente aumento do uso de agrotóxicos, prioridade é sempre aumentar a produtividade
perda de qualidade do solo e redução da aceleradamente e a qualquer custo.
biodiversidade.
A presente edição também detalha a
O Brasil do “Agro Tec” tornou-se campeão tendência de concentração do poder e das
mundial na produção de alimentos terras, em detrimento das condições de
geneticamente modificados em uma vida e de trabalho da agricultura familiar
reconfiguração de mercado bem pouco e camponesa, de povos indígenas e de
democrática ou transparente. Cada vez comunidades tradicionais. Cortes sociais
mais, os consumidores não têm nem como agravam conflitos socioambientais em um
saber quais produtos contêm substâncias contexto de criminalização, perseguições e
transgênicas. A legislação brasileira, que violação de direitos de quem luta pela terra –
chegou a obrigar empresas a informar na ou pela mera existência.
A
propaganda do agronegócio não os modelos de negócio e de desenvolvimento
menciona, mas o Brasil é hoje o país onde que o setor representa e as estratégias de
mais defensores dos territórios e do meio crescimento das empresas transnacionais.
ambiente são assassinados. No campo, o país
segue a tendência mundial de encolhimento
dos espaços para atuação engajada e crítica pessoas, se repete na comercialização e
da sociedade civil. Assim como em outras distribuição, assim como nos mercados de
partes do planeta, as possibilidades de diálogo veneno e de fertilizantes químicos.
e debate são encolhidas; a democracia se
fragiliza no momento em que parece mais Mesmo quem tenta escapar desse sistema de
necessária do que nunca. alimentação industrial corre o risco de acabar
engolido por ele. Aos poucos, ao mesmo
O setor se apresenta como símbolo de tempo em que avança a conscientização sobre
modernidade e eficiência, com domínio pleno mudanças climáticas e a preocupação com
de diferentes tecnologias, incluindo o que o corpo e o bem-estar, surge um novo nicho
há de mais avançado no mundo digital no de mercado em que alimentos saudáveis são
desenvolvimento da agricultura de precisão apresentados como produtos “gourmet”.
(precision agriculture, em inglês).
O
Atlas do Agronegócio foi apresentado
Na prática, porém, as novas tecnologias não em sua primeira edição em 2017
têm se revelado tão eficientes assim, pelo na Alemanha por um conjunto de
menos não quando o assunto é defesa da vida. organizações que defendem a justiça
O Atlas relaciona a disseminação de algumas socioambiental global. No Brasil, duas dessas
das novas tecnologias à perda de fertilidade organizações, a Fundação Heinrich Böll e
de solos, à redução de biodiversidade, à a Fundação Rosa Luxemburgo, juntaram
morte de oceanos e ao aumento crescente da forças para traduzir, atualizar, adaptar e
emissão de gases de efeito estufa. Na parte contextualizar informações reunidas no
social, a nova agricultura está relacionada à original, acrescentando vários artigos com
perda de postos de trabalho no campo sem relevância especial para a sociedade brasileira.
oferecer alternativas.
Esperamos que a publicação contribua para
O “Agro é Tudo” e avança com apetite melhor compreensão das relações entre a
concentrando-se não só sobre as terras, mas economia globalizada e quem controla o que
também sobre todas as etapas relacionadas comemos.
ao complexo agroindustrial. O mercado das
sementes, por exemplo, afetado por fusões
bilionárias, passou a ser dominado por quatro Annette von Schönfeld
Fundação Heinrich Böll
empresas transnacionais. São companhias que
Diretora do escritório Brasil
hoje têm o poder de influenciar e até definir
preços e o que é produzido em cada local. A Gerhard Dilger
lógica da concentração, de poucas empresas Fundação Rosa Luxemburgo
tomando decisões que afetam milhões de Diretor do escritório regional Brasil e Cone Sul
Países Baixos
• ABN Amro 10/11
• CNH 16/17
• CRV 22/23
• Hendrix Genetics
24/25
• Koepon 24/25 Singapura
• Louis Dreyfus 18/19, • Noble 10/11
28/29, 44/45
Alemanha • Olam 28/29
• Aldi 32/33
• Nidera 10/11
• BASF 16/17, 20/21,
• RFS 10/11
• Bayer 10/11, 16/17,
• Royal Dutch Shell, Shell
20/21, 32/33
10/11
• Claas 16/17
• Topigs Norsvin 24/25
• Deutsche Bank 44/45
• Unilever 10/11, 12/13,
• Edeka 32/33, 38/39
30/31, 34/35, 48/49
• JAB Holding 30/31
• Vion Food 32/33 Austrália
• K+S 18/19
• Netto 32/33 • Nufarm 20/21
• Rewe 32/33
• Schwarz (Lidl, Kaufland)
32/33
• Tönnies 32/33
Bélgica • Westfleisch 32/33
• AB InBev, Anheuser-Busch
InBev, InBev, Interbrew
10/11, 12/13, 30/31
Supersize me
Protecionismo ou desregulamentação – vas tecnologias de preservação e transformação dos alimen-
o complexo agroindustrial continua tos para produzir comidas e bebidas para o consumo urba-
crescendo. Fusões aumentam o tamanho e o no. Na década de 1930, o desenvolvimento da hibridação
possibilitou o cruzamento de diferentes variedades de cultu-
poder das empresas em toda a cadeia de valor.
ra ou linhagens de reprodução. Isso levou ao surgimento de
empresas produtoras de sementes e de reprodução animal.
A
s origens do sistema industrial agrícola, denominado Cada uma dessas indústrias tinha suas próprias tecnologias
no Atlas como agronegócio, podem ser rastreadas a ou estratégias de marketing que criavam barreiras à entra-
partir do último quarto do século XIX na Grã-Bretanha, da de novas empresas. O comércio varejista alimentar per-
que exercia, então, o poder comercial dominante do mundo. maneceu local e familiar até a década de 1950 nos Estados
As primeiras grandes empresas agrícolas com atuação global Unidos (EUA) e até a década de 1960 na Europa, quando as
surgiram por uma série de razões, tanto tecnológicas como cadeias de supermercados self-service surgiram.
institucionais. O trabalho agrícola foi mecanizado; os agro- Com o aumento do protecionismo e o declínio do comér-
tóxicos foram inventados e comercializados; trens, navios cio na primeira metade do século XX, grandes companhias
e portos revolucionaram o transporte; e novas tecnologias dos EUA e da Europa se transformaram em empresas trans-
melhoraram a preservação e o armazenamento de alimen- nacionais, investindo em outros países, e não apenas expor-
tos. O livre comércio eliminou as barreiras tarifárias e os mer- tando seus produtos para eles. Oligopólios, em que poucos
cados de futuros superaram a escassez de capital vendendo jogadores determinam as regras do jogo, surgiram em vá-
as colheitas antes mesmo de a semente ter sido plantada. rios estágios ao longo da cadeia de valor.
Do ponto de vista da produção agrícola, essas corpora- Esse processo foi acelerado com os programas de recons-
ções poderiam, a grosso modo, ser divididas em empresas a trução liderados pelos EUA na Europa após a Segunda Guer-
montante e a jusante. As empresas a montante forneceram ra Mundial e reforçado pelo surgimento de novos tipos de
máquinas agrícolas e agrotóxicos para grandes proprieda- produtos: fast food, lanches e bebidas. As empresas a mon-
des na Europa e extensas fazendas familiares comerciais nas tante, de máquinas e agrotóxicos, juntamente com a recém-
Américas. Empresas a jusante focaram na comercialização e -criada indústria de sementes, abriram o caminho para a
no processamento primário ou no desenvolvimento de no- industrialização da agricultura na Europa. A ajuda ao desen-
volvimento e a Revolução Verde, com sua dependência em
sementes, fertilizantes, agrotóxicos e máquinas, permitiram
ONDE AS CORPORAÇÕES ATUAM a disseminação dessas empresas na Ásia e na América Latina.
As principais atividades do agronegócio
O crescimento econômico pós-guerra e o aumento da
renda levaram a uma mudança nas dietas. As opções de
Finanças Investimento Seguro Informação
alimentos expandiram-se. De acordo com a Lei de Engel, à
medida que a renda aumenta, a proporção de renda gasta
Maquinaria Terra Água em alimentos cai. As empresas responderam a essa poten-
cial perda de faturamento lançando produtos novos e mais
Sementes Pesticidas Fertilizantes
caros e intensificando o seu marketing. As mercearias foram
Reprodução Veterinária Ração substituídas pelos supermercados, e os imensos revende-
dores exerceram sua influência tanto no início da cadeia
agroalimentar – nos produtores e processadores – como no
Produção final – nos consumidores. As preocupações com a saúde e
agrícola
o bem-estar físico criaram demandas por produtos frescos,
Produção como vegetais, frutas e peixes, que passaram a ser estrutura-
de energia
Mercado de dos sob o controle direto dos varejistas.
commodities e
Indústria Na década de 1980, as transnacionais agrícolas foram
transporte
química crescentemente se transformando em global players, com
interesses no mundo inteiro. Nos países em desenvolvimen-
Produção e to, a liberalização desmantelou os controles estatais sobre os
processamento de
alimentos mercados de commodities e as barreiras tarifárias, levando
a uma rápida expansão do comércio mundial de produtos
agrícolas. Os grandes varejistas começaram a organizar no-
ATLAS DO AGRONEGÓCIO 2018
Assim, algumas corporações globais agora estabelecem tornam a produção agrícola e o varejo de alimentos atraentes
os padrões mundiais de agricultura e consumo de alimen- para empresas como a IBM, a Microsoft e a Amazon.
tos. Elas são incrivelmente duradouras: muitos dos atuais Apesar do seu poder abrangente, até agora os gigantes
líderes mundiais dessa indústria foram fundadores do com- do complexo agroindustrial prestaram pouca atenção ao
plexo agroindustrial moderno, como a Cargill (comercian- impacto das suas ações no resto do mundo. Eles precisam co-
te de grãos), a John Deere (máquinas agrícolas), a Unilever meçar a tratar de questões como a fome, as mudanças climá-
(alimentos processados e, no passado, plantações), a Nestlé ticas, o desperdício, a sustentabilidade, a saúde e as doenças,
(produtos lácteos e chocolate), o McDonald’s (fast food) e a o bem-estar animal, bem como da justiça socioambiental.
Coca-Cola (refrigerantes). Dois adventos – o domínio do ca- Essas preocupações têm sido ressaltadas pelos movimentos
pital financeiro e o impacto das biotecnologias – resultaram sociais, pelas convenções internacionais e pelas organiza-
em uma onda de fusões e aquisições desde a década de 1980, ções da sociedade civil. Atualmente estas organizações e
mudando a cara do setor. instituições exercem mais pressão do que nunca nas corpo-
Nos últimos 20 anos, o centro das atenções mudou para rações globais, exigindo mudanças nos modos de produção,
os países em desenvolvimento e para a Ásia, especialmente nas abordagens de marketing e nas operações de aquisição,
para a China, que se tornou o principal mercado de commodi- que têm sido utilizadas nos últimos 150 anos.
ties. Novos atores globais estão surgindo. Atualmente, três
empresas brasileiras são líderes mundiais no setor da carne. 1
Nota da tradutora: Big data é um conceito de tecnologia da informação
A BRF (formalmente Brasil Foods) expandiu-se na Argentina, utilizado para referir-se a um grande conjunto de dados armazenados,
no Oriente Médio e na Tailândia. A JBS rapidamente com- complexos e importantes para o funcionamento diário das empresas.
prou a Swift, a Pilgrim’s Pride e parte da Smithfield Foods,
três das maiores produtoras de carne dos EUA. Mais recen-
ATLAS DO AGRONEGÓCIO 2018 / ARQUIVOS ATLAS-manufaktur
3 JBS
Apenas uma das cinco principais empresas indústria comércio
comerciais e industriais agroalimentares é de um
Indústria: apenas faturamento com produtos agrícolas e alimentos. Comércio: inclui produtos não alimentícios
país em desenvolvimento: a brasileira JBS.
A
quisições em larga escala na indústria de alimentos e dos no mercado. Como parte deste novo modelo de negócio
bebidas não são nenhuma novidade. Refletindo ten- estava a “iniciativa refranchising2”: antes de 2010, dos mais
dências de outros setores, no final da década de 1980 de 13 mil restaurantes, 1.344 ainda eram de propriedade da
e na década de 1990, corporações como a Nestlé e a Kraft di- empresa. Em 2013, este número baixou para apenas 52.
versificaram o controle sobre as suas marcas fazendo aquisi- Em 2013, a 3G Capital uniu forças com a Berkshire
ções em diversos mercados. Desde o final da década de 1990, Hathaway, do investidor Warren Buffett, e comprou a gi-
os investidores financeiros começaram a exercer uma forte gante dos alimentos Heinz. Dois anos depois, em 2015, a
influência nas fusões e aquisições no setor de alimentos e be- Heinz adquiriu o Grupo Kraft Foods por US$ 62 bilhões para
bidas. As empresas foram instadas a se concentrar em suas formar a Kraft Heinz, a quinta maior empresa de alimen-
principais marcas e indústrias, e a fazer aquisições verticais tos e bebidas do mundo, com receita de US$ 6,6 bilhões
e horizontais dentro do mesmo subsetor. em 2016. Os motivos dessa fusão são sintomáticos de toda
A maximização do lucro, ao invés da expansão, tornou- a onda de fusões dos últimos anos: enquanto a Heinz tinha
se o objetivo principal. Em vez de acumular capital para uma forte posição global, com 61% de suas vendas realiza-
expandir as operações de uma empresa, os investidores das fora da América do Norte, 98% das vendas da Kraft Foods
financeiros exigiram a canalização do fluxo de caixa em era gerada na América do Norte. No momento da fusão, a
pagamentos de dividendos e o resgate de ações, dando Kraft tinha uma classificação de crédito muito boa, o que fa-
aos investidores financeiros (e não à própria empresa) a cilitou o refinanciamento da sua dívida por parte da 3G e da
flexibilidade para diversificar seus investimentos. Tanto os Berkshire. A direção anunciou redução de custos decorren-
investidores institucionais como os principais analistas de tes de sinergias e da racionalização de estruturas logísticas,
mercado queriam que as aquisições fossem “alavancadas” no total de US$ 1,5 bilhão por ano nos primeiros três anos.
– baseadas em títulos de dívidas. Desde o início dos anos Essa racionalização resultou na perda de cerca de 5 mil em-
2000, todas as principais aquisições no setor de alimentos e pregos. Nos EUA e no Canadá, um quinto das 41 fábricas de
bebidas têm sido justificadas com o pretexto de aumentar o processamento foram fechadas.
valor de curto prazo para o acionista. Dois anos depois, em fevereiro de 2017, a 3G tentou,
Uma das mais proeminentes empresas de capital fe- através da Kraft Heinz, a aquisição de uma rival muito maior
chado que reestruturou várias companhias de forma fun-
damental é a 3G Capital. Fundada em 2004 por Jorge Paulo
Lemann e sócios, a 3G tem sede em Nova Iorque e escritó- Depois de não conseguir comprar a Unilever,
rios no Rio de Janeiro e em São Paulo. Antes de fundar a 3G, a 3G está à procura de novos alvos.
ATLAS DO AGRONEGÓCIO 2018 / IMAP
Fusões e aquisições nos Estados Unidos; Acordos com compradores Empresas de capital aberto de alimentos e bebidas,
número de transações no setor de financeiros e estratégicos, por ganhos múltiplos; grupos de produtos selecionados
alimentos e bebidas 2016, em porcentagem Lucro em múltiplos*
20x guloseimas
investidores
Potencialmente
sobrevalorizada
10x distribuidores
investidores
estratégicos 8x
2016
18.024
varejo produtos químicos
alimentos e bebidas restaurantes 543
Restaurant Brands Int. 3,6 %
320*
Costco 1,0 %
The Pampered Chef 100 %
410*
720
See’s Candies 100 % Monsanto 1,8 %
964
Kraft Heinz 26,7 %
4.100*
23
* total de vendas ou receita de outras empresas alimentícias Mondelez 0,04 %
de propriedade da Berkshire Hathaway, 2014-2016
que ela mesma, a Unilever, por US$ 143 bilhões. A oferta foi Budweiser, Corona, Stella Artois, Becks e Jupiler. A aquisição
rejeitada. Em 2016, a Mondelez, fabricante de petiscos e da SABMiller provavelmente colocará um fim às fusões da
confeitos que se separou da Kraft em 2012, não conseguiu AB InBev no mercado da cerveja devido ao risco de o conglo-
assumir a Hershey, uma fabricante estadunidense de cho- merado ser bloqueado por reguladores antitrustes. As op-
colate. Essas tentativas fracassadas aumentaram a probabi- ções podem incluir a diversificação para outras bebidas al-
lidade de a Mondelez ser reabsorvida pela Kraft Heinz. coólicas (por exemplo, o vinho, através da Castel, na França)
A 3G seguiu uma estratégia similarmente agressiva no ou refrigerantes (por exemplo, a PepsiCo ou a Coca-Cola).
setor de bebidas. Por meio de sucessivas fusões em 2004 e No entanto, a agressiva estratégia de aquisição da 3G é
2008, a Ambev com a Interbrew, da Bélgica, e a Anheuser- apenas a ponta do iceberg. Quase todas as grandes empre-
-Busch, dos EUA, formaram a AB InBev, a maior produtora sas de alimentos lançaram suas próprias armas de capital
de cerveja do mundo. Em 2015, a AB InBev assumiu a SAB- de risco nos últimos anos, investindo em marcas pequenas e
Miller. A empresa que resultou dessas fusões possui 25% das em ascensão. Decisões agressivas, impulsionadas pelo capi-
vendas mundiais de cerveja e 45% do lucro do setor. tal de risco, tornaram-se o status quo.
Novamente, a principal motivação foi reduzir drastica-
mente os custos operacionais, criando um gigante global. A 2
Nota da tradutora: a estratégia do mercado de franquias consiste na
AB Inbev planeja cortar 5.500 postos de trabalho neste pro- transformação das unidades próprias da rede de franquias em fran-
cesso. Juntos, AB InBev e SABMiller controlam sete das dez queadas. A empresa passa a agir exclusivamente como franqueadora,
marcas de cerveja mais importantes do mundo, incluindo deixando a gestão das unidades para os franqueados.
ENGOLINDO A CONCORRÊNCIA
Fusões e aquisições lideradas ou acompanhadas pela 3G Capital e sócios, incluindo Berkshire Hathaway
A
conjuntura histórica e geopolítica colonial legou à flora em parceria com o GeoLab da Esalq/USP, 28% das terras
América Latina a pior distribuição de terras em todo privadas têm tamanho superior a 15 módulos fiscais. Os lati-
mundo: 51,19% das terras agrícolas estão concentra- fúndios brasileiros seriam o 12º maior território do planeta,
das nas mãos de apenas 1% dos proprietários rurais, confor- com 2,3 milhões de km² se formassem um país. Apenas com
me levantamento da Oxfam. Ocupando o 5º lugar no rank- nossas terras improdutivas poderíamos ainda formar outro
ing de desigualdade no acesso à terra, o Brasil tem 45% de país de dimensões continentais: os 66 mil imóveis declara-
sua área produtiva concentrada em propriedades superio- dos como “grande propriedade improdutiva”, em 2010, to-
res a mil hectares – apenas 0.91% do total de imóveis rurais. talizavam 175,9 milhões de hectares. Sozinho, este estoque
A raiz da concentração fundiária no Brasil pode ser de terras seria suficiente para suprir a demanda por reforma
identificada na Lei de Terras. Aprovada em 1850 pelo im- agrária e conceder títulos aos 809.811 produtores rurais
perador D. Pedro II, a lei tinha como objetivo suprimir a sem-terra.
apropriação de terras por posse e usufruto. A partir daque- Dos 26 estados brasileiros mais o Distrito Federal, 16 con-
le momento, seriam reconhecidas apenas as propriedades tam com mais 80% de suas terras em propriedades privadas.
compradas do Estado (terras devolutas da União) ou de ter- O caso do Mato Grosso do Sul é ilustrativo: com 92,1% de sua
ceiros. Na prática, serviu para cercear a população negra do área sob títulos privados, o estado tem também o maior ín-
direito de possuir terras, no momento em que o movimento dice de latifúndios (83%) entre imóveis rurais no Brasil. A
abolicionista ganhava força e o fim do regime escravocrata concentração de terras em grandes propriedades é uma ca-
já parecia inevitável mesmo para os grandes latifundiários, racterística marcante da região Centro-Oeste, cujo tamanho
que ainda retardariam a abolição oficial por mais 38 anos. médio dos imóveis rurais é de 339 hectares, contra uma mé-
Com a Lei de Terras, surge a figura do “posseiro”, consecuti- dia nacional de 79 hectares.
vamente usurpada e expulsa durante o avanço da fronteira Ainda que o coronelismo siga como prática vigente em
agrícola brasileira. várias regiões do país, o processo de ocupação e uso da terra
Esse enorme estoque de terras públicas sem destinação no Brasil se tornou mais estruturado e vem progressivamen-
– que ainda compõem 10,9% da superfície agrícola no Brasil, te se integrando às cadeias globais de valor, muitas vezes em
concentradas especialmente na Região Norte – estimulou a associação ao capital transnacional. Grande parte da pro-
prática da grilagem, a falsificação de títulos de propriedade
com fins de apropriação irregular. A extensão da sobrepo-
sição irregular de registros de imóveis rurais no Brasil pode O Brasil ocupa o 5º lugar no ranking de
ser vislumbrada no Atlas da Terra Brasil 2015: o país tem re- desigualdade ao acesso a terra.
Atlas da Agropecuária Brasileira / Imaflora/GeoLab
55
91,7 2,3
92,4 1,2 68,7
Bahia
Goiás
56,4
92 3
92,1 3,4 83
Espírito Santo
Mato Grosso do Sul
Soja Cana-de-açúcar
dução brasileira de commodities agrícolas está vinculada a por 45% das emissões de gases de efeito estufa do Cerrado.
conglomerados de estrutura verticalizada, que controlam do Com apenas 10% de área protegida, o Matopiba tem 57% dos
plantio à comercialização. SLC Agrícola (404 mil hectares), imóveis rurais nas mãos de grandes proprietários. E a dis-
Grupo Golin/Tiba Agro (300 mil ha), Amaggi (252 mil ha), puta por terras mais baratas para exploração agrícola tem
BrasilAgro (177 mil ha), Adecoagro (164 mil ha), Terra Santa intensificado os conflitos fundiários: em 2016, a Comissão
(ex-Vanguarda Agro, 156 mil ha), Grupo Bom Futuro (102 mil Pastoral da Terra contabilizou 505 conflitos em todo Matopi-
ha) e Odebrecht Agroindustrial (48 mil ha) são algumas das ba, impactando 236 mil pessoas. Apenas no Maranhão, líder
empresas que exploram o mercado de terras, tanto para pro- do ranking, foram registrados 196 conflitos em 75 cidades,
dução de commodities quanto para especulação financeira. com 13 mortos.
Este avanço se dá especialmente no Cerrado. Com 178 Na Bahia, a disputa por terras quase resultou em levan-
milhões de hectares registrados como propriedade privada te popular quando, em 2017, a população de Correntina
e apenas 7% de sua área protegida, o bioma apresenta de tomou as ruas em protesto contra a decisão do Instituto do
longe os maiores índices de desmatamento no Brasil. Segun- Meio Ambiente e Recursos Hídricos (Inema) em conceder à
do dados do Instituto de Pesquisa Ambiental da Amazônia Fazenda Igarashi, com 2.539 hectares, o direito de bombear
(IPAM), entre 2000 e 2015 a perda de cobertura vegetal no 106 milhões de litros de água por dia do Rio Arrojado.
Cerrado avançou a um ritmo alarmante, totalizando 236 mil Outro bioma sob ameaça, a Caatinga, apresenta dados
km². Como comparação, a Amazônia – com uma área duas ainda mais impressionantes. Nada menos que 93,2% das
vezes maior – perdeu 208 mil km² de mata durante o mesmo terras correspondem a propriedades privadas, com apenas
período. Estima-se que 52% do Cerrado já tenha sido degra- 2% do bioma protegido por unidades de conservação. O in-
dado ou sofrido perda irreversível. vestimento massivo em projetos de irrigação associados à
O principal fator de mudança no uso da terra não pode- transposição do Rio São Francisco tem contribuído para a
ria ser outro senão a agropecuária de escala industrial. Entre fragmentação do bioma e acelerado o processo de latifun-
2000 e 2016, de acordo com dados da plataforma MapBio- diarização.
mas, o cultivo perene de grãos (como soja, milho e sorgo) A matemática é simples. Quanto menos terras dispo-
passou de 7,4 milhões para 20,5 milhões de hectares, uma níveis, maior a tensão pela ocupação das áreas restantes.
área duas vezes maior que Portugal; a cana-de-açúcar saltou Ainda há dúvidas se novos mecanismos, como o Cadastro
de 926 mil para 2,7 milhões de hectares. Já a pecuária man- Ambiental Rural (CAR), poderão otimizar a fiscalização de
teve seu reinado inconteste sobre o Cerrado, avançando de irregularidades, pois a tendência à concentração de terras e
76 milhões para 90 milhões de hectares: um território equi- capital nas mãos de poucos proprietários é inerente ao mo-
valente à Venezuela só de pastagens. delo agropecuário brasileiro. Nos resta entender se esse es-
Grande parte dessa expansão se deu sobre o território gotamento levará o Estado a realizar a tão esperada reforma
conhecido como Matopiba, uma área de 400 mil km² que en- agrária, com um uso aperfeiçoado das terras improdutivas,
globa os estados de Maranhão, Tocantins, Piauí e Bahia, con- ou se presenciaremos nas próximas décadas a uma explosão
siderada a última fronteira agrícola do Brasil e que responde de conflitos no campo.
O
mercado de máquinas e tecnologia agrícola é enor- otimiza as operações, economizando dinheiro e recursos e
me. Com um faturamento mundial de US$ 137 bi- maximizando os rendimentos.
lhões, 2013 foi o melhor ano do setor. Desde então, Tratores são operados pelo GPS; aplicativos fornecem
as vendas de tratores, enfardadeiras, máquinas de ordenha, aos produtores dados sobre a qualidade do solo através de
equipamentos de alimentação e outros aparelhos técnicos redes sem fio e calculam os padrões ideais de semeadura e
estão diminuindo, em função dos baixos preços dos pro- as distâncias de plantio. Os drones podem controlar a pulve-
dutos agrícolas, saturação dos mercados europeu e norte- rização de agrotóxicos. A tecnologia da informação permite
-americano e diminuição dos subsídios. que os “sistemas de gerenciamento de áreas de produção”
O que vem crescendo, porém, é o mercado da chama- digitais acessem bases de dados e combinem informações
da agricultura de precisão. Segundo um estudo recente da da qualidade do solo com as previsões meteorológicas. E o
Berg Insight, o mercado global de soluções para Agricultura controle desta tecnologia está concentrado nas mãos de
de Precisão chegou a 2,2 bilhões de euros no ano passado e poucas empresas.
deverá alcançar 4,2 bilhões até 2021, com um crescimento A digitalização está abrindo novos mercados para em-
anual em torno de 13,6%. presas agrotech. Novas joint ventures e aquisições já apontam
No setor de equipamentos e máquinas agrícolas, algu- para essa tendência. A AGCO e a produtora de agrotóxicos
mas poucas corporações dividem o mercado entre si. Em vez DuPont anunciaram em 2014 que trabalhariam juntas na
de crescer de forma orgânica, estas empresas compraram transmissão de informações digitais. No mesmo ano, a divi-
concorrentes menores e mantiveram suas marcas. O merca- são “Corporação Climática” da CNH e da Monsanto assinou
do global é dominado por três atores: a corporação estadu- um contrato para desenvolver tecnologias de plantio de pre-
nidense Deere & Company é a líder do Mercado; ela é conhe- cisão. A Deere e a Corporação Climática concordaram em
cida pela sua maior marca, a John Deere. A CNH Industrial permitir ao sistema de gerenciamento de fazenda da Deere
pertence ao grupo Fiat; suas doze marcas incluem Case, acesso aos amplos bancos de dados da Corporação Climáti-
New Holland, Steyr, Magirus e Iveco. O terceiro maior ator é ca. A AGCO e a empresa química BASF também formaram
a AGCO, dos EUA, com Gleaner, Deutz-Fahr, Fendt e Massey uma parceria para desenvolver seu próprio sistema de ge-
Ferguson. Estas três empresas compartilham mais de 50% do renciamento rural.
mercado global. Apenas a Deere teve um faturamento de A CNH introduziu tratores que se autoconduzem em
US$ 29 bilhões em 2015: maior do que as vendas combina- 2016. Sensores orientam o veículo, tornando desnecessário
das de sementes e agrotóxicos da Monsanto e da Bayer. o tratorista. Eles estão entre os primeiros “robôs agrícolas”:
máquinas que aram, semeiam, pulverizam, podam, orde-
nham, tosam e colhem. A empresa de consultoria estaduni-
TOP 6 DAS CORPORAÇÕES DE AGROTECNOLOGIA dense Wintergreen Research estima que o mercado global
Sede das empresas líderes em 2016 destas tecnologias cresça de US$ 1,7 bilhão em 2016 para
US$ 27 bilhões em 2023. No entanto, a Wintergreen prevê
uma queda no preço dos equipamentos depois que eles pas-
5 Claas
1 Deere
sarem a ser produzidos em larga escala.
4 Kubota
ALTAS DO AGRONEGÓCIO 2018 / ARQUIVOS ATLAS-manufaktur
6 Mahindra
Entre os fazendeiros que já usam algum tipo de agricultura de
capital aberto empresa privada ou familiar precisão, a maioria aposta em ganho de produtividade, mas
também na diminuição da força de trabalho na propriedade.
40 43 43 45
41
30
20 23 24
21 20 20 20
16 15 15
10 13 12
3 9 5
2 2
0
Total Sul Cerrado Mapitoba
n=374 n=101 n=198 n=75
colheitadeiras e afins, o gerenciamento da adubação das dir, mas também se digitalizar para se manterem lucrativas.
lavouras (aplicação de fertilizantes e corretivos dependendo A expressão “up or out” (que significa “ou você sobe ou está
da necessidade de cada “pedaço” de solo em uma área, o que fora da empresa3”) mudará para “digitalizar ou sair”. As mu-
diminui desperdícios) e o monitoramento da semeadura e danças estruturais na agricultura continuarão a demitir os
da colheita. Com isso, aponta o LAP, os grandes produtores trabalhadores.
esperam aumentar a produtividade, diminuir custos e ne- A AGCO prevê que um consórcio se forme entre a Deere e
cessidade de mão de obra. a Claas, uma fabricante alemã de tratores. O Grupo ETC, uma
Nesse sentido, enquanto um boom no setor gerará em- organização não governamental com sede nos EUA, anteci-
prego na produção, manutenção e na área de software dos pa o controle da indústria de sementes e agrotóxicos pelas
equipamentos, reduzirá o número de empregos na produ- corporações agrotecnológicas devido ao seu poder financei-
ção animal e em áreas agrícolas intensivas em mão de obra. ro. Isso aumentaria ainda mais o controle destas empresas
Os desenvolvedores visam reduzir os custos trabalhistas e o sobre o campo e sobre a nossa comida.
trabalho manual pesado e permitir que os agricultores se
tornem independentes das jornadas de trabalho. As técnicas
de reconhecimento de imagem estão avançando rapida- 3
Nota da tradutora: filosofia comum em empresas onde as pessoas que
mente, permitindo que os computadores detectem se frutas não são promovidas são demitidas. O objetivo é garantir que todos se es-
e vegetais estão maduros para a colheita e quais coletar. Os forcem, não ficando estagnado no mesmo cargo.
fabricantes prometem que, ao contrário dos trabalhadores
humanos, suas máquinas podem funcionar dia e noite sem
CRIANDO MÁQUINAS PARA A PRODUÇÃO AGRÍCOLA
cometer erros. Por razões de custo, os seres humanos só po-
Faturamento das maiores corporações, por tamanho,
dem passar por um campo uma ou duas vezes para fazer a em bilhões de dólares dos EUA, 2014
colheita; as máquinas podem fazê-lo continuamente.
Espera-se que a digitalização da agricultura possa aju- 35
A
fertilidade do solo é uma questão fundamental para os usando fertilizantes, agrotóxicos e sementes melhoradas.
agricultores: eles precisam repor os nutrientes, retira- Ela também pretende incluir o sequestro de carbono nos so-
dos da terra através das plantações. Os três principais los no comércio internacional de emissões de gases de efeito
nutrientes, nitrogênio, fósforo e potássio, são encontrados estufa.
em estrume, esterco de frango, resíduos da colheita e outros No entanto, medir o estoque de carbono é uma tarefa
materiais de origem animal ou vegetal. Os fertilizantes mi- difícil. E a perspectiva de ganhar dinheiro com o sequestro
nerais também os contêm, mas suas fontes são diferentes: proporcionaria incentivos errados aos agricultores. Poderia
fósforo e potássio são extraídos de rochas. Já o nitrogênio promover métodos insustentáveis de cultivo e a especula-
sintético é produzido através de um processo químico. ção de terras ameaçando bens fundamentais: segurança ali-
A invenção dos fertilizantes minerais possibilitou a mentar, fertilidade do solo e diversidade biológica.
industrialização da agricultura primeiro na Europa e na A produção de fertilizantes artificiais é extremamente
América do Norte, e posteriormente em países em desenvol- intensiva em energia, o que significa que seus preços estão
vimento. A Revolução Verde introduziu práticas agrícolas vinculados aos preços do gás e do petróleo. O nitrogênio sin-
ocidentais em outras regiões. Neste processo, um mercado tético é produzido principalmente na América do Norte, na
bilionário de fertilizantes emergiu. A indústria orgulhosa- Índia, na China, na Rússia, no Oriente Médio, na Austrália e
mente ressalta os rendimentos crescentes, mas ignora os im- na Indonésia. 80% do potássio vem do Canadá, de Israel, da
pactos negativos no solo, no clima e no meio ambiente. Rússia, da Bielorrússia e da Alemanha. O fosfato de rocha é
Corporações estão tentando tirar vantagens do debate extraído em minas a céu aberto: mais de 75% das reservas
internacional sobre a “agricultura climaticamente inteli- mundiais estão localizadas em Marrocos e no Sahara Oci-
gente” (CSA, sigla em inglês para climate-smart agriculture). dental ocupado pelo Marrocos.
A Organização das Nações Unidas para Alimentação e Agri- Desde 1961, o consumo de fertilizantes artificiais au-
cultura (FAO) introduziu este conceito em 2010. A ideia era mentou seis vezes, e em 2013 as vendas mundiais totali-
vincular agricultura, segurança alimentar e proteção ao zaram US$ 175 bilhões. Os fabricantes, especialmente de
clima. Determinadas práticas adaptadas ao clima local e às fosfato e potassa, dominam certos mercados ou setores geo-
condições do solo deveriam aumentar a produtividade de gráficos e atuam como monopolistas. Os maiores atores são
pequenas propriedades agrícolas e a formação de húmus. A Agrium, do Canadá; Yara, da Noruega; e a Mosaic Company,
proposta era adaptar a agricultura às mudanças climáticas e dos EUA. Essas empresas operam suas próprias minas e fábri-
cas; juntas, são responsáveis por 21% do mercado global de
fertilizantes.
Para o período 2015-2020, a FAO espera que as entregas
10 MAIORES EMPRESAS DE FERTILIZANTES
de fertilizantes artificiais passem de 246 para 273 milhões
Sede das empresas com maior faturamento, 2015
de toneladas, sendo 171 milhões de toneladas de adubo ni-
capital aberto estatal privada trogenado e cerca de 50 milhões de fosfato e de potássio.
A indústria prevê um crescimento desigual nesse período.
1 Agrium 2 Yara 8 PhosAgro Espera-se que a África tenha a maior taxa de crescimento
4 Potash 9 Uralkali anual, em 3,6%, seguidos pela América Latina, Sudeste Asiá-
Calgary Oslo Moscou Beresniki
Saskatoon Kassel tico e Leste Europeu.
Plymouth
Deerfield
Tel Aviv
Pequim A demanda chinesa por fertilizantes está se estabilizan-
3 Mosaic
10 K+S 6 Sinofert do. Em 2015, o governo decidiu limitar o uso de fertilizantes
7 ICL no país a 1% ao ano. Em 2020-2021, 50% do mercado global
ATLAS DO AGRONEGÓCIO 2018 / soil ALTAS
13.786 13.692
14.000
12.872
11.852
12.000 12.866
10.679 10.609 10.550
10.000 9.243
10.130
7.773 7.993
7.439 9.056
8.000
1.977 3.127
2.000
990
86 125 243 257
0
1950 1955 1960 1965 1970 1975 1980 1985 1990 1995 2000 2001 2002 2003 2004 2005 2006 2007 2008 2009 2010 2011 2012 2013 2014 2015 2016
alimentos, por exemplo, do Brasil, estarão terceirizando a caso da cidade paulista de Cubatão, onde, em 2017, ocorreu
produção agrícola e o uso de fertilizantes. um acidente na empresa Vale Fertilizantes que liberou ga-
Multinacionais do comércio agrícola, como a Archer ses tóxicos como nitrato de amônio e ácido sulfúrico para a
Daniels Midland, a Bunge, a Cargill e a Louis Dreyfus, redu- atmosfera. No entanto, a maior fonte de contaminação é a
ziram seus investimentos devido às baixas perspectivas de aplicação de fertilizantes na agricultura, que deixa concen-
crescimento. Ao mesmo tempo, os principais atores estão trações elevadas de nitrato e metais pesados no solo, em rios
comprando seus concorrentes. O Canadian PotashCorp, o e águas subterrâneas. Até agora, há poucos levantamentos
número 4 do mundo, possui ações da Sinofert, da China, e sobre tal contaminação no Brasil. No município de Feira de
da ICL, de Israel. A norueguesa Yara, a segunda maior pro- Santana, no interior da Bahia, um estudo encontrou valores
dutora de fertilizantes do mundo, adquiriu ações no Brasil e de nitrato acima do recomendado na legislação em quase
nos EUA. A Yara também planeja expandir seus negócios na 90% das amostras. Em outro estudo, um em cada seis poços
África promovendo a agricultura industrial em larga escala do município paulista de Bauru demonstrou concentrações
e participando de parcerias público-privadas, como a Nova de nitrato prejudiciais para a saúde humana.
Aliança para a Segurança Alimentar e a Nutrição na África.
As quatro maiores empresas controlam mais da metade
da produção em todos os principais países produtores, exce-
AGRICULTURA INTENSIVA
to na China. Na América do Norte, três grandes companhias
Uso de fertilizantes por país, quilograma
dominam o setor de potassa: Agrium (número 1 do mundo), por hectare de terra cultivável, 2013
Mosaic e PotashCorp. Elas trabalham juntas em um cartel e
distribuem seus produtos através de uma empresa conjun-
ta, a Canpotex. Alguns países, como a Hungria e a Noruega, China
Indonésia
202
têm apenas uma empresa de fertilizantes.
140
557
No Brasil, o uso de fertilizantes aumentou 3,5 vezes des-
de 1995, resultado da intensificação agrícola industrial no EUA
país. Cada hectare de terra arável é tratado com 163,7 kg
de fertilizantes – uma quantidade bem elevada em compa-
ALTAS DO AGRONEGÓCIO 2018 / WEL TBANK
204
ração com a média mundial de 137,6kg e que torna o Bra-
615
sil o quarto maior consumidor de fertilizantes do mundo.
Os fertilizantes contaminam o solo e a atmosfera, como no
Índia
Alemanha
O
número de empresas no mercado global de sementes neses ao uso dessa tecnologia na agricultura. Não está claro
e agrotóxicos tem diminuído em ritmo acelerado, no se os novos proprietários da Syngenta irão listar a empresa
mesmo passo em que fusões criam conglomerados na bolsa de valores.
empresariais cada vez mais poderosos. Em junho de 2018, Por sua vez, a Bayer está financiando a aquisição da
o Departamento de Justiça dos Estados Unidos aprovou a Monsanto com US$ 57 bilhões em empréstimos. O conselho
compra, por US$ 63 bilhões, da gigante americana Monsan- da empresa argumenta que o enorme potencial dos mer-
to pela alemã Bayer. Para isso, a empresa ainda terá que se cados agrícolas globais justifica o preço e a enorme dívida
desfazer dos setores de sementes, pesticidas e agricultura a ser assumida. Espera que o volume de negócios global de
digital, que deverão ser adquiridas pela BASF para que não sementes e agrotóxicos aumente de US$ 85 bilhões em 2015
haja monopólio de produtos agrícolas nos EUA. A mesma exi- para US$ 120 bilhões em 2025. Para comparação: em 2015,
gência foi feita pelo governo mexicano. Com esta decisão, a a Bayer e a Monsanto tiveram um faturamento de US$ 25,5
fusão foi concretizada após quase três anos de negociações. bilhões e um lucro de US$ 5 bilhões.
Ainda em 2017, outras duas gigantes, DuPont e Dow Historicamente, cinco das sete maiores produtoras de
Chemical, ambas dos EUA, se fundiram na DowDuPont, sementes do mundo são originárias da indústria química:
e a ChemChina comprou a empresa suíça Syngenta por Monsanto, Du-Pont, Syngenta, Dow e Bayer. A Bayer AG, a dé-
US$43 bilhões. Assim, os três conglomerados recém-forma- cima maior fabricante de agrotóxicos do mundo, expandiu-
dos devem dominar mais de 60% do mercado de sementes se para o setor de sementes ao adquirir outras empresas. Por
comerciais e de agrotóxicos. Eles administrarão a produção outro lado, nenhuma outra empresa aniquilou mais concor-
e comercialização de quase todas as plantas geneticamente rentes no setor de sementes do que a Monsanto. A empresa
modificadas neste mercado e deterão a maioria dos pedidos começou a comprar produtores de sementes do mundo in-
de patente e de direitos de propriedade intelectual relacio- teiro na década de 1990 e agora domina um quarto do mer-
nados a plantas no Instituto Europeu de Patentes. cado mundial de sementes comerciais. Possui direitos sobre
Com a fusão, a Bayer se transformou na maior corpora- a maioria das plantas geneticamente modificadas, mas tam-
ção agrícola do mundo, possuindo um terço do mercado bém vende muitas sementes convencionais. A presença da
global de sementes comerciais e um quarto do mercado de Monsanto é difícil de detectar porque as empresas que ela
agrotóxicos. Nas bolsas de valores, a Bayer e a DowDuPont controla geralmente mantêm seu nome original. Ou seja, o
permanecerão no mercado de ações e continuarão a prestar logotipo da Monsanto raramente aparece em produtos de
contas a seus acionistas. Os executivos da DowDuPont plane- empresas adquiridas.
jam dividir o novo grupo em três sociedades cotadas em bol- Trinta autoridades nacionais antitruste estão analisan-
do essas megafusões mundialmente. A Comissão Europeia
decidiu que a DuPont deve vender alguns dos seus pestici-
ATLAS DO AGRONEGÓCIO 2018 / AGROPAGES
AS 10 MAIORES EMPRESAS DE AGROTÓXICOS das, bem como a sua filial de pesquisa e desenvolvimento.
Sede das empresas com maior faturamento, 2015 Já a Bayer foi forçada a vender os seus negócios de algodão
transgênico na África do Sul, assim como a sua plataforma
4 Dow Chemical 2 Bayer de cultivos e agroquímicos, Liberty Link.
7 Adama (ChemChina) No Brasil, a Superintendência-Geral do Conselho Ad-
8 FMC
Leverkusen Ludwigshafen
Midland Filadélfia Basel ministrativo de Defesa Econômica (CADE) inicialmente se
St. Louis Wilmington Pequim
Tel Aviv
mostrou muito preocupada com a fusão Bayer/Monsanto.
6 DuPont
Bombaim Segundo parecer do órgão de outubro de 2017, a operação
3 BASF
reforça “a integração vertical entre os mercados de biotec-
1 Syngenta nologia e produção/comercialização de sementes de soja e
5 Monsanto 10 UPL algodão, gerando preocupações decorrentes da capacidade
Melbourne
A influência das corporações transnacionais pode ser difícil de
capital aberto estatal 9 Nufarm ser detectada. Muitas vezes elas vendem seus produtos com os
nomes das marcas das empresas que compram.
14 14
13
12 Basf Dow AgroSciences Monsanto 12 12
11 Bayer Du Pont Syngenta
10
9
8 8
7 7
6 6 6
5
4 4 4
3
*Há casos em que uma variedade foi desenvolvida por mais de uma empresa
das empresas em determinar as condições de acesso à bio- Monsanto para venda de sementes e agrotóxicos. A Adama
tecnologia e do risco de adoção de práticas comerciais que é fruto da fusão da brasileira Herbitécnica com a israelense
dificultem o desenvolvimento de concorrentes”. No entan- Makhteshim Agan, que depois foi adquirida pela ChemChina.
to, o CADE aprovou no início de 2018 a compra da Monsanto A australiana Nufarm, que comprou a brasileira Agripec
pela Bayer, operação estimada em 66 bilhões de dólares. Ao Química e Farmacêutica S.A em 2007, adquiriu o portfólio
aprovar a fusão, o CADE fez as mesmas exigências dos órgãos de herbicidas, fungicidas, inseticidas e reguladores de cres-
reguladores dos Estados Unidos e do México: a venda para a cimento de plantas da Adama e da Syngenta no ato da aqui-
BASF de “todos os ativos atualmente detidos pela Bayer re- sição de ambas pela ChemChina.
lacionados aos negócios de sementes de soja e de algodão, A grande questão é: quem assegurar o domínio sobre
bem como ao negócio de herbicidas não seletivos à base de os agrotóxicos e o material genético por meio de patentes
glufosinato de amônio”. A operação de desinvestimento dos controlará o setor de sementes e influenciará a agricultura,
negócios de sementes e herbicidas à BASF foi realizada pelo a produção de alimentos e, acima de tudo, a segurança e so-
valor aproximado de € 6 bilhões. berania alimentar mundial.
Outras corporações buscam ganhar com a onda de fu-
sões, a exemplo da alemã BASF, que está se beneficiando dos
sell-offs4 da Bayer, e da estadunidense FMC, que se benefi- 4
Nota da tradutora: sell-off, neste caso, é quando investidores ou em-
ciou dos restos da DowDuPont, comprando alguns de seus presas optam por vender rapidamente alguns ativos, geralmente de-
pesticidas e departamentos de pesquisa, o que a elevou ao pois de alguma notícia negativa ou exigência, o que impulsiona uma
5º lugar no ranking mundial dos produtores de agrotóxicos. queda nos preços.
Quanto maior a multinacional, mais poder ela tem para
pressionar políticos e influenciar a legislação. No Brasil,
entre 2017 e 2018 o ministro e o alto escalão do Ministério Agrotóxicos liberados comercialmente no BrasiL
da Agricultura (MAPA), por exemplo, fizeram oito reuniões Montante total por empresa, até 2018
com representantes da Monsanto, sete com representantes
Syngenta
da Bayer, quatro com representantes da Dupont e três com
a Syngenta. Basf
Das variedades transgênicas aprovadas para uso comer- 140
cial no Brasil até 2018, segundo a Comissão Técnica Nacio- 116 Bayer
nal de Biossegurança (CTNBio), Monsanto, Basf, Bayer, Dow
112
Agroquímica, Du Pont e Syngenta detém 73 cultivares de
soja, milho e algodão (as outras três variedades são: uma Dow AgroSciences
110
de feijão da Embrapa, uma de eucalipto da Futura Gen e 1.945 39 Du Pont
uma de cana-de-açúcar da CTC). Já dos 1.945 agrotóxicos 1.405 23
aprovados no Brasil, BASF, Bayer, Dow AgroSciences, Du Monsanto
Pont e Syngenta detém juntas 545 produtos registrados em
Dados CTNBio / AGROLINK
O POP DO AGRO
Diante de um quadro de uso crescente de neurológicos, depressão e suicídios. São usados em média
agrotóxicos, setores do agronegócio 60 litros de agrotóxicos por hectare dessa lavoura.
propõem menos regulação para esses A Comissão Técnica Nacional de Biossegurança (CTNBio)
é o órgão encarregado das decisões sobre pesquisa e uso co-
produtos. Sociedade se organiza e reage.
mercial de Organismos Geneticamente Modificados (OGMs)
e seus derivados. A comissão, que tem longo histórico de
O
Brasil é o maior consumidor de agrotóxicos do mun- decisões sempre favoráveis à liberalização dos organismos
do. Em 2002, a comercialização desses produtos era transgênicos, está também dotada de poder normativo. Ou
de 2,7 quilos por hectare. Em 2012, o número chegou seja, são seus próprios membros que definem as regras de
a 6,9kg/ha, segundo dados do IBGE. As commodities soja, mi- classificação quanto ao grau de risco, testes e medidas de se-
lho, cana e algodão concentram 85% do total de agrotóxicos gurança exigidos e regras de monitoramento pós-liberação
utilizados. E entre 2000 e 2012 no Brasil, período de maior comercial e de coexistência entre cultivos GM e não-GM.
expansão das áreas de soja e milho transgênicos5, esse nú- Em 2008 a CTNBio deu sinal verde para o uso comercial
mero cresceu 160%, sendo que na soja aumentou três vezes. do milho Roundup Ready, resistente ao glifosato. Em seu pa-
Só a soja, predominante entre as culturas geneticamente recer técnico, o órgão afirma que esse milho “é tão seguro
modificadas, utiliza 71% desse volume. Os herbicidas à base quanto seu equivalente convencional” e que “essa atividade
de glifosato, usados nas lavouras transgênicas, respondem não é potencialmente causadora de significativa degrada-
por mais da metade de todo o veneno usado na agricultura ção do meio ambiente ou de agravos à saúde humana e ani-
brasileira. Contrariando alegações de que essa disparada no mal”. Depois da liberação desta variedade, mesmo contra-
uso de agrotóxicos seria “consequência inexorável” do au- riando um universo considerável de evidências científicas
mento de produtividade ou da expansão da área cultivada, que apontam efeitos adversos dos transgênicos, a CTNBio
estudos e dados oficiais evidenciam que, entre 2007 e 2013, autorizou a comercialização de outras 18 contendo a mesma
o uso de agrotóxicos dobrou, enquanto a área cultivada cres- modificação genética para resistência ao glifosato. Além da
ceu apenas 20%. No mesmo período, também dobraram os abertura de mercado para as multinacionais proprietárias
casos de intoxicação. dessas sementes, essas liberações impulsionaram a mudança
As intoxicações agudas por agrotóxicos afetam princi- de normas nacionais que definem os limites máximos de re-
palmente as pessoas expostas em seu ambiente de trabalho síduos de agrotóxicos (LMR) permitidos nas culturas agríco-
e são caracterizadas por efeitos como irritação da pele e dos las, explicitando que as plantações transgênicas demandam
olhos, coceira, vômitos, diarreias, dificuldades respiratórias, mais pulverizações que as convencionais. O LMR do glifosato
convulsões e morte. Já as intoxicações crônicas podem apa- no milho foi multiplicado por 10, saltando de 0,1 para 1,0
recer muito tempo após a exposição e afetar toda a popula- mg/kg. No caso do algodão resistente ao glifosato, o resíduo
ção, pois são decorrentes da presença de resíduos de agro- permitido é de 3,0 mg/kg. A título de comparação, o resíduo
tóxicos em alimentos e no ambiente, geralmente em doses de glifosato para o feijão comum é de 0,05 mg/kg. Para a soja,
baixas. Os efeitos associados à exposição crônica incluem: o LRM de glifosato era 0,2 mg/kg, valor que foi aumentado
infertilidade, impotência, abortos, malformações, neuroto- em 50 vezes com a liberação da soja Roundup Ready.
xicidade, desregulação hormonal, efeitos sobre o sistema O campeão de vendas glifosato foi classificado pela
imunológico e câncer. Agência Internacional de Pesquisa sobre o Câncer, da Or-
A cultura do fumo também responde por um quadro ganização Mundial da Saúde (IARC/OMS), como provável
dramático que associa dívidas, intoxicações, problemas cancerígeno para os seres humanos. Cumpre ainda destacar
71.319 74.528
65.375 68.158
65.528 65.722
62.389
200
180
160
140
120
100
80
60
40
20
0
Glifosato e Outros* Óleo 2,4-D Atrazina Acefato Enxofre Diurom Carben- Óleo Mancozebe Metomil Clorpirifós Imida- Dicloreto de
seus sais mineral dazim vegetal cloprido paraquate
que o glifosato é ingrediente ativo do Roundup, mas outros conhecido como Pacote do Veneno. Este PL procura revogar
componentes e subprodutos da fórmula podem ser ain- a lei em vigor, substituir o termo agrotóxico por pesticida e
da mais tóxicos para as células humanas do que o próprio concentrar no Ministério da Agricultura as avaliações de
ingrediente ativo. Outros agrotóxicos utilizados no Brasil risco e registro de agrotóxicos – por meio da CTNFito, uma
foram incluídos na lista da IARC, entre eles o 2,4-D, que é o comissão nos moldes da CTNBio. Alarmados com o retro-
terceiro agrotóxico mais usado no Brasil, sendo aplicado cesso representado por esse PL, cinco relatores especiais da
nas culturas de arroz, aveia, café, cana-de-açúcar, centeio, ONU encaminharam carta de alerta ao Ministério das Rela-
cevada, milho, pastagem, soja, sorgo e trigo. É classificado ções Exteriores e à presidência da Câmara dos Deputados.
pela Anvisa como extremamente tóxico, mas apesar disso Ibama e Anvisa também se manifestaram contrariamente à
pode ser aplicado sobre 3 variedades de soja e 5 de milho proposta, assim como um grupo de artistas e personalidades
transgênico autorizadas pela CTNBio. Não obstante, setores que vêm se manifestando contrariamente à proposta e mo-
do agronegócio afirmam que essas tecnologias permitem bilizando a opinião pública para o tema.
“uma redução do número de aplicações de herbicidas com Nesse sentido, a crítica ao modelo industrial de agricul-
aumento de rentabilidade”. tura, manifestada por um conjunto cada vez mais diverso de
O uso desenfreado de agrotóxicos incitou uma série atores, vem ganhando força junto à sociedade na defesa de
de movimentos de resistência e de alternativas ao modelo um modelo agroalimentar baseado na agricultura familiar,
agroquímico. Hoje a sociedade civil organiza-se a partir da na Agroecologia, na democratização do aceso à terra e no
Campanha Permanente Contra os Agrotóxicos e Pela Vida, direito humano à alimentação adequada.
que surgiu após outra campanha, a Por um Brasil Livre de
Transgênicos. O Ministério Público do Trabalho, em parce-
ria com o Ministério Público Federal, articula o Fórum Nacio- 5
A legalização da soja transgênica acorreu no Brasil a partir de 2003
nal de Combate aos Impactos dos Agrotóxicos e mais de dez por meio da edição de medidas provisórias e, posteriormente, em 2005,
fóruns estaduais. Organizações científicas como Associação com a aprovação da lei de biossegurança (Lei 11.105/2005).
Brasileira de Saúde Coletiva (Abrasco), Associação Brasilei-
ra de Agroecologia (ABA), Fiocruz e Instituto Nacional do
Câncer (Inca), além de conselhos como o Conselho Federal PUXANDO PARA CIMA
Comparação entre os Limites Máximos de Resíduos (LMR)
de Nutricionistas (CFN) e o Conselho Nacional de Segurança
de glifosato permitidos no Brasil (mg/kg)
Alimentar e Nutricional (Consea), entre outros, incidem de
forma articulada sobre o tema procurando conter esse des-
convencional geneticamente
controle. Um dos produtos dessa articulação foi o Pronara modificado
(Programa Nacional de Redução de Agrotóxicos), construí-
do no âmbito da Política Nacional de Agroecologia, e poste- 10,0
riormente transformado em projeto de lei (6.670/2016) – a 0,05
partir da propositura da Abrasco, que visa instituir a Política
Feijão 3,0 50x
Nacional de Redução de Agrotóxicos (PNARA).
No Congresso Nacional, o PNARA canaliza apoios para
30x
http://portal.anvisa.gov.br
Normas foram alteradas para acomodar maior uso de Milho Algodão Soja
agrotóxicos nos plantios de sementes transgênicas.
M
amíferos, não plantas, foram os primeiros organis- miu o controle da empresa britânica de biotecnologia Oxitec,
mos geneticamente modificados. Experimentos que vai começar a comercializar insetos geneticamente mo-
bem-sucedidos foram realizados com ratos em 1974 dificados no Brasil6. Com o seu salmão, a Intrexon é atual-
e os primeiros relatórios sobre ovelhas e porcos foram pu- mente a única empresa do mundo com capacidade de ter
blicados em 1985. Embora seja possível encontrar enormes um animal de criação geneticamente modificado.
quantidades de ratos e camundongos geneticamente mo- A empresa estadunidense Recombinetics está em segun-
dificados em laboratórios, a maioria das tentativas de in- do lugar. Ela também requisitou patentes e logo estará em
troduzir esta tecnologia na produção animal até agora tem condições de solicitar aprovações para comercializar ani-
fracassado. mais geneticamente modificados. A empresa está localizada
Os motivos são a falta de aceitação por parte dos consu- em Minnesota, um núcleo da indústria de carne dos EUA. A
midores, preocupações com o bem-estar animal e proble- Recombinetics está trabalhando com animais que produ-
mas técnicos. Os riscos para os humanos, os animais e o meio zem quantidades maiores de leite e carne; gado sem chifre
ambiente são consideráveis. Por exemplo, a engenharia que é mais fácil de manejar e gado que não amadurece se-
genética do gado leiteiro leva a mudanças indesejáveis na xualmente. Estes “animais terminator” são estéreis e não
composição do leite. As tentativas de tornar o gado africano podem se reproduzir independentemente. Eles só são cria-
resistente à tripanossomíase resultaram em outros riscos dos durante o período de engorda e depois enviados para o
para a saúde dos animais. abate. A edição de genes é fundamental para esta pesquisa.
Apenas um organismo geneticamente modificado re- Fitas de DNA são recombinadas no laboratório e inseridas
cebeu aprovação: uma espécie de salmão modificada para no genoma, usando uma tesoura molecular. Esta nova abor-
crescer mais rápido foi aprovada para o consumo humano dagem é mais barata e mais direcionada do que os métodos
nos EUA, em 2015, e no Canadá, em 2016. Segundo os regis- imprecisos anteriores, que não permitem determinar onde
tros, o salmão chegou ao mercado no Canadá em 2017. Críti- um novo gene deve ser inserido.
cos temem que o genoma modificado possa se espalhar em A edição de genes pode ter efeitos colaterais indesejados
populações de salmão natural. O peixe foi desenvolvido pela nos animais. Problemas de saúde no gado são um exemplo:
empresa canadense AquaBounty Tech. A empresa solicitou muitos animais geneticamente modificados morrem duran-
uma patente em 1992, concedida na Europa em 2001. Mas a te o nascimento ou logo depois devido a órgãos e articula-
patente expirou e a AquaBounty estava à beira da falência an- ções danificados. Ninguém pode prever todas as interações
tes de ser comprada pela empresa estadunidense Intrexon. que os medicamentos genéticos causam.
Sediada no estado de Virgínia, nos EUA, a empresa per- A edição de genes também pode ser usada para produzir
tence ao bilionário Randal J. Kirk. A Intrexon está novamente modificações que são difíceis de detectar. A Recombinetics
inchaço abdominal
infertilidade
usa variantes genéticas que também são encontradas na re- A modificação do genoma prejudica
produção convencional. O gado Belga Azul tem um defeito os animais e causa doenças.
genético que causa um crescimento muscular excessivo e
torna o parto muito difícil: 90% dos bezerros nascem através
de cesariana. A Recombinetics usa o Belga Azul como um populações inteiras. Os novos porcos não ficariam doentes,
modelo genético para aumentar a massa muscular de por- mas ainda poderiam transmitir a doença. A doença poderia
cos, bovinos e ovinos. se espalhar rapidamente e atingir severamente os produto-
A engenharia genética, cada vez mais, permite que o res tradicionais, forçando-os também a comprar os porcos
gado seja modificado para atender às demandas da pro- projetados e patenteados. Como resultado, a produção de
dução industrial de animais. Novas ideias de negócio são o porcos não seria possível sem animais geneticamente modi-
motor deste desenvolvimento. A engenharia genética, por ficados. As políticas veterinárias podem até mesmo proibir a
exemplo, leva as leis de patentes até os estábulos e as pocil- manutenção de animais não resistentes.
gas. Os agricultores ainda podem ordenhar suas vacas pa-
tenteadas, mas já não têm permissão para venderem a prole 6
Nota da editora: operando no Brasil, a Oxitec conseguiu aprovar, em
para reprodução. 2014, na CTNBio (Comissão Técnica Nacional de Biossegurança) a libe-
Fundada em 2008, a Recombinetics tem um faturamen- ração comercial no meio ambiente do mosquito transgênico do Aedes
to anual de apenas US$ 1 milhão. Mas em 2016 recebeu qua- Aegipti, denominado OX5013A. E em 2018, uma liminar autorizou a
se US$ 10 milhões em capital de investidores privados. E tem comercialização que ainda estava proibida, pois a Anvisa ainda não te-
um gigante como cliente: a companhia britânica Genus. ria dado sua anuência, já que ainda está avaliando a segurança e eficá-
Alcançando vendas de cerca de € 450 milhões, a Genus é cia dos mosquitos OGM para saúde pública e no controle de vetores de
uma das maiores empresas do mundo de genética de suínos doenças como dengue, zika e chikungunya.
e bovinos e a maior fornecedora de camarões reprodutores.
Se os criadores tradicionais sucumbirem à concorrência e
GRANDES ATORES DA GENÉTICA ANIMAL
os latifundiários e as empresas de processamento de carne Sede de empresas mais bem sucedidas na área, 2015/2016
se interessarem por animais geneticamente modificados,
a Genus seria uma das principais beneficiárias. A empresa públicas cooperativas privadas ou de cunho familiar
também declarou estar pronta para introduzir esses animais
Envigo 1 Genus
no mercado.
3 Neogen Basingstoke
O mercado global de genética animal deve crescer de Huntingdon Arnheim 5 CRV
Lansing Boxmeer
US$ 3,7 bilhões em 2016 para US$ 5,5 bilhões em 2021, diz Watertown
Parsippany Roussay Helvoirt 2 Hendrix Genetics
ATLAS DO AGRONEGÓCIO 2018 / MARKETSANDMARKETS
Feerwerd
Marketsandmarkets, uma empresa estadunidense de análi-
0 Zoetis 7 Topigs Norsvin
se de mercado. Isso significaria um aumento médio de 8,4% 4 Grimaud
ao ano: duas vezes e meia mais rápido do que a economia
mundial como um todo. O crescimento mais acentuado é
6 Alta Genetics/Koepon
esperado na Europa. Em breve os agricultores que desejam
evitar o uso de animais geneticamente modificados podem
não ter mais escolha. Se os porcos projetados para resistirem
à peste suína africana (uma doença que não se limita mais
à África) forem introduzidos no mercado, as atuais medidas Envigo, Zoetis: ações na genética animal não puderam ser separadas do total
de controle de doenças forçariam os produtores a substituir
N
ão é de hoje que o discurso do combate à fome é uti- sultar em graves repercussões técnico-políticas, pela má in-
lizado para alavancar o desenvolvimento tecnológico terpretação e o mau uso que gera.
com fins prioritariamente comerciais. A aplicação de Ao contrário do que o nome sugere, o alimento bioforti-
mais tecnologia na produção agrícola é difundida como a ficado não é mais forte, nem mais saudável, pois elimina as
única solução capaz de eliminar a escassez de alimentos e características inerentes do alimento, provocando um de-
a carência de nutrientes. No sistema alimentar moderno, sequilíbrio. O que ocorre é o empobrecimento dos demais
a fome e a subnutrição caminham lado a lado com o cres- micronutrientes essenciais e fibras em detrimento de outro
cimento da obesidade, transtornos alimentares diversos e tipo. No Brasil, as culturas biofortificadas são: abóbora, arroz,
doenças crônicas. Da mesma forma, as desigualdades e as batata-doce, feijão, feijão-caupi, mandioca, milho e trigo.
injustiças socioambientais também fazem parte das contra- As estratégias de biofortificação avançam mesmo sem
dições desse modelo em que a comida aparece como merca- que se tenha conhecimento se os micronutrientes presen-
doria, e a fome como um negócio com segmentos diversifi- tes na planta em maior concentração, ingeridos em maior
cados, que vão da ausência ao excesso. quantidade, serão aproveitados pelo organismo humano.
Desde 2003, a biofortificação7 é uma dessas respostas su- A ingestão excessiva de micronutrientes pode exercer efei-
postamente promissoras. Trata-se da manipulação genética tos tóxicos, inclusive aumentar o risco de diferentes tipos de
de plantas para aumentar a concentração de um ou mais câncer. O ferro, por exemplo, quando ingerido em excesso,
micronutrientes específicos. Com essa alteração, é possível pode estimular a multiplicação desordenada de células no
produzir variedades de arroz e feijão com maiores teores de intestino, iniciando um câncer. O beta-caroteno, também
ferro, zinco e vitamina A, por exemplo. No Brasil, a Empre- alvo desta tecnologia de manipulação genética, pode atuar
sa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa) coordena como um agente pró-oxidante agredindo células saudáveis
o projeto BioFort, com apoio dos programas HarvestPlus e e transformando-as em células cancerígenas.
AgroSalud, consórcios de pesquisas que atuam na América O projeto Biofort partiu da premissa de que os alimen-
Latina, África e Ásia. Os recursos financeiros vêm da Funda- tos contemplados no programa deveriam ser largamente
ção Bill e Melinda Gates, do Banco Mundial e de agências in- produzidos e consumidos em nosso país, ou seja, com base
ternacionais de desenvolvimento. O país é líder nesta tecno- em culturas tradicionais da alimentação brasileira. Assim,
logia agrícola, replicando-a em países como Senegal, Gana, agricultores e consumidores não teriam que mudar práticas
Nigéria, Quênia, Etiópia, Uganda, Tanzânia, Moçambique, de cultivo e seus hábitos alimentares. Essa proposta traz um
Síria, Índia e China. perigo, pois sua implementação nas lavouras da agricultura
À primeira vista, o termo biofortificação parece uma familiar afeta diretamente a soberania alimentar. É o caso
maneira de tornar alimentos mais ricos em nutrientes. No da mandioca, primeiro alimento indicado para o processo
entanto, essa explicação provoca confusão ao induzir a de biofortificação. Também conhecida por aipim ou maca-
xeira, a mandioca é reconhecida por seu valor cultural, sua
versatilidade na culinária e seus benefícios nutricionais his-
FEIJÃO COM ARROZ toricamente comprovados para combater a fome e a desnu-
Comparação entre alimentos naturais e biofortificados, trição no Brasil, garantindo soberania e segurança alimen-
quantidade de ferro (mg/kg)
tar e nutricional. É um alimento que vem sendo cultivado
convencional biofortificado pelas tradições brasileiras há cerca de 7 mil anos.
Tabela Brasileira de Composição de Alimentos
90
Há casos em que o alimento biofortificado não apresenta
diferenças significativas de concentração do micronutrien-
7 te, como o feijão carioca. Em outros, o alimento convencio-
nal possui quantidades superiores de nutrientes, como é o
80
4
Ferro quando ingerido em excesso pode estimular a
Feijão carioca Arroz polido multiplicação desordenada de células no intestino,
provocando câncer.
BIODIVERSIDADE BIOFORTIFICAÇÃO
É alicerçado em relações justas Fonte de lucro: 61% são cultivados com sementes transgênicas,
e equitativas de produção. que são de propriedade de 6 empresas privadas estrangeiras.
Alimento forte, pois respeita a época da colheita. É cultivado sem Perda da diversidade de micronutrientes que
produtos tóxicos nem tecnologias de manipulação genética. compõem o alimento em seu estado natural.
FBSSAN, 2016
modos de produzir e consumir comida. à perda da biodiversidade alimentar na produção e no consumo.
caso do arroz polido. Ou seja, o alimento não precisaria ser acessível de que a comida é mais do que nutrientes. Por isso,
enriquecido com ferro. Mas na divulgação das informações, o consumo alimentar não deve se restringir ao aspecto nutri-
a força do nome, que remete à vida, pode conduzir a esco- cional, mas englobar suas múltiplas dimensões.
lhas equivocadas e precipitadas. O discurso da biofortificação despolitiza o problema da
Mesmo sem evidências robustas acerca dos impactos fome e empobrece o debate sobre a biodiversidade e sua re-
nutricionais, econômicos, sociais e ambientais dos alimen- lação com a nutrição e a saúde. Mostra-se necessário que o
tos biofortificados e ausência de estudos que comparem a debate sobre biofortificação seja efetuado de forma transpa-
biofortificação com outras estratégias de produção agríco- rente e profunda com a sociedade brasileira.
la, o Projeto Biofort segue no Brasil sem que haja um debate
público qualificado e amplo com a sociedade. Atualmente, 7
O texto é uma síntese do documento “Biofortificação: as controvérsias
há iniciativas em onze estados que, em diversos casos, en- e as ameaças à soberania e segurança alimentar e nutricional”, elabo-
volvem agricultores/as familiares e estudantes da Educação rado pelo Fórum Brasileiro de Soberania e Segurança Alimentar e Nu-
Básica, atendidos pelo Programa Nacional de Alimentação tricional e publicado em 2016. Mais informações, veja Autores e Fontes.
Escolar (PNAE)8. Todavia, o envolvimento de equipes de saú- 8
No Brasil, desde 2009, passou a ser obrigatória a destinação de 30% dos
de, conselhos de controle social e de movimentos sociais do recursos do Programa Nacional de Alimentação Escolar para a aquisição
campo e de consumidores é praticamente inexistente. de alimentos produzidos pela agricultura familiar.
Apesar das várias experiências em andamento, a bio-
fortificação está longe de gerar consensos e as informações
sobre sua implantação, especialmente no que se refere às BIOFORTIFICAÇÃO NOS ESTADOS
Estados brasileiros onde há iniciativas de biofortificação
relações de parceria e cooperação estabelecidas entre o Pro- vinculadas à Embrapa
jeto Biofort e as corporações transnacionais envolvidas com
o seu financiamento, são pouco transparentes.
De acordo com o Fórum Brasileiro de Soberania e Segu-
rança Alimentar e Nutricional (FBSSAN), a lógica por trás dos
biofortificados é a mesma dos transgênicos: monopolizar o MA
desenvolvimento das sementes; tornar os agricultores fa- PI PE
miliares dependentes desta tecnologia; e concentrar ainda
SE
mais poder e riqueza nas mãos das grandes corporações BA
transnacionais. DF
Na contracorrente, o Guia Alimentar para a População GO
MG
Brasileira, publicado pelo Ministério da Saúde, afirma que a
alimentação é mais do que a ingestão de nutrientes. O ato de RJ
comer está enraizado nos sistemas de significação simbóli- PR
cas de povos e comunidades. É deliciosamente ligado à me-
FBSSAN, 2016
T
rigo, milho e soja são as três principais matérias-primas minantes: a Glencore, da Suíça; a Cargill (único membro do
agrícolas comercializadas globalmente. A situação do ABCD); e a Olam, de Singapura. Esta reconfiguração reflete
mercado, a qualidade e o preço determinam se essas o surgimento da Rússia como um importante exportador de
commodities são vendidas como alimentos, agrocombustí- grãos e da China como principal importador.
veis ou ração para animais. Em seguida, as outras commodi- O grupo ABCD é bem informado sobre os níveis de colhei-
ties globais mais importantes são o açúcar, o óleo de palma ta, os preços, as flutuações cambiais, os dados meteorológi-
e o arroz. cos e os acontecimentos políticos em todas as partes do mun-
Quatro empresas dominam tanto a importação como do. Todos os dias os dados obtidos das áreas de produção são
a exportação de commodities agrícolas: Archer Daniels analisados por especialistas financeiros. Todas as quatro em-
Midland (ADM), Bunge, Cargill e Louis Dreyfus Company. presas possuem subsidiárias que protegem o comércio das
Juntas elas são conhecidas como o “grupo ABCD” ou sim- commodities agrícolas dos riscos relacionados às flutuações
plesmente “ABCD”. ADM, Bunge e Cargill são empresas esta- de preço e que se dedicam às operações especulativas sobre
dunidenses; Louis Dreyfus tem sua sede na capital holande- mercados futuros, especialmente em Chicago.
sa, Amsterdã. Todas as quatro foram fundadas entre 1818 e A empresa de software e mídia Bloomberg chama a Cargill
1902. Com exceção da ADM, as corporações são controladas de “Goldman Sachs do comércio de commodities agrícolas”,
por suas famílias fundadoras. Comercializam, transportam em referência à reputação deste banco dos EUA de estar bem
e processam diversas commodities. Possuem navios oceâni- informado. Em um folheto corporativo de 2001, a Cargill
cos, portos, ferrovias, refinarias, silos, moinhos e fábricas. descreveu-se como: “Somos a farinha no seu pão, o trigo no
Juntas, representam 70% do mercado mundial de commodi- seu macarrão, o sal na sua batata frita. Nós somos o milho
ties agrícolas. em suas tortilhas, o chocolate na sua sobremesa, o adoçan-
Cargill é a maior empresa, seguida pela ADM, Dreyfus e te em seu refrigerante. Nós somos o óleo no seu molho de
Bunge. Os clientes da ABCD incluem fabricantes de rações salada e a carne bovina, suína ou de frango que você come
para animais, produtores de carne, produtores de agrocom- no jantar. Nós somos o algodão na sua roupa, o forro do seu
bustíveis e varejistas de alimentos. Geralmente, elas são de tapete e o fertilizante na sua plantação.”
primordial importância para seus clientes porque podem As flutuações extremas dos preços nos mercados agríco-
garantir um fornecimento constante de matérias-primas las globais não ameaçam a Cargill. Pelo contrário, a empresa
em grandes quantidades. A Cargill é a única diretamente se beneficia delas. Especialistas da empresa anteciparam a
envolvida na produção e comercialização de carne. Ela tam- enorme baixa na colheita de 2012. Eles especularam sobre
bém detém 25% do comércio mundial de óleo de palma. o aumento dos preços da soja, do trigo e do milho, e fizeram
Recentemente a trader de grãos estatal chinesa Cofco al- contratos futuros de compras vantajosas que poderiam ser
cançou o grupo ABCD e o substituiu como o principal com- negociados na bolsa de valores. Quando os preços subiram,
eles venderam esses contratos, lucrando consideravelmen-
te. Em 2016, a Cargill e seus três principais concorrentes ga-
5 MAIORES TRADERS DE COMMODITY nharam menos dinheiro em decorrência dos baixos preços e
Sede de empresas com o maior faturamento, 2016
das flutuações mundiais.
capital aberto estatal familiar Tradicionalmente, o comércio de commodities agrícolas
tem sido o foco do grupo ABCD, mas ele vem perdendo im-
2 Archer Daniels Midland portância. O processamento de cereais e soja, bem como a fa-
bricação de alimentos, como suco de laranja ou chocolate, há
ATLAS DO AGRONEGÓCIO 2018 / ARQUIVOS ATLAS-manufaktur
1 Cargill 3 Cofco
Amsterdam muito tempo fazem parte de seus negócios. Desde a década
Minnetonka
Chicago
White Plains
Pequim
de 1980, a integração vertical – a combinação de duas ou mais
Hamilton* 4 Louis Dreyfus etapas de produção em uma empresa – tornou-se cada vez
5 Bunge mais importante. Em 2014, a ADM comprou três empresas
que transformam castanhas, legumes e frutas em ingredien-
tes alimentares e aromatizantes para bebidas. Maiores mar-
gens de lucro e rápido crescimento são esperados. A Bloom-
berg disse uma vez que a Cargill não era apenas parte da
cadeia de valor, mas era a própria cadeia – do campo à mesa.
*Hamilton, Bermudas: fins fiscais A ABCD também investe em indústrias relacionadas, como
combustíveis agrícolas, plásticos e tintas. Em Hamburgo,
67
227
56 147 64 farinha de soja
169
açúcar
milho
136 óleo de soja e de palma
41 330 138
1,026 soja em grãos
arroz
482
174
trigo
172
1,300
745
cereais secundários*
*sorgo, painço, aveia, cevada, centeio; exceto milho
na Alemanha, a ADM opera o maior complexo de processa- bora a Bunge tenha afirmado achar que seus fornecedores
mento e refino de oleaginosas da Europa. Ela transforma col- respeitavam os direitos à terra, os contratos não foram re-
za (ou canola) e soja em margarinas, glicerina farmacêutica novados. Por outro lado, várias cadeias de varejo britânicas
e biodiesel. e estadunidenses se recusaram a comprar mercadorias do
O grupo ABCD usa seu poder de mercado para influen- Uzbequistão em protesto contra o trabalho infantil forçado
ciar o mercado agrícola mundial. Seus membros usam seu em plantações de algodão naquele país – apesar disso, a Car-
enorme poder de barganha para negociar preços com pro- gill continua sendo um dos principais compradores de algo-
dutores, e fazem uso de seus conhecimentos de mercado dão do Uzbequistão.
para obter elevados retornos das transações financeiras.
Além disso, o grupo é direta ou indiretamente respon-
sável pelo desmatamento da floresta tropical. No Brasil, as A empresa chinesa Cofco ultrapassou duas
comunidades indígenas Guarani acusaram a Bunge de com- das quatro maiores empresas, resultado
prar cana-de-açúcar produzida em terras roubadas. E, em- principalmente de negócios feitos no Brasil.
NA PRIMEIRA DIVISÃO
Classificação dos traders de commodities agrícola na lista das maiores empresas do mundo da Fortune 500
300 Bunge
350
C
ada vez maiores e mais concentrados, os player globais (uma ampla gama de produtos) como na especialização
competem para controlar a indústria de alimentos do (em um único segmento de mercado) é o mercado do café.
século XXI. Até os principais fabricantes de alimentos Além de outras marcas premium, a JAB Holding, uma empre-
estão sob pressão das cadeias internacionais de supermer- sa de investimentos pertencente à família alemã Reimann,
cados. A concorrência é intensa e os mercados nos EUA e na agora controla as principais marcas de café, incluindo a
Europa estão saturados. Isso leva as corporações alimentí- Jacobs Douwe Egberts, a Caribou e a Keurig Green Moun-
cias a se expandirem para mercados emergentes e países em tain. A empresa familiar também está envolvida com cáp-
desenvolvimento. sulas e máquinas de café. As aquisições da JAB estão pressio-
Um boom de fusões vem ocorrendo desde o fim da crise nando a Nestlé, líder do mercado. A participação da Nestlé
financeira mundial em 2010. Somente em 2015 foram acor- no mercado global de café embalado é pouco menos de 23%.
dadas duas grandes fusões no valor de mais de US$ 100 bi- Enquanto a JAB, com uma participação de 20%, quase alcan-
lhões. Uma delas foi a aquisição da SABMiller pela sua rival, çou a Nestlé e já está planejando mais aquisições no Brasil.
o grupo de cervejarias Anheuser-Busch. A outra foi uma fu- Poucos setores demonstram a tendência de concentração
são entre a fabricante de ketchup, a Heinz, e seu concorren- tão claramente quanto o mercado mundial de cerveja. En-
te Kraft. A resultante Kraft Heinz Company é a sexta maior quanto dez cervejarias controlaram mais que a metade das
empresa de alimentos do mundo. Extensivas estratégias de vendas em 2004, cinco grandes empresas possuíram a mes-
redução de custos, que incluem o corte de empregos, são ma parte em 2014. No Brasil, somente três grandes grupos de
esperadas para financiar o negócio e aumentar as ações no cervejarias controlam 95% do mercado. Em geral, é um dos
mercado e as margens de lucro. Investidores financeiros, in- países do mundo onde mais se percebe a concentração de fa-
cluindo a 3G Capital, uma empresa de investimento perten- bricantes de alimentos: entre 60 e 70% das compras de uma
cente ao bilionário brasileiro Jorge Lemann e conhecida por família são produzidas por dez grandes empresas, entre elas
suas duras medidas de redução de custos, estão por detrás de Unilever, Nestlé, Procter & Gamble, Kraft e Coca-Cola.
ambas fusões. Lemann juntou-se ao investidor estaduniden-
se Warren Buffett e à sua empresa Berkshire Hathaway pelo
acordo Kraft-Heinz. O mercado mundial de alimentos processados ainda
A demanda por produtos naturais por parte dos consu- não é tão concentrado quanto as outras partes da cadeia,
midores cresce, assim como a pressão para a indústria de ali- devido à grande quantidade de produtores regionais.
1 Nestlé: Aero, Bakers Complete, Boost, capital aberto estatal familiar 6 Mondelez: Cadbury, LU, Marabou, Milka,
Buitoni, Cailler, Chef, Coffee-Mate, Crunch, Oreo, Philadelphia, Ritz, Stimorol, Toblerone,
Friskies, Gerber, Häagen-Dazs, Herta, TUC, Chips Ahoy!, Nabisco, Trident, Bubba-
KitKat, Maggi, Milo, Mövenpick, Nescafé, 9 General Mills 10 Smithfield loo, Tang, Belvita, Lacta, Suchard Express
Nespresso, Nesquik, Nestea , Perrier,
Purina, S. Pellegrino, Smarties, Thomy 8 Unilever 7 Danone: Danone, Activia, Vitalinea,
6 Mondelez Londres Rotterdam Badoit, Evian, Volvic, Bonafont, Mizone,
Golden Valley
Paris
7 Danone
2 JBS: Seara, Friboi, Swift, Primo, Hans, Deerfield
Smithfield
Vevey
Nutrilon, Aptamil, SGM, Milupa, Gervais
Pittsburgh
ALTLAS DO AGRONEGÓCIO 2018 / FOODPROCESSING.COM
5 Kraft Heinz: Kraft, Heinz, Bagel Bites, Capri Sun, 10 Smithfield: Smithfiel, Eckrich, Farmland,
De Ruijter, Good Taste Company, Jack Daniel’s Sauces, Armour, Margherita, Curly’s, Nathan’s,
Jell-O, Kool-Aid, PurePet, Velveeta, Weight Watchers, Wyler’s Cook’s, Gwaltney, John Morrell
Associação Brasileira de Marketing Rural e Agronegócio 2014 / Valor Economico 2013 / Freedom.inf.br 2008
Por estimativa de fatia de mercado (% aproximada)
49,1 50
mantenha uma participação de mercado Maizena Amido de milho
ATLAS DO AGRONEGÓCIO 2018 / Valor Economico 2017 / Reporter Brasil / Reporter Brasil /
de 49,6% em mercearias, o que inclui
alimentos, produtos de cosmética e limpeza.
26
(líder)
22,7 (líder)
(2016)
Rexona Desodorante
43,9
Knorr Caldo Axe
10,6
43
Hellmans Maionese
55 (líder em 2013)
(líder)
Dove 10,3
(líder)
Devido à grande quantidade de produtores regionais, o ça alimentar nas cadeias de suprimentos que costumavam
mercado mundial de alimentos processados ainda não é tão ser reguladas por entidades públicas agora são controladas
concentrado como o comércio de matérias-primas agrícolas, por empresas no final da cadeia. Isto é problemático para os
sementes ou agrotóxicos. Os cinquenta maiores fabricantes produtores que estão no início da cadeia. Fabricantes de ali-
de alimentos representam 50% das vendas globais. As maio- mentos e varejistas determinam altos padrões que aumen-
res corporações registraram o maior crescimento. A globa- tam os custos de produção pagos pelos agricultores. Outros
lização dos sistemas alimentares e a expansão de empresas aspectos da segurança alimentar também estão se tornan-
multinacionais oferecendo diversos produtos continuarão a do mais relevantes: atualmente os consumidores buscam
impulsionar essa tendência. Como exemplo, mundialmen- por mais informações sobre produtos, incluindo sua ori-
te, estima-se que a Unilever mantenha uma participação de gem, métodos de produção e ingredientes.
mercado de 49,6% em alimentos, produtos de limpeza, de Os fabricantes visam expandir-se para novos mercados
higiene, cosméticos, entre outros, em supermercados e mer- devido à pressão dos preços das cadeias de varejo. Do agri-
cearias. No Brasil, a empresa é detentora inclusive de marcas cultor ao consumidor final – a colaboração com outros ato-
competidoras, como no caso da Knorr e da Arisco, e declara res da cadeia de fornecimento é de importância estratégica.
estar presente em cem por cento dos lares brasileiros. Os fabricantes de alimentos se conectam aos atores a mon-
Um efeito desta tendência é que os hábitos alimentares tante, incluindo os grandes traders de commodities, e aos
não estão mudando apenas nos países desenvolvidos, mas varejistas de alimentos a jusante. O foco da competição está
também nos países emergentes e em desenvolvimento. Os mudando: de uma empresa versus outra, para uma cadeia
alimentos não processados estão sendo substituídos por re- de fornecimento versus outra.
feições altamente processadas e prontas, como pizzas e sopas.
Obesidade, diabetes e doenças crônicas são as conse-
quências dessas tendências. As refeições prontas estão cada quando A COMPETIÇÃO É UM PROBLEMA
vez mais enriquecidas com proteínas, vitaminas, probióticos Casos jurídicos contra cartéis na União Europeia: 182 casos na agricultura
e na cadeia de abastecimento alimentar, 2004-2011, em porcentagem
e ácidos graxos ômega-3. O consumo consciente em relação
à saúde tornou-se um negócio lucrativo. As corporações de
alimentos vendem alimentos “saudáveis” como um modo de produção agrícola
combater problemas e doenças nutricionais, apesar de serem
venda por atacado
parcialmente responsáveis por estes mesmos problemas. processamento
A segurança alimentar é de enorme importância para os
consumidores – também nos países em desenvolvimento. fabricação
ATLAS DO AGRONEGÓCIO 2018 / ECB
envolvendo mais de 75 transtornos causados por alimentos, Processamento: produtos intermediários; fabricação: produtos finais
325 mil hospitalizações e 5 mil mortes. Questões de seguran-
INSTINTO SELVAGEM
Elas são bastante desconhecidas do público, uma combinação de várias estratégias, incluindo fusões e
mas dominam o suprimento mundial de aquisições, integração vertical de suas cadeias de suprimen-
carne. Grande parte da carne de vaca, de tos, diversificação de produtos, vendas no atacado e no vare-
jo e lobby em torno dos acordos de comércio e de investimen-
porco e de frango que comemos é controlada
to de modo a facilitar o acesso aos mercados estrangeiros.
por apenas um punhado de megaempresas. O poder absoluto dessas empresas obscurece o fato
de que apenas 9,7% de toda a carne produzida no mundo
G
igantes amplamente conhecidas como Monsanto, é negociada internacionalmente: a maioria das empre-
Cargill, Bayer e DuPont dominam os mercados globais sas produz para o consumo doméstico. No entanto, os dez
de sementes, cereais e agrotóxicos. Frequentemente, principais frigoríficos transnacionais de carne dominam
simbolizam o controle corporativo do sistema alimentar o setor, sendo que as vendas de alimentos dos três maiores
mundial. Mas outro grupo poderoso de megaempresas per- (JBS, Tyson Foods e Cargill) superam em pelo menos duas
manece sem qualquer escrutínio público: as que controlam vezes as vendas das empresas que estão em 4o (Smithfield/
a produção, o processamento e o comércio de carne bovina, WH Group) e 5o (BRF, anteriormente conhecido como Brasil
de aves e de suínos no mundo todo. Foods) lugares.
De acordo com o Instituto para Agricultura e Política Co- Cada uma dessas corporações expandiu-se através da
mercial (IATP, sigla em inglês), o “Complexo Global da Carne” compra de empresas menores, criando uma situação em
é uma rede de empresas altamente concentrada, horizontal que os criadores de gado tinham poucos compradores e
e verticalmente integrada que controla os insumos, a produ- eram obrigados a aceitar qualquer preço que a corporação
ção e o processamento de um amplo número de animais. Al- ditasse. Os criadores de gado reagiram com a expansão dra-
gumas dessas corporações ocupam todos os elos fundamen- mática da produção, espremendo grandes quantidades de
tais na cadeia global da carne. Cargill, a mais conhecida, é a animais em espaços limitados, ou abandonando completa-
principal fornecedora de grãos, a segunda maior fabricante mente a criação de gado. Nos Estados Unidos, 85% do proces-
mundial de alimentos e a terceira maior processadora de samento de carne é controlado por apenas quatro empresas.
carne em termos de vendas de alimentos. Outras, como o No Canadá, até 90% é controlado por duas corporações (JBS e
CP Group, da Tailândia; a New Hope Liuhe e o Wen’s Food Cargill). Os agricultores europeus tiveram um destino pare-
Group, da China; e a BRF, do Brasil, estão liderando o ranking cido. Em 2010-2011, de acordo com a empresa de pesquisa
de fabricantes de ração animal e processadores de carne. da indústria Gira, as cinco principais empresas de carne da
Este tipo de agronegócio se expandiu nos últimos 40 Europa eram Vion (Países Baixos), Danish Crown (Dinamar-
anos, especialmente desde 2000. JBS, Tyson Foods, Cargill e ca), Tönnies (Alemanha), Bigard Group (França) e Westfleisch
Smithfield, agora parte do grupo WH, da China, são as maio- (Alemanha). Metade da produção de carne e vitela na Fran-
res empresas produtoras de carne do mundo. A brasileira ça, quase dois terços na Alemanha e mais de dois terços no
JBS sozinha processou mais de dez milhões de toneladas de Reino Unido foram capturadas por quatro ou cinco players
cabeças de gado em 2009-2010. Este montante representa do mercado.
mais do que a soma de todas as empresas que ocupam as po- A União Europeia (UE) está preparada para produzir e
sições de 11 a 20 no ranking mundial. Cada corporação usa exportar um volume recorde de carne vermelha em 2017.
No caso da carne bovina, isso ocorre porque o agronegó-
cio europeu pressionou exitosamente a UE para eliminar a
10 MAIORES PROCESSADORES DE CARNE DO MUNDO cota leiteira da região. Sem limites para o fornecimento de
Vendas de alimentos de corporações transnacionais em bilhões de US$, 2016 leite, os preços dos produtos lácteos despencaram, expul-
sando muitos pequenos produtores do mercado. À medida
4 Smithfield
que os produtores de leite continuam a vender o seu gado,
3 Cargill Randers
a produção de carne bovina da União Europeia aumentou.
Minnetonka Paralelamente, os comerciantes de porco veem novas opor-
Austin Smithfield Osaka
Aurora tunidades de exportação. A UE é a maior exportadora de
Springdale 10 OSI Luohe
8 Danish Crown
carne de suínos do mundo desde 2013; impulsionada pela
7 Hormel crescente demanda chinesa, as exportações da UE atingiram
ALTLAS DO AGRONEGÓCIO 2018 / IATP / FEM
22
48
suínos
16
frango WH Group
22 28 Vion Food
Danish Crown
18
México Arábia Saudita
624 595 Tailândia
OS QUATRO MAIORES
Participação no mercado das quatro maiores empresas com frigoríficos valor total bois e filhotes suínos
por tipo de rebanho nos Estados Unidos, em porcentagem de compras vacas e touros ovelhas e carneiros
100
90
80
70
60
50
40
30
20
10
0
2003 2004 2005 2006 2007 2008 2009 2010 2011 2012
A
s mudanças nas políticas econômicas reduziram con- uma gigante das commodities, tanto antes como depois da
sideravelmente o controle do governo sobre merca- realização das negociações comerciais. Ele pôde moldar a
dos e fluxos de capital. Essa tendência teve início na estrutura do acordo conforme os interesses de seu antigo e
década de 1980 e acelerou-se na década de 1990. Juntamen- futuro empregador.
te com outros setores, a indústria agroalimentar sofreu duas O conjunto de negociações comerciais subsequente foi
mudanças: sua consolidação levou à emergência de oligo- a Rodada de Doha, lançada em 2001 e que não foi finaliza-
pólios de alguns grandes fornecedores e as megaempresas da. A Unilever, megacorporação global de agroquímicos e
tornaram-se ainda maiores. A participação destas empresas alimentos, representou a indústria europeia de alimentos
nas vendas no comércio exterior aumentou, enquanto a im- e bebidas. A empresa pressionou os governos a permitirem a
portância relativa dos mercados domésticos para o fatura- mais ampla abertura possível nos mercados de bens e servi-
mento global das mesmas diminuiu. ços e dos fluxos de capital dentro das negociações da OMC.
Em 2015, cerca de 70% das vendas globais da gigante O representante da empresa foi nomeado “relator” de agri-
suíça Nestlé foi gerada fora da Europa e da América do Nor- cultura para a Confederação das Empresas Europeias. Esta
te. No caso do conglomerado anglo-holandês Unilever este posição permitiu à Unilever ter acesso privado à Comissão
índice foi de cerca de 75%. A eficácia de suas estratégias de da União Europeia, que negocia os acordos comerciais em
negócios depende da abertura contínua de novos mercados. nome de todos os Estados-membros. Por sua vez, as organi-
Para que isso funcione, cortar ou eliminar tarifas e outras zações da sociedade civil manifestaram-se contra a agenda
barreiras comerciais torna-se um ativo valioso. do livre mercado, alertaram sobre os impactos negativos na
O valor das exportações mundiais de alimentos aumentou agricultura nos países em desenvolvimento e criticaram a
cinco vezes entre 1990 e 2014, enquanto o valor das exporta- falta de transparência das negociações.
ções agrícolas aumentou quatro vezes no mesmo período. Um amplo desmantelamento das alfândegas e de outras
Esse crescimento foi facilitado por uma infinidade de acordos barreiras comerciais sustenta a estratégia das multinacio-
de livre comércio e de investimentos. A maioria foi negociada nais de importar matérias-primas baratas e exportar produ-
após a assinatura da Rodada Uruguai de Negociações Comer- tos para novos e lucrativos mercados. As barreiras ao livre
ciais Multilaterais – a primeira série de negociações globais comércio limitam as vantagens obtidas por estas empresas.
tendo como foco a agricultura e a alimentação – e a fundação Mas as barreiras são importantes para os países em desen-
da Organização Mundial do Comércio (OMC) em 1994. volvimento, na medida em que lhes permitem proteger a
produção doméstica e os pequenos produtores contra as im-
portações baratas de países desenvolvidos.
ALIMENTAÇÃO: REATOR DE FUSÃO O comércio global é governado por uma série de regras
O desenvolvimento de fusões mundiais no setor do agronegócio,
e acordos. Além das regulamentações da OMC, existem pelo
por número e valor
menos 420 acordos comerciais bilaterais, assim como mais
número de fusões volume em bilhões de US$ de 2.900 acordos bilaterais de investimentos. Um elemento
importante é o “sistema de resolução de controvérsias inves-
450 180
tidor-Estado”, que contém cláusulas abrangentes que con-
400 160 cedem aos investidores estrangeiros direitos exclusivos para
350 140 desafiar políticas governamentais e decisões judiciais, preju-
dicando efetivamente o Estado de direito. Permite ainda que
300 120
as empresas processem um governo estrangeiro signatário
250 100 do tratado; elas podem reivindicar indenizações se o gover-
200 80 no impor um novo regulamento que diminua os lucros fu-
ATLAS DO AGRONEGÓCIO 2018 / RACONTEUR
20 50 5
0 0 0
1981 1984 1987 1990 1993 1996 1999 2002 2005 2008 2011 2014 1990 1993 1996 1999 2002 2005 2008 2011 2014 01.02.2016
60 6 3,000
50 5 2,500
40 4 2,000
30 3 1,500
20 2 1,000
casos registrados na
10 1 UNCTAD e OMC 500
0 0 0
2014 2018 2022 2026 2030 2034 2038 2042 2046 2050 1995 2000 2005 2010 2015
O
vertiginoso crescimento econômico expandiu mas- mento de frutas e produção de gado, aquicultura e controle
sivamente as classes médias emergentes da China de zoonoses).
e levou a mudanças significativas em seus padrões Os acordos também estabeleceram que as Partes pro-
alimentares. A demanda por bens de consumo – e especial- movessem um ambiente propício para o aumento de inves-
mente alimentos – aumentou dramaticamente. O país pos- timentos mútuos no setor agrícola, inclusive no processa-
sui 35% dos agricultores do mundo (agricultores, aqui, se mento de grãos e alimentos, em coordenação com o Grupo
diferencia de população rural), mas apenas 9% das terras de Trabalho de Investimentos da Subcomissão Econômico-
cultiváveis, de modo que a segurança alimentar e o acesso -Comercial do governo brasileiro. Isso, porém, não incluiu a
às matérias-primas agrícolas tornaram-se uma preocupa- compra de terras.
ção fundamental. O governo chinês vem buscando garantir Em 2010, o governo brasileiro colocou entraves à venda
acordos de terra, negociando diretamente com governos de terras a estrangeiros ou empresas brasileiras controladas
estrangeiros e, indiretamente, incentivando as empresas por estrangeiros, mas negócios e parcerias firmados com
nacionais a estabelecerem parcerias estrangeiras. base em interpretações anteriores não foram alterados.
A crise mundial dos preços dos alimentos de 2007 e 2008, Houve alguns movimentos de empresas chinesas naquele
que suscitou preocupações em torno da insegurança ali- mesmo ano, como o Grupo Pallas International, que assinou
mentar e o aumento do interesse em garantir recursos natu- com o governo da Bahia um protocolo de intenções para a
rais estrangeiros, levou a uma contundente expansão do in- aquisição de cerca de 200 mil hectares no oeste do estado e
vestimento chinês em terras. As enormes reservas cambiais no resto da região do MATOPIBA (incluindo além da Bahia,
do país – que atingiram US$ 3,8 trilhões em 2014 – revelam o parte dos estados do Maranhão, Piauí e Tocantins) para pro-
fato de que a China tem valiosas relações econômicas, assim dução de soja. A empresa Chongqing Grain Group recebeu
como o dinheiro para investir em terras estrangeiras. 100 hectares da prefeitura de Barreiras e benefícios fiscais
A Política de Internacionalização Produtiva da China do Programa Desenvolve, do governo da Bahia, para a cons-
(Going Global Strategy), de 1999, aprofundou o investimento trução de um polo industrial de esmagamento e refino de
econômico chinês nos países em desenvolvimento, princi- óleo de soja e de escoamento de produtos. A empresa chine-
palmente na agricultura do Sudeste Asiático. A China é hoje sa anunciou a compra de 100 mil hectares na Bahia através
um dos três principais países investidores no Laos e no Cam- de sua subsidiária brasileira Universo Verde, mas a transa-
boja – responsável pela metade da presença estrangeira no ção não foi concluída.
setor agrícola do Laos e por metade das concessões de aqui- Enquanto perdura a restrição sobre a compra de terras
sição de terras por estrangeiros no Camboja. As corporações por estrangeiros (o Projeto de Lei 4.059/2012 sobre estran-
chinesas estão entre os investidores mais proeminentes da geirização da terra se encontra em tramitação no Congres-
região, o que reflete o surgimento da China como um pode- so), os chineses no Brasil têm priorizado outros investimen-
roso ator na agricultura mundial. tos, tanto no próprio agronegócio quanto em infraestrutura
Em 2009, a China passou a ser o maior parceiro comer- de escoamento.
cial do Brasil, superando os EUA. De acordo com o Conselho Em 2011, por exemplo, o estado de Goiás fechou uma
Empresarial Brasil-China, em um primeiro momento a re- parceria com a estatal chinesa Sanhe Hopefull para expan-
lação entre os dois países buscou assegurar o fornecimento dir a produção de soja em pelo menos 6 milhões de tonela-
dos recursos naturais para atender à demanda provocada das – volume que seria exportado integralmente para o país
pelas altas taxas de crescimento da economia chinesa. Foi a asiático. O acordo previu investimento superior a US$ 7 bi-
fase dos projetos de mineração, petróleo e gás, e a comercia- lhões para transformar 2 milhões de hectares de pastagens
lização de commodities agrícolas. Posteriormente, os investi- degradadas em área para o plantio de soja, além de garantir
dores chineses avançaram para os setores de infraestrutura, o custeio dessa produção e a compra de maquinários agrí-
telecomunicações, energia elétrica, indústria automotiva e, colas. Em 2016, a Hunan Dakang Pasture Farming, unidade
mais recentemente, o setor de serviços. do grupo chinês Shanghai Pengxin Group, investiu cerca de
Mas o interesse chinês pelo agronegócio brasileiro se- US$ 200 milhões na aquisição de 57% das ações da trading e
gue intenso. Em 2010, Brasil e China firmaram uma série processadora de grãos Fiagril Ltda. Em 2017, a mesma em-
Grupo Pallas Internacional Governo da Bahia Aquisição de terras para produção de grãos e agrocombustíveis
China Communications
Governo do Maranhão Sócia majoritária do Porto de São Luis no Maranhão
Construction
PODER DE MERCADO E
DIREITOS HUMANOS
Repetidamente, as corporações deixam ção teve início no final da década de 1980. Mas o comporta-
de respeitar os direitos humanos. mento anticompetitivo muitas vezes tem efeitos transfron-
Medidas voluntárias não são suficientes: teiriços, por exemplo, se as empresas pactuam em fixar os
preços ou secretamente fatiam um mercado entre elas. Nes-
precisamos de regras vinculantes.
tes casos, geralmente, são os agricultores ou fornecedores
de outros países que sofrem as consequências. Com os mer-
O
s governos estabelecem o regime de políticas agríco- cados concentrados em poucas mãos em muitas áreas do se-
las, comerciais e de consumo nas quais as empresas tor agroalimentar, a sociedade civil exige uma reforma das
operam. As autoridades têm à sua disposição uma leis de concorrência. A obtenção de aprovação para fusões
ampla gama de instrumentos para influenciar a economia em mercados altamente concentrados deve ser dificultada,
nacional e regular o poder das corporações. No entanto, as e o uso indevido do poder de mercado, restringido.
políticas governamentais são muitas vezes entrelaçadas Uma crítica específica é a de que a política de concorrên-
com os interesses das corporações, ao invés de servir aos in- cia é voltada apenas para os interesses dos consumidores.
teresses de seus cidadãos. À medida que a concentração do Compreende-se que a concorrência funciona desde que os
mercado cresce, a política de concorrência torna-se mais im- preços sejam baixos. Mas não é necessariamente assim – a
portante. As regulamentações nacionais deveriam dificultar concorrência em relação a aspectos de qualidade pode ele-
a criação de cartéis, o mau uso de posições dominantes e a var os preços. Esta política deve, portanto, fortalecer o poder
formação de monopólios, proibindo-os ou impondo condi- de negociação dos agricultores e assegurar a aplicação de
ções a serem cumpridas pelas empresas. padrões mínimos socioambientais ao longo da cadeia de
Nos EUA e em outros países, as regras de concorrência valor. Isso inclui garantir que a negociação salarial gere sa-
foram enfraquecidas desde que a onda de desregulamenta- lários dignos.
Nos últimos anos, na Europa, a atenção se concentrou
nas grandes cadeias de supermercados. A pressão que estes
PODEROSOS CHEFÕES atores exercem sobre os preços é sentida por toda a cadeia
Maiores empresas na produção e distribuição de alimentos,
de valor. É uma das principais causas das condições de traba-
por número de funcionários
lho precárias tanto nos países de origem dos supermercados
Wal-Mart, como nos países em desenvolvimento. A Comissão Europeia
EUA
investigou o poder dos supermercados e práticas desleais
na cadeia de valor e, especialmente, as queixas dos forne-
cedores. Mas, em 2016, decidiu que não havia motivo para
2.300.000 intervir em nível europeu. A Comissão salientou medidas
Compass Group, voluntárias acordadas pelos supermercados e fabricantes
516.000
Reino Unido de alimentos, com as quais, entre outras coisas, planejava
Kroger, estabelecer ouvidorias por parte dos fornecedores. Mas, na
431.000
EUA prática, os fornecedores raramente apresentaram queixas
Sodexo, sobre seus próprios clientes – o risco de ser colocado na lista
França 423.000
suja é muito grande.
McDonald’s,
420.000 O poder de mercado das empresas é refletido no seu fa-
EUA
turamento, na influência sobre os preços e nos padrões que
Carrefour,
381.000 estabelecem para seus fornecedores. Estes últimos são ge-
França varejo
Edeka Zentrale,
ralmente tão restritos que limitam a entrada no mercado e
374.000 restaurante e
Alemanha catering excluem produtores menores a montante.
Tesco, Em muitos países, as leis trabalhistas, agrárias e am-
358.000 processamento
Reino Unido bientais existentes não são cumpridas devidamente. Nestes
de alimentos
Target, locais, a maioria das empresas rejeita qualquer responsa-
ATLAS DO AGRONEGÓCIO 2018 / STATISTA
341.000
EUA bilidade pelo cumprimento de regras que não existem. A
Auchan, 50.000 efetividade das abordagens voluntárias é limitada. Mesmo
338.000
França
que existam regras adequadas, elas não são aplicadas apro-
Nestlé, priadamente. É por isso que a sociedade civil vem exigindo
335.000
Suíça
a elaboração de regras globais para as empresas desde a dé-
Finatis,
330.000 cada de 1990. Estas regras devem estar sob os auspícios das
França
Nações Unidas.
Em 2003, a ex-Subcomissão para a Promoção e Proteção Todos os países selecionados pertencem aos 25 maiores
dos Direitos Humanos das Nações Unidas adotou normas exportadores de alimentos do mundo em termos de valor.
que teriam garantido a responsabilização das empresas Hong Kong e Macau estão incluídos nas exportações chinesas.
multinacionais. Mas esta iniciativa falhou diante da oposi-
ção de delegados pró-corporações na Comissão de Direitos de civil propõem a criação de um mecanismo que obrigue
Humanos das Nações Unidas. Posteriormente, os “Princípios os Estados a respeitarem os direitos humanos mesmo para
Orientadores sobre Empresas e Direitos Humanos das Na- além das suas próprias fronteiras. Isso exigiria dos Estados a
ções Unidas” foram elaborados e adotados por unanimida- implementação de todas as medidas necessárias para evitar
de pelo Conselho de Direitos Humanos da ONU em 2011. a violação de direitos humanos por parte dos “seus” atores
De acordo com esses princípios, as empresas transnacio- privados em outros países.
nais devem agir de forma proativa e com a diligência prévia A sociedade civil também reivindica aos Estados que
(due dilligence) para prevenir violações dos direitos humanos prestem assessoria jurídica, facilitando, assim, que as ví-
em suas cadeias de suprimentos. Elas devem consultar os gru- timas denunciem as violações dos direitos humanos para
pos potencialmente afetados e, quando apropriado, pagar além das fronteiras nacionais. O objetivo é fortalecer os tri-
indenização às vítimas. Mas a aplicação destes princípios é bunais nacionais e introduzir um mecanismo internacional
voluntária, e não há como penalizar as violações. Regras que possa responsabilizar as corporações. Para os Estados
vinculantes a nível internacional e nacional seriam mais particularmente dependentes das exportações de matérias-
adequadas do que esse sistema ineficaz. Porém, até agora, as -primas agrícolas, o ex-relator especial da ONU sobre o Direi-
tentativas de implementar tais regras falharam. to à Alimentação, Olivier De Schutter, recomenda que eles
Por iniciativa do Equador e da África do Sul, um grupo ignorem os anseios ou modelos dos países ocidentais. Em
de trabalho do Conselho dos Direitos Humanos das Na- vez de conceber regras para beneficiar apenas os consumi-
ções Unidas vem negociando um novo acordo desde 2015, dores, eles também devem garantir aos pequenos proprietá-
apoiado por comunidades afetadas, defensores de direitos rios uma proteção adequada contra os traders oligopolistas
humanos e ativistas do Sul global. Muitos grupos da socieda- de commodities.
O
lobby do agronegócio no Brasil é institucionalizado. dessa Frente Parlamentar, entre os deputados que estiveram
Ele funciona no Congresso a partir da Frente Parla- nas duas votações, votaram contra o impeachment de Dilma
mentar da Agropecuária (FPA, formalizada com este e a favor das investigações contra Temer.
nome em 2008), a face mais organizada da bancada ruralista Em 2018, dos 216 deputados listados pela Frente Parla-
em Brasília. Adotada como instrumento organizativo desde mentar da Agropecuária, 118 – mais da metade – são do Sul
a sua formalização, a instituição vem se reunindo semanal- e Sudeste. Outros 51 deputados são do Nordeste. E apenas 47
mente, em evento organizado por lobistas, para definir o do Norte e Centro-Oeste. Pará e Rondônia, estados que lide-
que os políticos chamam de “cardápio da semana”: os temas ram o número de assassinatos no campo no Brasil, não têm
de interesse do setor que serão debatidos em plenário ou nas nenhum deputado na lista.
comissões temáticas, como as de agricultura, meio ambien- A FPA, no entanto, não reúne a totalidade dos ruralistas
te ou orçamento. As reuniões e a estrutura física dessa frente no Congresso, uma vez que a bancada é maior que sua re-
– uma equipe fixa numa mansão no Lago Sul de Brasília – são presentação institucional. Expoentes da indústria e de ou-
financiadas pelo setor privado, a partir de um think tank tros setores, como o financeiro, possuem seus braços no se-
chamado Instituto Pensar Agro (IPA), por sua vez sustentado tor agropecuário e mantêm relação umbilical com os donos
por entidades do setor, como a Associação dos Produtores de da terra. Cabe observar também que as movimentações em
Soja do Brasil (Aprosoja) e a Associação Brasileira dos Produ- Brasília – ainda que sejam muito importantes – não esgotam
tores de Milho (Abramilho). o enredo de pressões do agronegócio por aprovação de leis
A bancada ruralista tem acumulado poder para derru-
bar e manter presidentes. Tanto o impeachment da presiden-
ta Dilma Rousseff, em 2016, quanto a manutenção do presi- A bancada ruralista é composta majoritariamente
dente Michel Temer, por duas ocasiões em 2017, tiveram nos por parlamentares de estados onde
votos da FPA uma ampla base parlamentar. Em 2016, na Câ- se concentra o poder econômico.
6 6
47
51
Sudeste
Nordeste
20 18 15
Sul 11
Centro-Oeste
Norte 16
FPA
Diap
Evolução da bancada ruralista
temas indígenas, e observou que as declarações feitas por
nas Últimas 3 eleições
parlamentares da bancada ruralista contra os povos origi-
nários colaboram com a sua invisibilidade e ilustram a mar-
deputados ginalização cultural sofrida por esses povos: “Diversos são
senadores os episódios envolvendo ruralistas que desqualificaram as
questões indígenas e que foram exaustivamente veiculados
pela mídia influenciando grande parte da opinião pública,
a maioria dos casos são afirmações que buscam vulgarizar a
cultura e identidade indígena dizendo que já não existem,
não prestam ou que possuem mais terras do que precisam.”
142 Os conflitos de interesse no Congresso são evidentes e se
estendem para outros temas – sociais e ambientais. Mas não
104 109 são tomados como pauta prioritária de uma imprensa que
passou a confundir cobertura do setor agropecuário com co-
18
bertura do agronegócio, ou seja, com defesa publicitária de
17 um modelo. É dessa forma que o país assiste a investidas
16
da FPA contra o que resta de legislações articuladas a fa-
vor do interesse público. Em junho de 2018, por exemplo,
avançava no Congresso o PL do Veneno, cujo objetivo é fle-
2006 2010 2014 xibilizar a legislação sobre agrotóxicos, relatado por um de-
Apesar da queda no número de ruralistas eleitos em 2014, a bancada
putado federal, membro da FPA e que já teve uma comercia-
tem recebido novas adesões desde então e seus representantes ocupam lizadora de agrotóxicos e promoveu multinacional do setor.
cargos no Executivo e em órgãos estratégicos, como Ibama, Incra e Funai Além de representarem o lobby de organizações setoriais
e de empresas, por sua vez financiadoras de campanha, a
bancada ruralista tem “filiais” em vários órgãos públicos
e manutenção de políticas excludentes. O setor se organiza estratégicos por meio de indicações de aliados e parentes.
em um sistema político ruralista suprapartidário: “A rede co- Nesse sentido, é comum que superintendências do Incra
meça no poder local, nas prefeituras, e se estende até os cor- em regiões de expansão do agronegócio ou coordenações
redores de Brasília, configurando o que os italianos chamam da Funai sejam ocupadas por correligionários de políticos da
de partido transversal”. bancada ruralista. O mesmo ocorre em comissões, relatorias
A “plantação” de pautas na Esplanada dos Ministérios e demais espaços estratégicos no Congresso Nacional.
passa também pela criminalização dos movimentos sociais O agro é lobby pensado, financiado, midiaticamente cal-
do campo. A bancada ruralista se esforça para definir movi- culado, hoje orquestrado alguns decibéis acima do que uma
mentos de sem-terra como “terroristas” e promover formas democracia – tomada também como um regime onde os
de criminalização. Em novembro de 2015 foi criada uma Co- interesses privados não superem o interesse público – possa
missão Parlamentar de Inquérito, a CPI da Funai e do Incra, suportar.
para promover investigações – de caráter bastante parcial,
já denunciado inúmeras vezes – sobre organizações que
defendem a função social da Fundação Nacional do Índio NA LISTA SUJA DO TRABALHO ESCRAVO
Quantidade de deputados por partido eleitos em 2014 com recursos
(Funai) e do Instituto de Colonização Agrária (Incra). No re-
de empresas que integraram a lista suja do trabalho escravo
latório final, apresentado em maio de 2017, lideranças in-
dígenas, indigenistas, antropólogos, representantes de or-
PC do B
ganizações não governamentais e até procuradores foram PSD Avante
DEM
“indiciados” pela CPI.
Um dos interesses diretos da bancada é enfraquecer a
PSB 1
defesa, pelo Estado, dos territórios indígenas, quilombolas e 3 PDT
MDB
das Unidades de Conservação, diante da demanda de expan-
12
são do agronegócio. O setor precisa cada vez mais ampliar
PP
seu território para manter as margens de lucro. Ao mesmo
tempo em que querem permitir a venda de terras para es-
trangeiros, alguns parlamentares já estiveram envolvidos
PSDB 4
com exploração de trabalho escravo e outras violações de
direitos. No que se refere à relação com o Estado, acostuma-
11
ram-se a regularizar as pendências anteriores, da anistia dos
Repórter Brasil / Ruralômetro
DE VITRINE A VIDRAÇA
Como a Reforma Trabalhista possibilita do trabalho. E do que leis que permitem a punição a quem se
que produtos brasileiros possam conter beneficia do lucro desse tipo de exploração.
trabalho escravo contemporâneo. O Brasil já foi a principal referência global no combate ao
trabalho escravo contemporâneo, inclusive nas cadeias de
valor, mas está deixando de ser. Umas das razões é o inten-
T
rabalho escravo contemporâneo não é um erro ou um so processo de desregulamentação da relação de compra e
resquício de práticas antigas que sobreviveram tempo- venda de força de trabalho, que reduziu a proteção aos tra-
rariamente ao capitalismo. Mas um instrumento usa- balhadores e aumentou sua vulnerabilidade às formas con-
do para ajudar na competitividade de empreendimentos, temporâneas de escravidão.
fazendo parte de uma política de corte de custos baseada na Em março de 2017, o governo brasileiro aprovou a Lei
redução de direitos. da Terceirização Ampla, que permite a subcontratação de
Como consequência, temos concorrência desleal com todas as atividades de uma empresa. A Reforma Trabalhista
outros empregadores que arcam com os custos das leis tra- aprovada meses depois pelo governo brasileiro reafirmou as
balhistas e dumping social9. Essa interpretação vem sendo mudanças trazidas por essa legislação.
confirmada em tribunais espalhados pelo país. Com a Lei da Terceirização Ampla, quando flagrada com
Cadeias de valor brasileiras na pecuária, na agricultura e trabalho escravo, uma empresa contratadora de serviços
no extrativismo estão contaminadas por trabalho escravo, fa- pode ser acionada na Justiça apenas após sua subcontratada
zendo com que estejamos conectados a esse crime pelo con- provar que não possui recursos para arcar com os direitos dos
sumo. Um bife vendido em um supermercado de São Paulo trabalhadores – o que pode levar um bom tempo. Fazendas e
já foi gado produzido por mão de obra escrava na Amazônia. empresas flagradas nesta situação têm se utilizado de coo-
Um café tomado em um restaurante nos Estados Unidos já perativas e laranjas para burlar direitos trabalhistas. Nesse
foi grão colhido por pessoas escravizadas no Cerrado. sentido, a mudança facilita a impunidade das contratantes.
São quatro elementos que definem escravidão no Brasil, Antes de 2017, a terceirização da atividade-fim era proi-
de acordo com o artigo 149 do Código Penal Brasileiro: tra- bida graças a uma regra do Tribunal Superior do Trabalho.
balho forçado, servidão por dívida, condições degradantes Por reconhecer vínculos empregatícios onde ocorria tercei-
(que colocam a pessoa abaixo da linha de dignidade, pondo rização ilegal, o Ministério do Trabalho e o Ministério Públi-
em risco a saúde, a segurança e a vida), ou jornada exausti- co do Trabalho puderam responsabilizar empresas, como as
va (que leva o trabalhador ao completo esgotamento dado à do setor do vestuário e as do sucroalcooleiro, por essa forma
intensidade da exploração, também colocando em risco sua de exploração.
saúde, segurança e vida).
Auditorias independentes, autorregulação e autodecla- Atuação do Grupo Móvel de combate ao Trabalho Escravo do
ração por parte das empresas não garantem a mesma quali- Ministério do Trabalho entre 2003 e 2010 ganhou eficiência e
dade de monitoramento dessas cadeias que a ação de fiscais elogios da OIT, batendo recordes de libertação.
6.000
5.500
Atividades realizadas no campo
5.000
Atividades não realizadas no campo
4.500
4.000
3.500
3.000
2.500
2.000
1.500
1.000
500
0
1995 1996 1997 1998 1999 2000 2001 2002 2003 2004 2005 2006 2007 2008 2009 2010 2011 2012 2013 2014 2015 2016 2017
A
s regras que, antigamente, restringiram as especula- no aumento da demanda por produtos de investimento re-
ções financeiras excessivas sobre os produtos agríco- lacionados à agricultura e às terras agrícolas. No mercado
las foram flexibilizadas sucessivamente nas últimas de futuros de trigo dos EUA, por exemplo, os especuladores
duas décadas. Como resultado, as potências financeiras ago- financeiros representaram 12% do comércio em meados
ra moldam, crescentemente, o sistema alimentar global. da década de 1990; em 2011, essa participação aumentou
Desde o início da década de 1990, a Comissão de Negociação para 61%. Hoje, estima-se que seja em torno de 70%. Os fun-
de Mercadorias de Futuro dos Estados Unidos vem gradual- dos de pensão investem em títulos agrícolas para pagar
mente flexibilizando as regras que limitavam o comércio aposentadoria aos seus membros. Entre 2002 e 2012, o va-
especulativo de contratos de futuros de trigo, soja e milho. lor destes títulos aumentou de US$ 66 bilhões em 2002 para
Em 2005, os limites de posições especulativas10 haviam sido US$ 320 bilhões.
ampliados por um fator de 10, 15 e 35, respectivamente. O Centenas de fundos de investimento ligados à agricultu-
comércio de futuros envolve a compra e venda de quantida- ra estão agora em operação, controlando bilhões de dólares
des de commodities hoje, a um preço específico, para entre- de ativos. Um dos maiores é o DB Agriculture Fund, lançado
ga em uma data futura. Aperfeiçoados, esses instrumentos pelo Deutsche Bank. Este fundo administra mais de US$ 700
financeiros podem representar uma grande diferença nos milhões em ativos, incluindo milho, soja, trigo, café e açúcar.
preços e lucros. Em 2007, a BlackRock, uma das maiores empresas de investi-
Como resultado dessas mudanças regulatórias, os ban- mento do mundo, estabeleceu um Fundo de Índice de Agri-
cos, incluindo o Goldman Sachs, o Morgan Stanley e o Citi- cultura que investe em ativos como futuros de commodities,
bank, assim como outros atores financeiros, agora podem terras agrícolas, empresas de insumos agrícolas, além de
vender novos tipos de títulos financeiros. Os fundos de índi- frigoríficos e traders. Suas ações incluem a Monsanto, a
ces de commodities, por exemplo, em geral rastreiam os pre- Syngenta, a Tyson Foods, a Deere e Co e a ADM. Este fundo
ços de um grupo de mercadorias negociadas em mercados vale mais de US$ 230 milhões.
de futuros, incluindo as agrícolas, e não são efetivamente fis- Muitas das traders, como Cargill, Bunge e ADM, têm seus
calizados pelo Estado. Também surgiram fundos que se con- próprios braços de investimento financeiro. Essas empresas
centram inteiramente em commodities agrícolas e empresas. desempenham um papel duplo singular, como vendedores
de produtos de investimento e também como comprado-
res de ativos agrícolas. São de relevância primordial por-
ATLAS DO AGRONEGÓCIO 2018 / ARQUIVOS ATLAS-manufaktur
MERCADO FUTURO PARA COMMODITIES AGRÍCOLAS que suas decisões sobre armazenar ou vender um produto
Seleção de bolsas significativas, 2016 podem influenciar os preços e, desse modo, elas podem se
beneficiar enormemente dos novos mercados financeiros.
Intercontinental Exchange
A narrativa de uma população mundial crescente e da
Dalian Commodity Exchange escassez dos recursos é atraente para grandes investidores
Londres institucionais, incluindo companhias de seguros, fundos de
Frankfurt am Main
Chicago Zurique Dalian pensão, fundos de investimentos, hedge funds e fundações
Nova Iorque Zhengzhou
universitárias. Trata-se de fundos que lidam com significa-
CME Group Eurex Bombaim
tivas somas e que normalmente têm uma estratégia de in-
vestimento passivo: compram ativos financeiros de “baixa
CBOE Multi Commodity Exchange manutenção” e os mantêm por longos períodos, prevendo
uma elevação dos preços.
Zhengzhou Commodity Exchange Os fundos negociados na bolsa de valores são um desses
instrumentos. Implicam um tipo de título cotado na bolsa e
cuja composição reflete um índice de valores de mercado,
como o índice Dow Jones ou o índice agrícola de uma bol-
Grupo CME: CME, CBoT, Nymex; Intercontinental Exchange: ICE, NYSE, LIFFE; Multi Commodity
Exchange: MCX; Dalian Commodity Exchange: DCE; Zhengzhou Commodity Exchange: ZCE sa de futuros. Além disso, os hedge funds investem dinheiro
diretamente no setor agrícola em prol dos grandes investi-
5.000
2007 2008 2009 2010 2011 2012 2013 2014 2015 2016 2017
Composição do fundo no dia 25 de novembro de 2016,
em porcentagem
A performance do Fundo em comparação com o índice agrícola de referência
gado vivo 2,9 S&P GSCI, diferença em porcentagem
4,5 13,6
soja em grão 8,7
milho 34,2
trigo 28,3
10,0 13,0
açúcar 6,5
cacau 2016 3,8
2008 2011 2013 2014 2015 2016
café 11,0 12,4 -10,7
porco 2007 2009 2010 2012 -1,1
-15,9 -18,0 -16,9
carne bovina 11,5 12,3
algodão
-28,9
dores. Um exemplo é a Edesia, um hedge fund que, em 2013, Após a explosão dos preços agrícolas, posteriormente a
valia US$ 2,7 bilhões, pertencente a Louis Dreyfus Company, 2006, e durante e depois da crise financeira de 2008, políticos
um trader de commodities. nos Estados Unidos e na União Europeia tentaram implantar
A Conferência das Nações Unidas sobre Comércio e De- uma regulamentação mais rígida para conter a especulação
senvolvimento (UNCTAD, sigla em inglês) afirma que o in- no setor agrícola. Mas estes esforços foram comprometidos
vestimento financeiro nos mercados de commodities agrí- pela intensa pressão e resistência das empresas financei-
colas gera a elevação e maior volatilidade nos preços dos ras e dos grandes traders. Os investimentos em commodities
alimentos. Isso beneficia empresas como a Cargill, que con- agrícolas diminuíram um pouco após 2013, à medida que os
tinuamente compram e vendem commodities. Mas pode ser preços do petróleo e as taxas de juros caíram, fomentando
uma tragédia para as pessoas que gastam uma considerável os investimentos em empresas e fundos de índices de ações
proporção de seus rendimentos em alimentos, como faz agrícolas, assim como o contínuo interesse em terras agríco-
grande parte da população dos países mais pobres do mun- las. Após vários anos de perdas nos mercados de commodities
do. Os agricultores também enfrentam maior incerteza se os agrícolas, os investidores começaram a retornar para este
preços dos alimentos se tornam mais voláteis. setor em 2016.
A financeirização – o influxo de investidores de capital
que não têm nada a ver com as commodities que estão nego- 10
Nota da tradutora: trata-se do número de contratos futuros de
ciando – também contribuiu para uma onda de aquisições commodities que pode ser mantido por um trader.
de terras desde o final dos anos 2000. Esta é a peculiaridade
dos fundos de terras agrícolas: seus acionistas podem inves-
ATLAS DO AGRONEGÓCIO 2018 / CBOT/WORLDOFCORN
tir na produção agrícola sem ter que comprar commodities VENDAS E REVENDAS
Contratos futuros e produção de milho em milhões de toneladas,
ou terra. Um desses fundos especializados é a TIAA (sigla
2015/2016
em inglês para Associação de Seguros e Anuidades de Pro-
produção dos Estados Unidos
fessores dos EUA), que gerencia ativos de aposentadoria produção mundial
para funcionários de universidades e organizações sem fins
lucrativos. Este fundo começou a investir em terras agríco- 345
968
las em 2007 e agora administra US$ 6 bilhões destes ativos
no mundo todo. Os vultosos investimentos em terra visam,
muitas vezes, implementar operações agrícolas industriais
mercado de futuros
10.553
de grande escala que prejudicam o meio ambiente e privam
os pequenos produtores de seus direitos sobre a terra.
D
e acordo com a ONU, em 2018, 55% da população missão Pastoral da Terra contabilizou, no mesmo ano, 70
mundial passou a viver em centros urbanos, índice assassinatos, com destaque para quatro massacres ocorri-
que deve crescer para 68% em 2050. O crescimento da dos na Bahia, Mato Grosso, Pará e Rondônia.
migração da população rural para as cidades tem sido uma A ofensiva do setor ruralista – muitas vezes com respaldo
constante na maioria dos países do planeta, mas ao mesmo dos poderes Executivo, Legislativo e Judiciário – tanto sobre
tempo, de acordo com o Banco Mundial, em 2014 um terço os territórios quanto sobre as legislações socioambientais
do PIB mundial foi gerado pela agricultura, o que ressalta a tem recrudescido na última década no Brasil. No tocante aos
importância da atividade. Mas quem e como se faz a agricul- povos tradicionais e indígenas, diversas manobras de desre-
tura no mundo? gulamentação da legislação exigem um esforço redobrado
De acordo com levantamento da FAO produzido em das organizações sociais na defesa de direitos já garantidos
2014, áreas de menos de 1 hectare representam 72% de to- na Constituição.
das as propriedades do mundo, mas ocupam apenas 8% das No período de 2004 a 2017, a Bancada Ruralista no Con-
terras agrícolas. Em contraste, apenas 1% das propriedades gresso Nacional propôs 25 Projetos de Lei que ameaçam a de-
rurais do mundo têm mais de 50 hectares, mas controlam marcação de terras indígenas e quilombolas. Por exemplo, a
65% das terras agrícolas. PEC 215, que pretende tirar da União e transferir ao Congres-
O Brasil cultiva, de acordo com o Censo Agropecuário do so a demarcação de terras tradicionais, ou o Marco Tempo-
IBGE de 2017, cerca de 63 milhões de hectares. Destes, desta- ral, que pretende definir que terras indígenas seriam apenas
ca a Embrapa, 61,6 milhões foram usados para a produção as ocupadas por índios antes da promulgação da Constitui-
de commodities agrícolas (grãos) na safra 2017/2018. Ainda ção de 1988. O interesse maior do agronegócio é o acesso às
segundo o Censo, 158 milhões de hectares são ocupados por terras consideradas pela Constituição Federal como de di-
pastagens. reito das populações indígenas, dificultando a demarcação
Estes dados não se aplicam apenas a áreas do grande – que exclui sua exploração por não índios –, possibilitando
agronegócio, mas sua predominância é inegável. A moder- arrendamento ou comercialização e abrindo a possibilidade
nização tecnológica da agricultura tem atraído grandes in- para a implementação nos territórios de projetos de minera-
vestidores nacionais e estrangeiros, o que vem elevando o ção, hidroenergia, infraestrutura, entre outros.
valor das terras e a demanda por elas. Estes fatores aumen- Esta ofensiva levou à reaglutinação da Articulação dos
tam as disputas territoriais do grande capital agrário com Povos Indígenas do Brasil (APIB) na última década, e as lutas
pequenos agricultores, populações tradicionais e sem-terra, indígenas passaram a ter um protagonismo crescentes nas
o que também eleva a violência no campo. disputas territoriais. Organizações como o Conselho Indige-
Nos últimos anos, os conflitos envolvendo a tomada de nista Missionário (CIMI) e Instituto Socioambiental (ISA), tra-
territórios indígenas e de populações tradicionais têm se dicionalmente engajadas na causa, e novos parceiros, como
intensificado. Em 2016, um levantamento do Conselho In- o Greenpeace, também redobraram ações políticas em defe-
sa dos direitos dos povos indígenas.
Campanhas nacionais de visibilização das violações dos
Centro de Documentação Dom Tomás Balduino / CPT
Nordeste
Amazônia Legal
31 TIs estão em processo
85 TIs aguardam
demarcatório nessa região.
a finalização de
Uma delas, a TI Jeripancó,
seus processos de
aguarda há 25 anos a
reconhecimento
conclusão dos estudos de
identificação da área
temporariamente, vários retrocessos. Em 2016, uma articu- como terras indígenas e quilombolas), são os principais
lação dos indígenas da etnia Munduruku, com apoio nacio- alvos dos interesses megaextrativos no Brasil. Os poderes
nal e internacional de organizações parceiras, logrou a sus- Executivo e Legislativo têm atentado contra as garantias le-
pensão da construção da hidrelétrica de São Luiz do Tapajós gais das populações tradicionais, dependentes da terra não
no rio Tapajós, no Pará. Anteriormente, o Superior Tribunal para reproduzir o capital, mas a vida. Algumas vitórias no
de Justiça havia autorizado procedimentos de estudos para Judiciário têm favorecido as causas socioambientais e ter-
o licenciamento da usina, mas definiu que os indígenas te- ritoriais das populações tradicionais, mas à custa de muita
riam que ser consultados previamente de acordo com a Con- mobilização. No Brasil, para que sejam garantidas as condi-
venção 169 da Organização Internacional do Trabalho. Os ções mínimas de vida, estes cidadãos precisam se mobilizar
artigos 6º e 7º da Convenção exigem que comunidades po- em dobro.
tencialmente afetadas por um projeto tenham direito à con-
sulta prévia, livre e informada. Esta decisão beneficiou tam-
bém a comunidade ribeirinha de Montanha e Mangabal, de olho nas terras quilombolas
no município de Itaituba, PA, igualmente ameaçada pelo Terras Quilombolas tituladas e em processo no Incra
projeto hidrelétrico. Já em 2017, o licenciamento da minera-
dora canadense Belo Sun, localizada na região de Altamira
3 30
às margens do rio Xingu, a poucos quilômetros da usina de
Belo Monte, no Pará, também foi suspenso com base na Con-
337
venção 169. De acordo com decisão do Tribunal Regional
4
58 55 30 1
20
Federal da 1ª Região, a consulta teria ainda que seguir as di- 54 78
retrizes de um protocolo elaborado pelos indígenas Juruna, 5
60 2 29
5 1
potencialmente atingidos pelo projeto. 33 4 18
Também os quilombolas, cujas terras seguem com de- 72 17 269 28
marcação praticamente paralisada, conseguiram uma im-
1 22
portante vitória na Justiça. Em fevereiro de 2018, o Supremo
Tribunal Federal votou contra uma ação movida pelo anti-
193
3 18 10
Comissão Pro-Índio de São Paulo
DO FAKE SAUDÁVEL À
GOURMETIZAÇÃO
A qualidade da alimentação é tema alimentares saudáveis. Em 2017, foi a vez da marca Unilever
urgente no Brasil e precisa ser encarada comprar a Mãe Terra. A empresa Korin, do segmento de or-
de forma transformadora, a fim de gânicos, frango e carne sustentável, e a Granja Mantiqueira,
produtora de ovos orgânicos, também já foram sondadas
democratizar o acesso.
para compra por grandes empresas. O que ocorre no Brasil
é a reprodução do mesmo processo de fusões e aquisições no
N
os últimos anos, o tema da alimentação saudável vem setor que vêm ocorrendo mundialmente. Exemplo disso foi
ganhando espaço no Brasil, tanto na mídia quanto no a compra da maior rede de varejos de produtos orgânicos e
cotidiano da população, e o mercado já notou isso. naturais dos Estados Unidos, a Whole Foods Market, pela gi-
A demanda por produtos naturais, que impactem menos o gante Amazon.
meio ambiente, que não sejam testados em animais, ou que Reforçando este cenário, incluem-se sucos e néctares,
sejam produzidos por empresas socialmente responsáveis, consumidos por grande parte da população brasileira que
vem aumentando. O acesso à informação é também ponto os compreende como mais saudáveis que os refrigerantes.
importante neste processo. Com o advento das mídias so- No entanto, pesquisas publicadas pelo Instituto Brasileiro de
ciais, que fazem uma comunicação direta, individualizada e Defesa do Consumidor (Idec), por exemplo, revelaram que
instantânea, a questão alimentar, do bem-estar e do cuidado estas bebidas contêm grandes quantidades de açúcar e adi-
com o corpo parece ser a bola da vez. tivos químicos, e muito pouca fruta. Muitas marcas não con-
O fit, o diet, o light, o zero, o free, o low carb vêm a cada templam nem o teor mínimo exigido por lei. Assim, ainda
dia conquistando mentes e, por vezes, confundindo quem que esta categoria tenha entrado para as listas mais atentas
busca caminhos para uma alimentação mais saudável. Ao e aguerridas do fake saudável, o mercado já captou a men-
mesmo tempo, a conscientização sobre os impactos do sis- sagem e está de olho no crescimento do consumo. Multina-
tema agroindustrial na alimentação vem criando um novo cionais que há duas décadas se concentravam mais no seg-
nicho de mercado onde os alimentos orgânicos e naturais mento de bebidas carbonatadas (refrigerantes) ou cervejas,
vêm sendo transformados em produtos gourmet. vêm também expandindo para o segmento de sucos e chás
O mercado brasileiro de comida saudável é atualmente prontos, como é caso da Coca-Cola, que adquiriu o famoso
o 6º maior do mundo e segue em vultoso crescimento. Este Mate Leão (Leão Junior S.A.), os sucos Mais, Del Valle e Ades,
mercado tem grande tendência à concentração – a exemplo ou a Ambev que comprou a marca Do Bem.
das fusões e aquisições entre corporações da tríade semen- Na contracorrente, há um projeto de lei em tramitação
tes-agrotóxicos-medicamentos. Em 2014, por exemplo, uma no Senado Federal (PLS n. 346/2018), que visa proibir em es-
subsidiária da companhia farmacêutica japonesa Otsuka colas de educação básica públicas e privadas, a distribuição
comprou a brasileira Jasmine, uma empresa de produtos e venda de bebidas como refrigerantes, néctares, refrescos,
chá prontos e bebidas lácteas. O PLS dialoga com outras leis,
como o Programa Nacional de Alimentação Escolar (PNAE)
SAUDÁVEL DE VERDADE – compras públicas diretas da agricultura familiar, para pro-
Perfil da produção orgânica e agroecológica no Brasil, 2016 ver melhor qualidade na alimentação dos estudantes – e o
75%
Distribuição da produção por Programa de Aquisição de Alimentos (PAA) – compra direta
regiões (por mil hectare/ha) de produtos da agricultura familiar por instituições públicas
Secretaria de Desenvolvimento Agropecuário e Cooperativismo do MAPA, 2017
15.700
Collaboration, em um estudo publicado pela revista médica
748,8 333 internacional Lancet, o índice de obesidade entre meninos
118,4
saltou de 0,93% em 1975 para 12,7%, em 2016 e em meninas
unidades de produção de 1,01% para 9,37%, no mesmo período. O consumo de pro-
678.449
158 dutos processados e ultraprocessados, com muito mais açú-
car, sódio e gordura, são reveladores destes resultados. Bra-
sileiros com mais de dez anos de idade consomem em média
agricultores familiares, produtores Sudeste 21,5% de alimentos ultraprocessados em sua dieta alimentar
orgânicos, povos indígenas e povos e Norte
comunidades tradicionais, técnicos Nordeste
e extensionistas beneficiados por Centro-Oeste As feiras orgânicas e agroecológicas são fundamentais
programa e politica de crédito Sul para aproximar os produtores dos consumidores e
reduzir o gap no acesso à alimentação de qualidade.
Ministério do Desenvolvimento Social - MDS Secretaria Especial de Agricultura Familiar e Desenv. Agrário - SEAD
PAA – modalidades doação, sementes, compra direta 609,3 0,75 Apoio desenvolvimento territórios rurais 372,4 25,1
Distribuição de alimentos a grupos tradicionais 78,2 0,25 PAA – formação de estoques 32,8 3,2
Redução de risco na atividade agropecuária 7,1 0,8 Crédito fundiário 54,7 5,1
Inclusão produtiva rural 213,1 32,2 Promoção e fortalecimento da agricultura familiar 83,1 10,2
Agricultura orgânica 5,7 2 Assistência Técnica e Extensão Rural (ATER) 607,3 133
0 10 20 30 40 50 60 70 80 90 100 0 10 20 30 40 50 60 70 80 90 100
percentual da redução (%) Investimento em 2015 (milhões R$) Investimento em 2018 (milhões R$)
A
globalização da produção de alimentos através de conjunto de técnicas agronômicas; é um processo político,
multinacionais criou uma distância física e psicoló- social e transformador. Oferece ferramentas que dão às pes-
gica entre consumidores e agricultores, ou seja, entre soas o direito de definir seus próprios sistemas de alimenta-
o que comemos e de onde vêm esta comida. Os alimentos ção, agricultura, pecuária, pesca e as políticas que impactam
chegam embalados nas prateleiras dos supermercados com estes sistemas como parte de um movimento internacional.
poucos indícios de suas origens. Mas cresce o número de pes- A agroecologia não procura melhorar a agricultura indus-
soas questionando este sistema alimentar hegemônico; elas trial, mas substituí-la: não se trata de adaptação ou confor-
criticam como os alimentos industrializados são produzidos mação, mas, sim, transformação.
e por que sabemos tão pouco sobre eles. Um movimento A abordagem agroecológica reproduz e otimiza os pro-
agroecológico crescente no mundo todo está trabalhando cessos naturais através da utilização efetiva dos recursos
para mudar a maneira como produzimos e consumimos ali- locais e da reciclagem de nutrientes e de energia. Isso re-
mentos. Estão tentando tornar nossos sistemas alimentares duz a dependência dos agricultores e das agricultoras nas
mais socialmente justos, ambientalmente amigáveis e inde- compras de grandes empresas agrícolas. Os fertilizantes
pendentes das grandes corporações – do campo à mesa. industriais não são necessários para manter os solos sau-
O conceito de agroecologia não é novo: agricultores e dáveis: restos de plantas, estrume e árvores proporcionam
movimentos sociais vêm há décadas trabalhando na cons- ao solo os nutrientes essenciais. Em vez de agrotóxicos, os
trução de alternativas mais ambiental e socialmente justas cultivos diversificados mantêm as pragas sob controle.
à agricultura industrial. Atualmente, as instituições de pes- Os cultivos crescem ao lado de plantas que repelem os insetos
quisa, a sociedade civil, as Nações Unidas e alguns governos indesejados ou que atraem aqueles que são benéficos para
estão começando a adotar este conceito. Na Declaração de o sistema. Este método atrai-repele (do inglês “push-pull”) é
2015 do Fórum Internacional de Agroecologia, movimen- amplamente utilizado.
tos sociais pactuaram os princípios e métodos para alcançar Em vez de comprar sementes híbridas das megaempre-
essa visão. Mas ainda há um longo caminho a percorrer para sas, os agricultores produzem suas próprias sementes, as
que a agroecologia se torne o modelo dominante. melhoram e as distribuem através de bancos de sementes
A agroecologia é muitas vezes confundida com a agri- e redes de trocas. Suas sementes são bem-adaptadas ao am-
cultura ecológica ou com a intensificação sustentável – uma biente e ao clima de cada lugar, e mantêm o alto nível de
carne
legumes
0 10 20 30 40 50
frutas
60 70 80 90 100
2.000
mudas transplante de uma muda espaçamento manter o solo fertilizante uso de equipamento
princípios jovens por vez ao invés de agru- mais amplo úmido em vez orgânico para arejar o solo e con-
(8-12 dias) pamentos de 3-4 mudas entre as plantas de inundado (compostagem) trolar as ervas daninhas
AGROECOLOGIA NO BRASIL
Valorizando as dimensões da ciência, tes pesquisadores e instituições engajados na construção da
das práticas, dos movimentos sociais e agroecologia como um campo do conhecimento científico.
das inovações institucionais. A aproximação com outras experiências latino-americanas
de construção do conhecimento, como o movimento Cam-
pesino a Campesino, presente nos países da América Central,
A
agroecologia se configura, atualmente, como ciên- possibilitou, também, uma renovação do ponto de vista me-
cia, prática e movimento social. Sua construção en- todológico com forte protagonismo dos agricultores e agri-
contra-se vinculada a um amplo projeto de transfor- cultoras e povos e comunidades tradicionais13.
mação das formas de produção, processamento, distribuição Em 2002, como um desdobramento do I Encontro Na-
e consumo presentes no atual sistema agroalimentar. Seus cional de Agroecologia (I ENA), foi criada a Articulação
princípios e práticas possuem uma longa trajetória de enr- Nacional de Agroecologia (ANA), resultado de um processo
raizamento nos modos de vida dos camponeses, povos indí- de convergência entre redes regionais, movimentos sociais,
genas e comunidades tradicionais nas mais diferentes partes associações profissionais e entidades de assessoria. A criação
do mundo. Suas bases seguem os princípios de justiça social, da ANA, a organização das Jornadas de Agroecologia promo-
sustentabilidade ambiental e soberania alimentar, assumin- vidas pelos movimentos da Via Campesina, a incorporação,
do compromisso político com a democratização do direito à a partir de 2007, da agroecologia como um tema relevante
terra, à água, aos recursos naturais e às próprias estruturas de na agenda das organizações de mulheres responsáveis pela
produção do conhecimento. organização da Marcha das Margaridas, entre outras inicia-
No Brasil, a emergência da agroecologia encontra-se vin- tivas, são indicativos do fortalecimento da agroecologia.
culada ao surgimento, a partir do final dos anos 1970, de um A luta pela reforma agrária e pelo cumprimento da fun-
conjunto diversificado de iniciativas protagonizadas por or- ção social e ambiental da terra, prevista pela Constituição
ganizações não governamentais de assessoria, movimentos Federal, a defesa dos direitos políticos, sociais e territoriais
sociais, Comunidades Eclesiais de Base (CEBS) e organizações dos povos indígenas e demais povos e comunidades tradi-
de trabalhadores/as do campo com atuação nas diferentes cionais, a Campanha Permanente Contra os Agrotóxicos e
regiões do país. Como exemplos dessas iniciativas, encon- pela Vida, a mobilização em torno da incorporação de prin-
tram-se os Encontros Brasileiros de Agricultura Alternativa cípios de Soberania e Segurança Alimentar e Nutricional às
(EBAAs); a criação do Projeto Tecnologias Alternativas (PTA); políticas públicas, a resistência aos transgênicos e demais
a multiplicação e articulação de redes locais, territoriais e
regionais de gestão do conhecimento agroecológico e o sur-
gimento de iniciativas de comercialização de produtos or- As redes e organizações do campo agroecológico têm
gânicos/agroecológicos. Registra-se, ainda, a aproximação procurado desconstruir a ideia de que só é possível produzir
das redes de “agricultura alternativa” existentes no Brasil alimentos com base em extensas monoculturas e em
com o trabalho desenvolvido em outros países por diferen- tecnologias controladas pelas grandes corporações.
CULTIVANDO O FUTURO
Políticas públicas que avançaram na incorporação de princípios da agroecologia
1 4
Programa de Aquisição de Alimentos (PAA). Política Nacional de 6
Assistência Técnica Programa Nacional de
(PNATER). Desenvolvimento Sustentável
dos Territórios Rurais (PRONAT).
3
Programa Nacional
de Alimentação
7
Escolar (PNAE).
Programa Ecoforte de apoio
às redes de agroecologia e
2 produção orgânica.
Lei 10.831/2003, que 5
institucionaliza o Políticas de Convivência com o
sistema de produção Semiárido, com destaque para o 8
orgânica com o Programa Um Milhão de Cisternas Política Nacional de Agroecologia e Produção
reconhecimento de (P1MC) e o Programa Uma Terra e Orgânica (PNAPO)14, que contou, na sua
formas participativas e Duas Águas (P1+2). elaboração, com a participação das redes
planalto.gov.br
307
editais públicos.
Sul
Mesmo reconhecendo os avanços ocorridos nos últimos Nordeste
anos, a incorporação de um enfoque agroecológico às po- Centro-Oeste
líticas públicas de fortalecimento da agricultura familiar
enfrentou uma série de obstáculos, principalmente pelo
Norte
182
fortalecimento do agronegócio pelo governo, e em alguns
Estabelecimentos que declararam não utilizar agrotóxicos: 3,2 milhões (64%)
contextos pela própria vinculação de determinadas catego- Estabelecimentos que declararam fazer agricultura orgânica: 68 mil
rias de produtores familiares às cadeias produtivas domina-
TEXTOS E GRÁFICOS
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Paulo, erguida em 1554 pelos jesuítas que vieram servando seus costumes e seu idioma e tentan-
Xondaro e xondaria são termos usados
cristianizar os povos nativos. do viver segundo suas tradições ancestrais —
SILVIA
SILVIA FEDERICI CALIBÃ E A BRUXA
Mesmo depois de tantos protestos, os gover- pelos Guarani Mbya para se referir a inclusive dentro da maior metrópole brasileira.
nantes continuaram ignorando, como sempre fi- seus guerreiros e auxiliares na vida co- Hoje, os Guarani lutam pela conclusão da
zeram, as exigências dos Guarani. Então, eles se
basearam em estudos aprovados pela Fundação
munitária. Sua existência replica-se em
vários âmbitos e em diversas funções. Vitor Flynn Paciornik FEDERICI
demarcação de suas terras na zona norte e na
zona sul da cidade de São Paulo. A situação é
A Fundação Rosa Luxemburgo, ligada ao partido alemão A Esquerda (Die Linke) e com
Nacional do Índio (Funai) que estavam ganhando As divindades — os Nhanderu — têm caótica. Mais de dois mil indígenas vivem esma-
poeira nos gabinetes do Ministério da Justiça e seus xondaro, que são suas ramifica- gados em pequenas áreas nas regiões do Jara-
reocuparam algumas de suas antigas áreas de ções e seus emissários. Os xamãs, as guá e de Parelheiros. Depois de muitos anos de
uso, como uma terra que estava abandonada lideranças políticas e todos os coleti- paciência, os Guarani — povo tido como calmo
XONDARO
pelos posseiros juruá na região de Parelheiros. vos de seres também têm seus xondaro. e cauteloso — perceberam que precisavam mu-
África, Ásia, América Latina, Estados Unidos e Oriente Médio. Seu principal objetivo é
destruir o controle que as mulheres haviam exercido sobre
A mensagem de resistência ecoou em todo Para mostrar que existem, os Guarani irrom-
ca em seu longo processo de resistên- sua própria função reprodutiva, e preparou o terreno para o
o planeta, mas o reconhecimento oficial da re- desenvolvimento de um regime patriarcal mais opressor. peram o asfalto. Em setembro de 2013, pararam
cia territorial e cosmológica frente ao
cente onda de mobilizações guarani só acon- Essa interpretação também defende que a caça às bruxas o trânsito da Rodovia dos Bandeirantes, estra-
mundo dos juruá , os não indígenas. tinha raízes nas transformações sociais que acompanharam
teceu em maio de 2016, quando o ministro da da com o nome dos assassinos de índios que
Assim, o termo xondaro é um conceito o surgimento do capitalismo.
Justiça Eugênio Aragão assinou uma Portaria No entanto, as circunstâncias históricas específicas em cortou ao meio a aldeia do Jaraguá — menor
que se refere a uma dança, a uma fun-
No Brasil e no Cone Sul, onde está presente desde 2003, trabalha em parcerias e com apoio
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ISBN 978-85-683-0208-8
ISBN 978-85-93115-03-5
TRADUÇÃO COLETIVO SYCORAX
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a organizações e movimentos sociais que atuam em temas como: resistência nas cidades,
xondaro_jaqueta ƒ3.indd 1-5 09/03/17 11:54
CALIBA_JAQUETA_ƒ6.indd 1-3 29/06/17 13:42
com foco na defesa de direitos, transparência e democracia; resistência no campo, com Fundação Rosa Luxemburgo
críticas a modelos extrativistas, transgenia e mercantilização da natureza; e alternativas ao Rua Ferreira de Araújo, 36, Pinheiros, São Paulo, SP
desenvolvimentismo, com uso de experiências locais e conceitos como Bem Viver. http://rosaluxspba.org
FLEISCHATLAS
Daten und Fakten über Tiere als Nahrungsmittel 2013
MEAT ATLAS
Facts and figures about the animals we eat
La réalité et les chiffres sur les animaux
que nous consommons
ET ATLASI
Yediğimiz hayvanlar hakkında gerçekler ve rakamlar
ATLAS CARNE DE
LA
Hechos y cifras sobre los animales que comemos
ATLAS CARNE DA
Fatos e números sobre os animais que comemos
ATLAS MASA
Příběhy a fakta o zvířatech, která jíme
FLEISCHATLAS
Daten und Fakten über Tiere als Nahrungsmittel 2014
NEUE THEMEN
FLEISCHATLAS
Daten und Fakten über Tiere als Nahrungsmittel 2016
MEERESATLAS
Daten und Fakten über unseren Umgang mit dem Ozean 2017
OCEAN ATLAS
Facts and Figures on the Threats to Our Marine Ecosystems 2017
DEUTSCHLAND REGIONAL
KONZERNATLAS
Daten und Fakten über die Agrar- und Lebensmittelindustrie 2017
BODENATLAS
Daten und Fakten über Acker, Land und Erde 2015
SOIL ATLAS
Facts and figures about earth, land and fields 2015
L’ATLAS DU SOL
Faits et chiffres sur la terre, les sols et les champs 2016
KOHLEATLAS
Daten und Fakten über einen globalen Brennstoff 2015
COAL ATLAS
Facts and figures on a fossil fuel 2015
COAL ATLAS
Facts and figures on a fossil fuel 2015
ATLAS UHLÍ
Příběhy a fakta o palivu, které změnilo svět i klima 2015
NIGERIA
KAKO
ŽRTVUJEMO
KLIMU
JAK KLIMA
WIRTSCHAFT
AMY
PRZEGRZEW
KLIMAT ARBEIT
25 325
20 300
15 275
10 250
9
94
2.854
58 5 225
14
0 200 2016 2017
2.107 -5 175
-15 125
-20 100
2012 2013 2014 2015