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RESUMO
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Doutorando em Planejamento Territorial e Desenvolvimento Social – UCSAL - (felixsantoss@yahoo.com.br).
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A mandioca e o aipim pertencem a uma única espécie vegetal – Manihot esculenta Crantz. A
polinização natural feita por insetos e o intercâmbio de mudas e sementes praticados desde os
cultivadores indígenas até os agricultores atuais, contribuíram para a difusão e
aperfeiçoamento genético das variedades primitivas. Isto resulta em que uma mesma
variedade receba diferentes denominações regionais e exista, atualmente, mais de 4.000
denominações para diferentes cultivares desse tubérculo no Nordeste.
Estudos arqueológicos indicaram a presença do cultivo da mandioca na bacia
Amazônica há cerca de 3.600 a, C. “Nos refugos da época, foram encontrados fragmentos de
bacias de cerâmica denominados “budares” do tipo usado para cozinhar a mandioca amarga”
(EMBRAPA, 2005, p. 21). A Mandioca foi mencionada na Carta escrita por Pero Vaz de
Caminha em abril de 1500, como alimento básico da população indígena. Gabriel Soares de
Souza indicou a Manihot como base da alimentação humana e animal no Brasil: “As raízes da
Mandioca comem-nas as vacas, éguas, ovelhas, cabras, porcos e a caça do mato, e todos
engordam com elas comendo-as cruas” (SOUZA, 1978, p. 174).
No âmbito da economia agrícola do Recôncavo baiano a mandiocultura esteve sempre
vinculada à economia de subsistência, a tradição historiográfica (SAMPAIO, 1925, p. 20),
defende que no processo da formação histórica da agricultura brasileira, o elemento
fundamental foi a grande propriedade monocultora trabalhada por escravos, este tipo de
organização agrária que correspondia à exploração agrícola em larga escala, costumava situar-
se em oposição à pequena exploração do tipo camponês, ou de subsistência (PRADO
JÚNIOR, 1994, p. 113), essas duas estruturas produtivas se constituíram esteios centrais da
economia agrícola e do desenvolvimento social do Recôncavo baiano. Esse padrão de
desenvolvimento, economia de subsistência versus economia de escala, quando aplicado à
mandiocultura, permaneceu com poucas alterações até períodos bem recentes para o território
em apreço. A importância da mandioca se observa, por exemplo, em Carta Régia de 12 de
julho de 1799, constava que para cada quatro casais de novos povoadores vindos da Europa
para essas áreas ao sul do Recôncavo, precisavam trazer dentre outros utensílios, uma roda de
ralar Mandioca e pequenos alguidares de cobre para cozer a Farinha (FLEXOR, 2004, p. 26).
A região conhecida como Cairu, Boipeba, Rio Real, Sergipe de El Rey e, especialmente, áreas
meridionais do Recôncavo como Jaguaripe e Maragogipe, especializaram-se no cultivo da
Mandioca (SCHWARTZ, 1995, p. 353), características que se manteve até recentemente.
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farinha de mandioca, não fazia muita questão de comer o pão do Reino” (AZEVEDO, 1969,
p. 358), por isso a mandioca, além do alimento básico, foi também, fator de equilíbrio político
e social na Bahia, porque sua escassez ou carestia nas feiras e mercados desencadeava, por
exemplo, regulamentos, motins e revoltas populares (RIBEIRO, 1982, p. 56) ao longo do
desenvolvimento histórico desse Recôncavo.
O dia 22 de abril é também o Dia Nacional da Mandioca, o Pão do Brasil, assim a
Embrapa nomeou a Manihot em seu estudo de 2005. Câmara Cascudo, no estudo da história
da alimentação brasileira, a denominou de Rainha do Brasil, comentou que no inicio da
colonização os cronistas afirmavam ser aquela raiz o alimento indispensável aos nativos e
europeus recém-vindos, era o “Pão da terra em sua legitimidade funcional” (CASCUDO,
2008, p. 90). Alimento regular enquanto duraram os vínculos coloniais entre o Brasil e
Portugal, tem-se que determinação real de 8 de maio de 1801, exigia que todos os navios
portugueses, ao regressar do Brasil, conduzissem pelo menos 200 alqueires de farinha 3,
seriam premiados os comandantes que ultrapassassem tal quantidade. Essa farinha servia ao
sustento da tripulação e atendia ao abastecimento de Portugal continental (AGUIAR, 1984,
p.79). E a partir do Brasil, a mandioca difundiu-se por quase toda a África, onde farinha,
beiju, aipim cozido ou frito são produzidos e consumidos até hoje (SILVA, 1996, p. 18).
A farinha de mandioca foi mercadoria no comércio com a África, supriu Portugal nos
momentos de crise alimentar, serviu ao comercio inter-regional transportada pela Estrada de
Ferro Bahia e Minas, como se pode observar em relatório apresentado em 1900, pelo
engenheiro José Joaquim Rodrigues Saldanha, Secretário da Agricultura, Viação, Indústria e
Obras Públicas, ao Governador da Bahia, Severino dos Santos Vieira, nesse relatório consta
dentre os gêneros alimentícios transportados, a farinha de mandioca (BOLETIM, 1900, p.
127). João Silveira, engenheiro agrônomo que estudou o cultivo da Mandioca, e foi destacado
professor da Escola Agrícola da Bahia no período do governador José Marcelino de Souza
(1904-1908), em relatório também apresentado ao Governador da Bahia, Severino dos Santos
Vieira em 1901, ao descrever visita de estudos a Fazendo Salto Grande, em Campinas, São
Paulo, João Silveira comentou que o fabrico de farinha de mandioca naquela propriedade
atingia a máxima perfeição, com produção diária de 50 sacas de 80 litros realizada em 10
horas de trabalho (BOLETIM, 1901, p. 85). Esses Boletins, juntamente com jornais que
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Um alqueire equivalia a 36,3 quilogramas (SCHWARTZ, 1995, p. 16).
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circularam na Cidade do Salvador entre a segunda metade do século XIX, à primeira metade
do século XX, faziam – e ainda hoje o faz, a exemplo do jornal A Tarde - o acompanhamento
mensal da variação do preço da farinha de mandioca no comércio de Salvador. Ao analisar as
informações econômicas contidas nos volumes 20 e 21 da Enciclopédia dos Municípios
Brasileiros (EMB) publicada em 1958, percebe-se a predominância da mandioca como
fundamental à economia de 95% dos municípios baianos.
A mandioca está, historicamente, como o alimento primordial do baiano,
especialmente o trabalhador rural, e se constituiu em fator de equilíbrio da dinâmica
socioeconômica da Bahia tanto no passado como no presente. Do ponto de vista da pesquisa
historiográfica a importância da mandioca pode ser dimensionada a partir de informações
obtidas em variadas fontes a exemplo de correspondências e relatórios governamentais,
boletins, periódicos, teses de conclusão de curso na Escola Agrícola da Bahia, inventários
post-mortem, etc., produzidos na Bahia a partir do período colonial, imperial, republicano e,
chega-se atualmente ao acervo bibliográfico da Embrapa: Mandioca e Fruticultura - situada na
cidade e município de Cruz das Almas no Recôncavo baiano - que desde 1969 desenvolve
pesquisas específicas referentes à mandiocultura. A essas fontes informativas baianas somam-
se dados da Pesquisa de Orçamento Familiar do IBGE que indicou, por exemplo, para o ano
de 2002, o consumo médio per capta anual de farinha de mandioca em Salvador em 14,387
kg. Enquanto se observava na década de 1970, que esse alimento tradicional representava no
Nordeste do Brasil um consumo per capta de 73,8 kg\ano nas áreas rurais e, 32,0 kg\ano nas
áreas urbanas (GRAMACHO; ALMEIDA, 1994, p. 7). Observa-se um declínio do consumo
per capta de farinha ocorrido entres os anos 1970 e 2000, se atribuem a urbanização da
sociedade, que impôs a adoção de novos hábitos alimentares, o subsídio governamental ao
trigo facilitando maior acesso dos trabalhadores a produtos panificáveis, investimentos na
difusão dos supermercados como centros de compras urbanos em detrimento das feiras-livres,
difusão de geladeiras como espaços de armazenamento de alimentos industrializados, o
costume de se pensar que derivados do trigo seriam mais saudáveis que os derivados da
mandioca, etc. Entretanto, ao declínio do consumo da farinha ampliou-se o consumo de outros
derivados da mandioca a exemplo do uso alimentício e industrial do amido ou fécula.
No contexto das permanências e transformações do consumo da farinha notou-se
desde a fundação da Cidade do Salvador em 1549, que a mandioca se mantém como relevante
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na dieta alimentar dos baianos. Nota-se (EMB, 1958), que no sul da Bahia no apogeu da
lavoura cacaueira o cultivo da mandioca para a produção de farinha esteve presente na
maioria dos estabelecimentos agrícolas. Em São Felipe, entre o final do século XIX e inicio
do século XX, inventários post-mortem indicaram o cultivo da mandioca associada ao café e
cana-de-açúcar como fundamentais à sobrevivência local (SANTOS, 2013, p. 30). De acordo
com dados disponíveis em página web da Embrapa, estima-se que a produção mundial de
mandioca esteja atualmente em torno de 170 milhões de toneladas\ano (EMBRAPA 2015).
Até o final da década de 1970 o Brasil ocupava o lugar de maior produtor de mandioca no
mundo. Atualmente, a Nigéria e República Democrática do Congo fazem da África o maior
produtor mundial, seguido pela Ásia, representada por Tailândia e Indonésia, o Brasil
atualmente é o terceiro maior produtor de mandioca (EMBRAPA, 2015).
Os Estados Unidos da América (EUA) e a Europa Ocidental (Mercado Comum
Europeu\União Europeia) foram, durante o século XX e ainda hoje, os maiores importadores
de derivados da mandioca. Não obstante a demanda externa, a mandiocultura brasileira esteve
sempre voltada para o mercado interno, exceto o contexto do escravismo colonial, momentos
específicos de crise alimentar em Portugal, primeira metade do século XX, para atender
demandas específicas da I e II Guerras (1914-1918) e (1939-1945), respectivamente, mas não
houve no Brasil durante o século XX, ações políticas continuadas de incentivo à produção de
mandioca para atender ao mercado externo. O Brasil figurou até os anos 1970 como o maior
produtor mundial de raízes de mandioca, mas produzia basicamente para atender a demanda
interna de farinha de mesa, a perda do protagonismo brasileiro na produção mundial se deveu
mais ao crescimento da mandiocultura fora do País, que a redução substancial do seu cultivo
na agricultura nacional. Comparativamente com o aumento do cultivo africano e asiático, ao
não crescimento da mandiocultura no Brasil após 1970, se pode atribuir o grande volume de
subsídios concedidos pelo Governo ao trigo, “que no período de 1967 a 1989, totalizaram
cerca de US$ 12.662 bilhões” (TAKAHASHI, 2002, p. 51). Os produtos derivados do trigo
contavam com incentivos governamentais que os tornavam disponíveis no mercado a preços
atrativos comparativamente com outros alimentos. Esses incentivos fiscais não eram
extensivos à cadeia produtiva da mandioca. Esta influência do subsídio governamental ao
trigo inviabilizou, por exemplo, a prática de se misturar fécula ou goma à farinha panificável
comumente utilizada na proporção de 2%, uma prática que remontava a década de 1940. O
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UFBA para atuar em regime de tempo integral e dedicação exclusiva apoiados por técnicos
contratados pela Brascan para, a partir dos campos de experimentação, laboratórios e setor
zootécnico da Escola de Agronomia, desenvolver estudos em diferentes áreas de investigação
da planta num sistema operacional de âmbito interdepartamental, multidisciplinar e
multinstitucional que, a partir de Cruz das Almas, se estendesse a outros campos de
experimentação e outras instituições interessadas no desenvolvimento da mandiocultura.
Posteriormente, o Banco do Nordeste, Embrapa, SUDENE e Fundação Rockfeller aderiram
ao Projeto Prioritário I – mandioca -, considerado até aquele momento, o maior projeto de
pesquisa direcionado à mandioca já feito no Brasil (CONCEIÇÃO, 1974, p. 10).
Ainda sob patrocínio do Governo Federal, em 28 de julho de 1972 o Projeto Prioritário
I – mandioca -, teve suas atividades ampliadas e transformou-se no Projeto Mandioca,
previsto para vigorar até o dia 30 de junho de 1975 ((RAMOS; LINS, 1975, p. 18). No
desenvolvimento do Projeto Mandioca verificou-se que o processo de comercialização da
mandioca no Nordeste apresentava complexidades regionais influenciadas pala baixa
produtividade, cultivares não totalmente adaptados às alterações climáticas, práticas de
agricultura de subsistência que tornava a sua cotação muito instável, preços mínimos nas
épocas mais propícias à colheita, quando a oferta do produto é maior do que a procura, e
preços máximos nos períodos de verão, porque a falta de umidade no solo redundava em
maiores dificuldades para a colheita e, tradicionalmente, o agricultor plantava em um inverno
e colhia no inverno seguinte. Essa instabilidade na produção dificultava o desenvolvimento de
uma indústria voltada ao beneficiamento da mandioca e, na superação desses entraves o
Projeto Mandioca deveria centrar as pesquisas no melhoramento genético da planta visando
ao ganho de produtividade e busca de cultivares capazes produzir bem de acordo com cada
variedade de solo e climas característicos do Nordeste brasileiro. Superados esses entraves
seria possível o processamento em escala industrial da mandioca (CONCEIÇÃO, 1974, p.
33), inclusive para a produção de álcool a ser utilizado como combustível automotivo.
A alta verificada nos preços dos derivados do petróleo ocorrida no início da década de
1970 contribuiu para que o Governo brasileiro determinasse em novembro de 1975, através
do Decreto-Lei nº 76.593, a instituição do Programam Nacional do Álcool, com a finalidade
de atender às necessidades do mercado de combustíveis automotivos. O referido Decreto-Lei
indicava que o Governo Federal apoiaria a produção de álcool de cana-de-açúcar, de
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2015 em torno de 100 a 150 t\dia em face da carência de matéria-prima local. A Bahiamido
entende o amido da mandioca como estratégico ao mercado, há demanda para esse insumo
vegetal natural capaz de atender a um amplo setor produtivo (INFOAMIDO, 2014, p.10).
Atualmente a Bahiamido é a principal produtora de amido extraído da mandioca e,
principal referência industrial na cadeia produtiva da mandioca no Recôncavo baiano5.
A instalação da fecularia e a constituição da cooperativa resultam em novas formas de
uso territorial e do trabalho (SANTOS; SILVEIRA, 2008, p. 135), produz o assalariamento do
trabalhador rural que migrou para a atividade fabril, aproxima as relações trabalho e capital,
indica a penetração de nova ordem espacial em território (SANTOS; SILVEIRA, 2008, p.
289), historicamente caracterizado pela mandiocultura de subsistência, denota alianças
históricas no âmbito das relações do capital com o Estado, este se apresenta como financiador
do empreendimento e faz a regulação do capital no território ao fornecer licenças ambientais e
outros condicionantes à exploração da força de trabalho e dos recursos naturais no território
abrangido pelo empreendimento, e oferece assistência técnica através da Embrapa Mandioca e
Fruticultura que mantém cultivos experimentais em terras da Bahiamido, evidências da
proximidade de relações entre Estado e capital.
É bem possível que o Estado tenha mudado suas funções com o crescimento
e amadurecimento do capitalismo. No entanto, a noção de que o capitalismo
alguma vez funcionou sem o envolvimento estreito e firme do Estado é um
mito que merece ser corrigido (HARVEY, 2006, p. 92).
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A presença da Odebrecht na organização da atividade mandioqueira nessa região iniciou-se em 1993 com a
Cooperativa de Produtores Rurais de Presidente Tancredo Neves (Cooptan) localizada na Fazenda Novo
Horizonte, BR 101 - Km 315, município de Presidente Tancredo Neves. A Cooptan direciona suas ações ao
apoio técnico e educacional de produtores familiares dedicados especialmente aos cultivos de mandioca e
banana, além de abacaxi, graviola, mamão, criação de suínos em cativeiro, itens característicos da economia
agrícola dessa região limítrofe entre o Recôncavo e o Baixo Sul baiano.
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planta industrial e as áreas de plantação buscam atender aos requisitos legais de preservação
das nascentes dos rios, reserva legal de vegetação nativa e preservação ambiental, nas
propriedades vinculadas à produção industrial da referida empresa evidenciando renovações
nas forças produtivas com acréscimos de ciência e técnica característicos de formas recentes
de uso do território (SANTOS; SILVEIRA, 2008, p. 93). Neste caso, considerem-se
acréscimos de ciência e técnica adotados pela Bahiamido, comparativamente às formas
tradicionais de cultivo: mão de obra familiar e uso da enxada como instrumento de trabalho.
O Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) com base no Censo de 1950, e
tendo como critério de localização a adoção de Zonas Fisiográficas, publicou em 1958 a
Enciclopédia dos Municípios Brasileiros (EMB). Naquele momento, o município de Lage
localizava-se na zona fisiográfica de Jequié, “limitava-se com os municípios de São Miguel
das Matas, Santo Antônio de Jesus, Aratuípe, Valença, Jequiriçá, Ubaíra, Amargosa, Mutuípe
e Jaguaripe” (EMB, 1958, Vol. 20, p. 386). A EMB indica que no âmbito das atividades
econômicas a maior fonte de renda do município de Lage provinha da mandioca e do café,
merecendo relevo especial as culturas do fumo e cacau. O município não dispunha de
indústrias, “só merecendo a classificação de “indústria caseira”, como o era o fabrico da
farinha de mandioca, realizado a través de numerosas casas de farinha” (EMB, 1958, Vol. 20,
p. 387). Note-se que mandioca, cana, café, cacau e fumo compunham a base da economia
agrícola do Recôncavo até a década de 1960 (SANTOS, 2013, p. 17), que a produção agrícola
centrada no cultivo da mandioca ainda é fundamental à estrutura socioeconômica dessa região
inclusive por demandar poucos recursos tecnológicos à produção familiar da farinha.
O Recôncavo é uma região de tradição mandioqueira que também se constituiu como
soma de processos orgânicos mediados pelas condições sociais, econômicas, políticas,
ambientais e históricas (SANTOS, 2004, p. 246). Nesse sentido, a partir de acúmulos de
processos históricos essa região construiu um saber, uma experiência social em mais de
quatro séculos de mandiocultura que resulta neste momento no município de Lage em dois
modos de se produzir mandioca: a produção de subsistência destinada ao consumo social e
comercialização da farinha - uso e troca; e a agroindústria da Bahiamido. Há um caráter
capitalista na forma como a fecularia explora a mandioca, exclusivamente como insumo
industrial, produz-se para o mercado. Entende-se mercado “quando pelo menos por um lado
há uma pluralidade de interessados que competem por oportunidades de troca” (WEBER,
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ampliar territórios sob domínio privado próprio como garantia de oferta regular de mandioca à
capacidade operacional da empresa. Justifica-se a noção na qual “A territorialização constitui-
se num processo que se afirma pelas tensões decorrentes da apropriação da natureza, direta
(mundo rural) ou indireta (mundo urbano)” (ALENCAR, 2008, p. 53). Nota-se a agroindústria
subordinando o território e as relações sociais de produção às demanda do mercado, o caráter
de agroindústria adotado pela Bahiamido se evidencia na dimensão da área de domínio
privado próprio, a fecularia possuía em abril de 2015, 2 mil hectares cultivados com mandioca
comparativamente, os pequenos produtores locais cultivam 5 a 10 hectares. A fabricação de
amido no Recôncavo permite à Bahiamido dispor de vantagens adicionais: a mandioca ainda
não ser uma commodity no mercado baiano, não depender de concorrência regional imposta
por empresas estrangeiras sobre a produção e comércio da mandioca, comparativamente a
outros cultivos agroindustriais a mandioca é adaptada ao solo e clima locais, não ocorre
quebra de safra significativa por eventos climáticos nessa região, comparativamente a outras
amiláceas a mandioca resulta em um amido de melhor qualidade e facilidade de reação
porque os grânulos do amido de mandioca não têm resíduos de óleo. E no âmbito dos
impactos ambientais, na mandiocultura a maior parte do controle de pragas e doenças ainda é
possível através de controle biológico e cultural, com pouco uso de agrotóxico; a mandioca
pode ser armazenada no solo sem alterações substanciais na produtividade, vantagem que
permite planejamento e escalonamento de produção de acordo com as necessidades de
processamento empresarial. E apesar de demandar mão de obra superior comparativamente a
outras culturas, busca-se constantemente adaptar-se maquinário específico ao seu cultivo e
manejo. Na modalidade agroindustrial um hectare de mandioca produz entre de 25 e 30
toneladas de raízes e mais 10 a 20\t de subprodutos (folhas, ramas e cepas) utilizáveis como
complemento de ração animal o que torna seu cultivo economicamente viável, essa
viabilidade é buscada também pela Embrapa através do Projeto Reniva, dedicado a
aperfeiçoar cultivares da mandioca e adequá-los às demandas específicas de cada produtor.
Finalmente, entende-se que num contexto de produção familiar ou de subsistência o
mandiocultor trabalha e produz em sintonia com os ritmos climáticos e apreço ao meio
ambiente, seu trabalho tem antes um valor social que valor de mercado. Entende-se que o
conjunto das forças produtivas e das relações sociais de produção de uma sociedade se renova
constantemente e nesse processo produzem-se acúmulos de conhecimentos centenários. A
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REFERÊNCIAS
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