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PÓS GRADUAÇÃO EM ADVOCACIA EMPRESARIAL E DAS RELAÇÕES

DE CONSUMO.
DIREITO CAMBIÁRIO
ATIVIDADE COMPLEMENTAR
PROFESSOR: ANDRÉ CABRAL
ALUNA: NERINEIDE BELO WANDERLEY CALADO

Trata-se de breve estudo acerca do cheque, seu prazo prescricional, bem como, a
repercussão de tal título de crédito, dentro do cenário do direito cambiário, e ainda dos
entendimentos jurisprudenciais acerca do tema.
O cheque nada mais é, do que o meio criado dentro das relações comerciais
(assim como outros títulos de crédito), com o objetivo de facilitar, incentivar, e
viabilizar a circulação de valores, que tais transações demandam para suas existências.
Cumpre ressaltar, que tal título de crédito é regulamentado pela lei complementar
nº 7.357/85.
Em conformidade com os ensinamentos de COELHO (2016, p.243) pode-se
definir que “O cheque é uma ordem de pagamento à vista, sacada contra um banco e
com base em suficiente provisão de fundos depositados pelo sacador em mãos do
sacado ou decorrente de contrato de abertura de crédito entre eles.”.
Ainda se baseando na literatura de COELHO, pode-se afirmar que a principal
característica do cheque, é ser uma ordem de pagamento à vista, não podendo em
nenhum momento mesmo ser descaracterizado, mesmo por acordo entre as partes.
Quando o sacador emite um cheque, o mesmo dá uma ordem de pagamento ao
sacado, e este deve obedecer a todos os elementos constitutivos de tal título de
creditício. Devem ser observadas e respeitadas toda a estrutura formal do documento,
bem como, os requisitos previstos em lei.
O pagamento do cheque pelo sacado deve ser realizado através da apresentação
deste em até 30 dias da emissão do mesmo (em casos de cheques da mesma praça), ou
60 dias da emissão (se tratando de praça distinta) conforme pré-estabelecido em lei.
O credor que não tiver o cuidado de cumprir tais prazos para realizar a
apresentação do cheque, poderá perder o direito de executar os coobrigados (caso
existam), como também conforme ensina COELHO (2016, p.246,247) pode ocorrer a
“perda de executar o cheque contra o emitente, se havia fundos durante o prazo de
apresentação e eles deixaram de existir, em seguida ao término deste prazo, por culpa
não imputável ao correntista”.
Em consonância com o parágrafo único do artigo 35 da lei 7.357/85, ainda que
o cheque não seja apresentado no prazo legal, o mesmo ainda pode ser pago pelo
sacado, desde que o mesmo não se encontre prescrito e ainda haja provisão de fundos.
Vale lembrar que o prazo prescricional do cheque se inicia a partir da sua
emissão nos moldes do artigo 33 da lei 7.357/85.
Em caso de tentativa frustrada de realização de saque do cheque, o credor pode
ajuizar ação, visto que o mesmo possui força executiva, desde que sejam respeitadas
as condições, e os prazos dispostos nos artigos 47, e 59 da lei 7.357/85.
De acordo com os dispositivos legais supracitados, após o exaurimento do prazo
de apresentação do cheque, o credor possui o prazo de seis meses para executar
judicialmente tal título de crédito.
Apesar de parecer simples e taxativo, as problemáticas oriundas acerca do tema
prescrição derivaram-se em grande maioria das vezes da utilização dos cheques pós-
datados.
Apesar do cheque pós-datado não estar previsto em lei, a emissão do mesmo se
tornou ao longo do tempo cada vez mais frequente, gerando assim inúmeras
controvérsias entre os utilizadores de tal modalidade de cheques.
Nesse diapasão, a advogada Karina Germana de Souza Andrade posicionou-se
em sua coluna no sítio eletrônico “Advogado em Brasília”:

Os Tribunais têm considerado que o cheque pós-datado sequer existe,


pois distorce completamente do conceito do título, por se tratar de
ordem de pagamento à vista, logo, NÃO muda o prazo prescricional
interposto em Lei, não tem o condão de estender o prazo para o título
ficar prescrito.

Baseando-se em tal afirmação, veja-se a título de exemplificação o atual


entendimento do Superior Tribunal de Justiça acerca do tema.

RECURSO ESPECIAL Nº 875.161 - SC (2006/0174073-5) RELATOR:


MINISTRO LUIS FELIPE SALOMÃO RECORRENTE : FLÁVIO RAMOS
BALSINI ADVOGADO : PAULO ROBERTO FIANI BACILA E OUTRO
RECORRIDO : JOSÉ MARINZECK ADVOGADO : SEBASTIÃO GERALDO DE
PÁDUA E OUTRO EMENTA DIREITO COMERCIAL. RECURSO ESPECIAL.
CHEQUE. ORDEM DE PAGAMENTO À VISTA. CARACTERE ESSENCIAL DO
TÍTULO. DATA DE EMISSÃO DIVERSA DA PACTUADA PARA
APRESENTAÇÃO DA CÁRTULA. COSTUME CONTRA LEGEM.
INADMISSÃO PELO DIREITO BRASILEIRO. CONSIDERA-SE A DATA DE
EMISSÃO CONSTANTE NO CHEQUE. 1. O cheque é ordem de
pagamento à vista e submete-se aos princípios cambiários da
cartularidade, literalidade, abstração, autonomia das obrigações
cambiais e inoponibilidade das exceções pessoais a terceiros de boa-
fé, por isso que a sua pós-datação não amplia o prazo de apresentação
da cártula, cujo marco inicial é, efetivamente, a data da emissão. 2. "A
alteração do prazo de apresentação do cheque pós-datado implicaria
na dilação do prazo prescricional do título, situação que deve ser
repelida, visto que infringiria o artigo 192 do Código Civil. Assentir com
a tese exposta no especial, seria anuir com a possibilidade da
modificação casuística do lapso prescricional, em razão de cada pacto
realizado pelas partes". (AgRg no Ag 1159272/DF, Rel. Ministro VASCO
DELLA GIUSTINA (DESEMBARGADOR CONVOCADO DO TJ/RS),
TERCEIRA TURMA, julgado em 13/04/2010, DJe 27/04/2010) 3. Não se
pode admitir que a parte descumpra o artigo 32 da Lei 7.357/85 e,
ainda assim, pretenda seja conferida interpretação antinômica ao
disposto no artigo 59 do mesmo Diploma, para admitir a execução do
título prescrito. A concessão de efeitos à pactuação extracartular
representaria desnaturação do cheque naquilo que a referida espécie
de título de crédito tem de essencial, ser ordem de pagamento à vista,
além de violar os princípios da abstração e literalidade. 4. Recurso
especial não provido.

RECURSO ESPECIAL Nº 1.068.513 - DF (2008⁄0140138-8) RELATORA:


MINISTRA NANCY ANDRIGHI RECORRENTE: INSTITUTO EURO-
AMERICANO DE EDUCAÇÃO CIÊNCIA E ECNOLOGIA ADVOGADO: LUIZ
ANTÔNIO MUNIZ MACHADO E OUTRO(S) RECORRIDO: NIVALDO
PEREIRA DE MATOSADVOGADO : SEM REPRESENTAÇÃO NOS AUTOS
EMENTA: PROCESSUAL CIVIL. RECURSO ESPECIAL. AÇÃO DE
EXECUÇÃO. TÍTULO DE CRÉDITO. CHEQUE PÓS-DATADO. OMISSÃO.
FUNDAMENTAÇÃO. AUSENTE. DEFICIENTE. SÚMULA 284⁄STF.
DISSÍDIO JURISPRUDENCIAL. AUSÊNCIA DE COTEJO ANALÍTICO.
SIMILITUDE FÁTICA NÃO DEMONSTRADA. PRESCRIÇÃO DA AÇÃO
EXECUTIVA. DATA CONSIGNADA NA CÁRTULA. 1. A ausência de
fundamentação ou a sua deficiência implica o não conhecimento do
recurso quanto ao tema. 2. O dissídio jurisprudencial deve ser
comprovado mediante o cotejo analítico entre acórdãos que versem
sobre situações fáticas idênticas 3. Ainda que a emissão de cheques
pós-datados seja prática costumeira, não encontra previsão legal.
Admitir-se que do acordo extracartular decorra a dilação do prazo
prescricional, importaria na alteração da natureza do cheque como
ordem de pagamento à vista e na infringência do art. 192 do CC, além
de violação dos princípios da literalidade e abstração. Precedentes. 4.
O termo inicial de contagem do prazo prescricional da ação de
execução do cheque pelo beneficiário é de 6 (seis) meses,
prevalecendo, para fins de contagem do prazo prescricional de cheque
pós-datado, a data nele regularmente consignada, ou seja, aquela
oposta no espaço reservado para a data de emissão. 5. Recurso
especial parcialmente conhecido e nessa parte não provido.
(grifo nosso)

Em consonância com o entendimento dos Tribunais pátrios apontados acima,


vale salientar, que a lei de cheques realmente não dispõe trecho que discipline os
cheques na modalidade pós-datados, e devido a isso não prevê como deverá ocorrer a
contagem do prazo prescricional no referido caso.
Ocorre que mesmo sem o reconhecimento legal do “instituto” do cheque pós-
datado, o mesmo tornou-se um dos principais cheques utilizados nas transações
comerciais brasileiras, visto que o mesmo nada mais é, do que um pacto entre as partes
envolvidas. Leia-se o entendimento acertado obtido no artigo publicado por Hugo
Furtado junto ao site Jus Brasil.

O cheque pós-datado corresponde a um contrato bilateral firmado


entre o emitente (devedor) e o tomador (credor), o qual o emitente se
compromete a cumprir com a obrigação de ter fundos disponíveis no
banco sacado na data acordada entre as partes para pagamento e o
credor de cumprir com a obrigação de somente apresentar o título
para pagamento na data previamente combinada.

(...)

O costume do uso do cheque pós-datado é de muita importância para


os comerciantes considerando que tal ato, permite que as vendas
sejam alavancadas. Ao aceitar o cheque pós-datado, o comerciante
oferece um atrativo ao cliente, que ao invés de efetuar o pagamento
de forma à vista, ganha um prazo maior para o pagamento, tendo
assim, maior poder de compra.

Assim, tanto para o cliente como também para o comerciante, há no


ato da emissão do cheque a efetivação de um acordo, pactuando assim
sobre valores e quantidade de parcelas, bem como a data para o
vencimento de cada parcela.

Nesse sentido, uma vez que a prática da emissão e recebimento dos cheques pós
datados se tornou rotineira, se faz necessário, com o intuito de atribuir segurança jurídica
ao credor, que o prazo prescricional comece a fluir a partir de sua apresentação, e não da
sua emissão como se é previstos nas modalidades de cheques “convencionais”.
O atual entendimento do STJ, ao não reconhecer legalmente o cheque pós datado,
e entender que não deve haver dilação no prazo prescricional, há um notório
desfavorecimento do credor na execução de cheque pós-datado.
A atual postura do Superior Tribunal de Justiça, não só prejudica o credor, bem
como o desampara caso o mesmo necessite utilizar-se de uma ação execução. Nesse
sentido prega Hugo Furtado:

Como bem se vê, o entendimento do Superior Tribunal de Justiça


favorece o emitente do cheque em ambos os casos, o assim nega ao
credor, parte beneficiária, que teve o lapso de tempo prescricional
reduzido pelo pacto hora celebrado com o emitente do cheque, e não
respeitando a vontade de ambos.

Convém informar que apesar do entendimento do Tribunal Superior pregar a não


dilação do prazo prescricional em relação aos cheques pós-datados, alguns Tribunais de
Justiça vem se manifestando de forma diversa, e como mencionado por Hugo Furtado
em seu artigo supra mencionado, uma nova corrente de jurisprudência vem se formando.
Leia-se:

Este favorecimento do emitente dos cheques, vem sendo enfrentada


por uma nova corrente jurisprudencial nos Tribunais Estaduais, que
vem reformando algumas sentenças proferidas pelos juízes de
primeiro grau, que fundamentam suas sentenças na jurisprudência
adotada pelo Superior Tribunal de Justiça (...) como bem se vê no
julgamento da apelação cível n. 95553/2014, do Tribunal de Justiça
do Estado de Mato Grosso, relatada pelo Des. Dirceu dos Santos,
assim ementado:

RECURSO DE APELAÇÃO CÍVEL – EMBARGOS À EXECUÇÃO –


PRESCRIÇÃO – CHEQUE – DATA FINAL PARA APRESENTAÇÃO
– TRINTA DIAS A PARTIR DA DATA FUTURA ACORDADA E
DESIGNADA NO TÍTULO – PRAZO PRESCRICIONAL – SEIS
MESES A PARTIR DA DATA FINAL DO PRAZO DE
APRESENTAÇÃO – INTELIGÊNCIA DO ART. 59 DA LEI
Nº 7357/85 – PÓS-DATAÇÃO – PRAXE COMERCIAL –
APLICAÇÃO DO DIREITO CONSUETUDINÁRIO – EXEGESE DO
ART. 4º DA LEI DE INTRODUÇÃO ÀS NORMAS DO DIREITO
BRASILEIRO E DO ART. 126 DO CPC – RECURSO CONHECIDO
E PROVIDO.Por se tratar de cheque pós-datado, o prazo
prescricional de seis meses (art. 59 da Lei nº 7357/85) deve iniciar
da data final de apresentação, considerando-se a data pós-
datada.Não havendo lei que a proíba, a pós-datação deve ser
considerada legal, já que se trata de praxe comercial costumeira e
aceita pela sociedade. Aplicação do direito consuetudinário, nos
termos do art. 4º da Lei de Introdução às Normas do Direito
Brasileiro e do art. 126 do CPC. (in DJE de 18/08/2014 – grifo
nosso).

Do exposto, compreende-se cada vez mais, que a emissão e o recebimento de


um cheque pós-datado constitui-se em um acordo firmado entre os principais
interessados, e faz-se necessário a adaptação das regras prescricionais, para que seja
contada a partir da apresentação do cheque. Dessa forma, a melhor alternativa jurídica,
seria uma reanálise da matéria pelo STJ, no intuito de que seja reformado seu atual
posicionamento, para que não perdure o desfavorecimento do credor de cheque pós-
datado, e assim possa existir o real equilíbrio jurídico entre as partes.
REFERÊNCIAS

COELHO, Fábio Ulhoa. Manual de direito comercial: direito de empresa/Fábio


Ulhoa Coelho. – 28. Ed. rev., atual. E ampl. – São Paulo : Editora Revista dos
Tribunais, 2016.

ANDRADE, Karina Germana de Souza. Cheques – Prazo Prescricional – O que


você precisa saber. 2018. Disponível
em:<https://advogadoembrasilia.wordpress.com/2013/01/31/cheques-prazo-
prescricional-o-que-voce-precisa-saber/>Acessado em 09/05/2018.

FURTADO, Hugo Fernando Amaral. A situação jurídica do credor nos cheques


pós-datados frente a Jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça. 2016.
Disponível em:<https://hugofurtado.jusbrasil.com.br/artigos/351640271/a-situacao-
juridica-do-credor-nos-cheques-pos-datados-frente-a-jurisprudencia-do-superior-
tribunal-de-justica >Acessado em 09/05/2018.

MAGALHÃES, Aldeci de Aquino. Natureza jurídica do cheque pós-datado.


2006. Disponível em:<https://www.direitonet.com.br/artigos/exibir/2751/Natureza-
juridica-do-cheque-pos-datado > Acessado em 09/05/2018.

Especial do STJ aborda jurisprudência da Corte sobre cheques. Disponível


em:<http://www.migalhas.com.br/Quentes/17,MI175772,71043-
Especial+do+STJ+aborda+jurisprudencia+da+Corte+sobre+cheques> Acessado em
09/05/2018.

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