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elas,ses sociais em 'Florianópois, fatores irracionais ligados
a diferenças raciais continuaram a operar no processo Jll ,l~l., III
por
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MAPA 3
FONTB:, "Floriím6polis, ensaio de geografia urbana", por WILMAR
DIAS, in Boletim Geográfuo, edição do Departamento Estadual de Geo,
grafia e Cartografia, n .• 2, ano I, Florian6polis, julho de 1947, págs. 36--37.
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ESTAMPAS 1 e 2 - Aspectos das residências dos morros.
(Fotografias de, OCTAVIO \ANNI)
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158 - CÓr e mobilidade social r Raça e mobilidade social - 159
grau de contiguidade entre os grupos raciais diminui à não se encontram negros e mulatos residindo apresentam
atitudes que revelam maior intensidade de rejeição dos \11,1
medida que caminhamos dos morros para. o núcleo i
urbano, o que eq.uivale dizer: à medida que subimos negros e mulatos enquanto vizinhos. Vejamos as res-
na escala social. E o que nos revelam, ainda que parcial- postas de dois grupos brancos distintos: .um dêles, com- iI.
mente, também os dad.os referentes à freqüência de ne- posto de indivíduos residentes no melhor bairro resi- li
gros e mula tos na vizinhança dos colegiais que respon.. dencial e, outro, dos residentes nos morros. Perguntamos ;:
deram ao nosso questionário. Tomando-se as respostas se gostariam de ter negros ou mulatos como vizinhos.
dêles segundo as classes sociais a que pertencem os iii;':
Responderam "não" os seguintes: li
li
pais (8), obtivemos as respostas (9) abaixo. A pergunta: L
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próprios, apresentam menor re$istência à sua vizinhança não se encontram reunidos social e ecológicamente, mas
que aquêles de outras camadas, particularmente as mais dispersos pelos diversos bairros da comunidade. Êles
elevadas. Talvez êstes brancos de camadas elevadas ,se caracterizam pela unidade de atitudes.
reagissem do mesmo modo também em face· dos brancos Também os negros e mulatos apresentam uma rela..
pobres. Não ó negamos. Há evidências nesse sentido. tiva uniformidade de atitudes. Dispersos pela comuni..
"
Contudo, existe certo gráu de rejeição também no inte.. I. dade, conforme descrevemos em parágrafos anteriores,
rior de grupos residentes na mesma área r,esidencial, o I
êles reagem de dois· modos em face dos seus vizinhos
que é, de per si, significativo. Deixaremos, todavia, !.
brancos. Em primeiro ,lugar, encontram.. se aquêles que
êste problema para' ser melhor examinado àmedida que demonstram a existência de relações· harmoniosas entre
progredirmos em nossa discussão. brancos e negros em geral. Trata.. se de um grupo não
A situação de contacto racial, considerada do ponto III
muito extenso que afirma inclusive a existência de casais .I
de vista da distribuição das populações negras e brancas mistos, constituídos legalmente. Êste' grupo se compõe II,
pelos bairros de Florianópolis, leva.. nos ainda a algumas principálmente de mulatos. Em segundo lugar, encontram..
observações a respeito das atitudes recíprocas dos mem.. se aquêles que revelam ressentimento diante dos brancos
bras da comunidade. seus vizinhos, dada a hostilidade com que são tratados,
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,"..
Vejamos, em primeiro lugar, como se manifestam quando entram em jôgo os padrões de convivência vicinal.
os brancos. Dêstes podemos destacar três grupos. Um :
ir
.. Êstes indivíduos não são visitados pelos brancos, nem
dêles afirma que há brancos e negros no bairro e que os visitam .. ' Compõe.. se êste grupo principalmente de
"
as relações entre êles são harmoniosas. Fazem, inclusive, negros e menor número de mulatos; .
considerações sôbre o inter.. casamento, considerando.. o
e
fato normal. habitual. Outro grupo de brancos nega a Uma análise sociológica do preconceito racial, no
entanto, 'não pode desprezar o fato fundamental de que
existência dê negros e mula tos no local, alegando que
êsses elemen'tos se encontram em outras áreàs, geral.. uma comunidade se compõe de indivíduos de sexos di..
mente distarttes, às vêzes no extremo oposto do bairro
~:
versos, o que se exprime, naturalmente, em seus padrões
onde reside o informante. As áreas mencionadas são . l ; ~~.
sóciQ.-culturais. A distinção dos sexos, de fundamental.
consideradas pelo grupo como de menor valor económico importância para o conhecimentà de determinados [enô...
, que aquela onde v.ive. Finalmente, um terceiro grupo menos sociais, é de alguma relevância para a devida
assegura que o lugar está "cheio de negros e mulatos". .(
compreensão do preconceito, de cór em Florianópolis. -
Lamenta...se, àfirmando que êles são vizinhos desagradá.. Não pretendemos, coin isso, àfirmar que o sexo, isolada...
veis, habitualmente "amigados". Procuram evitar inti.. mente, considerado biolàgicamente, tenha valor explica ,
midade com vizinhos negros ou mulatos, não trocandó
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tivo. Êle se distingue em conseqüência da constelação
visitas com êles. de valores sociais e culturaiS que o cercam.
Os dois últimos grupos são nítidamente preconcei.. A primeira observação que podemos fazer em face
tuosos, ainda que reagindo diversamente, conforme a da dicotomia dos sexos diz respeito às mulheres brancas.
experiência social de cada um. Note.. se, contudo, que Elas tendem a apelar, mais a miúdo, a padrões ideais
os indivíduos pertencentes a cada um dêsses grupos de comportamento inter.. racial, particularmente àqueles
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II como algo diferente". Há aquelas, ainda,. que mani; tanto, que elas não são idênticas. Provàvelmente esta;
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festam abertamente sua rejeição do negro e do mulato: mos em face de gradações, apenas, das mesmas atitudes.
"Muitas vêzes existem pretos superiores aos brancos, Vejamos, todavia, como se manifestaram os colegiais
mas são raros. Temos o nosso poeta Cruz e Sousa interrdgados sôbre a sua convivência. com negros e
I, que é superior a muitos brancos, mas eu preferiria mulatos. Perguntamos quais não gostariam de encontrar
'I
III' casar com. um branco menos inteligente do que com prêto ou mulato nas situações sociais abaixo mencio;
I,
II um prêto sábio". . nadas. Responderam "nao":
II/ O fato das mulheres brancas apelarem muitas vêzes
a padrões ético;religiosos, para definirem verbalmente NEGRO MULATO II
i, suas posições em face dos negros e mulatos, não significa Másc. Fem. Masc. Fem. 1
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intimidade que leva o sexo feminino a rejeitar mais fatôres, a experiência social diversa dos negros e mulatos
intensamente que o masculino aos negros e mulatos conduz a atitudes diferentes.
nesses dois círculos. As considerações apresentadas permitem~nos levar
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Em suma, constatamos na comunidade estudada a análise um passo adiante. Devido aos caracteres da ii
uma atitud~ diferencial dos indivíduos do sexo DiascuÍino situação de contacto vigei1te eiD Florian6polis, qualquer I
e feminino em face dos negros e mulatos. Esta ·situação estudo das relações entre as ràças deve levar em conta
provàvelmeúte se deve à experiência social diferente do o fato de que o grupo negro e mulato, dado o seu número
homem e da mulher na comunidade em foco., Apesar e dadas as condições em ~ue s~ 'encontra, define os seus
de que não podemos falar em heranças de un)a so'cie~ objetivos em tennos' de ajustamento integrativo ao
dade patriarcal, conforme os modelos apresenúldos 'por grupo branco. É neste serftido que devemos compreender
Gilberto Freyre e Antônio Cândido (10), a c0l11unidade as a ti tudes diversas de homéns e mulheres negros e
estudada não foge a uma divisão sexual do trabalho, mulatos. Sob alguns aspeCtos, essas atitudes são homo.-
que opera qesde o passado e conduz a experiênciás sociais gêneas. Sob outros, contudo, elas sofrem a influência
diversas. E isto que, a nosso ver, explica parc!almente direta da condição bio16gica ,do indivíduo. Por isso,
aquelas discrepâncias de atitudes. Novos aspectós dessas em algumas situações especificas o ajustamento do homem
diferenças serão, entretanto, discutidos adiante, quando é diverso daquele da muÍher. ,Uma mulata bem clara,
analisarmos a situação de contacto no baile e no interior que se apresenta como branca, revela um aspecto pe~
da família. Mas, antes de passarmos adiante, vejainos culiar das relações raciais vígentes na comunidade quando
como se manifestam o homem e a mulher negros e afirma: "não casamos COil1 um homem apenas por ser
mulatos. branco e sim porque se o ama. E tanto poderíamos
Sabemds qüe as relações recíprocas dos brancos, amar o branco, o preto ou um mula to. Ama~se o seu
negros e mUlatos no presente se devem, além ela inter, caráter, não apele". O homem, contudo, apesar de
ferência de outros fatôres, aos padrões de relações ra~ considerar importante o problema do inter-casamento,
ciais herdados do passado e ao grau de convivencia exis~ tende a concentrar suas preocupações em. tôrno dos
tente na atualidade. Todavia, enquanto que entre os problemas econâmicos, particularmente o profissional.
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os investigadores das relações raciais. Um dêles diz
respeito à evolução··,do preconceito através da idade. Escola ............... 17 22 17 13 15 15
Não sàmente porque êle não é um fenômeno cristali,
Vizinhança ........... 33 36 32 27 26 24
zado, mas também porque os indivíduos se ajustam
às situações sociais de acôrdo com a densidade da pró.. Cinema .............. 39 31 27 28 21 22
pria experiência sacia! acumulada. Esta experiência não ~"
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latos, particularmente os chefes de família e âquêles vejamos como respondem à p'ergunta: "marque com
\11
que estão ingressando na classe média, diz respeito à um X os lugares nos quais você "não" gostaria de en..
l luta pela elevação intelectual, como técnica següra de contrar preto e mula to". Responderam "não":
') ascensão social e integração em grupos brancos. Para
êles, "o eIeniento de côr" sàmente poderá ter a slia
carreira facilitada, "impondo.. se pela cultura". Assim,
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11 I~ 170 - C6r e mobilidade social I Raça e rnobUidade social - 171
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II :
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Vejamos, contudo, como se manifestam, em face
da mesma pergunta, as alunas de uma escola religiosa (14).
social. A convivência no mesmo estabelecimento de
ensino e a filiação a camadas sociais semelhantes seriam,
111!1 Responderam "não": portanto, responsáveis pela congruência das respostas
I ,ii. i
de um e outro grupo.
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, :t NEGRO MULATO '1 Vejamos, pois, como se manifestam alunas,perten~
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centes a cursos diversos, mas de escolas também dife~
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Colegial. Normal
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Colegial
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Normal
- - I\ rentes.i Comparemos as respostas dadas à mesma questão.
Tomaremos aquelas das alunas do curso colegial do esta~
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1'1 Escola ............ 4 14 13 I 11 '1 belecimento oficial de ensino e as daquelas do curso
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normal da escola religiosa. Teremos:
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Colegial Normal
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Escola .......... " 28 Í4 17 11
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I" No. que se refere ao negro, os dados desta tabela Vizinhança .. _..... 33 32 28 26
ii indicam maior rejeição do grupo que se encontra fa~
I': Cinema ....... _... 17 32 17 23
ii zendo o curso normal, a pesar da inversão que se verifica
;;1 'I
IIi quando é focalizada a família do estudante. A despeito
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II; desta discrepância final, pode~se afirmar que as àlunas
do curso colegial àpresentam menor intensidade de re~
I Baile .............
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i:'I' 172 - C6r e mobilidade social Raça e mobilidade social - 173
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biológica, capacidades psico-motoras e intelectuais dos
grupos raciais. A nosso ver, esta objeção não tem funda-
mento. Os cursos comparados por nós não são apenas·
;I são nas manifestações sôbre a família. Entretanto, em
face dos outros círculos de convivência social, êsses indi-
víduos reagem de modo semelhante. A identidade do
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diferentes em seus currículos, como apresentam possibi-
lidades diverséls de conhecimento elos grupos raciais.
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curso, pois, não eliminou as diferenças de atitudes. A I~I
I nosso ver, resta-nos a seguinte alternativa: as diferenças i: 1
h Êles não contêm as mesmas disciplinas. i apontadas se devem ou à orientação geral do estabeleci-
Entretanto, seq:uisermos ampliar as 110s~as infor- I
I mento de ensino, ou às condições sociais diversas das
mações sôbre o fenômeno investigado, podemos encarar ,\ famílias dos alunos de um e ,outro estabelecimento?
J as manifestações dos escolares submetidos ao questio- Inclinamo-nos pela segunda explicação, pois tudo indica
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nário sob outro ângulo. Comparemos as respostas dos
indivíduos do sexo masculino, que se encontram no
I que os fatôres relevantes, no caso, operam no meio
social inclusivo, do qual a escola seria uma simples "I
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1 '
curso colegial, mas pertencentes a estabelecimentos de
ensino diversos. Consideremos as manifestações dos
t expressão. Pretendemos, aliás, retomar êste aspecto do
problema mais adiante.
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aI unos da escola oficial já mencionada e daqueles de I I
Antes, todavia, vejamos COn10 se apresenta a situa- "mi
I:
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' um outro estabelecimento religioso de ensino (15). Subme- ção de contacto inter-racial sob outros ângulos de análise .
li I tidos à mesma pergunta do parágrafo anterior, respon-
deram "não":
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Os mulatos que conseguiram galgar posições na
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sociedade local tendem a considerar o preconcei to como
sendo produto da ignorância. Para êles, quanto mais
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111 NEGRO MULATO. ,~. baixa a camada social a que pertence o branco, mais
'iII preconceituoso ~ste. Esta opinião, entretanto, não reflete
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'di Religioso I Oficial Religioso Oficial I'
a realidade. E verdade que alguns indivíduos que
111
"ti I sobem "sentem" menos intensamente a discriminação
JII Escola ....... '" .. 20 12 20 8
I dos brancos. Mas isto provàvelmente l1ão decorre da
.1d,Itl I Vizinhança ........ 36 I 32 I
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33 16
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diminuição das barreiras. Deve-se ao aumento da capa-
cidade de ajustamento do mula to às situações sociais
1" Cinema ........... 39 30
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"I,
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em que se encontram também brancos, o que lhe dá 'a
impressão de que o preconceito diminuiu. Aliás, consi-
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Ba;le ..... , ....... , 89 64 70 42 .t'
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derando-se o material empírico disponível, quanto mais r";
Família ...... : .... 82 98 82 9Ó elevada a classe a que pertence o branco, mais precon-
"II I .'
/1 ceituoso parece ser êste. Exatamente o oposto do que
"I!
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afirmam os mulatos e negros que sobem, o que sàmente
PI Encontramos agora discrepâncias que podem ser pode ser explicado pelo refinamento da sua capacida de
i \1 consideradas significativas. Tanto no que se refere ao de ajustamento a situações üovas.
lH;
J ii negro, como no que diz respeito ao mulato, as respostas As nossas observações realizadas in loco, as decla-
1!il'ii refletem um sentido homogêneo nas atitudes dos alJnos rações dos negros e mula tos, ás entrevistas com êstes
111 do curso colegial. É ve'rdade que se verifica uma inver- e os brancos, a distribuição percentual dos negros e
11(
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I
I· : Realmente, do ponto de vista das possibilidades de
H fi são do "elemento de côr" são universais na comunidade,
li ii ascensão profissional, "é 'difícil a vida para uma pessoa
II iI variando, contudo, a sua rigidez conforme as implicações de côr" ein Florianópolis. Êles se concentram nas ativi-
sociais das situações, Apesar de que muitos brancos dades menos qualificadas, econômica e socialmente. A
I!II !J declarassem que aos negros emula tos não se: impunham grande maioria d~ "população de côr" dedica~se a a tivi~ ./
i, ii restrições à sua adn}issão em muitos empregos, a totali~
liH ;.~"
l:li ' 'I
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dade dêstes afirma que a conquista de urh emprêgo
sempre põe em jôgo a côr do candida to, seja negro ou
I dades braçais. "E difícil encontrar uma repartição, uma
loja com pessoa de côr. Geralmente não se encontra".
Encontram~se principalmente na estiva, nos transportes
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mulato. "Quando o ingresso é um favor Usto é, não
"feito por concurso") então há o limite ela 'côr". Isto
I de carga, entre a marinhagem e outras atividades menos
remuneradoras. No funcionalismo público começam a ~ li
1 para os mulatos claros que começam a ingressar na ingressar, principalmente através de padrinhos P?líticos,
classe média, pois a racionalização das a tividpdes buro~
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mas também através de cargos menos qualificados.
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cráticas tem sido uma válvula, que facilita :0
ingresso
O .'alemão (16), contudo, trata os negros e os mu~
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ou trabalhando no pesado". O balcão exige "apresen~ As mulheres negras e mulatas se concentram ainda
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tação", "o que uma pessoa de côr não pode ter", diz~
nos um comerciante. E um negro declara: "Trabalho
nas atividades domésticas. Uil] levantamento das pro~
fissões dos sócios de um club~ de negros e mulatos re~
II
para preto é muito difícil. Principalmente cm lnias, vela-nos apenas uma mula ta classificada como balconista.
Observamos, entretanto, oito costureiras e três profes~ I
escritórios. Êles (os brancos) falam que não tem vaga.
Serviço de preto é só ser operário mesmo". sôras do ensino primário, alélil de algumas estudantes.
Aí temos um indicio seguro de alguns dos canais de
ascensão, que procuram habitualmente.
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"I: ' negros e mulatos encontra~se ainda concentrada na ca~ Vizinhança ........... 28 33 37 19 26 30
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,~ , mada baixa da população. Uma pequena parcela começa iII"l\I.I!
Cinema ...... , ....... 26 36 31 21 26 22
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a penetrar na classe média, particularmente os mulatos. I'
E sàmente alguns, também mulatos, estão atingindo as Baile ................ 66 74 83 55 63 iO I
I: : profissões liberais. Família .............. 86 91 89 80 90 88
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sociais e econômicas da classe média sômente no pre.. A situação é diversa no que s~ refere às sociedades
sente estão sendo alcançadas pelo esfôrço ascensional recreativas dos negros e mulatos. Antes, contudo, de
da população" de côr". É o que revelam os dados da apresentarmos a situação de contacto nesse setor, do
tabela anterior. Além da interferênci::l do preconceito, ponto de. vista do indivíduo de côr, vejamos alguns I
as diferenças de a ti tueles nas diversas classes sociais aspectos de sua situação no passado recente.
explicam-se pela sua conjugação CO.111 atitudes associadas Antes mesmo do término da esera vidão os negros e
ao preconceito de dasse em formação. Em parte, aquelas
mulatos libertos tinham as suas '''sociedades dançantes"
discrepâncias de a ti tudes podem ser devidas a diferentes
e beneficentes. Com a abolição elas se reorganizaram.
condições de existência social. Entretanto, o precon..
ceita racial não se confunde com o de classe.· Se se con.. Algurrlas foram extintas e outras foram criadas. Através
fundisse, não teríamos as atitudes e comportamentos elos depoimentos de negros velhos pode-se reconstruir
discriminatórios entre indivíduos pertencentes à mesma uma série ininterrupta de clubes de negros e mulatos,
.
1-..1
a partir do término do regime escravagista. Quando 1'1
classe. Dizemos isto porque na comunidade estudada a
examinamos a composição rilcinl dêsses clubes, evidencia.. I~i
grande maioria dos negros e mulatos se encontra na classe
baixa, o que significa que se acha nas mesmas condições se a seguinte peculiaridade: houve clubes de negros e I~1~1'1
de existência social de outros brancos. Entretanto, como mulatos, mas também apei'las de negros ou sàmente de "
já mostramos, o preconceito é encontrado também aí. mulatos. Não encontramos referência a clube misto de
mula tos, negros e bro I1C05 . que tivesse existido no pas"
Se nos aproximarmos um pouco mais do fenômeno
sado. Menciona..se o caso cl~ um, focalizado num "morro",
que estamos investigando, todavia, veremos méÍis claro.
o "Aimoré Recrea tiva Espórte Clube", que tinha mem-
As expectativas de comportamento do branco orien.. bros brancos, mulatos e i1egros. Mas não teve viela
tam ..se no sentido ele que o negro e o mulato devem longa. Em poucos mêses verificou-se lima cisão el1\"re
colaborar para a harmonia d;:ls relações raciais. Esta seus sócios. Ela decorre de um conj un to de fa tôres,
harmonia, itliás, depende daqueles e não do branco, entre os quais destacarem~s alguns ligados aos ba iles,
afirmam êstes. O branco admite, formalmente, apre.. que se realizavam periôdic8mente. Um dêles diz res/'2 "I
sença dos negros e muia tos em certos circulos de convi- pei to à constante nega tiva ~le 1.:D.-Q.Ǫ§jJ_~.9.l1CaS de dança rem!
vência. Algun~ chegam a agir no sentido de que êles c~_~l.<~Rt:.~~_9~mulatos: Este fato se re'petTã-enl-b~iles : 1"-
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participem do grupo. Mas, por outro lado, esperam que
êles próprios evitem isso~ a fim de que situ8ções desagra ..
sLicessivos. Emcõ-i1se-qliência, os diretores (brancos) do .
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que estamos estudando, o fenÓmeno ocorre tanto nas Há ainda um outro aspecto do fenômeno que pode ii,
camadas elevadas da população como nas médias e ser ressaltado. Trata'se de uma nuança da explicação
baixas. Mas, por que? dada acima. Para os indivíduos brancos do sexo masculino,
Numa sociedade tradicionalista, o baile pode ser quando uma branca dança com um negro torna,se,
um prolongamento de círculos sociais exclusivos. Liga... automàticamente, uma candidata à miscigenação. Trans...
se tangencialmente à família e ao prestígio -social das forma,se em objeto da cobiça de um "negro", o que a
camadas a que serve. Daí as razões de ordem social desvaloriza em face das expectati vas de seu próprio
mais profundas, através das quais atitudes e emoções grupo. Este aspecto do problema, entretanto, será anali,
são reguladas e dirigidas socialmente. As condições de sado adiante, dada a sua importância para a compre,
aceitação em um clube, como sócio, estão ligadas princi.. ensão do preconceito no interior da família.
palmente ao status sócio-econômico do indivíduo. Por --=r Analisar o ideal de branqueamento é focalizar um \1I!"I-I 1''1"
dbs padrões fundamentais envolvidos na constituição
isso as barreiras são rígidas nesse círculo de convivência
social. das famílias de negros e mulatos. "Branquear" é uma II
1';'
I:
superfície do fenônleno. O que realmente ocorre é o
seguinte: quando a branca é convidada por um négro com outros ainda mais brancos, ou menos negros, é
para dançar, sente-se logo em evidência, tanto aos olhos o maior objetivo dos pais. Parece,lhes que, assim, se
das mulheres como dos homens brancos presentes. Nesse realiza sua integração no grupo branco. .' .,;
momento entram em jôgo atitudes e padrões que a Por outro lado, os padrões de comportamento inter' ,i
desprestigiam no consenso do grupo, porque teria de racial do branco se orientam no sentido oposto. O seu II
dançar com indivíduo cujos atributos são considerados ideal é a não _"contaminação". Quando um branco I,
se encontra diante da étlternativa de casar,se ou não t
negativos. Enquanto que um negro ou mulato se sentirá
elevado, como membro do grupo negro, ao dançar com com um negro ou J.!1ulato, o que conta fundamen-
uma branca, esta, por seu lado, sentir...se-ia diminuida talmente é a côr. Este é o ctitério decisivo no seu
no consenso dos brancos.. julgamento.
I
1~fI.J?;ffti~~_r:~~ttit~!~~~~~~i0.~··1f'!f;!J!jt,~~;:!~j:'~f_~~}j!J~'i:*;"!W~/f*~~;ijr;\~W~W~"-1!~'4":'~J;;~·;--~"',~;7~P!i~)'<I:""{.'"t,;;~'{MI1',\~"~;~',9,,f*~~,!'·;;;.,.,.~"'~~m~:"":·. "(
.~ / . "
~~~~~~~Jt~t~~~~{4~i~1~~~~~~~;?~~~~~~j~~~~~~i@~~~t~~~~~~_II
Aliás, no seio da família a situação de contacto é Nota-se claramente a progressiva rejeiç50, télnto
definida em termos positivos. O branco espera que o l-
do negro como do mulato, à medida que as manifestações
negro ou mula to não se torne íntimo de sua fa mil io . se aproximam do mundo social do próprio informante.
Mantém com êle relações amistosas (e o negro deve com- Contudo, él discriminação na famíl ia seria da mesma
preender que são apenas relações amistosas), que ús intensidade em tôdas as classes sociais? Vejamos corno
vêzes são de amizade;- com alguma carga afeti\{a. Trata- se manifestam os estudantes classificados através das
se de um recurso destinado a elidir a existência ele bar- profissões dos pais.
III
reiras, e a não desprestigiar frontalmente os padrões iri
igualitaristas da comunidade. É uma forma de realizar NEGRO MULATO
os sentimentos aEetivos sem afetm profundamente as J:
m~~~t
I
baix(i
atitudes convencionais. Efetivamente, o branco lllélntém alta__ baíxa médía alta
---- . --
com aquêles relações de amizade, mas fonnalm-ente, com
uma inclinação paternalista, o que tolhe as_ ações e a Não gostariam que o(a) Q
espontaneidade dêles. Com êstes jJé1drães de etiquêta amigo(a) casasse com 30 39 34 25 33 29
social, o branco elimina os negros e mulatos de) seu Não gostariam que o ül
círculo de convivência social mais intimo: a faI11ília. irmão casasse com_ 63 76 80 60 71 76
Não gostariam que a
I; assim que êle consegue dissimular as barreiras rígidas, irl11ft casasse com_ , 78 82 61 73 77 III
impostas àqueles. Ego não gostaria de.
Para comrireendermos melhor o eievado índiéede casar com ......... :: i ~l 89 80 90 88
rejeição no seio da família, vejamos COI1l() se manifestam I
os indivíduos, que responder81l1 ao questionário, nó que ~
diz respeíto ao casamento. Perguntamos se oprovár1<l111 Como vemos, ainda neste ponto as diferenças entre
ou não o casarúento do amigo on amiga, irmão, ir~nã e as atitudes das três classes são marcantes. A nosso ver,
do próprio informante com negro e mula to. Respon.-
deram do seguinte modo:
elas se explicam pelas mesn1as razões já élpontadas em
parágrafo anterior, tanto no que se refere à classe baixa, li
LI
I
como à aI ta e <1 média. ijl
; NEr,I~OI MULATO Existem C!UilS ordens de filt6res sociais que podem ':11
---~ ,!..."..,-~,---==l-==-=
, explicar as atitudes de "defesa" da família em face das
".l
(--
Ego não góstaria ele casar-s~ i e cscr:tVOCr;lt:l e qlle contii111:1. IlO presente, cxerccl1c1(l
COI11 ••••• , . _ .. _ _ _ . _. I 89 87 o peneit'élllwlltll dos negros e /'ralKOS que pretendalll
ascender por sed intermédi(l Neste sentido, o papel
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'rr.;~~~;.t~,7 ' . •'. 0'- '-:;:":' 'o~.:\':-1.~":;'" ... -:;~.~;'-;1;~:'.' ? . ~3.:;~~~':" ~~~~~:~~~!T-~~'~'~:~' ·~c -""~;-:': '·.-r~; ~ ';~.!';:'I.-:-·~:.7"·' :.",~:, -.'~:-"·"7:;~ -;-'~"-:;"'.'r:' .• ..".~o::-~~ .• ~1I"l
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186 - c'Ór e mobilidade social Raça e mobilidade social - 187
ij1:1
iJil que ela exercia no passado, no que diz respeito às rela-- de c6r" de uma instituição fundamental e altamente
ções do branco como negro e o mulato, continua vigente valorizada do ,grupo, instituição esta que ainda é um
iII,.,! na atualidade, o que significa que ela continua relativa-- dos principais focos de atribuição de status.
mente impenetrável ao "indivíduo de côr". No passado O que ficou dito até agora permite~nos fazer uma
:1
I·. escravoera ta ela era um fa tor de preservação da ordem distinção nítida entre o comportamento inter~racial no
1'/ social e econômica, já CJue era um núcleo de atribuição plano dos grupos primários, onde as relações simpáticas
'I:'iI de status. Mantinha--se, por isso, fechada às tentativas e afetivas predominam, daquele dos grupos secundários,
de penetração dos negros e mulatos, que pertenciam onde as relações são formais, de caráter categórico.
l:i a outra c;:!sta (17).
'rj Enquanto no primeiro caso o preconceito se manifesta
li Por outro lado, uma ordem diversa de fatôres deve aberta ou veladamente, mas através de um comporta~
1:1
ser levada em conta. Sabemos que, na sociedade brasi-- menta efetivo, no segundo caso o preconceito é dissimu--
leira, a mulher é considerada, em determinadas con-- I lado por um padrão de etiqueta, que elimina a necessi~
:1
l
fi
~
dições, um dos seus mais importantes elementos: Sob
certos aspectos, ela é encarada como o mais importante.
No plano dos indiví,duos como valores da comunidade,
I' dade de declará~lo ou de manifestá~lo. Do ponto de
vista do branco, elide~se o problema. Mas o indivíduo
de côr sente a dissimulação.
~ a mulher é superestimada, tomando, mesmo, a sig'nifi--
cação de um símbolo. Um dos motivos por que é consi--
1
O leitor deve ter notado que durante todo o desen~
volver desta exposição mE!ncionamos sempre negro e
derada de tal J110do é o fato de ser reconhecida cOmo mulato, procurando distingUir um do outro em múltipl(ls
a fonte de perpetuação do grupo. Estamos, por cdnsé--
guinte, diante do outro fator que explicaria o ele\'ado
índice de rejeiçao do negro e do mula to na família, O
j situações. Não o fizemos 'sehão ('om um objetivo: (lprc-
sentar mais um aspecto do fenômeno que está sendo
discutido. O material empírico disponível nos levou a
grupo branco não aceita a idéia da mestiçagem 'com essa distinção.
o negro através da mulher branca. Aceita~a quando Não é sàmente o brartco qüe distingue o mula to I
a mulher é "de cár", mas extra~conjugalmente. Aprovar do negro em muitas situações sociais. Os próprios "indi~
.[
aquela alternativa seria colocar um dos mais "puÍ'os" víduos de côr" distinguem~se no mesmo sentido. Veja~
membros do grUpo, um tabu, em contacto com indiví- mos como isso ocorre. Já mostramos que a estrutura
duos não considerados do mesmo nível social e econó-- econâmica e social da comunidade no presente apresenta
mico, nem com os mesmos atributos morais (18). maiores possibilidades de mObilidade horizontal e ver~
Não seria difícil encontrarmos pontos de contacto tica1. Assim, são relativamente comuns as ocasiões em
entre as duas explicações dadas acima. É certo que que o brnnco abre oportunidades de integração ou as~
para o grupo branco, assim como para tôda comúni~ censão a êles. Entretanto, são mais comuns as exceções
dade, a mulher é um dos valores fundamentais da fa~ feitrts aos mulatos claros, É o que se verifica nos escri--
mília. Contudo, quando ela é considerada em face do tórios, em grupos de amizade, em grupos de trabalho
!:(':i negro ou mulato, entram em jôgo não somente as ati~ e até mesmo nos bailes. Não se comporta do mesmo
q tudes que visam preservá~la como um valor, mas tam-- modo em face do negro o branco que tra ta o mula to dessa
1: 1
'!: bém aquelas que se destinam a afastar o "indivíduo maneira. Por outro lado, atua no mesmo sentido de
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diferenciar uns e outros elementos de côr a "emulação" I Alguns aspectos ela situação de contacto encontrac18
encontrada no interior do grupo. Essa competição é ! em Florianápolis permitem falar em indícios de segre-
produto da polarização exercida pelos valores "brancos". i gação (19). As barreiras opostas aos negros e mulatos
Apenas o mito da branquidade seria suficiente para criar ~-'em determinadas situações são instrumentos de segre-
entre êles próprios alguma discriminação, o que redunda gação. Entretanto, raramente ela é aberta, ostensiva.
conseqüentemente, em àvalíações recíprocas positivas e Como tôda manifestação pre_conceituosa, a segregação é
negativas, como se verifica na ideologia racial do branco. velada na sociedade local. E o que se verificava numa
Todavia, o branco é o autor da distinção apon- escola religiosa, no passado, e que se manifesta ainda,
no presente, através de técnicas mais elaboradas. Há
tada. É êle que a usa, e segundo seus fins.: Além de
hoteis que não aceitam hóspedes negros, a não ser que
outros fatâres, que poderiam explicar a emergência dessa
se apresentem "condignamente". Um dêles exibe um
dicotomia, julgamos especialmente um dêles importante menor negro, uniformizado, nas suas dependências. A
para sua efetivação. Trata-se da necessidade que o direção considera-o uma mascote. Diversos informantes
grupo branco tem de manter alguns padrões de comportá:- mencionam o caso de um clube, que não permitiu que
mento inter~racial que estão plenamente incorporados â' esportistas negros, vindos de l.ilna cidade do nord~ste
"
sociedade brasileira. ~ O principal dêles é o' mito dã ~ brasileiro, tomassem refeição en'i. seu restaurante. Este
democracia racial. E em seu benefício que o peneira:' li fato era' sempre rememorado,. quando as entrevistas
mento dos mais Claros é menos rigoroso. Êste mit5 ,~ , tocavam no problema das barreiras, que os clubes habi-
permite ao branco justificar a integração dos elementos ,t tualmente opõem aos negros e i11ulatos.
consider,ados "apresentáveis" - justamente os mais A segregação espacial, deséritano princípio dêste
claros. I) capítulo, pode ser explicada em termos das condições
,
Esta situação, contudo, não afeta alguns padrões econâmicas das populações negràs da comunidade. Con-
de etiqueta encontrados no presente e herdados do pas, forme dissemos, se a atual distribuição das populações
sado. Os negros e ú1ulatos ainda se comportam diversa; negras pode ser considerada como decorrente da evolução
mente nas relações com os brancos de nível social mais de suas condições econâmicas, ela não permanece ads-
elevado. Geralmente o, negro é respeitoso e reservado; trita a êsse significado. Ela é encaráda, tanto por uns
não revelando expansões. O mulato, entretanto, mani- como por outros, como uma das mai1ifestações de pre-
festa-se de outra rÍlaneira. Habitualmente é atencioso conceito racial, o que, por si, transforma o significado III
I
e afável. Êsse padrão, todavia, não se altera grande~ , social da presente distribuição da população local pelo
mente quando surpreendemos os negros e mulatos em espaço urbano.
interação com brancos do mesmo nível social. Mantém- A situação de contacto racial apresentada neste
se a mesma reserva do negro e a afabilidade do mulato. capítulo leva-nos ainda a algumas reflexões. Apresenta-
Não se trata, pois, de um padrão de etiqueta ligado às mos diversas situações típicas de interação entre negros,
camadas sociais. Isto não significa, contudo, que não mula tos e brancos. Tomamos 8lguns grupos sociais
o tenham sido no passado, quando as relações escravo~ fundamentais, tanto primários como secundários, e des-
senhor apresentavam~se em termos assimétricos. crevemos alguns tipos de relações raciais que nêles se
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j
II
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verificam. Em face dessas relações, uma constatação de
interêsse se impõe. Diz respeito à oposição que marca I CAPÍTULO IV
as relações entre os negros.e mulatos e os br:;l11cos. Se
não em tôelas as situações apresentadas, em algumas A Ideologia Racial do Branco
delas o problema se coloca sempre em termos claros:
de um lado, os negros e mulatos encontram barreiras
ao tentar ingressar rios grupos dos brancos; por outro
lado, êstes também deparam com barreiras ao procurar
I
I
l
~"
penetrar nos grupos dos negros e mulatos. l o questionário aplicado aos alunos das escolas secun...
É o que se verifica em muitas situações SOCiaIS:
em hoteis, nos clubes, em alguns locais ele trabalho e I dárias da comunidade sàmente foi elaborado depois de
uma sondagem inicial realizada l:n [oco. Para melhor
na família. Por isso, podemos assegurar que em deter.. ~i compreensão da importância dos dados que vamos ana..
,: lisar a seguir, lembramos que aquela sondagem nos
minados setores da sociedade local as relações raciais I,
refletem uma verdadeira dicotomia. A dualidade mani.. forneceu também verbalizações de estereótipos, as quais
festa na côr da pele tornoLkse o símbolo de padrões morais }. serviram de pista para a investigação dêles entre os estu..
diversos, capacidade intelectual diferente, etc., con.. t dantes. Depois de considerações estratégicas a respeito
forme veremos a seguiJ;: Ela se transforma, pois, em
Llma dicotomia social. E o que se manifesta claramente
l~ da forma mais adequada a êsse levantamento, resolve..
mos incluir no referido questionário duas perguntas
nas ideologias, trmto do branco como dos negros e mu..
latos. Na do brànco, essa dualidade se apresenta pleria..
r f
abertas, redigidas nos seguintes têrmos: "Dê as princi-
pais qualidades do prêto, do mula to e do branco" e "Dê
mente. Na ideologia racial do negro e mulato, quaudo 1\ os principais defeitos do preto, do mulato e do branco".
não é também revelada, essa dicotomia se apresehta Para as respostas leferentes a cada grupo racial, deixa..
subjacente. mos em branco seis linhas (três para cél;da questão), a
fim de que o informante enumerasse um, dois ou três
atributos favoráveis e desfavoráveis. Incluímos o branco
para assegurar maior objetividade e espontaneidade nas
respostas. Não nos restringindo aos negros e mulatos,
"
presumivelmente evitaríamos uJna fonte de perturbações.
Além disso, estávamos fornecendo um elemento compa..
rativo, o que poderia facilitar â indicação de avaliações
que tomassem como referência as situações concretas de
ajustamento inter.. racial.
Posteriormente fizemos um cotejamento dos este..
reótipos obtidos através da sondagem inicial e através
do questionário. Constatamos que estávamos seguindo
o caminho certo. Obtivemos resultados positivos, que.
l~'
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""Y '~~.~~~~~o:,i.:~~,I·:;~~~;~*~~~.,'~''·~':·:}~~~~~~~~i::\~~~:;iffr~~~~~:t~~Y1~j!.~~}: ~~~~~3~Ç(~~~;:YJ,~~~A;8~.~~~tij~;~1~~mft+~~~~~~:,~ .
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