Escolar Documentos
Profissional Documentos
Cultura Documentos
(Ic) ™fundamentos Da Educação PDF
(Ic) ™fundamentos Da Educação PDF
Educação
Autores
Ivo José Triches
Solange Menezes da Silva Demeterco
Vera Regina Beltrão Marques
2009
Esse material é parte integrante do Curso de Atualização do IESDE BRASIL S/A,
mais informações www.iesde.com.br
© 2007 – IESDE Brasil S.A. É proibida a reprodução, mesmo parcial, por qualquer processo, sem autorização por escrito dos autores e do detentor dos
direitos autorais.
ISBN: 978-85-7638-737-4
CDD 370.1
A Sociologia da Educação | 43
Os primeiros grandes sociólogos:a Educação como tema e objeto de estudo | 43
As teorias sociológicas e a Educação | 45
A ideologia e sua relação com a Educação | 46
A profissão de professor | 79
A questão da formação profissional | 79
O ofício de professor e seu papel na sociedade | 81
Referências | 85
Marilena Chauí
Mestre em Engenharia de Produção pela Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC). Especialista em Filosofia Política pela Universidade
Federal do Paraná (UFPR). Graduado em Filosofia pela Pontifícia Universidade Católica do Paraná (PUCPR).
1 Analogia em Filosofia é um raciocínio por semelhança. Consiste em apresentarmos uma determinada idéia não na forma literal, mas nos uti-
lizando de algo como comparação. É um bom recurso didático para ser utilizado no processo ensino–aprendizagem, seja na Educação Básica
ou na Educação Superior.
Esse material é parte integrante do Curso de Atualização do IESDE BRASIL S/A,
mais informações www.iesde.com.br
6 | Fundamentos da Educação
podemos inicialmente pegar uma aeronave e sobrevoá-la. Assim, teremos uma visão geral (panorâmi-
ca) da cidade que escolhemos conhecer. Depois, desceremos dessa aeronave e poderemos percorrer as
ruas. Ao fazer isso, a cada dia que passa, veremos que nossos conhecimentos sobre a mesma serão cada
vez maiores.
Tanto na forma de apresentarmos esses textos de apoio às aulas, como na própria forma em que as
aulas foram construídas, partimos desse pressuposto, qual seja: de que primeiro necessitamos ter uma vi-
são panorâmica sobre o assunto escolhido; depois, poderemos aprofundá-lo ao longo dos nossos dias.
Assim, como temos o objetivo de mostrar os principais acontecimentos que possibilitaram o sur-
gimento do pensamento socrático e sua influência sobre a moral ocidental, buscamos apresentar uma
visão panorâmica do pensamento grego, para que o tema possa ser melhor compreendido.
O pensamento filosófico grego pode ser compreendido em três períodos: período pré-socrático
ou cosmológico, que nasce com Tales de Mileto2 e vai até Sócrates3; o período antropológico4 ou socráti-
co, que vai de Sócrates até Aristóteles; por fim, tivemos o período helenístico-romano, que vai dos gran-
des sistemas cosmopolitas5 – do século IV a.C. – até o final do Império Romano do Ocidente.
2 Tales de Mileto é considerado o primeiro filósofo grego. Pelo próprio entendimento da razão, procurou encontrar uma explicação sobre a
origem de todas as coisas, que, segundo ele, era a água.
3 Esse período se situa historicamente entre o final do séc. VII ao séc. V a.C.
4 A etimologia desse conceito indica o objeto de investigação desse período, ou seja, em grego, antropos quer dizer homem.
5 Os principais movimentos dessa época: o epicurismo, o estoicismo e o ceticismo.
6 Os pré-socráticos são também chamados de filósofos da natureza porque sua preocupação consistia na tentativa de explicar racionalmente
a origem e a causa dos fenômenos naturais de sua época. São vários, mas citamos alguns: Tales de Mileto, Anaxágoras, Anaxímenes, Anaxi-
mandro, Parmênides, Heráclito, Demócrito, entre outros.
timentos de vários tipos e manobras políticas). Era filho de um escultor e uma obstetriz (parteira). Não fundou uma
escola, como os outros filósofos, realizando o seu ensinamento em locais públicos (ginásios, praças públicas etc.) como
uma espécie de pregador leigo, exercendo um imenso fascínio não somente sobre os jovens, mas também sobre os ho-
mens de todas as idades, o que lhe custou inúmeras aversões e inimizades. (REALE; ANTISERI, 1990, p. 85).
Outro aspecto relevante da vida de Sócrates é que, embora ele seja um dos pensadores gregos
mais conhecidos, nunca escreveu nada. O que sabemos sobre sua vida chegou a nós principalmente
por Platão e Xenofonte, os quais foram seus discípulos mais ilustres.
Em relação a esse aspecto, Reale e Antiseri (1990, p. 86) comentam que Platão tinha tamanha con-
sideração por Sócrates que
na maior parte dos seus diálogos, Platão idealiza Sócrates e o faz porta-voz também de suas próprias doutrinas: desse
modo, é dificílimo estabelecer o que é efetivamente de Sócrates nesses textos e o que, ao contrário, representa pensa-
mentos e reelaborações de Platão.
Partindo desse pressuposto, Sócrates constrói uma ética racionalista, na qual a virtude passa a ter
um papel fundamental. Mas, no que consiste a virtude? Antes de mais nada, ela se identifica com o co-
nhecimento. Os gregos chamavam-na de areté, “significando aquilo que torna uma coisa boa e perfeita
naquilo que é, ou melhor ainda, significa aquela atividade ou modo de ser que aperfeiçoa cada coisa, fa-
7 Cicuta: gênero de plantas umbelíferas, venenosas, de tamanhos diversos, que crescem em pântanos e montanhas, das quais se extrai o
veneno. (Fonte: Dicionário Aurélio).
8 Essa é a grande bronca que temos com os políticos, que, de modo geral, acusamos de não falarem a verdade em seus discursos e em suas
ações.
zendo-a ser aquilo que deve ser.” (REALE; ANTISERI, 1990, p. 88). Desse modo, ele nos diz que a causa do
mal é a ignorância; se conhecêssemos o bem, não praticaríamos o mal. Por essa razão, o conhecimento
de si mesmo é condição suficiente e necessária para a obtenção da areté. Assim, o autodomínio9 e a li-
berdade são as bases para atingir-se a virtude. Para Sócrates, o homem é o artífice da sua própria felici-
dade ou infelicidade. Mas, afinal, o que é o homem? “O homem é sua alma, enquanto é perfeitamente a
sua alma que o distingue especificamente de qualquer outra coisa. E, por ‘alma’, Sócrates entende a nos-
sa razão e a sede de nossa atividade pensante e eticamente operante.” (REALE; ANTISERI, 1990, p. 87). Por
isso afirmamos em aula que a essência do homem – segundo Sócrates – é sua psyché.
Outra idéia relevante que encontraremos no pensamento socrático é a noção de humildade. Sua
máxima tão conhecida entre nós, “sei que nada sei”, ilustra bem isso. Quando era elogiado por seus dis-
cípulos, ele fazia tal afirmação. Para demonstrar que esse era um valor incorporado em sua prática co-
tidiana, Sócrates construía suas afirmações a partir de uma relação dialógica com seus interlocutores.
Esses recursos didáticos, como a refutação, a ironia e a maiêutica, utilizados por muitos de nós, professo-
res, têm sua gênese com Sócrates.
Sua mãe era parteira. Ele, por analogia, dizia-se parteiro das idéias. Assim dizia:
A minha arte obstétrica tem atribuições iguais às das parteiras, com a diferença de eu não partejar mulheres, porém
homens, e de acompanhar as almas, não os corpos, em seu trabalho de parto. Porém, a grande superioridade de minha
arte consiste [...] na faculdade de conhecer de pronto se o que a alma dos jovens está na iminência de conceber é algu-
ma quimera ou faculdade ou fruto legítimo e verdadeiro. (apud PENHA, 1994, p. 35).
Em sua etimologia, o conceito ironia tem sentido bem diferente desse utilizado em nosso coti-
diano. Quando dizemos que alguém está sendo irônico conosco, de modo geral, estamos querendo di-
zer que tal pessoa está com uma cara de “deboche”, que está fazendo “pouco caso” da gente e assim por
diante. Desse modo, essa palavra tem um sentido pejorativo. Contudo, em sua origem, ironia significa “a
arte de interrogar”. Quando Sócrates utilizava tal recurso, tinha por objetivo mostrar àquele com quem
dialogava que o mesmo, na verdade, ignorava o que julgava conhecer. Desejava persuadi-lo, por meio
desse processo de indagações, fazendo com que seu antagonista pudesse perceber sua própria igno-
rância diante de tantas indagações às quais está submetidos cotidianamente. Por meio dessas indaga-
ções, ele refutava as “verdades trazidas por seus interlocutores”.
Existe ainda uma outra coisa importante que gostaríamos de salientar quando olhamos para a
história de Sócrates. Sua postura como filósofo mostrou-nos que a Filosofia não é uma forma de conhe-
cimento hermético, fechado, algo para poucos. Ele interpelava os transeuntes, aqueles que passavam
pela praça; discutia os temas do cotidiano com as pessoas; refletia, por exemplo, sobre a liberdade, o
amor, a amizade, a verdade etc.
Marilena Chauí (1994, p. 155) – comentando a morte de Sócrates – diz que
o maior erro dos juízes foi não terem ouvido o mais importante ensinamento de Sócrates, isto é, que todos os homens
são iguais porque todos são capazes de ciência, todos são dotados de uma alma racional na qual se encontra a verda-
de e todos são capazes de virtude. Razão, ciência, verdade e virtude são universais e todos os homens são, por nature-
za, capazes delas.
9 Hoje dá-se muita importância ao conceito de inteligência emocional como sendo um conceito contemporâneo. Mas, no que consis-
te a inteligência emocional? Consiste na capacidade de tomarmos uma decisão fria, racional em momentos de intensa emoção. Esse con-
ceito pode ser melhor compreendido se entendermos bem o que Sócrates nos diz sobre o autodomínio. De fato, quantas vezes tomamos deci-
sões baseadas em nossas emoções e depois nos arrependemos, dizendo que foi um mal. Por isso, pensamos que Sócrates tinha razão quando
enfatizava que decisões tomadas com base na razão podem ajudar-nos a vivermos melhor.
Abordamos isso para mostrar que todos nós podemos nos dedicar a esse processo da reflexão fi-
losófica. Nosso juízo de valor vai no sentido de que basta vontade e dedicação. A Filosofia nasceu como
uma tentativa do homem de resolver seus problemas. Assim, entendemos que a mesma continua tendo
um papel importante em nossa vida, à medida que nos ajuda a dar sentido à nossa existência.
Dica de estudo
Para aqueles que desejarem ir além da visão panorâmica como abordamos no início da aula, su-
gerimos a leitura dos autores Reale e Antiseri: são três volumes sobre a História da Filosofia, escritos
numa linguagem acessível e já traduzidos para o português.
Platão
1 Sólon(séc.640-560 a.C.) foi um estadista e poeta ateniense. Autor de um código escrito de leis que introduziu grandes reformas no pri
meiro quarto do século VI a.C., em Atenas. Essas leis enfraqueceram o poder da aristocracia, que se baseava somente nas características de
nascimento. Sólon substituiu as leis draconianas por um código menos severo, que persistiu como a base para as leis clássicas que surgiriam
posteriormente.
2 Em grego, oligarquia quer dizer governo de poucos.
tamente pelas pessoas nas quais ele depositava sua confiança. Ocorre que, no momento seguinte, o go-
verno passa a ter um caráter mais democrático, e foi justamente nessa época que Sócrates foi condena-
do à morte. Daí seu desprezo pela democracia. Ele considerou a morte de Sócrates a maior injustiça de
sua época, porque condenaram à morte um homem que, segundo ele, era o maior exemplo de filóso-
fo de todos os tempos.
No tocante à sua obra, podemos destacar também a influência de Sócrates. É notório que, na pro-
dução de seus escritos, podemos perceber a influência de diversos filósofos pré-socráticos; alguns com
natureza de pensamento bem diferentes, como Parmênides e Heráclito, por exemplo. Contudo, nenhu-
ma influência foi tão grande quanto a de Sócrates, do qual foi um dos alunos mais ilustres.
É difícil separar-se aquilo que é de Sócrates ou de Platão em seus escritos. Por meio dos textos de
Platão é que conhecemos as idéias de Sócrates, e é por meio de Socrátes, tornado seu porta-voz, que
conhecemos as idéias de Platão.
Como podemos observar, lendo essa citação, suas idéias ajudam-nos a compreender os fins da
educação que estão presentes em nossa Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDB). Podemos
atestar isso, quando lemos o artigo 2.º:
A educação, dever do Estado, inspirada nos princípios de liberdade e nos ideais de solidariedade humana, tem por fi-
nalidade o pleno desenvolvimento do educando, seu preparo para o exercício da cidadania e sua qualificação para o
trabalho. Isso para citarmos um entre vários outros. O “exercício da cidadania” pressupõe a autonomia do sujeito, a ca-
pacidade de criação e de interpretação das leis.
Em relação à sua teoria do conhecimento, existe um tema que se torna relevante abordarmos,
porque sua influência faz-se sentir até hoje. Gostaríamos de convidá-lo a fazer uma reflexão em torno
dessas questões: imagine que esteja com uma caneta nas mãos. Agora, olhando para ela, você poderia
se perguntar: sou eu que estou dizendo que ela é uma caneta ou é ela, a caneta, que está me dizendo
que é uma caneta? Em outras palavras: Quem é que determina o ato do conhecimento? Sou eu, o sujei-
to, ou é a caneta, o objeto? Para respondermos a essas questões, torna-se necessário compreendermos
a diferença entre conceito e realidade. Na verdade, essa é a questão central do platonismo.
Na tentativa de responder a esse problema, Platão estabelece a diferença entre o mundo sensível
e o mundo inteligível. Diz que um é distinto do outro. Nas palavras de João da Penha (1994, p. 36):
As idéias estão separadas das coisas, o mundo inteligível está fora e acima do mundo sensível. A multiplicidade e insta-
bilidade das coisas resultam de uma ilusão dos sentidos. A única realidade objetiva, perfeita, são as idéias, não passan-
do aquilo que vemos de pálidas representações daquelas. As coisas são cópias imperfeitas e fugazes de arquétipos de
modelos ideais. É no mundo dos inteligíveis, situado na esfera celeste, que habitam as idéias, essência de tudo o que
existe e de suas perfeições.
Na obra O Mundo de Sofia8, Jostein Gaarder apresenta-nos um exemplo que sempre gostamos de
citar, quando abordamos esse tema, porque, ao nosso entendimento, ele torna mais fácil a compreen-
são dessa questão. Por fidelidade ao autor, reproduziremos o mesmo:
Por que todos os cavalos são iguais, Sofia? Talvez você ache que eles não são iguais. Mas existe algo que é comum a
todos os cavalos; algo que garante que nós jamais teremos problemas para reconhecer um cavalo. Naturalmente, o
“exemplar” isolado do cavalo, este sim “flui”, “passa”. Ele envelhece e fica manco, depois adoece e morre. Mas a verdadei-
ra “forma do cavalo” é eterna e imutável. (GAARDER, 1995, p. 100).
Desse modo, os conceitos ou idéias que temos em nossa malha intelectiva são eternos e imutá-
veis, por isso necessários9. São as formas ou modelos espirituais a partir dos quais todos os fenômenos10
são formados. Daí a famosa expressão: “mundo das idéias” de Platão. A realidade é mutável e imperfei-
ta, por isso contingente11. A questão apresentada anteriormente seria respondida por Platão da seguin-
te maneira: sou eu quem estou dizendo que ela é uma caneta. E por quê? Porque, para ele, as idéias são
inatas. Já para Aristóteles é o contrário.
Em relação a essa dicotomia – mundo das idéias e mundo sensível – cabe salientar que isso aca-
bou influenciando toda a teologia cristã, mais tarde, com o neoplatonismo.
Como Platão valorizava mais o “mundo das idéias”, em detrimento de tudo o que estava presente
no mundo sensível, nossa visão sobre a sexualidade, por exemplo, tornou-se pejorativa ao longo desses
séculos. Principalmente pelas interpretações da Patrística12.
8 Esse é um livro básico, bem escrito, para aqueles que desejam ter uma visão panorâmica da História da Filosofia.
9 “Necessário”em Filosofia é tudo aquilo que não pode não ser; que não há uma outra forma de ser. É algo inelutável.
10 O conceito “fenômeno”, em grego, é compreendido como tudo o que aparece. Tudo o que se impõe diante de nossos olhos.
11 “Contingente” é o contrário de necessário, ou seja, existe, mas poderia não existir. Nós, Por exemplo, existimos, mas caso não existíssemos,
o mundo existiria independentemente de nós.
12 A Patrística foium movimento filósofo-teológico que surgiu durante o período da Alta Idade Média.
Qual é a mensagem deixada por esse mito? Várias são as interpretações. A primeira delas é que
esse homem que consegue sair da caverna é Sócrates. Ele, ao tentar mostrar aos homens de sua época
que existia a possibilidade de um outro mundo, não foi compreendido e foi condenado a beber cicuta.
Os homens que vivem como se estivem acorrentados são aqueles que vivem no mundo da doxa. No en-
tanto, existem aqueles que procuram a episteme13. A caverna representa o mundo dos sentidos.
No seu entendimento, quais são as cavernas hoje? Muitos programas de televisão certamente po-
deriam ser considerados como representação dessa caverna. Seus protagonistas desejam que o povo
permaneça na doxa, viva apenas no senso comum.
Esse mito também pode ajudar a entendermos o nosso papel como educadores. Será que o que
ensinamos para os nossos alunos está contribuindo para que eles consigam sair apenas do mundo das
opiniões, do mundo da doxa? Fica-nos essa indagação.
Dica de estudo
Sugiro a leitura da obra citada O Mundo de Sofia, de Jostein Gaarder.
O texto acima serve para mostrar a importância do pensamento aristotélico para a civilização oci-
dental. Não há como pensar sem recorrer a algum dos conceitos sistematizados por Aristóteles. É o que
veremos ao analisar as linhas gerais de sua filosofia. Antes, porém, é preciso conhecer um pouco da vida
desse grande filósofo grego.
Aristóteles (384-322 a.C.) nasceu em Estágira, na Macedônia, e era filho de um médico. Graças a
essa influência, desde a infância, o futuro filósofo teve uma formação voltada para a pesquisa empírica,
experimental. Não é à toa que Aristóteles escreveu vários tratados sobre questões biológicas.
Aos 18 anos, o jovem Aristóteles mudou-se para Atenas a fim de estudar e tornou-se membro da
Academia de Platão. Discípulo mais brilhante, permaneceu na Academia até a morte do mestre (348-7
a.C.), ocasião em que começou a trilhar seu próprio caminho. Por algum tempo foi preceptor (uma espé-
cie de professor particular) de Alexandre, filho do rei Filipe, e futuro dirigente do império macedônico.
Em 335 a.C., Aristóteles retorna a Atenas e funda sua própria escola, o Liceu. Em virtude do seu costume
de dar aulas caminhando com os discípulos, a escola também era chamada de “peripatética1”.
Em sua velhice, aproximadamente aos 61 anos, Aristóteles foi obrigado a deixar Atenas, em vir-
tude da morte de seu “ex-aluno” Alexandre (323 a.C) e do sentimento antimacedônico predominante. O
famoso filósofo de Estágira falece em 322 a.C.
Para compreendermos a originalidade da contribuição do pensamento de Aristóteles,
dois fatores são essenciais: a influência da formação experimental herdada de seu pai, e da for-
ça da filosofia platônica. São duas tendências opostas que encontrarão uma resposta original. O
primeiro fator funciona como ponto de partida ou pano de fundo para a refutação do segundo fa-
tor de influência. Assim, a filosofia aristotélica valoriza o que é empírico como crítica à teoria platô-
nica das idéias. Em outros termos, Aristóteles formula uma filosofia realista contra o pensamento
idealista de Platão.
Platão tinha uma visão dualista da realidade, pois considerava que havia dois mundos: o mundo
das sombras, das aparências, e o mundo das idéias, da verdadeira realidade. Platão subordinava tudo à
idéia, ou seja, as coisas individuais presentes na realidade sensível somente existem graças às idéias que
contêm os universais.
chega ao conhecimento é a abstração: processo segundo o qual a inteligência separa matéria e forma.
O conhecimento dá-se quando relacionamos os objetos que possuem a mesma forma e fazemos abs-
tração de sua matéria, ignorando suas características particulares.
Formulemos um exemplo de abstração. Pelos sentidos, conheço um ser, identifico que esse ser é
semelhante a outros da mesma espécie; trata-se de um mamífero ruminante, que chamamos de vaca. A
idéia de vaca não existe em estado puro, o que existe é essa vaca particular, que posso ver com os meus
olhos. Mas, por um processo de abstração, chego à idéia de vaca, comum a todas as vacas que eu pos-
sa conhecer. Em termos aristotélicos, posso afirmar que a idéia que tenho da vaca é a sua essência2. É a
partir dessa idéia que reconheço uma vaca concreta, mas a idéia não existe sem este ser individual, que
eu percebo pelos sentidos.
Qualquer proposição é composta pelos seus termos ou categorias, que são palavras que desig-
nam algo: João, morte. Quando emitimos um juízo sobre algo, estamos fazendo uma combinação des-
ses termos, como por exemplo: João é mortal. Esse juízo, combinado com outros, forma um raciocínio.
Quando o raciocínio é formulado de uma forma lógica, chama-se silogismo. Retomando a frase “João é
mortal”, posso elaborar o seguinte silogismo:
Note que os termos foram combinados num juízo, que possibilitou um raciocínio que chegou à
forma de um silogismo. Essa combinação permite que formulemos raciocínios com clareza e precisão.
Se compreendermos as regras da lógica e as exercitarmos, estaremos em condições de melhorar a nos-
sa forma de pensar. O silogismo ajuda-nos no processo de construção do conhecimento.
2 A distinção entre essência e existência é uma das classificações da Metafísica aristotélica. Existência indica o ser que está acima do nada. Pela
essência, torna-se tal e qual espécie de ser. É, pois, a essência, nada mais que um modo do existir.
(1) aquilo de que, como material imanente, provém o ser de uma coisa; por exemplo, o bronze é
a causa da estátua e a prata, da taça e, do mesmo modo, todas as classes que incluem estas.
(2) a forma ou modelo, isto é, a definição da essência e as classes que incluem esta (v.g. a razão de 2
para 1 e o número em geral são causas da oitava); bem como as partes incluídas na definição.
(3) aquilo de que se origina a mutação ou a quietação; por exemplo, o conselheiro é a causa da
ação e o pai causa do filho; e, de modo geral, o autor é causa da coisa realizada, e o agente mo-
dificador, causa da alteração.
(4) o fim, isto é, aquilo que a existência de uma coisa tem em mira; por exemplo, a saúde é a causa
do passeio. Efetivamente, à pergunta – por que é que a gente passeia? – respondemos – para
ter saúde e, ao falar assim, julgamos ter apontado a causa. O mesmo vale para todos os meios
que se interpõem antes do fim, quando alguma outra coisa deu início ao processo.
Além da Teoria das Quatro Causas, Aristóteles formulou várias outras, dentre as quais, a Teoria do
Ato e Potência. Trata-se de uma forma de classificar, dividir os seres em dois princípios constitutivos in-
trínsecos. Essa teoria busca explicar as transformações, o movimento. Chamamos ato, o ser enquanto já
é. De algum modo, significa determinação e perfeição. A principal determinação é a da existência; é a
determinação na ordem do ente; o ser que existe está, pois, em ato. A determinação dá-se também na
ordem da essência, enquanto esta apresenta essa ou aquela fisionomia.
Potência é aquilo que ainda não é, mas preexiste realmente como possibilidade de vir a ser.
Segundo Aristóteles, “das coisas não existentes, algumas existem em potência, por não existirem em
ato”. A semente é um exemplo de ser parcialmente em ato, estando o mais em potência.
Há potências ativas e passivas. As potências passivas apenas recebem o ato. As ativas têm a po-
tência de produzir o ato. O homem tem potências, como as do conhecimento e as dos impulsos. Seu
exercício obedece às regras fundamentais da doutrina do ato e potência.
fabricação, a produção, tanto faz produzir uma mesa ou um soneto, produz-se algo e, neste sentido,
torna-se poeta. Mas, por outro lado, há o conceito de práxis, que é a ação, o que age. Claro, a forma su-
prema de práxis, o mais práxis de tudo, é a teoria. A teoria é o que há de mais prático para Aristóteles, é
a forma suprema de práxis, é a contemplação, é a visão. E aí aparecem as formas de vida, que terão uma
importância enorme no pensamento aristotélico. Há o bio politikós, a vida produtiva; há o bio praktikós; e
há a forma suprema, o bio theoretikós, a vida teorética, a vida teórica, que é a mais prática de todas, que
consiste precisamente na visão, na contemplação; aqui, aparece plenamente aquela idéia visual, da vi-
sualidade no pensamento de Aristóteles.
Ética e política
Para Aristóteles, o estudo da ética deve enfatizar o preparo do indivíduo para que o mesmo pos-
sa viver bem na cidade. Há, portanto, um campo comum entre ética e política.
A ética deve estabelecer o princípio da ação virtuosa. O homem caracteriza-se por sua essência
racional e por sua tendência para o que é bom, para aquilo que julga ser a sua felicidade. A teoria da feli-
cidade está justamente ligada à sabedoria, no pensamento de Aristóteles, na medida em que o homem
deve aperfeiçoar o que é em sua essência racional.
A política deve enfatizar o homem como um ser social ou comunitário, procurando estabelecer
os princípios de sua ação racional.
Texto complementar
A Metafísica de Aristóteles
(ARISTÓTELES, 2002)
Todos os homens têm, por natureza, desejo de conhecer: uma prova disso é o prazer das sensa-
ções, pois, fora até da sua utilidade, elas nos agradam por si mesmas e, mais que todas as outras, as
visuais. Com efeito, não somente para agir, mas até quando não nos propomos operar coisa alguma,
preferimos, por assim dizer, a vista aos demais. A razão é que ela é, de todos os sentidos, o que melhor
nos faz conhecer as coisas e mais diferenças nos descobre.
Por natureza, seguramente, os animais são dotados de sensação, mas, em alguns, da sensa-
ção não se gera a memória, e, noutros, gera-se. Por isso, estes são mais inteligentes e mais aptos
para aprender do que os que são incapazes de recordar. Inteligentes, pois, mas sem possibilidade de
aprender, são todos os que não podem captar os sons, como as abelhas, e qualquer outra espécie pa-
recida de animais. Pelo contrário, têm faculdade de aprender todos os seres que, além da memória,
são providos também deste sentido. [...]
Ora, no que respeita à vida prática, a experiência em nada parece diferir da arte; vemos, até, os
empíricos acertarem melhor do que os que possuem a noção, mas não a experiência. E isto porque a
experiência é conhecimento dos singulares, e a arte, dos universais; e, por outro lado, porque as ope-
rações e as gerações todas dizem respeito ao singular. Não é o homem, com efeito, a quem o médico
cura, se não por acidente, mas Cálias ou Sócrates, ou a qualquer um outro assim designado, ao qual
aconteceu também ser homem.
Portanto, quem possua a noção sem a experiência, e conheça o universal ignorando o parti-
cular nele contido, poderá enganar-se a muitas vezes no tratamento, porque o objeto da cura é, de
preferência, o singular. No entanto, nós julgamos que há mais saber e conhecimento na arte do que
na experiência, e consideramos os homens de arte mais sábios que os empíricos, visto a sabedoria
acompanhar em todos, de preferência, o saber. Isto porque uns conhecem a causa, e outros não. Com
efeito, os empíricos sabem o “que”, mas não o “porquê”, ao passo que os outros sabem o “porquê” e a
causa. [...]
Em geral, a possibilidade de ensinar é indício de saber; por isso nós consideramos mais ciência
a arte do que a experiência, porque [os homens de arte] podem ensinar e os outros não. Além dis-
so, não julgamos que qualquer das sensações constitua a ciência, embora elas constituam, sem dú-
vida, os conhecimentos mais seguros dos singulares. Mas não dizem o “porquê” de coisa alguma, por
exemplo, por que o fogo é quente, mas somente que é quente. [...]
Já assinalamos na Ética a diferença que existe entre a arte, a ciência e as outras disciplinas do
mesmo gênero. O motivo que nos leva agora a discorrer é este: que a chamada filosofia é por todos
concebida como tendo por objeto as causas primeiras e os princípios; de maneira que, como acima
se notou, o empírico parece ser mais sábio que o ente, o qual unicamente possui uma sensação qual-
quer; o homem de arte, mais do que os empíricos; o mestre-de-obras, mais do que o operário e as
ciências teoréticas, mais do que as práticas. Que a filosofia seja a ciência de certas causas e de certos
princípios é evidente.
Para refletir
O estudo proveitoso de um pensador exige que nos deixemos questionar por suas idéias. É ne-
cessário que levemos a sério suas indagações. Para compreendermos o papel da Filosofia, vejamos uma
distinção entre a evidência da realidade e a evidência intelectual. A evidência intelectual é a coisa que
está diante de nós e que nos obriga a pensar, que nos obriga a pesquisar. Isto é, essa mesa é eviden-
te, aí está, mas podemos entender o que ela é, de que foi feita, do que se compõe; isso não é evidente,
deve ser indagado. Mas há a evidência da mesa e isso me obriga precisamente a perguntar-me sobre
ela. Porque há esse fenômeno da natureza, que é justamente a origem do movimento, que as coisas mu-
dam, que as coisas chegam a ser e deixam de ser, mudam de qualidade, mudam de temperatura, todas
as mudanças imagináveis. Ou chegam a ser e deixam de ser, que é a forma mais fundamental, mais ra-
dical de natureza.
Ainda que distantes no tempo, as questões têm algum elo com nossa realidade e com os proble-
mas que nos angustiam. Nesse sentido, procure refletir sobre as questões abaixo. Retome as idéias de
Aristóteles e deixe-se questionar por ele.
1. A fim de ter um acesso direto ao pensamento de Aristóteles, leia o trecho retirado de sua prin-
cipal obra, A Metafísica, e responda à seguinte pergunta: é possível pensarmos em algo que
nós nunca vimos, nunca tocamos, nunca cheiramos, nunca degustamos ou nunca ouvimos?
Pense nisso e tente refutar a idéia de Aristóteles.
2. Quando nós, educadores, agimos com justiça com nossos educandos?
3. Como a Educação pode contribuir para a vivência da boa política?
Dicas de estudo
Sugiro a leitura dos livros:
CHAUÍ, Marilena. Convite à Filosofia. 4. ed. São Paulo: Ática, 1995.
MARCONDES, Danilo. Iniciação à História da Filosofia: dos pré-socráticos a Wittgenstein. Rio de Janeiro:
Zahar, 1997.
A fama de Kant como professor e escritor aumentou constantemente durante os anos em que tra-
balhou como livre-docente. Cedo, ele já lecionava sobre muitos assuntos além de Física e Matemática,
incluindo Lógica, Metafísica e Filosofia Moral. Ele gozou de grande sucesso como professor: seu estilo,
que diferia muito daquele de seus livros, era humorístico e vivo. Apesar das aulas e trabalhos escritos
nesse período, ele não recebeu uma cadeira na universidade até 1770, quando foi nomeado professor
de Lógica e Metafísica, posição que manteve até 1797.
O ensino da religião, baseado no racionalismo mais que na revelação, colocou Kant em conflito
com o governo da Prússia, levando-o à proibição, em 1792, pelo rei Frederico Guilherme II, de ensinar ou
escrever sobre temas religiosos. Kant obedeceu a essa ordem até a morte do rei. Em 1798, o ano que se
seguiu à sua aposentadoria da universidade, publicou um resumo de seus pontos de vista religiosos.
Kant seguiu sempre uma rotina rigorosa de trabalho e investigação filosófica sobre uma vasta
gama de assuntos. Era uma rotina cumprida com tal regularidade, que as pessoas diziam poder acertar
os relógios de acordo com sua caminhada diária ao longo da rua que, depois, recebeu seu nome. Até
que a idade o impediu, sabe-se que ele somente perdeu sua aparição regular na ocasião em que a leitu-
ra da obra Emílio, de Rousseau, o fez suspender sua caminhada por vários dias.
Com pouco mais de 1,50m de altura, com o peito deformado e sofrendo de saúde precária, man-
teve, durante sua vida, essa rotina rigorosamente. Após um declínio gradual muito doloroso, Kant mor-
reu em Königsberg, em 1804.
O empenho, que ocupou toda a vida de Kant, em questionar o conhecimento estabelecido de forma
crítica, pode ser resumido em sua famosa afirmação: “Não se pode aprender a filosofia; somente se pode
aprender a filosofar.” O criticismo kantiano, como ficou conhecida a corrente fundada por ele, caracteriza-
se por um ataque às posturas dogmáticas e céticas, como se pode notar no segundo prefácio à Crítica da
Razão Pura (KANT, 1985, p.23, 30-1):
A crítica opõe-se [...] ao dogmatismo, quer dizer, à presunção de seguir por diante apenas com um conhecimento puro
por conceitos (conhecimento filosófico) apoiado em princípios, como os que a razão desde há muito aplica, sem se in-
formar como e com que direito os alcançou. O dogmatismo é, pois, o procedimento dogmático da razão sem uma crí-
tica prévia da sua própria capacidade. Esta oposição da crítica ao dogmatismo não favorece, pois, de modo algum, a
superficialidade palavrosa que toma a despropósito o nome de popularidade, nem ainda menos o cepticismo que con-
dena, sumariamente, toda a metafísica. A crítica é antes a necessária preparação para o estabelecimento de uma meta-
física sólida fundada rigorosamente como ciência, que há de desenvolver-se de maneira necessariamente dogmática e
estritamente sistemática, por conseguinte escolástica (e não popular).
Uma pergunta central, que passa a ser feita pelos filósofos, é a seguinte: qual é a fonte do conhe-
cimento? No decorrer do século XVII, serão dadas duas respostas a essa pergunta.
De um lado, alguns filósofos responderão que a razão é a única fonte de conhecimento válido.
Os defensores do racionalismo formam a corrente filosófica representada principalmente por Descartes
(1596-1650). Para os racionalistas, a razão era o instrumento fundamental capaz de garantir a obtenção
da verdade.
Em oposição estão os que defendem que o conhecimento procede principalmente da experiên-
cia. Esta corrente teórica ficou conhecida como empirismo, pois a palavra empeiría, em grego, significa
“experiência”. Há como exemplos: Bacon (1561-1626), Locke (1632-1704) e Hume (1711-1776). A postura
empirista foi fundamental para a revolução científica, na medida em que apontava para a necessidade
de uma atenção para com o que poderia ser experimentado e investigado em sua regularidade.
Assim, foram duas as respostas na tentativa de explicar o processo do conhecimento: uma que
enfatiza o papel da experiência sensível no processo do conhecimento, e a outra que insiste na razão.
A esta disputa entre empirismo e racionalismo deve-se acrescentar o desenvolvimento das ciên-
cias naturais, notadamente da ciência positiva físico-matemática, formulada por Isaac Newton. A propó-
sito, a contribuição do empirismo para o desenvolvimento científico é notável nesse sentido. A ciência
moderna pôde desenvolver-se e desencadear uma revolução, graças à contribuição das bases filosófi-
cas da corrente empirista.
Kant viveu profundamente esse contexto, num mundo filosófico povoado pelas correntes filosó-
ficas do racionalismo (de Leibniz), pelo empirismo (de Hume) e pela física de Newton. “Na confluência
dessas três grandes correntes, situou-se Kant; e dessas três grandes correntes tirou os elementos fun-
damentais para poder estabelecer de um modo eficaz [...] o problema da teoria do conhecimento e, em
seguida, o problema da metafísica.” (MORENTE, 1967, p. 218).
Na introdução à sua lógica, Kant define a Filosofia como “a ciência da relação de todo conhe-
cimento e de todo uso da razão com o fim último da razão humana”. Nesse sentido, a Filosofia deve
responder a quatro questões: o que posso saber? O que devo fazer? O que posso esperar? O que é o ho-
mem? Essas questões são discutidas, respectivamente, pela metafísica, pela moral, pela religião e pela
antropologia. A última pergunta é a mais importante e sintetiza as outras três. No entanto, nosso dever
e nosso destino somente podem ser determinados depois de um profundo estudo do conhecimento
humano, o que nos leva à primeira pergunta. E é por isso que a primeira e principal obra que contém o
pensamento sistematizado de Kant é a Crítica da Razão Pura (1781).
Para Kant, existe sim um saber autêntico, que é a ciência matemática da natureza (a física de
Newton). Além disso, não se pode negar que, se os resultados da metafísica são improváveis, há pelo
menos um esforço investigativo no homem para transcender a experiência. Se, por um lado, a atitude
crítica pode negar a possibilidade de resolver certos problemas, por outro, não pode deixar de enfrentar
o desafio de explicar a gênese desses mesmos problemas. Assim, a crítica institui o tribunal que garan-
te a razão nas suas pretensões legítimas e condena as ilegítimas. Esse tribunal é a Crítica da Razão Pura,
isto é, uma autocrítica da razão em geral, a respeito de todos os conhecimentos a que pode aspirar in-
dependentemente da experiência. A tal crítica, cabe decidir sobre a possibilidade ou impossibilidade da
metafísica como, também, sobre as suas fontes, sobre a sua extensão e sobre os seus limites.
Segundo Kant, é possível que haja conhecimentos independentes da experiência. Na verdade,
todo o conhecimento universal e necessário é independente da experiência, uma vez que a experiência
não pode dar valor universal e necessário aos conhecimentos que derivam dela. No entanto, indepen-
dente não significa precedente: todo o conhecimento começa com a experiência, mas pode não deri-
var todo ele da experiência. Pode ser uma composição das impressões que derivam da experiência com
aquilo que acrescenta a nossa faculdade de conhecer, a partir do estímulo inicial.
Aqui, aparece uma distinção fundamental em Kant, que se dá entre forma e matéria do conhe-
cimento. A matéria dos nossos conhecimentos é composta pelas próprias coisas, ao passo que a forma
somos nós mesmos.
É necessário distinguir, no conhecimento, uma matéria constituída pela ordem e unidade que a
nossa faculdade cognitiva dá a esta. A Matemática e a Física pura contêm verdades universais e neces-
sárias, portanto, independentes da experiência. Elas contêm juízos sintéticos a priori: sintéticos, no sen-
tido de que, neles, o predicado acrescenta algo de novo ao sujeito; a priori, porque têm uma validade
necessária que a experiência não pode dar.
O primeiro problema com que se defronta uma crítica da razão pura é ver como são possíveis os
juízos sintéticos a priori, ou seja, como é possível uma Matemática e uma Física pura. O desafio consis-
te em alcançar e realizar a possibilidade fundamentadora da ciência. Essa possibilidade jamais pode ser
dada pela matéria do conhecimento, constituída pela variedade desordenada e sem forma das impres-
sões sensíveis. Deve ser, pois, reconhecida na forma do conhecimento, isto é, nos elementos ou funções
a priori que dão ordem e unidade a essas impressões.
A crítica tem um duplo objetivo: descobrir os elementos formais do conhecimento e determinar
o uso possível dos elementos a priori. A investigação da razão, mesmo mantendo-se nos limites da ex-
periência, estará em condições de justificar a própria experiência na sua totalidade, portanto, também
os conhecimentos universais e necessários que se encontram no seu âmbito. Além disso, é necessário
determinar o uso possível dos elementos a priori do conhecimento, isto é, o método do próprio conhe-
cimento.
O conhecimento humano é uma composição ou síntese de dois elementos, um formal ou a prio-
ri, o outro, material ou empírico, que é o seu objeto. O resultado que nasce desse conceito é o fenôme-
no. O entendimento humano não intui, mas pensa; não cria, mas unifica; deve ser-lhe dado, portanto,
por outra fonte, o objeto do pensar, o múltiplo a unificar. Essa fonte é a sensibilidade, mas a própria sen-
sibilidade é basicamente passividade; aquilo que ela possui é recebido. Isso significa que o objeto do
conhecimento não é a coisa em si, uma essência, mas é aquilo que aparece, ou seja, o fenômeno. Nós
percebemos o fenômeno pela experiência, mas o objeto somente é real devido à sua relação com o su-
jeito que conhece.
Assim, chegamos ao cerne da teoria de Kant, a sua revolução copernicana. Assim como Copérnico,
que demonstrou que a Terra girava em torno do Sol, Kant mostrou que os objetos dependem do sujei-
to cognoscente. Em termos kantianos, portanto, não é o sujeito que se adapta aos objetos da realidade,
mas a realidade que se modela a partir da percepção do sujeito.
Respondendo aos empiristas, Kant mostrou que não é o sujeito que gira em torno do objeto, mas
é o objeto que gira em torno do sujeito. Isso é possível porque apenas o sujeito do conhecimento é ca-
paz de síntese. Somente ele tem a faculdade do entendimento.
Em última instância, o conhecimento somente se torna possível porque existem as formas a priori
da sensibilidade que são o tempo e o espaço. E existem ainda os conceitos a priori do entendimento que
são as categorias (conforme tabela abaixo), catalogadas em número de doze: unidade, pluralidade, to-
talidade, realidade, negação, limitação, substância e acidente, causalidade e dependência, comunidade
e interação, possibilidade e impossibilidade, existência e inexistência, necessidade e contingência. São
esses conceitos puros do entendimento que tornam possível qualquer experiência.
Universais Unidade
Singulares Totalidade
Afirmativos Realidade
Indefinidos Limitação
Assim, temos os juízos analíticos e os sintéticos. Analíticos são aqueles juízos de caráter lógico, em
que o predicado está contido no sujeito, por exemplo, o triângulo é uma figura de três lados. Segundo
Kant, esses juízos não ampliam nossos conhecimentos.
Temos ainda os juízos sintéticos, que são aqueles cujo predicado acrescenta algo ao sujeito. Os
juízos sintéticos são sempre a posteriori, pois dependem da experiência. O espaço e o tempo são condi-
ções a priori de possibilidade da intuição empírica.
Não há conhecimento de fato sem unir as formas a priori com o conteúdo a posteriori. A experiên-
cia fornece a matéria e a forma é a priori. A experiência é a ocasião que une forma e matéria.
1 Segundo a Crítica da Razão Pura.
O engano dos inatistas foi dizer que o conteúdo ou a matéria são inatos. Não existem idéias ina-
tas. O engano dos empiristas foi supor que a estrutura da razão é adquirida por experiência; sem a for-
ma da sensibilidade e do entendimento, não há conhecimento verdadeiro.
A ética kantiana
Os principais escritos sobre o tema da ética aparecem na Fundamentação da Metafísica dos
Costumes (1785), a Crítica da Razão Prática (1788) e Metafísica dos Costumes (1797).
Para Kant, a questão da moralidade e da liberdade não eram objetos da razão pura e somente po-
deriam ser postas no âmbito da razão prática. A despeito disso, a ética é puramente racional e universal,
não está restrita a preceitos de caráter pessoal ou subjetivos, nem a hábitos e práticas culturais ou so-
ciais; uma vez que os princípios morais resultam da razão prática e se aplicam a todos os indivíduos, in-
dependentemente das circunstâncias, a ética kantiana é de caráter prescritivo.
O objetivo de Kant é estabelecer princípios universais e imutáveis para a moral. Coerentemente
com o que foi definido na Crítica da Razão Pura, ele assinala que os princípios morais são a priori, ou
seja, não dependem da experiência para serem prescritos. Dessa forma, o dever consiste na obediên-
cia a uma lei que se impõe universalmente a todos os seres racionais. Este é o sentido do imperativo ca-
tegórico: “Age de tal maneira que o motivo que te levou a agir possa ser convertido em lei universal”.
Toda a ação exige a antecipação de um fim, o ser humano deve agir como se esse fim fosse realizável.
Kant fez uma crítica radical tanto aos racionalistas quanto aos empiristas. Sua revolução no tocan-
te à epistemologia consistiu em mostrar que o sujeito desempenha papel fundamental no momento do
conhecimento. Seu imperativo categórico consistiu em mostrar que “se tu podes, então deves agir em
conformidade com tua consciência”.
Para refletir
Kant deixou-nos um grande legado no tocante à sua teoria do conhecimento. Como podemos va-
ler-nos desse legado para melhorarmos o processo de ensino–aprendizagem?
Refletir sobre a proposição de Kant: “Age de tal maneira que o motivo que te levou a agir possa
ser convertido em lei universal”.
Por ocasião do nosso trabalho em aula, abordamos essas duas correntes filosóficas, destacando
sua influência em nossa realidade. Demos uma ênfase maior ao existencialismo, por entendermos que
muito do que foi produzido por ele pode ser utilizado em nossa prática pedagógica. Assim, abordare-
mos, primeiramente as principais idéias que fazem parte do pragmatismo e suas imbricações com nos-
so cotidiano. No momento seguinte, nos dedicaremos a apresentar o existencialismo e sua importância
em nossa formação.
O pragmatismo
Essa foi uma corrente filosófica que nasceu no final do século XIX, nos Estados Unidos. Na verda-
de, esse movimento filosófico pode ser considerado a maior contribuição do pensamento norte-ame-
ricano à Filosofia Ocidental. Em sua base epistemológica, encontram-se o empirismo inglês do século
XVII e o positivismo do século XIX.
Muito embora existam cerca de treze concepções diferentes, poderíamos dizer que, para os prag-
matistas em geral, a verdade de uma proposição afirma-se pela sua eficácia, ou seja, válidos são os co-
nhecimentos que produzem resultados. Para eles, pensamento e ação são inseparáveis, portanto, são
contra toda a forma de conhecimento de caráter especulativo. Logo, a Filosofia não ocupava um lugar
de destaque para eles também1. Vejamos a definição de pragmatismo, nas palavras de William James
(apud RUSS, 1991, p. 225), que utilizou inicialmente esse conceito2:
O pragmatismo [...] desvia-se da abstração; de tudo o que torna o pensamento inadequado. Soluções verbais, más ra-
zões a priori, sistemas fechados e firmes; de tudo o que é, por assim dizer, um absoluto ou uma pretensa origem, para
voltar-se na direção do pensamento concreto e adequado, dos fatos, da solução eficaz.
Essa forma de pensar influenciou muito a cultura brasileira ao longo do século XX. Mas, por que
isso ocorreu? É notório, para todos nós, que houve uma invasão cultural norte-americana, não ape-
nas no Brasil, mas em vários países. Como decorrência dessa invasão, o espectro da Filosofia brasileira
não passou incólume. Por isso, essa forma de pensar acabou atingindo nossa Academia, bem como o
cotidiano das pessoas. Basta olharmos quais são os cursos superiores que mais valorizamos. Geralmente,
são aqueles que trarão resultado econômico mais eficaz3.
Outra forma de perceber como o pragmatismo está presente em nosso cotidiano é observar
como nossos alunos comportam-se. Costumam dizer: “não dá nada”. Valorizam somente aquilo que tem
resultado imediato e que vem ao encontro dos seus interesses. Dessa forma, pensar de forma pragmáti-
ca é ser transigente, sempre que nossos interesses estão em jogo; é agir conforme a conveniência, sem
uma reflexão a partir dos valores éticos.
Muito embora, no início, o pragmatismo tenha surgido como uma concepção epistemológica
para justificar determinada concepção de ciência, essa construção teórica passou a orientar as ações
dos atores sociais. Razão pela qual fizemos tais afirmações, nos dois últimos parágrafos.
Os principais representantes do pragmatismo foram Charles Peirce, William James, George Herber
Mead e John Dewey.
1 Lembre-se de que, para os positivistas, a Filosofia também não tinha grande importância.
2 Não há consenso sobre isso. William utilizou esse conceito em 1898, para definir a filosofia de Peirce. Mais tarde, o próprio Peirce disse que
teria sido ele a utilizar primeiramente esse conceito.
3 Nosso vestibular atesta isso. Os cursos que dão um maior status ou que prometem uma rentabilidade maior são os mais disputados. É inte-
ressante observar que isso é historicamente construído, em que essa forma pragmática de pensar está presente.
Por existência, devemos, aqui, entender “como o modo de ser próprio do homem enquanto é um
modo de ser no mundo”, é assim nas palavras do próprio Sartre. Seu modo de ser é diferente dos outros
seres vivos, porque somente o homem é possuidor de uma característica fundamental, qual seja: a liber-
dade. Eis aí o conceito fundamental do pensamento sartreano.
Existir significa estar em relação com o mundo. Portanto, eu somente me realizo e posso conhe-
cer-me a partir da relação com os outros. Assim escreve Jacqueline Russ (1991, p. 336), sobre a questão
do existir, para Sartre:
E, com efeito, a criação humana é livre. Em Sartre, eu existo e eu sou livre são duas proposições rigorosamente sinôni-
mas e equivalentes. O que é existir no vocabulário sartreano? Existir é estar aí, num universo absurdo e contingente,
construir-se e imprimir sua marca sobre as coisas. Não há essência humana congelada e preestabelecida, essência que
precederia a existência. O homem surge no mundo e desenha nele sua figura.
Se de fato acreditarmos que “não há essência humana congelada e preestabelecida, essência que
precederia a existência”, poderíamos, então, pensar nos alunos de escolas públicas, que, em condições
materiais desfavoráveis frente aos problemas de sua existência, poderiam compreender que tais condi-
ções têm um caráter histórico e, portanto, poderiam ser modificadas.
Se mostrarmos ao nosso aluno que ele é um “homem que surge no mundo e desenha nele sua fi-
gura”, compreenderá a importância de suas escolhas, tornando-o o responsável por elas. Compreenderá,
ainda, que cada escolha implica resultados, e isso é inexorável.
“Antonio Rezende4, no livro Curso de Filosofia – reúne vários autores, escrevendo sobre a relação
do eu e o outro para Sartre –, entre esses autores Gerd Bornheim nos diz:”
Sartre pretende que há uma “ligação fundamental” entre o eu e o tu. Se olho os olhos do outro, sua cor, por exemplo,
apreendo um objeto, mas, se capto o olhar do outro tudo muda de figura, pois me sinto visto pelo outro, e sei que atrás
desse olhar do outro há uma consciência. Acontece que o olhar do outro me reduz à condição de objeto, de um em-si.
Disso deriva o sentimento originário da minha relação com o outro, que é a vergonha. Tudo se passa como se o outro me
flagrasse em meu menos ser, nessa incompletitude radical a que me condena o nada que eu sou. A conseqüência não
se faz esperar: a relação intersubjetiva dá-se necessariamente no horizonte do conflito; ou bem o outro me olha e sou
objeto para ele, ou então reajo e transformo o outro em objeto através de meu olhar. A relação objeto-objeto não exis-
te, o em-si é exterior a si próprio. E a relação sujeito-sujeito também termina não se verificando: como poderia o nada
relacionar-se com o nada? Assim, a intersubjetividade somente se concretiza com o recurso à dicotomia sujeito-objeto.
(REZENDE, Antonio (Org.). Curso de Filosofia. Para professores e alunos dos cursos de segundo grau e de graduação).
Existe uma idéia básica que perpassa o Existencialismo como um todo5. A relação entre o “ser-aqui”6
e o mundo realiza-se enquanto transcendência, ou seja, pela possibilidade. Por isso, o Existencialismo
baseia-se em três pontos fundamentais: necessidade, possibilidade e impossibilidade.
Necessidade do possível
Isso significa que o homem “está condenado” a ter de fazer escolhas. Assim, as relações do homem
com as coisas são constituídas pelas possibilidades que ele possui de usar e de manipular as coisas, em
vista das suas próprias necessidades. É claro que essas escolhas estão associadas às condições históricas
em que estamos inseridos. Realizamo-las porque somos animais que trabalham. Portanto, dizer que al-
guma é possível é acreditar que o projeto que se constrói vai se realizar.
Possibilidade do possível
Aqui está presente a idéia de que nossas escolhas podem se realizar. Podemos ver aquilo que es-
colhemos tornar-se uma realidade. No entanto, necessitamos compreender de que nossas escolhas não
se realizarão inexoravelmente.
Impossibilidade do possível
O que vale dizer que nem tudo o que escolhemos poderá se realizar. Como nossas escolhas estão
voltadas para o futuro, elas existem apenas como possibilidades. Daí, a certeza de que elas poderão, ou
não, realizar-se.
A tradição filosófica antes de Sartre afirmava que “a essência precedia a existência”. Sartre inverte
essa premissa, dizendo que é “a existência que precede a essência”. Como o homem constrói a sua es-
sência? Ele faz isso por meio de sua liberdade. A liberdade, para Sartre, faz do homem uma espécie de
Deus criador do seu mundo e o torna responsável pelo próprio mundo. Por conta de que o homem está
condenado a ter de escolher, ele está abandonado a ser o que de fato é. Assim, ele afirmava: “primeiro o
homem existe, somente depois será alguma coisa, e tal como a si próprio se fizer”.
Como abordamos em aula, Sartre mostra-nos que, a partir da possibilidade de nossas escolhas,
nós poderemos ser um “em-si” ou um “ser-para-si”. E o que isso significa? Primeiramente, é importante
destacar que os outros seres vivos – animais ou vegetais – são apenas seres “em-si”. Ocorre que o ho-
mem também pode tornar-se um “em-si”. Isso ocorrerá quando se contentar em viver conforme o já
estabelecido. Quando ele aceitar a moral exterior. Ser semelhante ao garçom que existe para obede-
cer, para fazer o que os outros desejam. Imagina que aqui estão aqueles alunos que vivem apenas para
cumprir regras, que não interiorizam o porquê das coisas. Agem a partir da verdade da “autoridade”.
Encontram-se, certamente, nessa condição, aqueles que se apegam dogmaticamente a uma religião, a
uma ideologia etc. Por fim, ser um ser “em-si” é perder o caráter da transcendência para reduzir-se à fac-
ticidade. Sartre chama isso de “espírito da seriedade”.
Ao passo que se tornar um “ser-para-si” é viver a partir da perspectiva da autonomia. É ser um “ho-
mem forte”, conforme Espinosa nos diria, isso significava ser um homem ético. Portanto, ser um “ser-pa-
ra-si” é ter a coragem de escolher; é fazer escolhas conscientes e responder por elas; é saber que existe
uma História, e que podemos mudá-la, se assim desejarmos.
Ele também nos fala do processo da angústia, que surge quando o homem toma consciência en-
tre aquilo que ele é e aquilo que ele quer ser. Ao defrontar-se com a liberdade, o homem vive a angústia
da escolha. Desse modo, o homem nada mais é do que o seu projeto7.
Homem de “má-fé” é aquele que aceita as verdades exteriores. Aquele que prefere conscientemen-
te ser apenas um “em-si”; em outras palavras: ele recusa ser um “ser-para-si”, para torna-se um “em-si”.
O existencialismo sartreano é uma moral da ação, porque o homem é compreendido a partir dos
seus atos.
Eis a máxima de Sartre. À luz da mesma, poderemos significar o nosso fazer pedagógico: “o impor-
tante não é o que fazem do homem, mas o que ele faz do que fizeram dele”.
Escolas reformadas
A educação da Reforma insere-se no grande movimento humanista do Renascimento – em sua
vertente religiosa –, desencadeada a partir do cisma da Igreja Católica, ocorrido no século XVI. Martinho
Lutero, monge agostiniano inconformado com a venda de indulgências realizadas pelo alto clero, lança
em 1517, suas 95 teses nas quais denuncia a corrupção que grassava nas hostes católicas e propõe novo
(re)direcionamento à Igreja de Roma no sentido de uma volta às origens. Instado a retratar-se sob pena
de excomunhão, Lutero afasta-se definitivamente compondo o movimento de reforma religiosa.
Doutora em História e Mestre em Educação pela Universidade Estadual de Campinas (Unicamp). Graduada em Farmácia e Bioquímica pela
Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS).
O movimento de reforma religiosa e cultural, iniciado por Lutero na Alemanha, que tem importantes conseqüên-
cias na história da cultura européia, assume desde seus inícios um importante significado educativo. Seja Lutero ou
Melanchton, os dois maiores representantes da Alemanha reformada também no que diz respeito ao campo pedagó-
gico, embora com ênfases em partes diferentes, voltam sempre a enfrentar o problema educativo. Se de fato a ‘Reforma’
põe como seu fundamento um contato mais estreito e pessoal entre o crente e as Escrituras e, por conseguinte, va-
loriza uma religiosidade interior e o princípio do ‘livre exame’ do texto sagrado, resulta essencial para todo o cristão a
posse dos instrumentos elementares da cultura (em particular a capacidade de leitura) e, de maneira mais geral, para
as comunidades religiosas, a necessidade de difundir essa posse em nível popular, por meio de instituições escolares
públicas mantidas às expensas dos municípios. Pode-se dizer que com o protestantismo, afirma-se em pedagogia o
princípio do direito-dever de todo cidadão em relação ao estudo, pelo menos no seu grau elementar, e o princípio da
obrigação e da gratuidade da instrução, lançando-se as bases para a firmação de um conceito autônomo e responsável
de formação, não estando mais o indivíduo condicionado por uma relação mediata de qualquer autoridade com a ver-
dade e com Deus. (CAMBI, 1999, p. 243-4)
Baseadas nas escolas humanistas, a educação da reforma tem como eixo o ensino das línguas –
as antigas e as vernáculas – de cada país, com forte acento na educação gramatical; afinal somente seu
conhecimento e domínio permitem a leitura dos textos sagrados. As escolas deveriam ser organizadas
em quatro áreas:
a) línguas (latim, grego, hebraico, alemão), permitindo o acesso às Sagradas Escrituras;
b) obras literárias (pagãs e cristãs), para o ensino da gramática;
c) ciências e artes;
d) jurisprudência e medicina.
As aulas teriam duração de duas horas diárias, sobrando tempo para que os educandos traba-
lhassem em casa, aprendendo um ofício. Logo, estudo e trabalho andariam lado a lado (CAMBI, 1999,
p. 243-4).
Dado que a formação de cidadãos cultos, polidos e honrados só traria benefícios às comunida-
des, às escolas estariam reservadas bibliotecas sortidas e bons professores, capazes de formar jovens
em substituição à família, quando esta não bem representasse seu papel.
Sob inspiração da Reforma, a educação alemã reorganizou escolas municipais e fundou algumas se-
cundárias – os ginásios –; porém, as destinadas às camadas populares não tiveram um maior incremento.
Como assinala Chartier (1991, p. 121),
já em meados da década de 1520, Lutero abandona a exigência da leitura individual e universal da Bíblia em prol de
outro projeto, que enfatiza a prédica e o catecismo – portanto a missão de ensinar e interpretar restituída aos pasto-
res, que assim devem controlar a compreensão do texto sagrado. Instaura-se uma nítida separação entre as políticas
escolares dos Estados luteranos, que acima de tudo visam à formação das elites pastorais e administrativas, e a obra
de educação religiosa do povo que, baseada no ensinamento oral e na memorização, pode muito bem conviver com
o analfabetismo.
Logo não se deve atribuir o avanço das práticas de leitura na Alemanha somente ao protestan-
tismo.
Fazendo alusão à região do Reno, anota Chartier que em meados do século XVI os inspetores en-
carregados de examinar os conhecimentos religiosos dos fiéis constatavam “recitações sem compreen-
são, respostas decoradas e falhas que provam que a catequese não visa a uma leitura pessoal da Bíblia,
mas apenas à memorização de fórmulas ensinadas oralmente” (CAMBI, 1999, p.121).
Por onde a renovação religiosa estendeu-se, a educação pretendia andar a passo com as reformas
concebidas. É o caso da Suíça e da Holanda, onde ganharam relevância os trabalhos de João Calvino
(1509-1564) e Erasmo de Rotterdam (1466-1536).
Calvino, ao acreditar na predestinação, não desprezava o aspecto educacional. Ao contrário, fa-
zia com que os crentes procurassem o sinal de sua eleição, impulsionando-os para a responsabilidade
e para o trabalho. Segundo ele, deveria ser acentuado o aspecto laico da educação de forma a preparar
os cidadãos para a “república” e para a “sociedade”. Logo, o saber se impõe como necessidade pública:
assegura a boa administração política, proporciona apoio à Igreja e mantém a humanidade entre os ho-
mens. Daí a importância da criação de escolas elementares, colégios secundários e universidades, tanto
para ricos quanto para pobres. Calvino enfatizava o conhecimento das Escrituras, das línguas nacionais,
bem como o espírito progressivo de indagação e investigação. (Luzuriaga, 2001; Giles, 1987).
Erasmo, por sua vez, não deixa de enfatizar o valor da educação: sendo a razão o traço que dife-
rencia os homens, devendo ser cultivada em profundidade, pois só assim a verdadeira humanidade se
desenvolverá. A atividade educativa deveria se dar a partir dos três anos de idade, respeitando as carac-
terísticas naturais da criança. Realçando o papel do professor – pois é este que deverá buscar o melhor
método –, destaca a função pública da educação e, segundo Cambi (1999, p. 255) é o mestre quem ela-
bora o sistema didático mais completo do humanismo europeu no que diz respeito aos estudos dos clás-
sicos e “enfrenta, segundo perspectivas novas e com notável organicidade, os problemas mais gerais da
Pedagogia, apontando soluções (atenção à infância, promoção da educação pública, formação dos edu-
cadores) em profunda sintonia com as subseqüentes elaborações da época moderna”. (1999, p. 255).
Educação da Contra-Reforma
Operada a ruptura do cristianismo, a Igreja Católica passa por importante processo de renovação.
Eleito o papa Paulo III e convocado o Concílio de Trento (1546-1563) as decisões tomadas vão de encon-
tro a manter a essencialidade da doutrina católica, quais sejam: a Igreja e o valor dos sacramentos, as
obras que redimem os homens, além da intervenção da graça divina. Buscava-se não só responder aos
desafios colocados pela Reforma como promover mudanças dentro da própria Igreja, no intuito de di-
fundir o catolicismo no Novo Mundo ao mesmo tempo em que tentava conter o que passou a ser cha-
mado de heresia protestante. Como registra Cambi (1999, p. 256),
a Igreja adquire uma maior consciência de sua própria função educativa e dá vida a um significativo florescimento de
congregações religiosas destinadas de maneira específica a atividades de formação não só dos eclesiásticos, mas tam-
bém dos jovens descendentes dos grupos dirigentes. Nisso consiste a diferença mais significativa no plano educativo
entre o movimento da Reforma e o da Contra-Reforma. O primeiro privilegia a instrução dos grupos burgueses e po-
pulares com o fim de criar as condições mínimas para uma leitura pessoal dos textos sagrados, enquanto o segundo,
sobretudo com a obra dos jesuítas, repropõe um modelo cultural e formativo tradicional em estreita conexão com o
modelo político e social expresso pela classe dirigente.
A criação da Companhia de Jesus (1539) é o exemplo mais acabado da nova filosofia educativa da
Igreja Católica. Segundo Santo Ignácio de Loyola, nas “Constituições” da Companhia apareciam a cate-
quização, a pregação, a confissão e o ensino como meios para ajudar os homens a alcançarem o fim para
o qual foram criados. A educação acabou por tornar-se o instrumental para a realização dessa grande
missão. Como não havia escolas facilmente acessíveis coube à Companhia criá-las. Ignácio de Loyola se-
guia os ideais dos estudos humanistas alicerçando-os na filosofia de Aristóteles, a mesma abraçada por
Tomás de Aquino. Método essencialmente verbal, consistia em lição ou preleção, explicação, repetição,
composição e memorização. Destacava-se a elocução, redação, assim como a leitura dos clássicos, des-
de que não constassem do Índex–índice dos livros proibidos (LUZURIAGA, 2001; GILES, 1987).
O plano de estudos seguido nos colégios da Companhia baseava-se na Ratio Studiorum, como
um programa de formação de caráter católico. Nele estavam traçadas as rígidas normas organizativas a
serem seguidas nos colégios: as funções dos dirigentes (reitores e provinciais), disposições didáticas a
respeito de professores e alunos, bem como disciplinas a serem ensinadas, no escopo de “formar uma
consciência cristã culta e moderna e orientar, também mediante a instituição escolar, para uma obedi-
ência cega e absoluta à autoridade religiosa e civil”. Contemplando o grego e o latim, nesses estudos os
idiomas nacionais ficavam relegados (CAMBI, 1999, p. 261-2).
Os colégios da Companhia ensinavam aos noviços gramática, retórica, lógica, seguidas pela filoso-
fia natural, moral e metafísica, além de teologia escolástica e conhecimentos de grego, hebraico e demais
línguas, desde que atendessem aos fins missionários. Os estudos superiores tinham caráter teológico e
universitário ao passo que os inferiores contemplavam as disciplinas das escolas humanistas, inexistin-
do estudos em língua nacional e ciências físico-naturais. Porém, desde 1546, alunos que não seguiriam a
vida religiosa freqüentavam essas escolas. Para que se avalie o impacto desses educandários, vale frisar
sua expansão pela Europa: em 1554 havia 35 colégios; em 1586 somavam-se 162, sendo 147 externatos
(GILES, 1987); foi tão significativo, que Cambi (1999, p. 263) destaca a novidade trazida pelas escolas dos
jesuítas como a “construção de um ambiente educativo rigoroso e coerente, organizado segundo uma
severa disciplina, mas aberto para fora através das cerimônias, dos prêmios e das disputas”.
Para Diderot, a Educação poderia muito e em sua Refutação de Helvetius, escrita entre 1773 e
1775, defendia que o homem não seria essa tábula rasa, donde tudo se inscreve, havendo limites para
a ação educativa (BOTO, 1996). As estruturas mentais diferenciadas e as desigualdades deveriam ser
respeitadas e compensadas no processo educacional, acessível a todos por meio da instrução pública.
(HILSDORF, 1998).
A grosso modo, poder-se-ia dizer que, embora com variações e matizes, a Educação representaria
o desenvolvimento da natureza humana.
Com o espocar das Revoluções Americana e Francesa acompanhadas dos princípios democráti-
cos que as marcaram, a questão da educação entrou na “ordem do dia”. Tratava-se de instruir os cida-
dãos e o processo educativo foi, nos dois países, objeto de grandes e representativas assembléias. Como
assinala Manacorda (1989), “os políticos são os novos protagonistas da batalha pela instrução, ainda que
Locke e Rousseau sejam seus inspiradores”.
Jefferson e Franklin, referindo-se aos direitos naturais dos homens, afirmavam que a liberdade
exigia um certo grau de instrução do povo e assim lançaram uma “cruzada contra a ignorância”. Franklin
argumentava pela instrução pautada nas boas maneiras lockianas, na moralidade, nas línguas vivas e
mortas e em todos os ramos da ciência e das artes liberais. Jefferson por seu turno, defendia a escola
elementar, gratuita para todas as crianças de 7 a 10 anos, após o que seriam selecionadas para o secun-
dário e universidade (MANACORDA, 1989).
Na França revolucionária, Condorcet defendia uma instrução única, gratuita e neutra como direito
de todos. Salientava que os conteúdos deveriam ser renovados, havendo predominância das coisas (ci-
ências) sobre as palavras (as letras) relacionando-as com a vida social e produtiva (MANACORDA, 1989).
O movimento pela escola laica garantida pelo Estado vinha sendo discutido em vários países da
Europa, na segunda metade do Setecentos, embalado pelas Luzes e pela Enciclopédia das Ciências, das
Artes e dos Ofícios, organizada por Diderot e D’Alembert. Publicada em 1750, essa obra de letrados pre-
tendia expor e classificar os conhecimentos e princípios nos quais assentava-se a ciência.
Doutora e Mestra em História do Brasil pela Universidade Federal do Paraná (UFPR). Especialista em Currículo e Prática (Tutoria a Distância)
pela Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro (PUC-Rio). Graduada em Ciências Sociais pela UFPR. Professora de Ensino Médio e Su-
perior na área de Sociologia, História, Geografia e Geopolítica.
buído o uso, pela primeira vez, da palavra Sociologia1. É de Comte a preocupação de dotar a Sociologia
de um método, preferencialmente alguma coisa bem parecida com os métodos usados pelas ciências
naturais, para que não restassem dúvidas sobre o fato de ser ela uma ciência. Acreditava ser necessário
que fossem elaboradas leis do desenvolvimento social, isto é, leis que deveriam ser seguidas para que a
vida em sociedade fosse possível. Essa maneira de ver a sociedade (como alguma coisa passível de ser
controlada apenas por normas, regras e leis) com a Sociologia (como a ciência que se encarregaria de
fornecer os instrumentos para isso), ficou conhecida como positivismo. Comte priorizou a noção de con-
senso, que se apoiaria em idéias e crenças comuns, e na supremacia do todo sobre as partes. Entretanto,
não problematizou o consenso, ou seja, não viu o consenso social como algo que não acontece por si
só, mas sim em relação, durante a socialização. Também desconsiderou o caráter problemático do con-
senso, que está relacionado ao fato de que o homem é um ser sociável, apesar de nem sempre essa so-
cialização se dar de forma tranqüila ou pacífica, existindo os confrontos, as divergências e os conflitos.
Finalmente, deve-se lembrar que a sociedade é dinâmica e não pode ser “controlada” apenas por um
conjunto de leis.
A contribuição de Comte foi fundamental e serviu de fonte para outros pensadores que viriam
depois, especialmente Émile Durkheim (1858-1917), a quem se atribui a autoria dos primeiros trabalhos
de pesquisa na Sociologia2 e de mostrar os limites das concepções anteriores, porque acreditava que na
medida em que a sociedade cresce, inclusive em termos numéricos, aumentam os papéis a serem de-
sempenhados pelos atores sociais, o que acarreta mudanças nas regras e normas sociais. Ele partiu da
noção de fato social, entendendo a sociedade como um conjunto de fatos sociais que só poderiam ser
estudados se fossem tratados como coisas. Distingue dois tipos de sociedades, pautadas no que cha-
mou de solidariedade mecânica e solidariedade orgânica, dependendo da intensidade dos laços que
unem os indivíduos. Estudou a religião a partir da premissa de que ela seria um fenômeno universal de
integração social. Para Durkheim, os conflitos sociais de sua época seriam transitórios e poderiam ser
resolvidos a partir do momento em que os indivíduos aceitassem ocupar sua função e seu lugar na so-
ciedade. Sua preocupação com a ordem e com a integração social é que o levou a se interessar pelos
problemas da educação.
Um dos teóricos que muito contribuíram para o desenvolvimento da Sociologia e das teorias
sociológicas foi Karl Marx (1818-1883), que ainda via a sociedade como um todo composto de várias
partes como a economia, a política e as idéias (a cultura). Para ele, a economia seria a base de toda a or-
ganização social e as explicações para os fenômenos sociais viriam do aprofundamento da análise eco-
nômica. A noção de classe social é fundamental na análise que Marx faz dos problemas oriundos, a seu
ver, da nova ordem instaurada pelo capitalismo, pautada na exploração da força de trabalho (classe do-
minante – a burguesia – sobre classe dominada – o proletariado). Segundo ele, a mudança social estaria
relacionada com a luta de classes, e os estudos sociológicos deveriam ter como objetivo a transforma-
ção social, que só aconteceria a partir da destruição do capitalismo e sua substituição pelo socialismo. É
pelo trabalho, segundo Marx, que o homem se constrói e é em torno da produção que toda a sociedade
se organiza; as condições de trabalho são determinantes. Entretanto, para que a transformação se reali-
ze a partir da atuação do proletariado é preciso que a prática seja orientada pela teoria. Daí a importân-
cia da Sociologia para Marx. O materialismo dialético propõe que sempre se procure perceber que de
um embate, de um conflito, sempre surge alguma coisa nova e diferente daquelas que a originaram.
1 Palavra com radical latino socio – sociedade e com o radical grego sofia – saber, conhecimento.
2 Intitulados A Divisão do Trabalho e O Suicídio.
O autor continua dizendo que “a atividade do educador tem seus limites, porém é atividade hu-
mana, é práxis. É intervenção subjetiva na dinâmica pela qual a sociedade existe se transformando.
Contribui, portanto, em certa medida, para o fazer-se da história” (KONDER 2002; p. 20). Pode-se perce-
ber daí que, para Marx, da mesma forma que educa, o educador também é educado, transmite seus va-
lores, sua visão de mundo. E mais: o homem é sempre fruto da sociedade em que vive. Dessa forma, é
preciso entender suas motivações, as condições em que vive e trabalha, os significados que atribui aos
seus atos e ao próprio processo educativo. Apesar de não ter escrito especificamente sobre Educação,
a contribuição de Marx é de extrema importância, principalmente por ter chamado a atenção para o
fato de que o homem é um ser social, construído historicamente, sempre que duvida de alguma coi-
sa, que questiona o que parece já estar estabelecido. Podemos pensar então que, segundo essa teoria,
a Educação é sempre uma via de mão-dupla: questiona tudo, discute, busca novos caminhos, às vezes
passando pelo conflito de interesses.
Max Weber partia do princípio que para entender a sociedade era preciso entender a ação do
homem, tentando compreender, explicar e interpretar o social em análises não-valorativas, sempre
considerando seu caráter dinâmico. Afasta-se de Marx ao explicar a sociedade a partir das relações esta-
belecidas pelos homens no capitalismo, e não apenas a partir da economia. Para ele há vários grupos so-
ciais em sociedades diferentes, com culturas diferentes e que devem ser consideradas, inclusive na ação
educativa. Não nega a luta de classes, mas não enxerga aí todas as causas e/ou possibilidades de mu-
danças sociais. Mesmo não produzindo uma teoria sociológica da educação, em muito contribui para a
percepção do papel e da função da educação, dos sistemas escolares e a ordem burocrática, e das dife-
renças de acesso à educação. Além disso, apontou vários temas que passaram a fazer parte das discus-
sões em torno da escola e do processo educativo, sua estrutura, funcionamento e sua ideologia.
Esse e outros conceitos, tais como hegemonia, de Gramsci, ou de aparelhos ideológicos de Estado,
de Louis Althusser decorrem da noção de ideologia e não serão discutidas aqui. Mas é importante des-
tacar que vários autores discutiram as relações de poder que acontecem na sociedade.
Para a Educação, essa discussão se coloca a partir do momento que se entende o processo edu-
cativo como uma das maneiras pelas quais é transmitida a ideologia dominante que, conforme o mo-
mento histórico pode estar ligada à Igreja ou ao Estado. A escola vista como instituição efetivamente
assume esse papel, quer tenhamos ou não consciência disso. A mudança social pode ou não acontecer,
segundo os valores que estejam sendo transmitidos e internalizados pelas crianças e jovens educandos.
A Educação pode ou não reproduzir a ordem social vigente, fato para o qual o sociólogo francês, Pierre
Bourdieu, chamou a atenção.
A ideologia se faz presente em todo o sistema educacional, em especial nos livros didáticos e no
currículo. Como profissional de educação, certamente você já percebeu o quanto os livros podem ser
veículos de transmissão de valores distorcidos, preconceituosos, até porque na Sociologia, na Educação,
como em qualquer outra área do conhecimento humano, não há neutralidade. Na sua disciplina ou na
sua prática pedagógica, já notou idéias e/ou atitudes preconceituosas? Como você lida com essas situ-
ações? Pense nisso!
Atividades
1. Em grupo, discutam e procurem apontar as diferenças entre Durkheim, Marx e Weber quanto à
função e o papel da Educação na sociedade capitalista.
A escola tem sido um dos objetos de estudo da Sociologia da Educação desde a institucionaliza-
ção dessa ciência. Por seu papel como agente de socialização, que disputa com a família a transmissão
da cultura do grupo às novas gerações, a escola adquiriu grande importância particularmente a par-
tir do século XVII e constituiu-se na espinha dorsal da chamada educação formal. Esta diferencia-se da
educação informal exatamente por seu caráter de intencionalidade, isto é, pelo fato de organizar a par-
tir de certas diretrizes (periodicidade, método, currículo, regulamentos etc.). A escola ainda é o espaço
próprio da educação formal, apesar de todas as outras maneiras que se tem atualmente para se concre-
tizar o processo educativo.
O crescente processo de individualismo é gestado num contexto da formação da cultura urbana,
em curso desde o século XVIII, assumindo a questão do público e do privado um papel central, na me-
dida que aí se diagnosticava o centro do problema – experiência pública foi deixada de lado em favor
da formação da personalidade individual. As chamadas “políticas da indiferença” e a “estética da aparên-
cia” na verdade são elementos que compõem essa cultura urbana e que colocam muitos desafios, es-
pecialmente para educadores ciosos de sua função maior de formar cidadãos conscientes de seu papel
na sociedade.
Essas transformações que ocorreram trouxeram consigo inovações tecnológicas e uma nova con-
figuração das áreas urbanas, não podendo deixar de refletir-se também no âmbito das estruturas so-
ciais. Novos desafios e impasses foram sentidos na forma como essa sociedade vivenciava o espaço
público e o espaço privado, bem como as representações sociais desses espaços. Sendo uma das insti-
tuições mais importantes, a escola também sentiu o impacto de tudo isso. Um dos aspectos mais impor-
tantes do processo de modernização é o que Rago chama de processo de racionalização da sociedade,
com a “quebra de antigos padrões de referência e de construção da ‘identidade’ e ‘constituição de uma
nova sensibilidade urbana’” (1993, p.15) e a reafirmação das identidades surge como forma de distinção
social e de retraimento para a vida privada. Isso diz respeito às novas formas de sociabilidade que sur-
gem a partir da valorização do indivíduo e da retração do espaço privado em detrimento dos valores e
do espaço público. Como vimos, cresce a importância da família como refúgio do indivíduo, na qual en-
contrará segurança e a possibilidade de ser, de expressar o seu eu sem as máscaras necessárias no es-
paço público.
A questão que, normalmente, é apresentada relaciona-se com a suposta falta de valores éticos e
morais que acompanha esse processo. Mas será que o que ocorreu, na verdade não foi uma inversão de
valores e não uma falta de valores? Mesmo porque uma sociedade não se sustenta sem uma base mo-
ral e ética. Prova disso são as diferentes redes de solidariedade que aparecem acompanhando as novas
formas de sociabilidade. São diferentes, mas existem sempre. O valor que aparece com grande impac-
to é a solidariedade, que conceitualmente se contrapõe ao individualismo. Então, o que se pode dedu-
zir é que efetivamente novos valores aparecem como reação a esse mundo massificado e, muitas vezes,
até desumano, prova da capacidade do homem de ajustar-se a mudanças, sejam elas benéficas ou não
em um primeiro momento. Parece importante tentar evidenciar os aspectos positivos desse processo
de individualização crescente e do retraimento para a vida familiar/privada, alguns decorrentes do sur-
gimento de vários setores sociais contemporâneos mobilizados em busca de novas formas de sociabili-
dade e de organizar os espaços públicos.
A juventude aparece nesse contexto de maneira significativa, adquirindo uma visibilidade que
tem sua origem recente1 e cresce à medida que os jovens buscam uma definição de novos referenciais
de comportamento e de identidade na sociedade. Mesmo não parecendo decididos a transformar a so-
ciedade, mas apenas em construir e manifestar uma identidade distintiva, os jovens acabam por marcar
sua posição no mundo, até mesmo como forma de suportar o aumento da competitividade na socieda-
de atual e entre os próprios jovens, que não parecem identificar-se com aquela velha idéia de serem “o
futuro do país”. Querem ser aceitos pela sociedade, querem poder investir em si mesmos como forma
de suportar o peso desse mundo centrado no indivíduo.
As questões da indiferença política e o individualismo podem ser rebatidos com o resgate de va-
lores como dignidade, respeito ao próximo, ao espaço público e a si mesmos, contra o consumismo, a
apatia diante das injustiças. Nesse microcosmo que reflete a sociedade como um todo pode haver um
movimento de revalorização da escola e o professor torna-se novamente um importante agente da so-
cialização, buscando incentivar o trabalho em equipe e mostrando o quanto pode ser bom que algumas
regras (claras e coerentes, obviamente) sejam seguidas, valorizando as relações interpessoais em con-
trapartida ao aumento do individualismo.
1 Ver a obra de Philippe Ariès: História Social da Criança e da Família. [São Paulo], [19--].
Esse material é parte integrante do Curso de Atualização do IESDE BRASIL S/A,
mais informações www.iesde.com.br
A escola como instituição social | 51
Sendo seu objetivo maior a formação do homem consciente, por meio de uma Educação volta-
da para o desenvolvimento da autonomia intelectual, ao fortalecimento do pensamento crítico e ao
comportamento ético, entende-se que o aluno precisa de liberdade para aprender. O respeito à indivi-
dualidade é visto como fundamental para o bom andamento do processo de aprendizagem do aluno.
Assim, a vida organizacional da escola não deve ser vista de forma mecânica: todos devem ser convida-
dos e incentivados a participar do processo educativo. Recorrendo à obra de Gareth Morgan, intitulada
Imagens da Organização, podemos pensar a escola sob uma outra ótica. O autor faz uso de metáforas
para explicar como se pode entender as organizações. São elas: organização vista como máquina, cére-
bro, organismo, cultura, sistemas de governo, prisão psíquica, fluxo e transformação, e instrumento de
dominação.2
Segundo o autor, pode-se observar que as máquinas “não são planejadas para a inovação”
(MORGAN, 1996, p. 38), enquanto que as organizações, vistas como cultura, têm mais instrumentos
para lidar com a mudança, uma vez que são construídas e reconstruídas socialmente. Retomando a
idéia apresentada anteriormente, a metáfora mais próxima da imagem da escola que poderíamos con-
siderar como sendo a ideal é a da organização vista como cultura; a cooperação, interdependência, os
interesses e objetivos compartilhados e a ajuda mútua entre os vários atores que nela atuam são pontos
a serem salientados e que confirmam essa idéia. Os significados compartilhados orientam a vida orga-
nizacional. Na verdade, o aluno aprende a se conhecer e a se avaliar. Na medida em que ocorre a troca
com o professor, visto como um facilitador da aprendizagem, o aluno analisa seu desempenho, faz as
correções necessárias em termos de conteúdo, mas, sobretudo, nota-se que cresce o grau de consciên-
cia sobre si mesmo.
Essas são características de organizações vistas como cultura, já que um conjunto de objetivos co-
muns e valores compartilhados estão na sua base. Mesmo quando o conflito surge, ele é administrado
no sentido de acolher as possíveis diferenças com o objetivo de acrescentar, de somar, e nunca de se-
gregar e/ou excluir.
Mas não se deve esquecer que sempre há a necessidade de conjugar metáforas para melhor ana-
lisar a organização escolar, uma vez que ela pode simultaneamente incorporar elementos de mais uma
metáfora. Porém, uma organização complexa como a escolar pode (e deve...) ser vista como cultura, isto
é, um conjunto de sistemas de significado comum (MORGAN, 1996, p.138), lembrando sempre que a re-
alidade é construída socialmente e, sendo assim, está em permanente (re)construção. Pensar sociologi-
camente a escola pode ser um caminho para não perdermos essa perspectiva.
Algumas possibilidades
Partindo-se da premissa de que “[...] a cultura delineia [...] o caráter da organização” (MORGAN,
1996, p.121), e entendendo cultura como
[...] significado, compreensão e sentidos compartilhados [...] na verdade está sendo feita uma referência ao processo
de construção da realidade que permite às pessoas ver e compreender eventos, ações, objetos, expressões e situações
particulares de maneiras distintas (MORGAN, 1996, p. 132).
2 Vale, se você puder, procurar nesse livro as características básicas de cada metáfora para melhor compreender como avaliar a escola na qual
você atua. De que tipo ela será?
pode-se perceber o quanto a escola, vista de acordo com uma abordagem simbólica, é uma forma de
organização complexa e diferenciada. Mesmo que não se abandone totalmente um enfoque funciona-
lista e burocrático, não se pode deixar de ver a escola como “lugares de formação” (NÓVOA, 1992, p. 16),
o que a diferencia bastante de outros tipos de organizações.
A abordagem simbólica da escola – organização que está sempre se (re) construindo e que não
pode deixar de ser flexível e aberta a mudanças –, de acordo com Teixeira (2000, p. 20) “abre espaço para
a visão pluralista da partilha de valores e interesses”, e pede também um tipo particular de profissional.
Conforme Perrenoud há muito vem insistindo, o professor desenvolve esquemas de pensamento di-
ferentes de outras profissões e é detentor de saberes específicos. Para Perrenoud o ofício do professor
não é imutável, ao mesmo tempo em que há uma constante redefinição e diversificação de suas fun-
ções (apud NÓVOA, 1992).
No novo papel que o professor assume na atualidade, especialmente no que se refere a tentar
passar aos alunos determinados valores que, aos olhos de alguns deles, parecem totalmente fora de
contexto, como o respeito ao outro, ao diferente e o combate à violência, a escola precisa ser questio-
nada sempre. Outro papel da escola é ser uma instituição na qual o professor possa ser um formador e
mediador do conhecimento; não se pode esquecer da necessidade de motivar e potencializar os alunos
em suas competências. Para tanto, é fundamental a constante reciclagem do professor, um forte inves-
timento em sua atualização e aperfeiçoamento, bem como de todo o sistema educativo.
Atividades
1. Como você avaliaria, em termos de organização, a escola onde atua?
2. Percebendo a escola como uma organização, faça uma reflexão sobre a necessidade de se investir
em estruturas que promovam a relação e a partilha entre o estabelecimento de ensino e outros
componentes do sistema educativo. Como você vê essa questão? Faça um pequeno texto para
responder.
1 A nova historiografia da educação brasileira vem contrariando teses há muito difundidas de que o entusiasmo pela Educação seria um fenô-
meno ocorrido após 1915, como afirmou Nagle e outros autores.
sua receita em educação (PAIVA, 1983). As imbricadas relações entre sociedade e educação transpare-
ciam nessas propostas legislativas, denotando os movimentos e rearranjos que se promoviam.
Porém, a realidade não era nada alvissareira. Como afirmava Pascoal Leme (1988, s.p.):
as escolas públicas existentes nas cidades eram freqüentadas pelos filhos das famílias de classe média. Os ricos con-
tratavam preceptores, geralmente estrangeiros ou, mandavam aos poucos colégios particulares leigos ou religiosos
(muitos deles de grande notoriedade). Neste vasto país havia precárias escolinhas rurais em cuja maioria trabalhavam
professores sem qualquer formação, professores que atendiam populações dispersas em imensas áreas; eram as subs-
titutas das antigas aulas, instituídas pelas reformas pombalina, após a expulsão dos jesuítas.
Imigrantes e Educação
Considerando que, ao aqui chegar não encontravam escola para seus filhos, tomaram para si a ta-
refa de educá-los. Foi o caso dos colonos alemães no Paraná. Vindos de um país no qual a instrução fora
alvo de importantes conquistas, tudo fizeram para propiciá-la a seus filhos aqui no Brasil.
Vejamos o que nos revela o professor Amorim, neste registro de 1884, localizado no Departamento
Estadual de Arquivo Público do Paraná (DEAP) e utilizado como fonte de pesquisa.
“Diz Luiz Gomes de Amorim que subindo já ao número de 34 meninos inclusive 5 meninas que cotidianamente fre-
qüentam a sua escola no lugar denominado Colônia Muricy quarteirão do Cupim, vem requerer a Sua Senhoria se de-
signar atestar o suplicante acha-se em condições exigidas pela lei e se possui os costumes morais para esse magistério”
(25 de abril de 1884). Ao que o Inspetor paroquial responde: “atesto tudo pela afirmativa”. (DEAP, Códice: Instrução
Pública).
Dessa forma, os colonos, ao contratarem professores iam tentando dar conta da educação dos
filhos e da manutenção de suas tradições culturais, à revelia das leis não-cumpridas no país em que
viviam.
A partir de 1938, através da nacionalização compulsória, as diversas práticas autóctones de edu-
cação foram banidas, silenciando-se suas histórias. Porém a partir de fontes localizadas em sociedades e
igrejas, começam a ser recuperadas e a história da educação dos imigrantes reestrita (KREUTZ, 2000).
O Estado tratou então de incorporá-los às suas hostes e a escola pública tornou-se veículo eficaz
tanto de consolidação do regime, quanto da nacionalidade.
Você já pensou como seria a sociedade se não houvesse normas e regras baseadas nos valores
aceitos e já consagrados por ela e que devem ser seguidas por todos? Certamente seria difícil ou até
mesmo impossível pensar em socialização sem essas bases. É por isso que a própria sociedade cria me-
canismos para coagir os indivíduos a se comportarem de acordo com esses princípios estabelecidos.
Espera-se que cada um desempenhe seu papel social. Quando isso não acontece faz-se necessário al-
gum tipo de controle, que pode ser social ou individual.
Percebeu que tipo de relação está por trás do que se está discutindo? É uma relação de poder, na
qual alguém que o exerce impõe aos outros indivíduos o seu ponto de vista ou as suas regras. Mesmo
quando se está falando em sociedade, sempre há alguém que efetivamente desempenha o papel de
controlar os demais. Mas é interessante observar que o controle social não tem um agente específico;
pelo contrário, pode acontecer de várias formas.
Segundo Lenhard, padrões sociais de comportamento são “regularidades que a sociedade im-
põe mediante uma coação que pode variar entre intensa e aberta, por um lado, e suave e sutil, por
outro”(1985, p.81). Ainda de acordo com o autor, esses padrões “diferenciam-se, uns dos outros, segun-
do o grau de obrigatoriedade com que são impostos e segundo a sua persistência” (p.81). Assim, o que
se pode entender é que esses modelos de comportamentos que servem de base para o desenvolvi-
mento do grupo social e para a avaliação do próprio grupo estão profundamente ligados à questão do
poder. Uma vez que pode haver a imposição de um padrão de comportamento, podemos concluir que
haverá alguém ou um determinado grupo que dispõe de mecanismos para conseguir isso e que esses
estão baseados numa relação de força estabelecida de acordo com o desejo e/ou interesse de quem
exerce o poder.
Esse aspecto é importante para entendermos porque certos comportamentos considerados des-
viantes podem ser tão fortemente combatidos: eles podem abalar a ordem estabelecida e até mesmo
questionar a própria estrutura de poder.
Segundo o grau de obrigatoriedade dos padrões de comportamento, podem ser definidos por
usos, costumes, moral e lei. Pense numa escala crescente em termos do constrangimento ou da força
que é imposta ao indivíduo, vamos dos costumes às leis, sendo essa forma a que mais se aproximaria
da obrigação. Todos somos obrigados a respeitar certas leis; entretanto, entendemos que nem todas,
caso sejam desrespeitadas, implicam em danos morais sérios para o grupo social. Os costumes, cha-
mados de mores pelos sociólogos, têm uma forte conotação moral, estão ligados ao que a sociedade
considera como sendo o aceitável. Finalmente, os usos são aqueles padrões seguidos pelos membros
de um grupo de uma forma quase “natural”, sem que haja a necessidade de imposição social mais ex-
plícita. É o caso, por exemplo, de se respeitar os horários convencionados pelo grupo para se fazer as
refeições. Os usos e costumes mudam mais rapidamente e com mais facilidade do que as leis, as quais
demandam muitas discussões antes de serem alteradas.
A persistência ou a mudança de padrões de comportamento dependerá bastante da importân-
cia que a sociedade dá para certos valores, podendo mudar com facilidade ou até mesmo transformar-
se em um tipo de tradição.
É importante lembrar que esses comportamentos, ditos adequados, estão fortemente relaciona-
dos ao que se entende por papel social, já que as normas e regras de conduta são estabelecidas de acor-
do com as expectativas em torno da(s) função(ões) que o indivíduo tem na sociedade. É o papel social
que, de certa maneira, “amarra” os sistemas de conduta, dando-lhes legitimidade e garantindo a estabi-
lidade social. Na medida em que o indivíduo não consiga se adequar e/ou não aceite o(s) papel(éis) que
lhe foi(foram) atribuído(s), pode reagir de forma a desestabilizar o sistema social como um todo, provi-
sória ou permanentemente.
Entretanto, considerar qualquer comportamento que se desvie minimamente das normas e re-
gras socialmente aceitas não significa que estejamos necessariamente falando de um comportamento
desviante. Mas, por outro lado, considerar o imobilismo, a não-reação a algum tipo de estímulo ou mes-
mo a apatia como um comportamento “adequado” é desconsiderar o caráter dinâmico da sociedade,
que na verdade está sempre sendo refeita e reconstruída.
Já alguns teóricos mais voltados para a transformação social consideram que a mudança, inclusi-
ve de comportamentos, atende à demanda da própria sociedade. Analisam os comportamentos huma-
nos como algo que não é simplesmente resultado ou produto do meio; pelo contrário, percebem nas
várias possibilidades de atuação do indivíduo no seu meio uma condição básica para a transformação
rumo a uma sociedade mais justa e igualitária. Na tradição crítica, a escola teria exatamente a função
de promover a mudança social, mas tem a tarefa de tentar formar cidadãos conscientes de suas atribui-
ções enquanto seres sociais. Só assim poderá, por seus pensamentos e comportamentos, atuar no sen-
tido da transformação social.
Não se fala sempre que uma das melhores formas de saber se seu filho é um usuário de drogas,
por exemplo, é observar muito de perto o seu “comportamento”? O que significa isso? Significa que o
comportamento é uma maneira de se conhecer o indivíduo. Isso é fundamental para que possamos
avaliar como está caminhando o processo de interação social, além de possibilitar que a mesma se de-
senvolva de maneira segura. Outro aspecto relaciona-se com o fato de que é preciso que a sociedade
possa contar com um certo grau de conformidade dos comportamentos. Essa conformidade se realiza
quando os comportamentos estão de acordo com os valores, crenças, modos de pensar que a própria
sociedade estabeleceu como sendo os traços fundamentais da sua cultura.
Para observar o grau de conformidade do grupo em termos comportamentais, a sociedade con-
ta com diversos mecanismos de controle social, que podem levar à uniformidade das condutas de seus
membros ou impor sanções aos desvios. Como vimos, o controle social pode ser positivo ou negati-
vo. No primeiro caso, tem-se os estímulos aos comportamentos “adequados”, ou melhor, aceitáveis, tais
como as recompensas, os elogios e os prêmios. No segundo caso, do controle negativo, tem-se os casti-
gos, as sanções e até mesmo o isolamento do indivíduo que demonstre um comportamento desviante.
Pode ser formal (artificial e organizado, quase sempre institucionalizado) ou informal (natural e espon-
tâneo). Podem ser, ainda, internos (que se originam da própria maneira de ser do indivíduo no decorrer
do longo processo de internalização dos valores aceitos pelo seu grupo social) e externos (que têm ori-
gem fora do indivíduo).
Atividades
1. Diante da premissa de que a escola tem, entre as suas funções, a tarefa de promover a mudança
social e tentar formar cidadãos conscientes, como você acha que isso tem sido feito, na prática,
em sua escola?
2. Como sua escola vem tratando a questão dos alunos que apresentam algum tipo de comporta-
mento que não está dentro dos padrões esperados?
3. Sua escola tem um código de normas e conduta a ser seguido pelos alunos? Descreva.
4. Como se faz o controle dos alunos na sua escola? Especifique os mecanismos utilizados tanto em
termos de controle positivo quanto de controle negativo.
Dicas de estudo
Leia o livro de Michael Foucault intitulado Vigiar e Punir, para refletir sobre o valor que a socieda-
de dá aos comportamentos dos seus membros e os recursos dos quais dispõe para conter os desvios.
Aviso! Talvez você ache uma leitura um pouco difícil, mas não desanime e continue.
A escola tem sido responsabilizada há algum tempo pelos desvios de comportamento que se ob-
serva na vida social. Mas será que ela tem realmente essa responsabilidade? O que você acha? Ou, pode
verificar o oposto: a escola fica com a responsabilidade (ou diria que muitas vezes com o ônus) de “re-
cuperar” aqueles cujo comportamento não correspondeu ao esperado pelo grupo social. Mas será que
deve ser assim?
De acordo com a teoria sociológica, alguns fatores facilitam o desvio, a começar por uma falha no
próprio processo de socialização, a existência de sanções fracas, a não-compreensão total das normas por
parte dos atores sociais, a execução injusta ou corrupta da lei, entre outros. O que devemos entender é
que nem sempre o fato de haver um conjunto de punições e sanções (físicas, econômicas, religiosas ou so-
ciais) é suficiente para garantir que não haja desvios de comportamento na sociedade. O mais interessante
seria se os códigos de postura previamente estabelecidos bastassem para regular a vida em sociedade. Ao
instituir recompensas e/ou prêmios para os casos de conformidade, esses códigos deveriam servir de mo-
tivação para os indivíduos, mas não é o que se observa em alguns momentos. Por quê? Porque muitas ve-
zes o objetivo daquele que apresenta um comportamento desviante é exatamente romper com a ordem
preestabelecida, deixando de ser então um mecanismo que perpetua a socialização.
Comportamentos desviantes
Mas, a essa altura, você deve estar se perguntando: o que seria um comportamento desviante?
A idéia do que seja um comportamento desviante deve ser relativizada, isto é, analisada a par-
tir dos valores da própria sociedade que estabeleceu o padrão a ser seguido, e não a partir de valores e
conceitos de fora, de outra sociedade. O que é considerado desvio para um grupo social pode não o ser
para outro. E mais: só é considerado um desvio enquanto não for majoritariamente aceito pela socieda-
de. Quando isso ocorre, deixa de ser um comportamento desviante.
Esse material é parte integrante do Curso de Atualização do IESDE BRASIL S/A,
mais informações www.iesde.com.br
66 | Fundamentos da Educação
O papel da educação com relação aos comportamentos desviantes muitas vezes é exatamente
exercer a reeducação, ou melhor, realizar uma ação corretiva. Cumpre bem seu papel quando consegue
transmitir às gerações mais novas a noção do que é e do que não é socialmente aceitável. Daí, pode se
retomar a idéia da escola como sendo uma instituição de controle social.
Quando se fala no papel do professor e das imagens que a sociedade faz dele e que o mesmo tem
de si, não se pode confiar que mudanças constantes não sejam necessárias. Muitas vezes a própria so-
ciedade espera que ele promova essas mudanças, começando por tentar adequar as condutas de seus
alunos ao meio em que vivem. Mas para isso é preciso duvidar sempre, não permitir que valores, opi-
niões e práticas se cristalizem no dia-a-dia da sala de aula sem que sejam questionadas. É importante
aprender a observar o familiar por meio do estranhamento desse familiar. Incorporando os usos ou cos-
tumes na sua prática pedagógica sem refletir sobre sua função, o indivíduo, inclusive o professor, está
apenas reproduzindo uma ordem social que nem sempre é a melhor para toda a sociedade. Pode estar
apenas atendendo aos interesses de um determinado grupo.
Até a imagem do bom professor é construída com base no tipo heróico, dotado de uma persona-
lidade especial, que luta contra a instituição escolar para desempenhar seu papel dentro do mais alto
nível de comprometimento estético-ético-político de transformação social.
As diferentes imagens e representações sociais que, por exemplo, o cinema apresenta do bom(a)
professor(a) (visto como a base de “uma boa escola”) tentam dar conta da imagem ideal que se faz desse
professor, que estaria apenas trabalhando para tornar mais fácil, para seus estudantes, a transição entre
a escola e o mundo, não estando, portanto, envolvido em transformações que possam recriar radical-
mente as escolas e outras instituições sociais como agências devotadas ao desenvolvimento da justiça.
Falta um engajamento no sentido de transformar o sistema e não apenas questioná-lo, começando por
discutir os padrões de comportamento que esse sistema impõe ao grupo. E isso é importante porque se
os indivíduos, no caso os alunos, não consideram que o padrão de comportamento imposto é justo, fa-
rão tudo para contestá-lo ou até mesmo mudá-lo.
Ao longo da sua vida como docente, você já deve ter encontrado algum colega e/ou um aluno
que apresentasse um comportamento que foi considerado desviante. Tente se lembrar do caso e reflita
como tudo aconteceu. Aquela pessoa tinha motivos para discordar? Como resolveu atuar para mudar a
situação que considerava injusta ou inaceitável? Você concordou com ele na época?
que a orientam. Por outro lado, os componentes do grupo, os membros da sociedade, precisam conhe-
cer esses valores. Caso contrário, poderão apresentar um comportamento que será considerado des-
viante sem entender muito bem porque isso aconteceu.
Na vida escolar recorre-se ao regimento escolar para deixar claro aos alunos, desde o primeiro dia
na escola, qual é o padrão de comportamento esperado, sob pena de vir a sofrer com as conseqüências
de um eventual comportamento inadequado. Nem sempre eles concordam com todas as condutas que
estão ali prescritas, mas no momento em que efetivam a matrícula naquela instituição escolar, fica su-
bentendido que aceitaram as normas e regras da escola. Agir em conformidade é o resultado da aceita-
ção e pode ser causada pela interação, o isolamento, a hierarquia, o controle social, a ideologia ou certos
direitos adquiridos pelo indivíduo.
Mas isso não pode ser confundido com conformismo, que é a atitude de quem se conforma com
todas as situações sociais, incluídas aí as normas e regras impostas, sem necessariamente pensar sobre
elas. O fato de aceitar sem maiores questionamentos os padrões de comportamentos impostos pode
ser um sinal de alienação e pode levar ao imobilismo, que diz respeito ao fato de o indivíduo preferir as
coisas antigas. Dito de outra forma, é querer deixar tudo como está! Temos exemplos claros de imobi-
lismo nos governos e na vida pública de modo geral. Quer um exemplo? Sabe aquele governante que
nunca faz nada para que certos problemas que incomodam ou prejudicam a população sejam efetiva-
mente resolvidos? Pois é, é um típico caso de imobilismo.
A contrapartida do imobilismo é a resistência, ou seja, a postura de quem resolve não só questio-
nar, mas também se posicionar claramente contra ou a favor de alguma coisa. As revoluções sociais são
exemplos de resistência, de um momento em que os comportamentos mudam em razão de uma mu-
dança nos valores que norteavam a sociedade e que passam a não atender mais à socialização.
Atividades
1. Como você diferencia a conformidade do conformismo? Dê dois exemplos para explicar.
2. Reúna seu grupo e discutam sobre fatos que observaram na imprensa (jornal, revista, televisão) e
que falam sobre comportamentos desviantes.
3. Você considera importante que existam na sociedade mecanismos de controle? Explique sua
resposta.
E emenda o educador:
Do ponto de vista político, pretende a escola única e a paz pela escola. Do ponto de vista filosófico, admite mais geral-
mente as bases do neovitalismo, que as do mecanicismo empírico. Dentro desses pontos de vista, e para a consecução
de tais fins, propõe novos meios de aplicação científica. Aconselha, primeiramente, a transformação da organização es-
tática dos estabelecimentos de ensino, pelo emprego do estudo objetivo da criança, para classificação racional: e pela
verificação objetiva do trabalho escolar (testes), para avaliação objetiva do que foi aprendido. Depois, a transformação
da dinâmica do ensino, a reforma dos processos. Ao invés do ensino passivo, decorrente da filosofia sensualista e inte-
lectualista de outros tempos, proclama a necessidade do ensino funcional ou ativo, baseado na expansão dos interes-
ses naturais da criança. Ao invés do “nada está na inteligência que não tivesse passado pelos sentidos”, o “nada está na
inteligência que não tenha sido ação interessada”. Ao invés do trabalho individual, de fundo egoístico, o trabalho em
comunidade, que dê o hábito da cooperação. Ao invés da discriminação de materiais, o ensino em situação total ou glo-
balizado. Ao invés da autoridade externa, a reunião de condições que permitam desenvolver-se, em cada indivíduo, a
autoridade interna: toda educação deve ser uma auto-educação. (LOURENÇO FILHO apud GADOTTI, 1996).
O fulcro da atividade educativa de fins do Oitocentos já passara a se situar na criança e nas rela-
ções de aprendizagem, nas normas higiênicas e disciplinares que moldavam corpo e mente do aluna-
do, amparada por métodos científicos que construíam o conhecimento, via observação e intuição. Mas
outras mudanças precisavam vir, embora muitas já despontassem aqui e ali, como ocorrera no Ceará,
quando o próprio Lourenço Filho, na qualidade de diretor da instrução realizara uma reforma geral do
ensino naquele estado.
Mudanças à parte, a escola permanecia como lócus privilegiado. Veja o registro de Zaia Brandão
(1999, p.66):
se no império [...] o ‘primado da razão’ exigia que se derramasse ‘a instrução sobre todas as classes’, nesse início da déca-
da de 30, após o impacto da primeira guerra e a crise de 29, embora surgisse a consciência da ‘outra face’ do progresso
e da civilização ainda persistia a crença na escolarização como o mais seguro caminho para dirigir e, até mesmo reo-
rientar, o sentido das transformações sociais.
E nossos pioneiros da Educação não tinham dúvidas: amparados nos grandes idealizadores inter-
nacionais do movimento da nova escola, em especial John Dewey, entendiam que havia chegado o mo-
mento da grande virada na escolarização brasileira. O Manifesto constituía-se numa espécie de carta de
princípios a nortear uma nova escola, propondo um Programa Nacional de Educação.
O movimento da Escola Nova iniciara-se no Brasil a partir da experiência de várias reformas na
educação, ocorridas em diferentes estados do País. Porém, o Manifesto dos Pioneiros da Educação Nova
de 1932, assinado por 26 pessoas, reunia pedagogos, médicos, advogados, jornalistas, além de Cecília
Meirelles e Júlio Mesquita Filho, empenhados em propor uma educação pública, laica e para além dos
ensinamentos cristãos, amparada em métodos ativos, caminhando ao passo com as transformações tra-
zidas pela Revolução Industrial.1
Nesse Manifesto, a educação adquiria função social, pública, cabendo aos estados organizar, cus-
tear e ministrar o ensino em todos os graus, de acordo com a Constituição. O sistema escolar base-
ar-se-ia na educação integral: comum a ambos os sexos, sendo o nível primário gratuito e obrigatório
(GADOTTI, 1996).
A instrução secundária deveria atender finalidades sociais, sendo uma escola democrática para
o povo, alicerçada em uma cultura geral comum, desenvolvendo especializações intelectuais (huma-
nidades e ciência) ou manual e mecânica (caráter técnico), porém proporcionando iguais oportunida-
des para todos. A educação técnica e profissional, secundária ou superior, em acordo com a economia
nacional, teria escolas de agricultura, mineralogia, pescas industriais e profissionais, transporte e co-
mércio, seguindo diretrizes e métodos capazes de formar técnicos e operários capazes. Instituições de
psicotécnica e orientação profissional dirigiriam o alunado para a instrução que melhor contemplasse
suas aptidões naturais (GADOTTI, 1996).
As universidades, por seu turno, seriam criadas e aparelhadas no intuito de elaborar ou criar a ci-
ência, transmitindo seus saberes, realizando pesquisa e formando profissionais para o ensino e para as
carreiras; criar-se-iam fundos escolares para manter e desenvolver a Educação em todos os graus, com
um percentual da arrecadação de municípios, estados e União, além de outras fontes; desenvolver-se-
1 Muitos autores ocuparam-se em analisar a Escola Nova no Brasil a partir de perspectivas teóricas diferentes. Consultar Zaia Brandão, em: A
Intelligentsia Educacional: um percurso com Paschoal Leme.
iam instituições pré-escolares, tais como, creches, escolas maternais e jardins-de-infância; serviços de
saúde escolar e de educação física, dentre outros. Nessa proposta haveria ainda, regida por leis ordiná-
rias, a fiscalização de todas as instituições particulares funcionando em caráter supletivo, em qualquer
grau de ensino (GADOTTI, 1996, p. 239-240).
E como operar a mudança na escola? A criança deveria ver, experimentar, fazer. Precisava elabo-
rar seu próprio conhecimento, o que pressupunha uma nova dinâmica, deslocada do ensino para a
aprendizagem.
A psicologia experimental dava suporte à cientificidade da pedagogia e produzia no discurso da escolarização de mas-
sas populares o efeito da individuação da criança: o recurso aos testes e à constituição das classes homogêneas pre-
tendia assegurar a centralidade da criança no processo educativo e garantir o respeito à sua individualidade em uma
escola estruturada para um número crescente de alunos. A regulação das práticas escolares realizava-se pela contabili-
dade de ritmos e produção de gestos eficientes. Os materiais da escola recebiam outra importância porque imprescin-
díveis à construção experimental do conhecimento pelo estudante. Os métodos buscavam na atividade sua validação.
(VIDAL, 2000, p. 498).
Novos materiais chegavam à escola primária: museus pedagógicos, mapas, cartazes, e coleções
tornavam-se fundamentais para o desenvolvimento do ensino intuitivo; novas carteiras adaptadas aos
alunos; uso de ardósias e os cadernos de caligrafia. Leitura e escrita deveriam andar pari passo. Os ma-
teriais revelavam à vista e aos demais sentidos (tato, audição, paladar e olfato) o objeto a ser conhecido,
quando não fosse possível realizar excursões para tudo poder ver no próprio local. “As lições sobre as
matérias de qualquer dos anos do curso deverão ser mais empíricas e concretas do que teóricas e abs-
tratas e encaminhadas de modo que as faculdades infantis sejam provocadas a um desenvolvimento
gradual e harmonioso”2 (VIDAL, 2000), reafirmavam as autoridades paulistas em educação.
Ao pretender incorporar toda a população infantil, os escolanovistas entendiam que a escola se-
ria “a base de disseminação de valores e normas sociais em sintonia com os apelos da nova sociedade
moderna, constituída a partir dos preceitos do trabalho produtivo e eficiente, atendendo às transfor-
mações sociais” (VIDAL, 2000). Interiorizando normas e tempos, valia-se dos aportes trazidos pela psico-
logia experimental para bem entender e dirigir seus alunos, em consonância com os princípios de uma
Educação liberal-democrática.
classes”. E mais, cerca de 90% da população em idade escolar não freqüentava a escola nos anos 1920.
(LOURENÇO FILHO apud ROMANELLI, 1997).
Se considerarmos dados referentes às décadas de 1920-1970, o quadro muda bastante: enquanto
os índices de crescimento demográfico dos escolarizáveis variou de 100 em 1920, para 276 em 1979, a
matrícula modificou-se substancialmente, passando de 100 para 1653, durante o período (ROMANELLI,
1997).
Houve, portanto, maiores possibilidades de efetivar o acesso à escola, o que permite inferir que,
ao alargar as disponibilidades de matrículas, se tenha promovido também o ingresso das classes popu-
lares aos bancos escolares, propiciando a tão propalada democratização do ensino. E essa democratiza-
ção teria se dado em duas perspectivas, segundo Beisegel (1986):
::: Aumentando o número de matrículas, as classes populares teriam chegado à escola. A asser-
tiva que deve ser bastante relativizada, haja vista as diferenças regionais brasileiras e as que
dizem respeito à disparidade de oportunidades oferecidas aos habitantes de uma mesma re-
gião, em função de sua localização, estejam no campo ou na cidade. Houve sim um aumento
do número de matrículas, mas nem todos os brasileiros foram atendidos igualmente, embora
campanhas tenham sido realizadas. Caso da “Educação de Adultos” que buscou atender tam-
bém adolescentes que não haviam adentrado na escola na idade própria.
::: Eliminação gradual das diferenças relativas ao ensino secundário – nível médio –, que organi-
zado de forma diferenciada em função da clientela atendida foi substituído por um único mo-
delo de escola.
Mantinha-se até as décadas de 1940-1950, um “padrão dualista” de ensino, na expressão cunhada
por Anísio Teixeira. O que implicava em uma educação para o povo, iniciando-se nas escolas primárias
e continuando nas escassas escolas profissionais de nível médio, e uma educação para a elite, que tam-
bém iniciada no primário continuava na escola secundária “organizada com a intenção de encaminhar
sua clientela para as escolas superiores e para as posições mais privilegiadas da sociedade” (BEISEGEL,
1986, p. 393).
Os ginásios públicos vieram na perspectiva de universalizar esse nível de ensino. Como remarca
Fávero (2001, p. 246): “a expansão do ensino primário e do secundário – neste especialmente do gi-
nasial – já estava ocorrendo desde os anos 1950, sobretudo nos Estados que se industrializavam e nos
quais crescia também o setor de serviços”.
Texto complementar
(MELLO; NOVAIS, 1998, p. 582-584)
Mello e Novais dizem que no Brasil dos anos 1950, a desigualdade era extraordinária. Basta
comparar os três tipos sociais que foram os protagonistas da industrialização rápida: o imigrante
estrangeiro, o migrante rural e o negro urbano e seus descendentes. Os imigrantes ou os filhos de
imigrantes, italianos, libaneses, sírios, eslavos, alemães, portugueses, judeus, japoneses, espanhóis,
já estavam em São Paulo, o centro da industrialização, há várias gerações. Constituíram famílias se-
mipatriarcais solidamente estabelecidas. Pouquíssimos. Em 1950, eram grandes empresários. Mas
alguns tinham conseguido passar a donos de pequenos negócios, muitos trabalhavam por conta
própria, ou já tinham uma tradição de trabalho na indústria. Além disso, muitas vezes com enormes
sacrifícios, puderam dar educação formal a seus filhos – alguns já tendo, naquela época chegado à
universidade, mesmo que em profissões consideradas então de segunda categoria (por exemplo,
contadores, economistas), valendo-se da expansão da rede pública de ensino. Já a massa dos ne-
gros da cidade continuou, após a Abolição, abandonada à sua própria sorte, ocupada nos trabalhos
mais “pesados” e mais precários, muitos vivendo de expedientes, amontoada em habitações imun-
das, favelas e cortiços, mergulhada também, no analfabetismo, na desnutrição e na doença. Poucos
os que, até 1930, tinham conseguido se elevar às funções públicas mais subalternas, ou ao trabalho
especializado mais valorizado, de marceneiro, costureira, alfaiate, etc. Pouquíssimos conseguiram ir
muito além do abc na educação formal; contavam-se nos dedos os que tinham chegado à universi-
dade. É verdade que, no início dos anos 50, o panorama tinha se alterado, como sublinhou Florestan
Fernandes neste livro magnífico que é A Integração do egro na sociedade de classes. “O negro supera,
graças ao seu esforço, a antiga situação de pauperismo e anomia social, deixando de ser um margi-
nal (em relação ao regime de trabalho) e um dependente (em face do sistema de classificação so-
cial) [...] Eles podem, por fim, lançar-se no mercado de trabalho e escolher entre algumas alternativas
compensadoras de profissionalização”. Mas seu ponto de partida não podia deixar de trazer as mar-
cas ainda frescas da escravidão e do descaso dos ricos e poderosos: era muitíssimo mais baixo que
o do imigrante estrangeiro, o que impunha limites estreitos à sua progressão na ordem social com-
petitiva. Estava, isto sim, bem próximo do migrante rural.
O imigrante, italiano, sírio, libanês, espanhol, japonês etc. não poderia deixar de ser o grande
vencedor desta luta selvagem pelas novas posições sociais que a industrialização e a urbanização
iam criando. O dono do pequeno negócio, até o mascate, torna-se médio ou grande empresário, na
indústria, no comércio, nos serviços em geral. Muitos dos que já eram trabalhadores especializados
convertem-se em donos de pequenas empresas. Pais e mães ficam orgulhosos com seus filhos “for-
mados”, médicos, dentistas, engenheiros, jornalistas, advogados, economistas, administradores de
empresas, publicitários etc., e acompanham suas carreiras, muitas delas meteóricas, como funcioná-
rio de empresa ou profissional liberal.
Mas o migrante rural também se sente um vencedor. Dos que se elevaram até o empresariado,
a maioria “saiu do nada”; pouquíssimos vieram de “profissões liberais”, poucos de postos de trabalho
qualificado. Mas são incontáveis as mulheres, antes mergulhadas na extrema pobreza do campo,
que se tornaram empregadas domésticas, caixas, manicures, cabeleireiras, balconistas, atendentes,
vendedoras, operárias passando a ocupar um sem-número de postos de trabalho de baixa qualifica-
ção, alguns de qualificação média. Incontáveis, são também, os homens desprezados pela sorte que
se converteram em ascensoristas, porteiros, vigias, garçons, manobristas de estacionamento, mecâ-
nicos, motoristas de táxi, até operários de fábrica. Alguns chegam a trabalhadores especializados na
construção civil, pedreiros, encanadores, pintores, eletricistas, ou na empresa industrial, uma mino-
ria às profissões liberais. Os negros, em sua esmagadora maioria, ficaram confinados ao trabalho su-
balterno, rotineiro, mecânico, mas também eles, em geral, melhoraram de vida.
Foram muitas as reações e a ABE (Associação Brasileira de Educação), assim se pronunciou, segun-
do Horta (2001):
A ABE que desde a Constituição de 1934 se tem permitido acompanhar a elaboração da Magna Carta, em matéria de
educação, lamenta que as principais conquistas consagradas nas Constituições de 1934 e 1946 tenham sido posterga-
das do projeto divulgado na imprensa e reivindica a inclusão, pelo menos, dos preceitos relativos a esses pontos: a) di-
reito à educação; b) obrigação do poder público em matéria de ensino, regulado por planos periódicos, que tendam à
obrigatoriedade escolar progressiva; c)percentuais mínimos de recursos destinados ao ensino; d) desenvolvimento da
pesquisa científica e tecnológica.
O Ministro da Educação recorreu então à sua equipe técnica para que elaborasse um substitutivo
ao capítulo da educação, que seria apresentado pelo deputado Adauto Lúcio Cardoso e denominado
Emenda 862. Recebendo o apoio dos partidos (ARENA e MDB), foi aprovado com modificações apresen-
tadas pela Comissão Mista e pleno plenário do Congresso Constituinte (HORTA, 2001).
Porém, a vinculação da receita anual da União estabelecia que deveria ser, nunca menor de 10%
para manutenção e desenvolvimento do ensino, acompanhada de no mínimo 20% daquela arrecadada
em estados e municípios, por meio de impostos, o que não foi aprovado, segundo Horta (2001):
O fim da vinculação constitucional de recursos para a educação teria como conseqüência o desaparecimento legal de
fundos de ensino criados pela LDB, que deixaram de constar dos orçamentos da União a partir de 1968. [...] A vincula-
ção de recursos para a educação não consta também da Emenda Constitucional de 1969. Ela somente foi introduzida
no texto constitucional em dezembro de 1983, através da Emenda Calmon, a qual seria regulamentada em 1985.
Já a garantia da gratuidade para todos, prevista para o ensino primário nas constituições anterio-
res, foi mantida. Nos níveis subseqüentes, o ensino oficial somente seria gratuito para aqueles que não
tinham recursos e provassem essa inexistência, a exemplo da Constituição de 1946, porém acompanha-
da da exigência de efetivo aproveitamento dos alunos do ensino oficial. Na medida do possível deveria
se proceder à substituição desse regime de gratuidade (após o ensino primário), pela concessão de bol-
sas de ensino, beneficiando-se do previsto no artigo 168, que trata da liberdade de conceder “bolsas de
estudo entre os mecanismos de amparo financeiro dos Poderes Públicos à iniciativa particular no cam-
po de ensino” (HORTA, 2001, p. 229).
Quanto ao
dever do Estado em matéria de educação, esse não se inscreverá na Constituição de 1967, como não havia se inscrito
nas Constituições anteriores. Paradoxalmente, será apenas na Emenda Constitucional de 1969 que aparecerá, pela pri-
meira vez numa Constituição brasileira, a explicitação da educação como dever do Estado. (HORTA, 2001, p. 232)
Fávero (2001, p. 253) assinala: o projeto educacional nos diferentes níveis e modalidades de ensi-
no e formação profissional foi adequado ao projeto nacional em pauta. “Para tanto, princípios, diretrizes,
experiências, mecanismos e instrumentos foram abandonados, extintos ou substituídos. [...] No que diz
respeito à educação bastava assegurar o mínimo”:
E a escola da ditadura?
Muitos filhos de trabalhadores comuns tiveram acesso às escolas públicas.
Em 1980 estavam matriculados no ensino fundamental proporcionado por estados e municípios nada menos do que
17,7 milhões de alunos (contra 6,5 milhões de 1960). Mas a qualidade do ensino era, em geral, péssima. De cada cem
alunos, apenas 37 chegavam à quarta série, e só dezoito à oitava série: os mais pobres estavam muito sujeitos à repe-
tência e tinham de abandonar a escola quando chegava a hora de trabalhar. Por força do crescimento do sistema esco-
lar, multiplicou-se o número dos professores, merendeiras, serventes etc. (MELLO; NOVAIS, 1998)
Houve ampliação da obrigatoriedade escolar para oito anos, abrangendo crianças de 7 a 14 anos,
o que implicou em um acréscimo nas obrigações do Estado no que diz respeito à educação do povo. Os
antigos níveis primário e ginasial constituíam o ensino fundamental de primeiro grau, eliminando-se os
exames de admissão através do qual muitos alunos “ficavam” impedidos de ingressar no nível médio. Se
a seletividade ficava banida, a qualidade do ensino não foi melhorada. Uma vez vencido o dualismo, o
primeiro grau proporcionava educação geral e correspondia ao ensino obrigatório (ROMANELLI, 1997).
O segundo grau visava habilitar profissionalmente, em nível médio. Com 3 ou 4 anos de dura-
ção pretendia formar o adolescente. O ensino supletivo, por sua vez, tentava recuperar o tempo da-
queles que haviam adentrado à escola mais tarde, ou suprir a escolarização incompleta desses jovens e
adultos. Dotado de estrutura, duração e características diferentes, era ministrado livremente através de
meios de comunicação de massa (ROMANELLI, 1997).
Mello e Novais (1998) consideram os anos que vão de 1950 a 1980
anos de transformações assombrosas, que, pela rapidez e profundidade, dificilmente encontram paralelo neste século
- não poderiam deixar de aparecer aos seus protagonistas senão sob uma forma: a de uma sociedade em movimento.
Movimento de homens e mulheres que se deslocam de uma região a outra do território nacional, de trem, pelas novas
estradas de rodagem, de ônibus ou amontoados em caminhões paus-de-arara. São nordestinos e mineiros, fugindo da
miséria e da seca, em busca de um destino melhor em São Paulo, no Rio de Janeiro, no Paraná da terra roxa; depois são
expulsos do campo pelo capitalismo, de toda a parte, inclusive de São Paulo, do Paraná, agora hostil ao homem; são
gaúchos, que avançam pelo Oeste de Santa Catarina, passam pelo Oeste do Paraná, alguns entram no Paraguai, outros
vão subindo para o Mato Grosso do Sul e Goiás, passam pela nova capital, Brasília, em direção à fronteira norte, ao Mato
Grosso, Rondônia, Amapá, Sul do Pará, Sul do Maranhão, onde se encontrarão com outra corrente migratória de nor-
destinos. Movimento de uma configuração de vida para outra: da sociedade rural abafada pelo tradicionalismo para o
duro mundo da concorrência da grande cidade, ou para o mundo sem lei da fronteira agrícola; da pacata cidadezinha
do interior para a vida já um tanto agitada da cidade média ou verdadeiramente alucinada da metrópole. Movimento,
também de um emprego para outro, de uma classe para outra, de uma fração de classe para outra. Movimento de as-
censão social, maior ou menor, para quase todos.
Em 1980, as cidades já abrigavam 61 milhões de pessoas, contra os quase 60 milhões que mora-
vam ainda no campo, em vilarejos e cidades pequenas. Nada menos do que 42 milhões viviam em ci-
dades com mais de 250 mil habitantes. São Paulo tinha 12 milhões contra os 2,2 milhões de 1950; o Rio
de Janeiro quase 9 milhões contra os 2,4 milhões de 1950; Porto Alegre, 2,1 milhões contra os quase
400 mil de 1950; Recife, também 2,1 milhões contra os pouco mais de 500 mil de 1959; Salvador, 1,7 mi-
lhões contra os 400 e poucos mil de 1950. Fortaleza chegara a 1,5 milhão, Curitiba, a 1,3 milhão. Santos,
Goiânia, Campinas, Manaus e Vitória eram maiores em 1980, do que Porto Alegre, ou Recife, ou Salvador,
ou Belo Horizonte de 1950. Em 1980 Brasília atinge 1,1 milhão. (MELLO; NOVAIS, 1998, p. 584-586).
gar as particularidades que caracterizam o trabalho do profissional docente, sendo que sua formação
desperta interesse por parte dos pesquisadores de várias áreas. Não cabe aqui uma revisão bibliográfica
desses estudos em razão do tempo de que dispomos para nossa aula, mas fica a sugestão para que você
procure conhecer alguns trabalhos produzidos em programas de pós-graduação em Educação.
Vimos que o processo de ensino e de aprendizagem não se restringe apenas à transmissão de co-
nhecimento. O que capacita um aluno a aprender são as diversas formas de abordagens dos problemas,
e não apenas a transmissão de conteúdos. Um professor que simplesmente segue um modelo ou um
padrão e direciona suas aulas, indica todos os caminhos e não desafia seus alunos, impede a construção
do conhecimento. O professor deve “preparar o terreno” para que seus alunos caminhem sozinhos, es-
tabelecendo uma relação pautada no prazer de ensinar e de aprender. Na medida em que a escola tem
o papel de propiciar o autoconhecimento e o enriquecimento do ser humano, questões como essa pre-
cisam fazer parte da formação do professor!
Um dos aspectos relacionados à formação de base do professor diz respeito à necessidade de
chamar a sua atenção para o papel da investigação. A formação de um professor é continuada ao lon-
go de nossa atividade docente. Entretanto, pouco se pensa sobre essa prática pedagógica. Por que isso
ocorre? Partindo-se da idéia básica de que a Sociologia tem condições teórico-metodológicas de inves-
tigar as condições nas quais essa prática se efetiva, é preciso então abrir espaço para o tema. Isso deve-
ria começar até mesmo antes do professor iniciar suas atividades como profissional. Afinal de contas é
essa prática que alimenta e realimenta tomadas de decisões, escolhas de caminhos ou propostas rela-
tivas à Educação como um todo.
O saber docente é plural, isto é, é composto por vários outros saberes resultantes da experiência,
da formação acadêmica propriamente dita e do senso comum. A formação do professor deveria dar um
destaque maior para o chamado saber da experiência, que é o saber crítico por excelência, uma vez que
é uma verdadeira síntese de tudo o que o professor aprende, ensina e vivencia. Nesse sentido, seria in-
teressante vincular a prática e a pesquisa à docência.
Em um país como o Brasil, por exemplo, onde as desigualdades são tão grandes e ainda não se
conseguiu democratizar a Educação, seria muito interessante se o professor aprendesse a ser também
pesquisador, podendo, assim, tirar proveito do fato de estar em contato direto com os atores que viven-
ciam o processo educativo (alunos, pais, colegas professores, direção e funcionários da escola).
Outro aspecto fundamental relaciona-se ao surgimento e à proliferação de novos meios de comu-
nicação – os multimeios –, que exigem do professor não só o domínio dessas tecnologias, mas, também
uma tomada de consciência no sentido de se adequar e poder tirar proveito desses novos componentes
do processo educativo escolar. Será que os cursos de formação de professores estão conseguindo lhes dar
subsídios para lidar com essa realidade? Como agentes da socialização e também produtos dela, os pro-
fessores se relacionam o tempo todo com essas novas formas de linguagem, assim como seus alunos.
O problema dos docentes pode ser desdobrado em vários outros temas, tais como: a relação matrí-
culas x professores, as condições de trabalho, a remuneração, as condições e possibilidades em termos de
aperfeiçoamento profissional, e outros.
Vamos retomar nossos amigos lá do início do curso? Como eles vêem a Educação, o processo edu-
cativo e a tarefa do professor? Isso é importante para que não se perca de vista que a discussão sobre
o papel do professor só faz sentido em um quadro teórico mais amplo. Vamos tentar perceber em que
eles se diferenciam?
Para Durkheim, a Educação é um fato social e como tal pode ser estudada sociologicamente, já
que a realidade educacional possui uma natureza própria e pode ser observada nas instituições peda-
gógicas. O sistema educacional pode ser estudado por ser parte de um todo que é a sociedade, à qual se
integra na medida que ambos têm um fim comum que é a socialização do indivíduo. É uma das institui-
ções sociais e como tal é um produto histórico. A Educação para ele teria como um dos seus fins garan-
tir uma certa homogeneidade entre os membros da sociedade para possibilitar a vida social. Segundo
Tura (2002, p. 51), o professor para Durkheim
[...] é um transmissor de saberes [...] valorizados e essenciais à continuidade societária. É um agente da formação inte-
gral dos alunos e, por isso, tendo o domínio das disposições pessoais para corresponder às exigências de seu tempo,
pode criar as condições para as mudanças sociais que se fizerem necessárias. Esta é a importante função social do mes-
tre, de contribuição essencial para a formação de futuros cidadãos.
Assim, os fins da Educação também seriam determinados pela própria sociedade na busca pelo
consenso, pela manutenção dos valores básicos que a sustenta e que garante sua existência. A Educação
seria então um tipo de socialização “sistematizada”, algo pautado na disciplina e numa autoridade – o
professor.
Marx não via na atividade do educador a possibilidade de transformação social da qual a socie-
dade necessitava porque, segundo ele, o próprio educador era parte do sistema e, portanto, não teria
condições de encaminhar a superação do capitalismo. Dizia que a atividade do educador tem limi-
tes dados por sua subjetividade enquanto ser social, e pelo fato de ser ele também um sujeito que é
educado pelo sistema no qual se insere. O homem é muito mais do que o resultado do meio em que
vive e só pode ser entendido plenamente se forem consideradas suas condições materiais de exis-
tência. Para Marx, a escola definitivamente não é o lugar a partir do qual pode ter início a transforma-
ção revolucionária.
Finalmente, para completar nosso quadro referencial básico montado no início do curso, resta ana-
lisarmos como Weber vê a Educação e o papel do professor. Em linhas gerais, Weber, mesmo não tendo
considerado diretamente a Educação como objeto de estudo, nos dá algumas pistas para podermos en-
tender como via o processo educativo. Um dos traços mais claros é o fato de acreditar que por meio da
educação e dos sistemas escolares se dava a imposição da cultura, dos valores da camada dominante da
sociedade, o que lhe garantiria sua legitimação e reprodução social. A inculcação desses valores e o aces-
so diferenciado aos bens culturais e materiais estariam relacionados com a classe social do indivíduo e,
sendo assim, haveria diferentes bens culturais para diferentes grupos sociais de status diferentes também.
Complicado? Nem tanto! Na verdade, o que Weber nos diz é que a Educação, de certa forma, reproduz as
desigualdades que se verifica na sociedade, por meio de mecanismos de dominação e da burocratização
dos sistemas escolares.
Diante disso, vale retomar um pouco a reflexão sobre o papel do professor na sociedade atual.
Será que ele ainda pode ser visto como um agente da mudança? Partindo do pressuposto de ser a es-
cola uma agência socializadora, o professor exercia um papel que lhe garantia prestígio social, fato que,
muitas vezes, servia para minimizar os problemas da profissão, alguns já mencionados acima. Porém, o
que se vê hoje é uma revisão dessas posições e destes pontos de vista, uma vez que a própria formação
dos docentes mudou, procurando dar conta dos novos papéis dos professores e das novas funções da
escola e da educação num mundo globalizado. Nesse contexto, o que se pode perceber é que a escola,
o professor e o sistema educativo como um todo, não se colocam mais no centro como agência sociali-
zadora, como agente da mudança. E, finalmente, a própria cultura escolar é vista como mais uma forma
de conhecimento, concorrendo com outros meios e tecnologias de produção e de transmissão do sa-
ber. Assim, é preciso destacar que as novas tecnologias e as novas metodologias incorporadas ao saber
docente modificaram o papel tradicional do professor, o qual vê, atualmente, que sua prática pedagó-
gica precisa estar sendo sempre (re)avaliada e atualizada.
Atividades
Comente o texto abaixo, dizendo se está correto ou incorreto, a partir do que vimos nessa unida-
de. Justifique a sua resposta. Pense na sua vida e na sua prática pedagógica para responder!
De acordo com a definição tradicional do papel docente, a característica básica era precisamente o ajuste ou a articu-
lação coerente entre a formação profissional recebida, os postulados da teoria pedagógica vigente, a prática dentro da
instituição escolar e os objetivos da ação pedagógica escolar.[...] A formação recebida pelos professores preparava-os
para uma atuação quase missionária (o apostolado docente, a vocação etc.), que acabava dando ao exercício do magis-
tério uma dimensão fundamentalmente ideológica. (TEDESCO, 1995, p. 29-30)
BEISEGEL, C. R. Educação e sociedade no Brasil após 1930. In: FAUSTO, B. (Org.). História Geral da
Civilização Brasileira. São Paulo: Difel, 1986. v. 11.
Boletim do Arquivo Público do Paraná, ano IX, n. 13, 1984.
Boletim do Arquivo Público do Paraná, ano XIII, n. 22, 1988.
BOTO, C. A Escola do Homem Novo: entre o iluminismo e a Revolução Francesa. São Paulo: UNESP,
1996.
BRANDÃO, Z. A Intelligentsia Educacional: um percurso com Paschoal Lemme por entre as memórias
e as histórias da escola nova no Brasil. Bragança Paulista: EDUSP, 1999.
BRASIL. República Federativa. Constituição. Brasília: Imprensa Oficial, 1990.
CAMBI, F. História da Pedagogia. São Paulo: Editora da UNESP, 1999.
CARDOSO, I. A Universidade da Comunhão Paulista: o projeto de criação da Universidade de São
Paulo. São Paulo: Cortez, 1982.
CATANI, D. Estudos de história da profissão docente. In: LOPES, E. M. T. et al. 500 Anos de Educação no
Brasil. Belo Horizonte: Autêntica, 2000.
CHAMBOULEYRON, R. Jesuítas e as crianças no Brasil quinhentista. In: DEL PRIORE, M. História das
Crianças no Brasil. São Paulo: Contexto, 1999.
CHARLE, C.; VERGER, J. História das Universidades. São Paulo: Unesp, 1996.
CHARTIER, R. As práticas da escrita. In: ARIÈS, P. ; DUBY, G. História da Vida Privada 3: da renascença ao
século das luzes. São Paulo: Companhia das Letras, 1991.
CHAUÍ, M. Convite à Filosofia. São Paulo: Ática, 1994.
_____. Espinosa: uma filosofia da liberdade. São Paulo: Moderna, 1995.
_____. Introdução à História da Filosofia. São Paulo: Cia. das Letras, 2002.
_____. Introdução à História da Filosofia. São Paulo: Brasiliense, 1994.
CHIZZOTTI, A. A constituinte de 1823 e a educação. In: FÁVERO, O. (Org.). A Educação nas Constituintes
Brasileiras 1823-1988. Campinas: Autores Associados, 2001.
CIRNE-LIMA, C. Dialética para Principiantes. Porto Alegre: EDIPUCRS, 1996.
COELHO, E. C. As Profissões Imperiais: medicina, engenharia e advocacia no Rio de Janeiro 1822-1930.
Rio de Janeiro: Record, 1999.
COULANGES, F. A Cidade Antiga. São Paulo: Martin Claret, 2002.
COVRE, M.L. A Fala dos Homens: análise do pensamento tecnocrático 1964-1981. São Paulo: Brasiliense,
1986.
CUNHA, L.A. A Universidade Temporã: o ensino superior da colônia à era de Vargas. Rio de Janeiro:
Francisco Alves, 1985.
CUNHA, L.A. Ensino superior e universidade no Brasil. In: LOPES, E.M.T. et al. 500 Anos de Educação no
Brasil. Belo Horizonte: Autêntica, 2000.
CUNHA, L.A. O público e o privado na educação superior brasileira: fronteira em movimento. In:
TRINDADE, H. (Org.). Universidade em Ruínas: na república dos professores. Petrópolis: Vozes, 1999.
DAHER, A. A conversão do gentio ou a educação como constância. In: VIDAL, D.G.; HILSDDORF, M.L.
Tópicos em História da Educação. São Paulo: EDUSP, 2001.
DIAS, R. M. Nietzsche Educador. São Paulo: Scipione, 1991.
DICIONÁRIO ELP. São Paulo: Didática Paulista, 2000.
ELIAS, N. O Processo Civilizador: uma história dos costumes. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 1990.
ESPINOSA, B. de. Pensamentos Metafísicos. São Paulo: Abril Cultural, 1983. (Coleção Os Pensadores).
FARIA FILHO, L. A instrução elementar no século XIX. In: LOPES, E.M.T. et al. 500 Anos de Educação no
Brasil. Belo Horizonte: Autêntica, 2000.
FÁVERO, J. M. C. O. (Org). A Educação nas Constituintes Brasileiras 1823-1988. Campinas: Autores
Associados, 2001.
FEBVRE, L. Combates pela História I e II. Lisboa: Presença, [19—].
FREITAG, B. O Indivíduo em Formação: diálogos interdisciplinares sobre educação. São Paulo: Cortez,
1994.
FUNARI, P.P.A. Roma: vida pública e vida privada. São Paulo: Atual, 1993.
GADOTTI, M. História das Idéias Pedagógicas. São Paulo: Ática, 1996.
GARDER, J. O Mundo de Sofia. São Paulo: Cia das Letras, 4. ed., 1995.
GARIN, E. O Homem Renascentista. Lisboa: Presença, 1991.
GIARDINA, A. O Homem Romano. Lisboa: Presença, 1994.
GILES, T. História da Educação. São Paulo: EPU, 1987.
HANSEN, J. A. Ratio Studiorum e a política católica ibérica no século XVII. In: VIDAL, D.; HILSDORF,
M.L.Tópicos em História da Educação. São Paulo: EDUSP, 2001.
HILSDORF, M.L. Pensando a Educação nos Tempos Modernos. São Paulo: Edusp, 1998.
HORTA, J.S.B. A Educação no congresso constituinte de 1966-1967. In: FÁVERO, O. (Org.). A Educação
nas Constituintes brasileiras 1823-1988. Campinas: Autores Associados, 2001.
HUBERMAN, L. Filosofando: introdução à Filosofia. São Paulo: Moderna, 1999.
_____. História da riqueza do homem. São Paulo: Livros Técnicos e Científicos, 1990.
KANT, I. Crítica da razão pura. Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian, 1985.
KING, M. A mulher renascentista. In: GARIN, E. O homem renascentista. Lisboa: Presença, 1991.
KISHIMOTO, T.M. A Educação infantil integrando pré-escolas e creches na busca de socialização da crian-
ça. In: VIDAL, D.V. ; HILSDORF, M.L. Tópicas em História da Educação. São Paulo: EDUSP, 2001.
KREVITZ, L. A Educação de imigrantes no Brasil. In: Lopes, E.M.T. et.al. 500 Anos de Educação no Brasil.
Belo Horizonte: Autêntica, 2000.
KUHLMANN JR., M. Educando a infância brasileira. In: LOPES, E.M.T. et al. 500 Anos de Educação no
Brasil. Belo Horizonte: Autêntica, 2000.
LALANDE, A. Vocabulário Técnico e Crítico da Filosofia. São Paulo: Martins Fontes, 1999.
LAUAND, L.J. Cultura e Educação na Idade Média. São Paulo: Martins Fontes, 1998.
LE GOFF, J. Documento/monumento. In: História e Memória. Campinas: UNICAMP, 1994.
LE GOFF, J. Os Intelectuais e a Idade Média. São Paulo: Brasiliense, 1995.
LE GOFF, J. Para um Novo Conceito de Idade Média: tempo, trabalho e cultura no ocidente. Lisboa:
Estampa, 1993.
LEME, P. Memórias. São Paulo: Cortez/INEP, 1988.
LENHHARD, R. Sociologia Geral. 6. ed. São Paulo: Pioneira, 1985.
LlBÂNEO, J. B. Democratização da Escola Pública. São Paulo: Loyola, 1990.
LOPES, E.M.T.; GALVÃO, A. M. História da Educação. Rio de Janeiro: DP&A, 2001.
LUZURIAGA, L. História da Educação e da Pedagogia. São Paulo: Companhia Editora Nacional, 2001.
MANACORDA, M. A. História da Educação: da antiguidade aos nossos dias. São Paulo: Cortez, 1989.
MARCÍLIO, M. L. História Social da Criança Abandonada. São Paulo: Hucitec, 1998.
MARCONDES, D. Iniciação à História da Filosofia: dos pré-socráticos a Wittgenstein. 4. ed. Rio de
Janeiro: Zahar, 2000.
MARQUES, V. R. B. A Medicalização da Raça: médicos, educadores e discurso eugênico. Campinas:
UNICAMP, 1993.
MARQUES, V. R. B. Natureza em Boiões: medicinas e boticários no Brasil setecentista. Campinas:
UNICAMP, 1999.
MATOS, O. C. F. A escola de Frankfurt. São Paulo: Moderna, 1995. (Coleção Logos).
MELLO, J. M. C. Capitalismo tardio e sociabilidade moderna. In: SCHWARCZ, L.(Org.). História da Vida
Privada no Brasil 4. São Paulo: Companhia das Letras, 1998.
MORENTE, M. G. Fundamentos da Filosofia: lições preliminares. São Paulo: Mestre Jou, 1967.
MORGAN, G. Imagens da Organização. São Paulo: Atlas, 1996.
NÓVOA, A. Para uma análise das instituições escolares. In: _____. Organizações Escolares em Análise.
Lisboa: Publicações Dom Quixote, 1992.
NUNES, C. Ensino e historiografia da educação: problematização de uma hipótese. Revista Brasileira
de Educação, São Paulo, n.1, jan/abr. 1996.
PADOVANI, H.; CASTAGNOLA, L. História da Filosofia. São Paulo: Melhoramentos, 1961.
PAIVA, J.M. Educação jesuítica no Brasil colonial. In: LOPES, E. M. T. et al. 500 anos de Educação no Brasil.
Belo Horizonte: Autêntica, 2000.
PAIVA, V. Educação Popular e Educação de Adultos. São Paulo: Loyola, 1983.
PANDINI, S. et al. Apontamentos sobre a Educação dos Escravos no Paraná Oitocentista. Curitiba,
2000. Trabalho (Disciplina de História da Educação), Curso de Pedagogia, UFPR. (Orientação Prof.ª Vera
Regina Beltrão Marques).
PENHA, J. da. Períodos Filosóficos. São Paulo: Ática, 1994. (Coleção Princípios).
PENIN, S. T. de S. A Aula: espaço de conhecimento, lugar de cultura. Campinas: Papirus, 1994.
PEREIRA, A P. Memória sobre a Medicina na Bahia. Bahia: Imprensa Oficial, 1923.
RAGO, M. Políticas da (in)diferença: individualismo e esfera pública na sociedade contemporânea.
Anuário do Laboratório de Subjetividade e Política. Departamento de Psicologia, Universidade Federal
Fluminense, ano 2, 1993.
REALE, G.; ANTISERI, D. História da Filosofia: Antigüidade e Idade Média. São Paulo: Paulinas, 1990.
v.1.
_____. Convite à Filosofia. 4. ed. São Paulo: Ática, 1995.
RIBEIRO, A M. Mulheres educadas na colônia. In: LOPES, E.M.T. et al. 500 Anos de Educação no Brasil.
Belo Horizonte: Autêntica, 2000.
RITZKAT, M.G.B. Preceptoras almãs no Brasil. In: LOPES, E. M. T. et al. 500 Anos de Educação no Brasil.
Belo Horizonte: Autêntica, 2000.
ROHMANN, C. O Livro das Idéias. Rio de Janeiro: Campus, 2000.
ROMANELLI, O. História da Educação no Brasil. São Paulo: Vozes, 1987.
RUSS, J. Dicionário de Filosofia. São Paulo: Scipione, 1991.
_____. Pensamento Ético Contemporâneo. São Paulo: Paulus, 1999. (Coleção Filosofia em questão).
SANTOS, A C. M. No Rascunho da Nação: inconfidência no Rio de Janeiro. Rio de Janeiro: SMT/
Departamento Geral de Documentação, 1992.
SCHOPENHAUER, A. Os Pensadores. São Paulo: Nova Cultural, 1999.
SEVCENKO, N. O Renascimento. São Paulo: Atual, 1984.
SEVERINO, E. A Filosofia Moderna. Lisboa: Ed. 70, [199-?].
SILVA, M.B.N da. Dicionário da História da Colonização Portuguesa no Brasil. Lisboa: Verbo, 1994.
_____. Vida Privada e Quotidiano no Brasil: na época de D. Maria e D. João VI. Lisboa: Estampa, 1993.
SOUZA, R. F. Templos da Civilização: a implantação da escola primária graduada no Estado de São
Paulo. São Paulo: UNESP, 1998.
SOUZA, S. M. R. Um Outro Olhar. São Paulo: FTD, 1995.
TEDESCO, J. C. Sociologia da Educação. 2. ed. Campinas: Autores Associados, 1995.
TEIXEIRA, L. H. G. Cultura organizacional da escola: uma perspectiva de análise e conhecimento da uni-
dade escolar. Revista Brasileira de Política e Administração da Educação, Brasília: ANPAE, v. 16, n. 1,
p. 7-22, jan/jun, 2000.
THOMAS, Alberto. O Desafio de Pensar sobre o Pensar. Florianópolis: Sophos, 2001.
_____. Pensando Logicamente. Florianópolis: Sophos, 2001.
Parte I Parte II
Brasil, um sonho intenso, um raio vívido Brasil, de amor eterno seja símbolo
De amor e de esperança à terra desce, O lábaro que ostentas estrelado,
Se em teu formoso céu, risonho e límpido, E diga o verde-louro dessa flâmula
A imagem do Cruzeiro resplandece. – “Paz no futuro e glória no passado.”
Dos filhos deste solo és mãe gentil, Dos filhos deste solo és mãe gentil,
Pátria amada, Pátria amada,
Brasil! Brasil!
Atualizado ortograficamente em conformidade com a Lei 5.765, de 1971, e com o artigo 3.º da Convenção Ortográfica
celebrada entre Brasil e Portugal em 29/12/1943.