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Foi na Grécia Antiga que o termo museu surgiu. Derivado da palavra musa, os
museus nesse momento eram os espaços com a função de guarda e proteção de objetos
dos mais variados tipos, que encontravam-se expostos com o intuito de homenagear os
reis e rainhas. O museu de Alexandria funcionou em sua época como espaço
responsável pela guarda da biblioteca real o que acabou o transformando em um centro
de estudos. Os produtos dos saques que a expansão do Império Romano adquiriu ao
longo de sua História foram expostos, muitas vezes, em praça pública para tornar visível
a grandiosidade daquele estado. Enfim, a preservação de objetos referentes ao passado
e capazes de proporcionar algum tipo de conhecimento e ou demonstração de ostentação
e poder constitui-se, há muito tempo, como uma preocupação humana.
O conhecimento produzido durante a Idade Média trazia consigo uma
característica extremamente marcante: o teocentrismo. Entretanto, com o florescimento
do período conhecido como Renascença, as concepções de mundo que vigoravam até
então modificaram-se intensamente. O antropocentrismo, ou seja, a idéia que considera
o homem como o centro do mundo transforma-se nesse instante em um dos valores
centrais, em grande parte devido aos conhecimentos produzidos nessa época. Foi nesse
momento que a concepção do espaço destinado a criação de museus começa a se
assemelhar com o formato que conhecemos hoje.
Até bem pouco tempo, edifícios suntuosos foram construídos com a função de
abrigar museus. O intuito na criação desses espaços era, freqüentemente, o de conservar
e reverenciar uma determinada memória, considerada oficial. Nessa perspectiva, os
museus estavam normalmente associados a uma pretensa verdade histórica que
valorizava grandes acontecimentos e personagens escolhidos como os principais agentes
construtores de uma determinada trama histórica.
Entretanto, na atualidade, podemos observar que a cada dia aumenta a atenção
dispensada a preservação de nossa memória e, por extensão, do patrimônio cultural. A
partir de então tornou-se comum a preocupação com a preservação do patrimônio
histórico, artístico e cultural, o que acabou incentivando a criação de grandiosas
construções que se destinam a abrigar museus dos mais diversos.
Nos últimos vinte anos, testemunhamos uma verdadeira mudança nas práticas
museológicas. Além dos já tradicionais museus Históricos já podemos encontrar museus
dos mais diversos assuntos: Museus de Arte, de ciência e tecnologia, do telefone; enfim
museus relacionados aos mais diferentes tipos de objetos que se referem a inúmeros
tipos de memória. A ampliação do conceito de Patrimônio também reordena os
diferentes tipos de objetos museológicos que se referem a inúmeros tipos de memória.
1 Lana Mara de Castro Siman, professora de Prática de Ensino de História da Faculdade da Educação da UFMG
e do Programa de Pós – Graduação em Educação desta mesma Faculdade. Coordenadora do sub- projeto Museu
Histórico Abílio Barreto. Para obter maiores informações a respeito do Projeto Museu e Escola, do qual faz parte
o Projeto Museu Histórico Abílio Barreto, consultar o site da Faculdade de Educação da UFMG à partir de
agosto 2001. WWW. fae.ufmg.br
2 Janice Pereira da Costa , graduanda do curso de História/ UFMG, bolsista PAE/ PROGRAD/ UFMG, sob a
orientação da Prof. Dra. Lana Mara de Castro Siman.
2
Agora, os museus são considerados espaços nos quais sobrevivem não apenas uma
memória, mas na verdade várias.
Paralelamente a esse movimento de preservação do patrimônio cultural tem-se,
colocado, também, discussões acerca do papel da Educação Patrimonial que figura
como uma alternativa de incentivo à criação e ampliação de novos espaços de memória.
A Educação Patrimonial coloca em discussão os papéis que os espaços
destinados a guarda de memória podem assumir dentro da educação. Revela também
como a preservação do patrimônio cultural pode desenvolver um sentimento de
identidade e cidadania quando apropriado com senso crítico. O conceito de patrimônio,
com o qual trabalhamos, é aquele que ultrapassa os limites de patrimônio arquitetônico,
passando do material e visível para o invisível e simbólico, ampliando o que deve ser
objeto de preservação e memória. A Educação Patrimonial surge, assim, como uma via
de abordagem do papel educativo desses espaços não escolares. Nesse sentido,
escola/educação e museu se aproximam, buscando estabelecer um diálogo, explorando
formas outras de aquisição de conhecimento que ultrapassem as práticas escolares
tradicionais. Neste projeto, busca-se ampliar as possibilidades de interlocução entre
museu e escola, esperando que ambos os espaços se beneficiem, redefinindo suas
concepções e práticas. É nesse campo teórico prático da Educação Patrimonial que
nosso trabalho encontra-se inserido.
O Projeto Museu Histórico Abílio Barreto, do qual fazemos parte mais
diretamente, faz parte de um projeto maior, denominado Projeto Museu e Escola. Este
projeto tem sido desenvolvido desde abril de 2000 por docentes da Faculdade de
Educação da Universidade Federal de Minas Gerais e alunos do cursos de Pedagogia e
Licenciaturas desta mesma universidade. “ Trata-se de um projeto interdisciplinar entre
as áreas de Ciências Sociais e Humanas, Ciências Naturais e Linguagens, num
perspectiva teórica da Educação Patrimonial e da Educação Científica. Os alunos e
alunas envolvidos no projeto terão a possibilidade de (...) ampliarem a sistematização
da pesquisa de articulação de espaços educativos formais e não formais”3
Pretendemos com o nosso trabalho desenvolver e consolidar um espaço de
discussão sobre as práticas educativas museológicas realizadas em diferentes museus da
cidade de Belo Horizonte. Nossas atividades vem sendo desenvolvidas em seis museus
da capital que são eles: Museu de Historia Natural e Jardim Botânico da UFMG,
Fundação Zoobotânica de Belo Horizonte, Museu de Arte da Pampulha, Museu
Histórico Abílio Barreto Barreto e o Centro de Referência Audiovisual.
Este artigo tem por objetivo introduzir uma discussão a respeito do trabalho de
investigação que vimos desenvolvendo no Museu Histórico Abílio Barreto. O projeto
formulado para esse Museu tem por finalidade principal avaliar práticas educativas
propostas pelo seu setor de Ação Educativa, tomando por referência conceitos e
metodologias que se situam no campo da História, da educação patrimonial e da
cognição.
3
Projeto Museu e Escola, FAE/ UFMG, 2000-2001
3
4
PREFEITURA MUNICIPAL DE BELO HORIZONTE , Secretaria Municipal da Cultura, Museu Histórico
Abílio Barreto, Projeto Museu/ Escola; equipe Ação Educativa, 1995, p.7
4
os objetos que encontravam-se sob sua guarda. Sendo assim, foi criado pelo setor de
Ação Educativa um projeto chamado “Museu vai a Escola”. Como o próprio nome já
diz, o museu agora deslocava-se até a escola. Peças e objetos do acervo que podiam ser
transportados até as escolas eram levados até às salas de aula, intensificando os laços já
estabelecidos com o público escolar.
Nesse projeto, a equipe da Ação Educativa, além de possibilitar o contato com
os objetos do acervo do museu, incluía slides com várias imagens pertencentes à cidade,
contrapondo imagens antigas e recentes de alguns dos principais pontos da cidade,
visando estabelecer relações possíveis entre o presente e o passado.
A partir de 1997, com a reinauguração do Museu e a com Ação Educativa de
volta ao casarão foi realizado um projeto de reestruturação da dinâmica de atendimento
ao público escolar. As visitas monitoradas que até então eram a principal atividade
oferecida a esse público foram abolidas.
Após momentos de discussão a respeito das experiências vivenciadas pela
equipe da Ação Educativa e, também com a ajuda de um instrumental teórico-
metodológico fornecido pelo campo da Educação Patrimonial, foi efetivado uma
verdadeira transformação na maneira pela qual se realizariam as visitas escolares. A
partir daquele momento, os professores tornaram-se responsáveis pelo processo de
mediação entre os objetos do acervo e seus alunos. O professor é visto como o indivíduo
capaz de despertar nas crianças e adolescentes o senso crítico primordial no “ processo
ativo de conhecimento, apropriação e valorização de sua herança cultural,
capacitando-os para um melhor usufruto destes bens, e propiciando a geração e a
produção de novos conhecimentos, num processo contínuo de criação cultural.” 5
Segundo a perspectiva da Ação Educativa do MHAB, o professor possui uma função
extremamente ativa nesse processo, já que é ele o principal responsável pela mediação
entre os alunos e os objetos.
Porém, o professor não foi abandonado nessa empreitada. A Ação Educativa
passou a oferecer, aos professores que desejavam levar seus alunos ao museu, um curso
que os auxiliasse de alguma maneira nessa atividade extra escolar.
O curso “Encontro com o Museu” é promovido pelo MHAB e é aberto a toda
comunidade. O objetivo desse curso é proporcionar a formação de agentes
multiplicadores capazes de conduzir de maneira satisfatória uma visita às dependências
do museu. Nesse curso, são discutidos alguns conceitos essenciais que estão presentes
em qualquer museu: memória, documento, objetos da história entre outros. Além disso
promove-se um rápido resgate de parte da História da cidade de Belo Horizonte
preservada nos objetos expostos, colocando ainda em debate o papel social e cultural
do museu. Entender o museu não como um espaço detentor de uma História Oficial da
cidade, mas sim como espaço aberto a discussão e produção de conhecimento é a
grande finalidade do curso.
A tentativa é transformar o professor em um sujeito ativo dentro da visita
escolar. Além de ativo, crítico e capaz de mediar a relação entre o aluno e os objetos. E
isso só e possível a partir do momento que ele já se encontra iniciado ao “mundo do
museu”.
Entretanto, a Ação Educativa não se priva de todo do atendimento feito aos
alunos. Foi criado também uma série de atividades desenvolvidas pela equipe que vem
sendo realizadas na “Sala Multiuso”. Para esse trabalho foram desenvolvidos, pela
própria equipe da Ação Educativa, jogos pedagógicos que trazem informações sobre os
objetos expostos e a História da cidade. A partir de uma atividade lúdica tenta-se
aproximar ainda mais o museu dos alunos que os visita. Esse trabalho é realizado com
5
Idem , p. 6. Grifos do autor.
5
os escolares antes ou após a visita ao acervo e também pode variar de acordo com a
faixa etária dos alunos.
Enfim, além dessas atividades acima descritas, existem outras já sendo
realizadas pela equipe da Ação Educativa do MHAB. Porém, nosso recorte contempla
as atividades educativas que se referem mais diretamente ao público escolar, uma vez
que é esse grupo que mais nos interessa no momento.
6
HORTA, Maria de Lourdes Parreiras. Guia Básico de Educação Patrimonial . Brasília: Instituto do Patrimônio
Histórico e Artístico Nacional, Museu Imperial, 1999.
7
Idem, p. 6 . Grifo do autor
6
forma que apenas esse espaço é capaz de proporcionar. Nesse sentido, observa-se
professor se atribui o papel de mediador entre os alunos e os objetos e se os objetos são
vistos pelos professores como mediadores culturais e não como objetos que ilustram o
que já foi trabalhado em sala de aula.
Outro instrumento utilizado tem sido uma entrevista semi-dirigida que tem por
objetivo conhecer melhor as concepções de museu e das relações entre
museu/memória/História/ ensino de História e educação que esses educadores
adquiriram tanto ao longo de sua vida como estudantes, profissionais e cidadãos, e
evidentemente, a partir dos contatos que estabeleceram com o MHAB. Afinal, quem
são os professores que tem buscado o museu sua formação, seus hábitos culturais? Por
que decidiram levar seus alunos a esse museu, com quais objetivos? Quais trabalhos
teriam antecedido a ida a esses museu? Como eles vem se apropriando do conhecimento
trabalhado na oficina Encontro com o Museu? O que representou a experiência de ser
“guia” das visitas? De que ordem ou natureza situam-se as suas dificuldades? Qual a sua
avaliação a respeito da experiência vivida pelos alunos? Quais os desdobramentos
posteriores à ida ao ida ao Museu ? Enfim, qual o papel que os Museu ocupam nos
processos educativos e no processo de ensino – aprendizagem da História ?
Diante desse rico horizonte que se descortina através dessa investigação,
constata-se que algumas das questões que nos tem sido apresentadas já são
contempladas por autores que dedicam-se a estudar o campo relativo a Educação
Patrimonial.
A Ação educativa do MHAB ao abolir as visitas monitoradas e imprimir esse
novo formato de atividade o fez pensando que essa seria uma iniciativa mais apropriada
do que a anterior, já que se considerava que o professor uma vez conhecendo seus
alunos era capaz de desempenhar com mais eficácia o papel de mediador. Entretanto,
ao conhecermos outros trabalhos como é o caso da pesquisa desenvolvida por
Nascimento8 em espaços não escolares tais como os museus, na França, somos levados
a pensar que não existe um único caminho. Cada museu possui possibilidades,
formulações teóricas e dinâmicas próprias fazendo com que as atividades educativas
escolhidas sejam mais apropriadas ao seu espaço e ao espaço cultural no qual ele se
insere.
Temos verificado por meios dos questionários e entrevistas que grande parte
dos professores ao se matricularem no curso imaginavam que esse trataria de um
assunto distante e enfadonho. Porém, quando eles de fato conhecem as propostas
apresentadas passam a se interessar em aprofundar os conhecimentos adquiridos durante
o curso.
Com base nas poucas entrevistas realizadas até então já temos verificado, em
algumas falas de professores, que apesar do interesse manifesto pela questão da
Educação Patrimonial, esses são portadores de uma concepção de museu que o associa
ao espaço detentor da verdade Histórica. Esse imaginário, do qual fazem parte
representações e práticas adquiridas por meio da escola e na vida social, deverá
constituir-se em objeto de problematização tanto do museu quanto da escola.
A partir dos dados levantados até o momento, tem-se formulado para nós a
necessidade reforçar a idéia de que o Museu constituiu-se num espaço educativo
diferenciado do espaço escolar não devendo as práticas educativas exercidas nesse local
repetir as mesmas concepções e práticas formais da escola. Segundo Lopes “ (...) os
museus não pertencem ao domínio da educação escolar regular seriada, sistemática-
intra-escolar. Situam-se no campo da educação não escolar, na qual, mediante uma
8
NASCIMENTO, Silvania S. O papel do organizador da ação em espaços não escolares. Belo Horizonte:
FAE/UFMG. Texto mimeo.
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BIBLIOGRAFIA
ORIÁ, Ricardo. Memória e ensino de História. In, BITTENCOURT, Circe. O saber Histórico
na sala de aula. São Paulo: Contexto,1997.
BREFE, A.C.Fonseca. Os primórdios do museu: da elaboração conceitual à instituição
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GUILHOTTI, Ana Cristina. A postura do olhar: coisas que guardamos na memória...
Museu Paulista, 1992.
HORTA, M. Lourdes. Educação Patrimonial. Musae–Consultoria e Produção Cultural,
1991.
HORTA, M. Lourdes. Guia Básico de Educação Patrimonial. Brasília: Instituto do
Patrimônio Histórico e Artístico Nacional, Museu Imperial, 1999.
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NASCIMENTO, Silvania S. O papel do organizador da ação em espaços não escolares.
Belo Horizonte: FAE/UFMG. Texto mimeo.
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dez/1999 e dez.2000.
PREFEITURA MUNICIPAL DE BELO HORIZONTE. Velhos horizontes : um ensaio sobre a moradia no
Curral del Rei. Museu Histórico Abílio Barreto, Belo Horizonte, 1997 .
9
Lopes, M. Margaret. A favor da desescolarização dos museus. Educação & Sociedade, n ° 40, dez. de 1991.