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Raphael Padula

INFRA-ESTRUTURA I:

TRANSPORTES

Fundamentos e propostas para o Brasil


Raphael Padula

TRANSPORTES

Fundamentos e propostas para o Brasil

Fevereiro de 2008
© R apha el Pa du l a , 2 0 0 8
Direitos adquiridos pelo Conselho Federal de Engenharia,
Arquitetura e Agronomia - Confea
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S ér ie Pe ns ar o Br as i l e C onst r u i r o Futuro d a Naç ão

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Pro du ç ão E xe c ut i v a C on fe a - Sup er intendênci a de


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1 a e di ç ã o, fe ve re i ro de 2 0 0 8
Ti r age m : 5 0 0 0 e xe mpl are s

P125i Pa du l a , R apha el

Tr ansp or te s – f u nd ame nto s e prop o st as p ar a o


Br asi l. - Br así l i a : C onfe a , 2008.

215p. – ( Pens ar o Br asi l - C onst r u i r o Futu ro d a


Na ç ã o)

1.Tr ansp or te – Inf r a -est r utu r a . I . Títu l o. I I . S é r i e


Sumário
7
Apresentação
Introdução 9

I. Fundamentos 15
Infra-estrutura de transportes: importância, objetivos e ações • Os modais
de transporte e a intermodalidade • Logística e produtividade

II. Situação dos transportes no Brasil 33


A matriz de transportes • Transporte de cargas • Transporte de passageiros
• Logística • Analisando os modais • Transporte rodoviário • Transporte
ferroviário • Transporte aquaviário • Transporte dutoviário • Transporte
aéreo • Financiamento da infra-estrutura de transportes: Estado versus
mercado

III. Eixos viários e um plano de ação 165


Um plano de ação nos transportes • O planejamento de transportes no
atual governo: o PNLT e o PAC • Os eixos viários e um plano de obras •
Os espaços viários continentais e territoriais • Principais eixos viários e
plano da ação viário • Irrigação econômica • Indução ao desenvolvimento
• Penetração nos espaços territoriais da cordilheira dos Andes e do litoral
Pacífico • Ações complementares

IV. Considerações gerais sobre a integração sul-americana e a IIRSA 191


O quadro geral • A Iniciativa para a Integração da Infra-Estrutura Regio-
nal Sul-Americana (IIRSA)

V. Breves considerações finais 205

Bibliografia 213
Apresentação

Chegamos ao terceiro livro da nossa série sobre problemas brasi-


leiros, produzidos pelo Projeto Pensar o Brasil e Construir o Futuro da
Nação. Os dois primeiros tratavam de regiões: Amazônia, soberania e
desenvolvimento sustentável, de Márcio Henrique Monteiro de Castro, e
Semi-Árido, uma visão holística, de Roberto Malvezzi. Neste, destacamos
a Matriz de Transportes, um segmento fundamental da infra-estrutura.
A escolha dos temas, com alternância de território e setores, não
é casual. Depois de mais de vinte anos em que predominaram ampla-
mente os debates sobre questões monetárias e financeiras, é hora de
voltarmos a prestar atenção às características permanentes da Nação.
Muito mais do que as movimentações do capital volátil, a população,
a economia física, a disponibilidade de recursos naturais, o Estado e a
posição do país na geopolítica mundial são os elementos decisivos para
se pensar a necessária retomada de um projeto nacional. Debruçados
sobre esses temas, verificamos a cada passo quanto resta a fazer.
Os descaminhos da história do Brasil estão registrados fisicamente
na infra-estrutura de transportes. Durante séculos ela serviu, basica-
mente, para ligar regiões exportadoras aos portos, de modo a apoiar
o envio de matérias-primas, minérios e alimentos para o sistema in-
ternacional. Este era o nosso lugar. No século XX, ela foi alterada pela
implantação da indústria automobilística, que demandava estradas de
rodagem, e pela construção de Brasília, que finalmente criou um pólo
interior para onde passaram a convergir os caminhos.
A herança desse tempo ainda predomina. Até hoje, a modalidade
rodoviária, cara e poluente, responde por mais de 95% do transporte de
passageiros e por mais de 60% do transporte de cargas. Permaneceram
atrofiadas as potencialidades dos modos ferroviário e aquaviário, que,
no entanto, poderiam ter papel central nos deslocamentos interiores de
um país-continente dotado de gigantescas bacias hidrográficas. A inter-
modalidade – um dos segredos de uma matriz eficiente – deixa, assim,
de existir. Os prejuízos se contam em bilhões, todos os anos. Raphael
Padula cita, neste trabalho, um estudo da Universidade Federal do Rio
de Janeiro, de 2002, que traz uma informação chocante: ao longo das
cadeias produtivas, as empresas brasileiras mantêm em torno de US$
118 bilhões parados em excesso de estoque, por causa das ineficiências
do setor de transportes.
A inércia de uma matriz de transportes é enorme. Alterá-la exige
investimentos gigantescos e de longo prazo. Isso remete, inevitavelmen-
te, ao papel do Estado, pois, agindo por si, o setor privado não tem nem
escala nem visão de conjunto, no espaço e no tempo, para liderar tama-
nha transformação. No último período da nossa história, porém, o Es-
tado brasileiro perdeu capacidade de investimento e abriu mão de suas
funções estratégicas. O último Plano Viário Nacional data de 1973.
Muitos consideram que essa inação é virtuosa. Mas ela fere de
morte toda a economia nacional. O setor de transportes, por exemplo,
não produz produtos, produz a própria produtividade. Nenhuma em-
presa, isoladamente, pode superar gargalos assim.
Ao entregar esta série de textos sobre o Brasil aos profissionais do
Sistema, a professores e estudantes, a jornalistas, a parlamentares e ou-
tras autoridades, o Confea espera contribuir para a elevação da qualida-
de dos debates, tendo em vista construir o futuro da Nação.

Brasília, fevereiro de 2008

Marco Túlio de Melo


Presidente do Confea

Clovis F. Nascimento Filho


Coordenador do Projeto Pensar o Brasil
e Construir o Futuro da Nação
Introdução

O Brasil é um país continental, com aproximadamente 8,5 milhões de


km2, dotado de grande extensão de vias hídricas potencialmente nave-
gáveis e 7.500 km de costa atlântica. Abriga regiões diversas, tanto em
termos de condições geográficas quanto econômicas e sociais. Seu ter-
ritório equivale a 47% da América do Sul. Seu produto interno bruto
(PIB) ultrapassa a metade do produto da região.
A infra-estrutura de transportes é fundamental para o desenvol-
vimento de um país com essas dimensões. É um elemento-chave para
constituir um mercado interno integrado e também para ligá-lo ao mer-
cado externo. É vital para a eficiência de toda a economia: investimentos
em transportes, ao diminuírem custos e distâncias, não criam produtos,
criam a própria produtividade. Têm grandes efeitos multiplicadores em
toda a cadeia produtiva, propiciando o desenvolvimento de setores eco-
nômicos e de regiões. Por tudo isso, e por sua natureza pública, o setor
precisa fazer parte das políticas de Estado. Não pode ser conduzido ao
sabor de interesses privados.

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Pens ar o Brasil: Transpor tes

Ao longo da nossa história, o oceano Atlântico desempenhou um


papel integrador. A colonização portuguesa estabeleceu pontos de cone-
xão no litoral, a partir dos quais o interior do continente foi explorado e
ocupado. Não havia preocupação em integrar entre si os núcleos urba-
nos e/ou econômicos do próprio país: as ligações Norte-Sul, por exem-
plo, nunca foram estimuladas, pois a principal preocupação era facilitar
a exportação de riquezas para a Europa. A comunicação entre regiões se
fazia pelo mar ou, em menor escala, pelas bacias hidrográficas. A infra-
estrutura viária e de comunicações foi articulada a partir dos portos,
tendo em vista a exportação, e assim continua, predominantemente, até
hoje.
Até a década de 1930, a cabotagem foi o principal modal para o
transporte de cargas a granel. As rodovias passaram a receber grandes
investimentos a partir dessa década, o que possibilitou sua rápida ex-
pansão e sua predominância, desde então, na matriz de transportes. Nas
três preocupações centrais da chamada Era Vargas (1930-1990) – inte-
gração, industrialização e urbanização –, o incremento do transporte
rodoviário era considerado fundamental, fosse para integrar mercados
com rotas mais modernas, fosse para desenvolver o interior do país. A
cabotagem e os demais modais perderam participação na movimenta-
ção de cargas. Entre 1928 e 1955, a malha rodoviária cresceu cerca de
400%, enquanto a malha ferroviária, por exemplo, cresceu apenas 20%.
A construção de Brasília procurou mudar esse eixo de transportes
voltado para fora. Instalou-se um pólo irradiador de vias de conexão
por dentro do continente, criando-se uma alternativa ao transporte pela
via marítima, que se mostrou frágil durante a Segunda Guerra Mundial,
quando navios brasileiros foram torpedeados na costa nordestina.
Pretendia-se mais do que isso. Com o ciclo da industrialização, no
segundo governo Vargas, era necessário expandir o dinamismo do eixo
Sul-Sudeste, de modo a envolver as regiões Centro-Oeste, Norte e Nor-
deste. Brasília encontra-se no centro geográfico do país, que também é o

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Raphael Padula

centro das nossas três principais bacias hidrográficas: Paraná-Prata, São


Francisco e Amazonas (Tocantins-Araguaia). A necessidade de compa-
tibilizar a rápida industrialização (na qual o nascente complexo metal-
mecânico desempenhava um papel central) e a integração do interior do
país gerou o estímulo às rodovias e a concentração espacial e funcional
da renda, principalmente em benefício das regiões Sudeste e Sul.
A implantação da indústria automobilística na década de 1950
determinou a consolidação e a prevalência do transporte rodoviário.
Esse modal – caracterizado pela agilidade, flexibilidade e capacidade de
pronta resposta – passou a predominar na nossa matriz de transportes,
possibilitando o deslocamento de cargas para regiões mais distantes.
Hoje, a modalidade rodoviária responde por mais de 95% da ma-
triz de transporte de passageiros e mais de 60% da matriz de transporte
de cargas. É mais cara, em relação aos modais ferroviário e aquaviário, o
que torna necessário reestruturar toda a matriz, tendo em vista o futuro.
No entanto, tal não se faz: há quase duas décadas prevalece a falta de
planejamento e de investimentos, com ampla predominância de uma
visão de curto prazo que privilegia necessidades de mercado, desvincu-
lada de qualquer visão estratégica. Os problemas do setor se aprofunda-
ram, dificultando qualquer mudança estrutural.
O último Plano Viário Nacional foi elaborado em 1973. Precisa ser
totalmente revisto, de preferência com um processo participativo que
envolva a sociedade brasileira. Independentemente disso, é necessário
apresentar desde logo um conjunto de projetos estruturais que são im-
prescindíveis para o desenvolvimento equilibrado do país e para o for-
talecimento do mercado interno.
O sistema de transportes na América do Sul também se caracteriza
por articular as regiões de forma frágil e precária. A interligação entre
os centros produtores e consumidores é ruim. A infra-estrutura está
voltada para fora, privilegiando a exportação de commodities primárias.
Assim como no Brasil, as poucas e precárias conexões existentes se dão

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Pens ar o Brasil: Transpor tes

predominantemente pelo modal rodoviário, o que faz dos transportes


um obstáculo significativo – maior que as tarifas aduaneiras – à integra-
ção dos mercados da região.
Este estudo pretende organizar uma visão geral do setor de trans-
portes no Brasil, identificando os principais problemas e as principais
causas desses problemas. Faremos comparações com países com carac-
terísticas geográficas similares às do Brasil, ou seja, países continentais,
principalmente os Estados Unidos, que podem ser considerados um
padrão nesse setor. Também destacaremos a principal causa da situa-
ção atual: a postura do Estado, seus baixos investimentos e a falta de
planejamento, que perduram por quase duas décadas.
Nosso enfoque priorizará o transporte de cargas e suas principais
modalidades, os transportes rodoviário, ferroviário e aquaviário. Adi-
cionalmente, abordaremos de forma breve os demais modais e o trans-
porte de passageiros. Sugeriremos políticas e um plano de ação para
melhorar a eficiência o setor. Buscaremos uma visão ampla, abordando
aspectos econômicos e sociais, privilegiando o crescimento do país com
distribuição de renda no contexto de um planejamento integrado e de
longo prazo. A criação, desenvolvimento e fortalecimento de um grande
e integrado mercado interno, reunindo todos os brasileiros e garantindo
condições dignas de vida em um Brasil indivisível, será a maior herança
para os nossos filhos.
Poucos países dispõem da extensão e da potencialidade territorial,
econômica e populacional brasileira. Poucos possuem uma coesão cul-
tural, social, histórica e de solidariedade humana como nós. Somos um
país raro, um dos últimos países que podem obter uma inserção sobe-
rana no atual cenário internacional e ajudar outros a também obtê-la,
especialmente por meio da integração sul-americana.
Um novo ciclo de desenvolvimento deve enfrentar o desafio de
integrar plenamente todas as regiões, reestruturando a matriz de trans-
portes, de modo a estabelecer vias de comunicação adequadas à integra-

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Raphael Padula

ção desse arquipélago de espaços geográficos chamado Brasil. E deve ir


mais além, propondo a integração física de todos os espaços da América
do Sul.

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I
Fundamentos

Infra-estrutura de transportes: importância, objetivos e ações


No mundo moderno, países continentais só conseguem sobreviver se
são capazes de assumir a própria identidade. Para isso, é essencial que
possuam redes próprias de transportes, de energia e de comunicações,
submetidas ao interesse da sociedade. Nosso ponto de partida, pois, é a
necessidade de realizar uma integração nacional por meio de uma rede
que dê a cada cidadão a certeza da mobilidade, da transformação pro-
dutiva e da capacidade criativa, preservando a identidade nacional.
Investimentos em infra estrutura física são elementos fundamen-
tais de uma política de Estado. Transportes, energia e comunicações
fornecem externalidades para toda a economia, viabilizando os demais
setores e, conseqüentemente, o desenvolvimento econômico e social do
país. Investimentos em infra-estrutura não geram produtos, geram a
própria produtividade. A oferta de infra-estrutura deve andar na frente
da demanda, para que não existam impedimentos e gargalos ao desen-
volvimento de setores e regiões.

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Pens ar o Brasil: Transpor tes

A infra-estrutura de transportes possibilita: (a) abrir novos merca-


dos para os produtores e obter maior escala de produção, resultando em
menores custos por causa de economias de escala e ganhos de produti-
vidade; (b) levar o desenvolvimento econômico a novas regiões; (c) di-
minuir custos e favorecer a competitividade dos produtos; (d) aumentar
a eficiência da economia como um todo; (e) promover oportunidades
para a ampliação e o florescimento de empreendimentos.
Em síntese, os transportes reduzem os custos de produção e circu-
lação, dinamizando a economia; ampliam as possibilidades de abasteci-
mento interno, aumentando o consumo de produtos e serviços. No caso
brasileiro, os investimentos e a reestruturação da matriz de transportes
possibilitarão reduzir o chamado custo Brasil. Também possibilitarão o
aumento da renda disponível para os trabalhadores, funcionando como
política social, graças à diminuição dos custos de transporte na forma-
ção dos preços da cesta básica.
A importância das obras de infra-estrutura, e especificamente de
transportes, nos remete a dois grandes ícones do desenvolvimento de
nosso tempo, a Inglaterra e os Estados Unidos. Ambos os países fizeram
amplo uso de vias de comunicação e transportes para interligar suas
economias. Sabiam da importância de um sistema de infra-estrutura
adequado.
Alexander Hamilton, primeiro secretário do Tesouro dos Estados
Unidos, foi um homem fundamental na construção da nação, um dos
“pais fundadores”. Em seu Relatório sobre as manufaturas de 1791, sub-
metido ao Congresso, Hamilton afirma que melhorar o setor de trans-
portes diz respeito “a todos os interesses de um país” e, principalmente,
àqueles ligados ao desenvolvimento industrial:

Dificilmente encontrar-se-á algo mais bem concebido para


ajudar as manufaturas da Grã-Bretanha do que o melhora-

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Raphael Padula

mento das estradas públicas desse reino e o grande progresso


obtido ultimamente na abertura de canais. Quanto ao primei-
ro, os Estados Unidos ainda deixam muito a desejar; para o
segundo, apresentam facilidades incomuns.1 (...) Dificilmente
haverá empreendimento que mereça mais atenção dos gover-
nos locais, e seria desejável que não houvesse qualquer dúvida
sobre a faculdade de o governo nacional prestar ajuda direta,
no contexto de um plano geral. Este é um dos melhoramentos
que poderiam ser realizados mais eficazmente pelo conjunto
do que por uma ou várias partes da União. Existem casos nos
quais haverá o perigo de se sacrificar o interesse geral em be-
nefício de presumidos interesses locais (...).2

Para Hamilton, uma oferta adequada de infra-estrutura de trans-


portes, ao diminuir o custo, permite que partes remotas de um país es-
tejam mais próximas das cidades, fomentando a produção, e, por isso,
constituindo “o maior de todos os melhoramentos”.
Nas suas palavras:

Os transportes fomentam o cultivo de áreas remotas, que, em


geral, são as mais extensas do país. Beneficiam a cidade, por
romper o monopólio das zonas rurais situadas nas suas vizi-
nhanças. São vantajosos, inclusive, para estas partes do país,
pois, embora introduzam alguns produtos rivais nos velhos
mercados, abrem aos seus produtos muitos novos mercados.3

1 Hamilton, 1791, p.109.


2 Op.Cit. pp.109-110.
3 Op.Cit. p.110.

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Pens ar o Brasil: Transpor tes

Friedrich List, economista alemão que lançou a idéia da União


Aduaneira Nacional dos Estados Alemães (Zollverein), ao chegar aos
Estados Unidos se encantou ao ver aquela grande nação se edificando
em torno de um sistema de transportes, com ferrovias sendo construí-
das em conexão com portos, ligando o país de costa a costa. No Prefácio
de seu Sistema nacional de economia política, de 1841, ele reconhece a
importância de um sistema integrado de transportes, valoriza sua ex-
periência nos Estados Unidos e prevê que esse país seria uma grande
nação:

Eu já sabia da importância dos meios de transporte sob o ân-


gulo da teoria do valor; observara apenas o efeito dos negócios
de transporte em casos particulares e só com respeito à ex-
pansão do mercado e à redução dos preços de bens materiais.
Só agora comecei de fato a considerar isso do ponto de vista
da teoria das forças produtivas e do seu efeito total como um
sistema nacional de transportes – conseqüentemente, com
sua influência sobre a totalidade da vida mental e política, das
relações sociais, da produtividade e do poder das nações. Só
agora reconheço a relação recíproca que existe entre o poder
industrial e o sistema nacional de transportes: um não pode se
desenvolver ao máximo sem o outro.

A partir dessa experiência, List começou a imaginar uma Alema-


nha unificada e ligada por um sistema ferroviário – projeto no qual tra-
balhou –, assim como uma Europa totalmente ligada e vinculada à Ásia.
Costa (2003, p. 138) afirma:

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Raphael Padula

O melhor exemplo do tipo de grandes obras que devem inspi-


rar os povos de toda a América do Sul é a rede de canais e fer-
rovias transcontinentais construídas nos Estados Unidos no
século XIX. Obras assim cumprem o objetivo de criar as bases
econômicas e físicas do crescimento sustentado, mediante a
integração.

Esse raciocínio deve ser aplicado a um país continental, como o


Brasil.
Ao discutirmos um sistema de transporte, é importante atentarmos
para o que o filósofo alemão Gottfried Wilhelm Leibniz (1646-1716)
chamou “economia física” e seus desdobramentos sobre os poderes pro-
dutivos de uma nação. Nessa concepção, um adequado sistema de trans-
portes é fundamental para que uma economia opere de forma eficiente,
liberando recursos (capital e energia, por exemplo) para serem utiliza-
dos em outros setores e objetivos, favorecendo os poderes produtivos da
nação. Um sistema de transportes mais eficiente mimetiza o progresso
tecnológico, pois “de forma não-linear e geralmente incomensurável –
mas muito real –, a infra-estrutura adiciona eficiência e produtividade
ao setores que produzem bens” (Darc Costa, 2003, p. 136).
Os transportes constituem um fator importantíssimo para o su-
cesso de programas sociais e econômicos. Um programa ou plano para
o setor deve priorizar a integração territorial, pois é a partir do con-
tínuo espacial que se constrói a identidade nacional. Adicionalmente,
deve induzir ao desenvolvimento, não somente da economia vista como
um todo, mas de áreas geográficas específicas (regiões, municípios, ci-
dades), já que a infra-estrutura é o elemento articulador do processo de
geração de riqueza. Finalmente, tem que irrigar os espaços congestiona-
dos, oferecendo saídas e canais que possibilitem o livre fluxo de merca-
dorias, permitindo a circulação de bens e serviços e, conseqüentemente,

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Pens ar o Brasil: Transpor tes

atendendo as exigências de consumo dos cidadãos. Sendo capaz de au-


mentar a produtividade da economia nacional, a política de transpor-
tes, em um país com as dimensões do Brasil, tem que buscar três ações
obrigatórias: induzir o desenvolvimento, integrar os mercados e irrigar
economicamente os espaços.
A atividade de indução ao desenvolvimento pressupõe que se
estabeleça uma estrutura viária de acesso a um espaço geográfico, co-
locando-o como instrumento de geração de riqueza e ocupação desse
território. É usual que esse tipo de ação seja demandado por áreas mais
isoladas e/ou menos desenvolvidas. No Brasil, três regiões são prioritá-
rias para ações de indução ao desenvolvimento no setor de transportes:
Centro-Oeste, Norte e Nordeste. Todas podem ser consideradas regiões
de fronteira.
A atividade de irrigação econômica pressupõe construir novas
passagens viárias em áreas de fluxo saturado ou superar os engarrafa-
mentos de canais sobreocupados, facilitando e/ou descongestionando
o acesso à área geográfica. Esse tipo de ação tende a ser demandado
por áreas mais desenvolvidas (como pólos econômicos e metrópoles),
que, por seus efeitos polarizadores – atraindo recursos e atividades, por
exemplo –, incorrem em deseconomias de concentração. A irrigação
econômica é uma questão central para a matriz de transportes do Brasil.
As ações prioritárias, neste caso, localizam-se na região Sudeste, respon-
sável por mais de 50% da produção de transportes no Brasil.
A atividade de integração de mercados pressupõe a ligação viária
entre mercados (produtores e/ou consumidores) já existentes, de forma
a permitir o fluxo de pessoas, bens e mercadorias, dando valor comer-
cial aos excedentes de produção existentes em cada mercado. Esta ação
costuma ser demandada por áreas mais desenvolvidas. Vem sendo utili-
zada a concepção de corredores de integração, que pretendem interligar
macromercados delimitados por regiões definidas. Integrar as regiões,
por meio de corredores de integração, significa construir um complexo

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Raphael Padula

de facilidades que começa em um eixo de transportes, mas acrescenta


outros insumos à atividade econômica: estradas alimentadoras, termi-
nais e pátios intermodais, armazenagem nas propriedades, terminais
portuários especializados etc.
Em uma região (ou país) agrícola onde cada família produz prin-
cipalmente para subsistência, somente uma parte destina-se à troca e
quase não existem transportes de bens e passageiros, não há interesses
econômicos privados que justifiquem investimentos em infra-estrutura,
mas sim interesses sociais e econômicos voltados para induzir o desen-
volvimento.
O setor de transportes demanda fortemente a indústria (constru-
ção civil, metal-mecânica, eletroeletrônica etc.), tanto durante a implan-
tação, quanto na operação e gerenciamento. Os projetos são intensivos
em capital, geram grande quantidade de empregos com baixa qualifi-
cação e têm longo período de maturação. O planejamento de qualquer
empreendimento deve ser exaustivo, inclusive no que diz respeito ao
impacto sobre o meio ambiente, para que as várias condicionantes que
cercam o projeto não criem graves distorções.
Infra-estrutura de transportes deve ser pensada dentro do concei-
to de capital social básico, isto é, aquele grupo de atividades de apoio
sem as quais os setores de produção primário, secundário e terciário
não conseguem funcionar. Os resultados macroeconômicos e setoriais
(microeconômicos), decorrentes de sua deficiência, são fartamente co-
nhecidos.
Por ter implicações na cadeia produtiva e atuar de forma a ligar os
setores e atividades econômicas, interligando a micro e a macroecono-
mia, com efeitos multiplicadores por todo o sistema econômico e em
sua eficiência e competitividade (no todo e nas partes), podemos defi-
nir a infra-estrutura de transportes como um setor que atua com efeitos
polinômicos sobre a economia. Por isso, merece atenção especial da boa
administração pública. O transporte de cargas é essencial para a compe-

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Pens ar o Brasil: Transpor tes

titividade do país. Toda a sociedade deve colaborar para aperfeiçoá-lo,


sob a atuação planejada e orquestrada do Estado.
A matriz de transportes, a integração dos modais, a oferta e a efi-
ciência do sistema logístico são fundamentais para o desenvolvimento.
Delas dependem as cadeias produtivas modernas, que são determinan-
tes para a competitividade e eficiência de um país, região, setor ou em-
presa. Os transportes de uma nação devem ser considerados como um
ativo precioso, merecedor de cuidados de manutenção, conservação e
reparação, assim como de permanente monitoramento, avaliação e pla-
nejamento. Conforme List (1841) ressalta, o sistema de transportes e a
infra-estrutura em geral compõem as forças produtivas de uma nação e
são fundamentais para sua riqueza e poder, real ou potencial, atual ou
futuro.
Em todo o mundo, inclusive no Brasil, a atividade de transportes
é um serviço de utilidade pública, concedido pelo Estado. A atuação da
empresa privada deve ser coordenada pelo setor público. O crescimen-
to sustentado da economia depende da oferta e da qualidade da infra-
estrutura. No caso dos transportes, é necessário que o sistema apresente
disponibilidade, confiabilidade, segurança e baixos custos para os usu-
ários.
As operações em infra-estrutura de transportes possuem três fases
bem caracterizadas:
(a) Construção ou ampliação, que pressupõe necessariamente o
atendimento de objetivos econômicos ou estratégicos.
(b) Manutenção ou conservação, destinada a manter a adequada
conservação das vias, em condições técnicas e operacionais favoráveis.
Essa operação se aplica a trechos desgastados e deteriorados, mas em
boas condições. Tem caráter permanente e visa a assegurar a vida útil
das vias, conforme o projeto original.
(c) Restauração, que visa a preparar as vias para um novo período
de vida útil, restabelecendo as condições originais em trechos que neces-

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Raphael Padula

sitam adição ou substituição, total ou parcial, de sua estrutura. Aplica-se


em trechos em condições regulares, ruins ou péssimas.
Nas rodovias destaca-se também a operação de reconstrução, que
vai além da restauração, pois se aplica a trechos totalmente destruídos,
em péssimas condições, que exigem trabalhos que englobam base, leito
e subleito.
Em todas essas operações, os benefícios, claramente explicitados e
mensurados, devem ser superiores aos custos envolvidos. Evidentemen-
te, qualquer interrupção nas atividades de conservação reduz a vida útil
da via, antecipando a necessidade de restauração (ou reconstrução). Por
sua vez, se a atividade de restauração deixa de ser executada na época
oportuna, será necessário recuperar ou reconstruir completamente a
infra-estrutura, gerando maiores custos do que os necessários à preven-
ção. Esta, infelizmente, é a realidade da matriz de transportes brasileira,
que será tratada com detalhes no próximo capítulo.
Por causa do abandono do planejamento e dos baixos níveis de
investimento no setor há duas décadas, 75% das rodovias encontram-
se em condições comprometidas, classificadas pela Confederação Na-
cional dos Transportes (CNT) como péssimas, ruins ou regulares. As
estradas em boas condições estão concentradas nas regiões Sul e, princi-
palmente, Sudeste e/ou fazem escoamento de commodities para portos,
o que tende a gerar efeitos polarizadores e acentuar a nossa condição
primário-exportadora.
O custo de manutenção de um quilômetro de estrada é R$ 180 mil,
o de restauração é de R$ 420 mil e o de reconstrução é de R$ 750 mil, em
média. Como se vê, restaurar é aproximadamente 2,4 vezes mais caro
que conservar; reconstruir é mais de quatro vezes mais caro que con-
servar e quase duas vezes mais caro que restaurar. Fazer uma coisa ou
outra pode gerar diferenças de bilhões no orçamento da infra-estrutura
de transportes.

23
Pens ar o Brasil: Transpor tes

Investimentos para recuperar rodovias R$ / km


Reconstrução 750.000
Restauração 420.000
Manutenção 180.000

A definição dos objetivos estratégicos para construir ou ampliar


uma via requer o apoio da sociedade, para que os custos programados
sejam entendidos e aceitos pela população. Os setores privado e público
usam critérios diferentes para decidir sobre a localização dos investi-
mentos: o empresário privado dá maior peso à rentabilidade, enquanto
a esfera pública deve levar em conta a utilidade social; além da análise
de custos e benefícios econômicos, deve avaliar os custos e os benefí-
cios dos investimentos para a sociedade e a Nação como um todo.4 A
questão do financiamento é fundamental. Conforme aponta Darc Costa
(2003, p.136):

No ambiente econômico, prevalece a contabilidade de custos,


decorrente das teses econômicas liberais. É comum encobrir-
se de mistério o verdadeiro papel da infra-estrutura. Do ponto
de vista da contabilização de custos, o investimento em infra-
estrutura não se paga sozinho, nem poderá pagar-se com as
quotas dos usuários.

Seria desejável que os usuários arcassem com os custos de investi-


mento, manutenção e operação, cobrando-se que os poderes conceden-

4 Ignácio Rangel, Elementos de economia do projetamento. São Paulo: Bienal, 1987.

24
Raphael Padula

tes e os operadores prestassem os serviços com eficiência, mas essa situ-


ação não é usual. Na maioria das vezes, o Estado realiza a intermediação
por meio de uma política de subsídio explícito (direto) ou implícito
(cruzado). O sucesso de uma política de transportes reside em como se
faz essa intermediação. Os princípios básicos de intermediação do Esta-
do devem garantir: (a) aproveitamento da capacidade ociosa existente;
(b) política tarifária que faça a tarifa refletir o custo do serviço utiliza-
do; (c) suprimento de recursos suficientes para garantir o crescimento
do setor de um modo compatível com o desenvolvimento econômico e
social do país.
O gráfico a seguir dá uma idéia do valor estratégico da produção
de transportes para o Brasil. Historicamente, o crescimento dos trans-
portes cargas é maior do que o crescimento dos principais agregados
reais da economia – o PIB, o PIB agrícola e o PIB industrial –, pois ne-
cessidade da produção de meios de transporte tem superado as taxas de
crescimento da produção em geral.

Crescimento da produção de cargas e dos principais agregados reais


(ano base 1970 = 100)

Cargas
400 Produto Real Total
Produto Real Agropecuário
Produto Real Industrial
300

200

100
1974 1978 1982 1985 1988 1991

Fonte: Anuários Estatísticos do Geipot.

25
Pens ar o Brasil: Transpor tes

Esse comportamento está relacionado, principalmente, com o


crescimento da distância média dos transportes, que evoluiu de 267 km
em 1970 para 612 km em 2004. A distribuição geográfica das necessida-
des de transportes está mais concentrada na região Sudeste, responsável
por mais de 50% do total brasileiro.
Nos últimos quinze anos, nosso país optou por não realizar pla-
nejamento de longo prazo nem referenciar-se em um projeto nacional.
É um erro. É necessário que voltemos a ter um planejamento amplo,
com interconexões entre as políticas macroeconômica, setorial, regio-
nal etc. A infra-estrutura é um instrumento fundamental para o desen-
volvimento de setores e regiões. Além disso, o Estado neoliberal e suas
agências não conseguiram exercer com eficiência nem mesmo a função
mínima de controle do setor, o que contribui para acentuar a desastrosa
situação em que está a infra-estrutura de transportes no Brasil.

Os modais de transporte e a intermodalidade


Os modais de transporte são: rodoviário, ferroviário, dutoviário, aqua-
viário e aéreo, com características diferenciadas. Por isso, é fundamen-
tal planejar um sistema de transporte integrado. A complementaridade
entre os diferentes modais e a intermodalidade devem ser aproveitadas
em toda a sua potencialidade, o que exige apoio logístico adequado e
eficiente.
O núcleo de maior dinamismo do setor de transportes rodoviá-
rios encontra-se nas empresas que realizam esse serviço. Essa predo-
minância deve-se à maior flexibilidade operacional, espacial e de nível
de serviço que esse modal possui, bem como à maior agressividade de
seus operadores, que respondem rapidamente às demandas. O modal
rodoviário é dominante tanto nos transportes de cargas quanto nos
transportes urbanos de passageiros, mas cabe destacar a importância
crescente, em algumas grandes cidades e regiões metropolitanas, do
transporte sobre trilhos.

26
Raphael Padula

O modal ferroviário caracteriza-se, especialmente, pela capacida-


de de transportar grandes volumes com elevada eficiência energética,
principalmente em casos de deslocamentos em médias e grandes dis-
tâncias. Apresenta, ainda, maior segurança em relação ao modal rodo-
viário, com menor índice de acidentes e menor incidência de furtos e
roubos. Possui elevado custo fixo de implantação e manutenção, mas
baixo custo variável de uso. O transporte de cargas predomina nessas
operações. São cargas típicas do modal ferroviário: produtos siderúrgi-
cos, grãos, minério de ferro (mais de 60% do volume total transportado
pelas ferrovias no Brasil), cimento e cal, adubos e fertilizantes, derivados
de petróleo, calcário, carvão mineral e clínquer, além de contêineres.
O transporte aquaviário usa rios, lagos e oceanos. O subsetor hi-
droviário (ou de transporte fluvial) usa rios navegáveis; o subsetor marí-
timo divide-se em transporte de cabotagem, realizado na costa brasilei-
ra ou entre países vizinhos, e navegação de longo curso, referente a rotas
internacionais e a serviços de alimentação de linhas (serviço de feeder,
que é o transbordo de carga internacional para posterior distribuição ao
longo da costa, realizado em pequena escala no Brasil).
O transporte aéreo se dedica a passageiros e a carga de alto valor
agregado e pequeno volume.
O transporte dutoviário movimenta combustíveis e minérios, atra-
vés de minerodutos (sal-gema, minério de ferro e concentrado fosfá-
tico), oleodutos (transportando petróleo, óleo combustível, gasolina,
diesel, álcool, GLP, querosene, nafta e outros produtos) e gasodutos (gás
natural).

27
Pens ar o Brasil: Transpor tes

O transporte multimodal de cargas é aquele que duas ou mais


modalidades de transporte, desde a origem até o destino5.

Custos comparativos dos modais de transporte


Modal US$ centavos/ ton. km
Aéreo 14.0
Rodoviário 4.0 - 5.0
Ferroviário 0.3 - 1.0
Dutoviário 0.1 - 0.3
Balsa e rebocador 0.12 - 0.18
Cargueiro 0.06 - 0.24
Navio graneleiro 0.02 - 0.04
Fonte: Consultoria DLC.

Custos comparativos dos modais de transporte


Modal Custo = R$/1000 TKU
Aéreo 1.762
Rodoviário 213
Aquaviário 70
Dutoviário 54
Ferroviário 36
Fonte: Lima, 2006. TKU = tonelada por quilômetro útil.

5 Segundo a ANTT, o Operador de Transporte Multimodal assume a responsabili-


dade pela execução dos contratos de transporte multimodal, “O OTM é a pessoa jurídica con-
tratada como principal para a realização do Transporte Multimodal de Cargas, da origem até o
destino, por meios próprios ou por intermédio de terceiros. O OTM poderá ser transportador
ou não. O exercício da atividade do OTM depende de prévia habilitação e registro na ANTT.
Caso o OTM deseje atuar em âmbito internacional, deverá também se licenciar na Secretaria
da Receita Federal.” (www.antt.gov.br)

28
Raphael Padula

Os modais de transportes têm custos diferentes, como mostra a


tabela acima, que usa dados internacionais. Conforme podemos obser-
var, o rodoviário é de longe o de maior custo, se comparado com o fer-
roviário e o aquaviário. A situação do Brasil, altamente concentrado no
modal rodoviário (mais de 60%) e com pouca participação dos modais
ferroviário e aquaviário, revela a necessidade de reestruturar a matriz de
transportes, que compromete a competitividade da nossa economia. O
Brasil precisa de uma infra-estrutura de transportes menos onerosa. É
preciso privilegiar aspectos de intermodalidade, para que o transporte
de cargas obtenha menores custos, utilizando diferentes modais, con-
forme o caso. Os modos ferroviário e aquaviário de carga devem receber
ênfase crescente na matriz brasileira.
Se quisermos obter o máximo de produtividade e rentabilidade em
nosso desenvolvimento interno e nosso comércio exterior, precisamos
(a) aproveitar a multiplicidade de nossas vias naturais, representadas
pelo extenso litoral e as bacias interiores, integrando-as por modais de
maior capacidade, como navegação de cabotagem e fluvial, além de fer-
rovias; e (b) buscar a integração dos espaços de tráfego condominiais de
que participamos e dos outros que atendam aos interesses estratégicos
do Brasil e de nações vizinhas.
O planejamento da matriz de transportes é o principal instrumen-
to para superarmos nossas deficiências. Sem esse planejamento, que
deve definir programas e projetos de curto, médio e longo prazos, os
imediatismos do mercado continuarão a reproduzir, ano a ano, os erros
do passado, agravando o quadro já existente.
São notórias as características desejáveis de uma matriz de trans-
portes eficiente. Em primeiro lugar, ela deve concentrar-se em modais
de menor custo. É preciso que exista uma oferta adequada de portos
eficientes, interligados a outros modais por boas vias de acesso, com
alta capacidade de armazenagem e baixo tempo de espera para atraca-
ção das embarcações; que as ferrovias sejam eficientes, com materiais de

29
Pens ar o Brasil: Transpor tes

rodagem e equipamentos modernos e freqüentemente renovados, inter-


ligadas a outros modais com ampla estrutura logística, com tamanho de
bitolas padronizado, possibilitando a interligação em todo o território
nacional, com acesso aos portos e implantação de contorno de cidades;
que as hidrovias tenham todo o seu potencial aproveitado e desenvol-
vido para navegação interior, com embarcações adequadas; que a cabo-
tagem seja amplamente utilizada, com bons navios; que os aeroportos
sejam dotados de capacidade adequada à demanda de passageiros e de
cargas, integrados aos demais modais de transporte; que as rodovias es-
tejam em boas condições; que haja integração intermodal apoiada por
um sistema de logística eficiente, com alta produtividade, baixos custos
e oferta adequada, contando ainda com o desenvolvimento de operado-
res logísticos.
É importante uma regulação eficiente, na qual o poder concedente
opere com uma visão estratégica e econômica de longo prazo e as agên-
cias reguladoras atuem de acordo com o interesse público.
Infelizmente, como poderemos observar ao longo deste livro, o
quadro de infra-estrutura de transporte no Brasil está muito longe dessa
descrição.

Logística e produtividade
Logística é o conjunto integrado das operações de planejamento, trans-
porte, armazenagem, controle de estoques, distribuição e tecnologia da
informação, que unem os centros produtores aos centros distribuidores.
A logística se enquadra no âmbito da superestrutura, mas age de forma
complementar à infra-estrutura.
Até o fim da Segunda Guerra Mundial, a logística sempre esteve
associada às atividades militares, principalmente a estratégia de deslo-

30
Raphael Padula

camento de recursos.6 Por isso, no dicionário Aurélio, uma das defini-


ções de logística é “a parte da arte da guerra que trata do planejamento e
da realização de: projeto e desenvolvimento, obtenção, armazenamento,
transporte, distribuição, reparação, manutenção e evacuação de mate-
rial para fins operativos ou administrativos”. Contudo, no período do
após-guerra, com os avanços tecnológicos e as novas necessidades das
economias, a idéia de logística foi ampliada e passou a ser adotada in-
clusive por empresas.
A infra-estrutura logística exige ação conjunta de todas as esferas
executivas – União, Estados e Municípios –, de empresas privadas, coo-
perativas, associações de produtores e outras entidades da sociedade ci-
vil, visando a superar problemas existentes no interior de microrregiões,
cidades, distritos etc. Representam ações de logística a construção, ma-
nutenção e gestão de estradas alimentadoras, pátios e terminais, além de
armazenagem dentro das propriedades. No Brasil, os principais produ-
tos que utilizam o sistema logístico são: minerais, metal-metalúrgicos,
químicos, petroquímicos, automotivos, alimentícios, farmacêuticos e
eletro-eletrônicos.
Um sistema logístico adequado tem baixos custos, disponibilidade
de unidades de armazenamento (portos secos, pátios, terminais etc.),
facilidade de operação e tecnologia apropriada. A produtividade desse
sistema é fundamental para a competitividade e a produtividade de toda
a economia.

6 Desde a antiguidade, na era Antes de Cristo, líderes militares utilizavam a logística


em guerras - que eram geralmente longas e geralmente distantes, demandavam grandes deslo-
camentos de recursos e, consequentemente, umas organização e execução logística.

31
II
Situação dos transportes no Brasil

A matriz de transportes
Transporte de cargas
Atualmente, o setor de transportes equivale a 6,4% do PIB. Segundo a
Confederação Nacional dos Transportes (CNT), operam nele cerca de
40 mil empresas transportadoras, empregando 2,5 milhões de trabalha-
dores, e existem mais de 300 mil transportadores autônomos.
As duas últimas décadas foram marcadas pelo abandono de um
projeto nacional, e, conseqüentemente, pela falta de investimentos e de
planejamento. Nesse período, houve aumento de custos e acentuada de-
terioração da infra-estrutura.
As principais características da matriz brasileira de transportes de
cargas são: alta concentração no modal rodoviário, que responde por
mais de 60% dos transportes; baixa integração entre os modais; altos
custos logísticos; má qualidade do sistema rodoviário; dificuldades de
acesso aos portos; baixa utilização das vias navegáveis e do transporte
de cabotagem. Esse quadro resulta em elevados custos logísticos, esti-

33
Pens ar o Brasil: Transpor tes

mados entre 16% e 20% do PIB, quando comparados a 9,8% nos Estados
Unidos e a 12% na Europa.
O Brasil possui um sistema de logística de transportes pouco de-
senvolvido, que gera perdas de competitividade ao longo de toda a ca-
deia produtiva por causa dos custos incorridos, que funcionam como
uma espécie de “imposto” adicional sobre o preço dos bens. O sistema é
caracterizado por falta de infra-estrutura de apoio e por investimentos
precários em corredores de transporte. Em 2002, havia no Brasil 250
terminais de transporte, contra 3 mil nos Estados Unidos. Estimativas
(CNT/CEL-Coppead 2002) apontam que as empresas brasileiras man-
têm em torno de 118 bilhões de dólares parados em excesso de estoque,
ao longo das cadeias produtivas, por causa das ineficiências do setor de
transportes. Se o setor operasse de forma mais eficiente, segura e con-
fiável, bilhões de reais estariam disponíveis para serem investidos em
outras atividades, gerando emprego e renda.
O desequilíbrio aparece na concentração no modal rodoviário,
mais custoso em relação aos modais ferroviário e aquaviário, com parti-
cipação de mais de 60% na produção de transportes de cargas, em tone-
ladas por quilômetro útil (TKU). Os modais ferroviário e o aquaviário
têm participação em cerca de 21% e 14%, respectivamente.

Matriz de transportes de cargas - 2006


Modal Participação (%) Milhões TKU
Rodoviário 61,1 485.625
Ferroviário 20,7 164.809
Aquaviário 13,6 108.00
Dutoviário 4,2 33.300
Aéreo 0,4 3.169
Total 100 794.903
Fonte: Boletim estatístico CNT, jan/2007.

34
Raphael Padula

Matriz
Matrix dede Transportes
Transportes de Cargas
de Cargas
Participação
Participação dosdos Modais
modais (%) (%)

0,4% 4,2%
13,6%

Rodoviário
Ferroviário

61,1% Aquaviário
20,7%
Dutoviário
Aéreo

Fonte: Boletim estatístico CNT, jan/2007.

As participações em termos de movimentação de cargas, em to-


neladas, seguem a concentração no modal rodoviário, responsável por
mais de 50% das cargas movimentadas, como mostra a tabela a seguir.

Volume transportado (em toneladas)


Modal Total %
Rodoviário 934.408.939 52
Ferroviário 431.804.306 24
Aquaviário 429.305.802 23,9
Aeroviário 1.229.679 0,07
Fonte: Boletim estatístico CNT, jan/2007.

A estrutura da matriz de transportes brasileira incide diretamente,


de forma desfavorável, na competitividade dos produtos nacionais. A
composição da matriz de transportes de cargas é relativamente estável,

35
Pens ar o Brasil: Transpor tes

principalmente pela falta de investimentos e a concentração dos poucos


recursos públicos no modal rodoviário. No entanto, pode-se identificar
desde 1996 – após as privatizações – um ligeiro crescimento na parti-
cipação do modal ferroviário no total de cargas movimentadas (tonela-
das), com maior crescimento de movimentação em relação aos outros
modais.

Evolução do transporte de cargas por modalidade (bilhões de TKU)


Modalidades
Anos
Aéreo Ferroviário Aquaviário Rodoviário Dutoviário Total
1969 0.2 25.0 22.7 72.8 nd 120.7
1975 0.5 58.9 31.7 132.1 6.9 230.2
1981 1.1 79.4 42.4 204.7 11.1 338.7
1987 1.5 120.0 90.5 310.6 19.7 532.9
1990 1.8 120.3 102.6 313.2 20.9 558.8
2000 2.4 156.0 103.4 470.9 33.2 765.9
2004 * 1 206 105 512 39 863
Fonte:Anuários Estatísticos do Geipot, CNT, CEL-Coppead.
* Valores de 2004 aproximados

Crescimento do volume de cargas


transportado pelos diferentes modais

Ferroviário Rodoviário Aquaviário Total


1996-2004 6,1% 3,8% 2,3% 4,1%
1999-2004 8,0% 1,8% 2,1% 3,2%
Fonte: ANTF.

36
Raphael Padula

Porcentagem do PIB investido em transportes (governo federal)

0,30%

0,25%
Porcentagem do PIB

0,20%

0,15%

0,10%

0,05%

0,00%
1995 1996 1997 1998 1999 2000 2001 2002 2003 2004

Ano em www.centran.eb.br/plano_logistica
Fonte: Apresentação da CNT para o PNLT. Disponível

A produção de transportes no Brasil deve ser reestruturada para


uma matriz intermodal. O desequilíbrio na matriz atual não vem sendo
tratado de forma adequada pelos governos. Nos últimos vinte anos, os
investimentos públicos em transportes têm sido insignificantes: de 1995
a 2005, em média, foram 0,2% do PIB. Além disso, tais investimentos
foram concentrados no modal rodoviário, mantendo-se estável a matriz
de transportes existente, desbalanceada: desde 1995, mais da metade
dos recursos investidos no setor se direcionaram ao modal rodoviário;
esse percentual ultrapassou 70% em 1998, 80% em 2002 e chegou a 90%
em 2005. Considerando-se somente os três principais modais – rodovi-
ário, aquaviário e ferroviário –, o rodoviário tem sido privilegiado com
mais de 70% dos recursos.

37
Pens ar o Brasil: Transpor tes

Distribuição dos investimentos em transportes (governo federal)

100%
90%
80%
70%
60%
50%
40%
30%
20%
10%
0%
1995 1996 1997 1998 1999 2000 2001 2002 2003 2004 2005

Rodoviário Ferroviário Aquaviário Aéreo Outros


Fonte: Apresentação da CNT para o PNLT. Disponível em www.centran.eb.br/plano_logistica

Nos últimos vinte anos, a política de transportes e a ação do Es-


tado têm sido afetadas pelo predomínio das doutrinas neoliberais, que
retiram do planejamento o seu verdadeiro papel. Ao estimularem a ação
atomizada e microeconômica, contribuem para desorganizar o setor.
Além disso, subordinam os investimentos em transportes à contabili-
dade de custos.
É fundamental estabelecer um planejamento para o setor que di-
recione os investimentos com recursos públicos, inclusive a poupança
compulsória alocada às agências federais de financiamento, conforme
um prévio e criterioso estudo de viabilidade técnico-econômica do em-
preendimento e de seus efeitos sobre a economia, garantindo também
a redução dos custos e a melhor execução das obras. É preciso que se-
jam constituídos fundos setoriais, pois a Constituição Federal de 1988
acabou com o Fundo Nacional de Transportes, o que prejudicou as

38
Raphael Padula

condições do setor. A maior parte dos recursos da Contribuição de In-


tervenção no Domínio Econômico (CIDE) fica sem uso ou é usada em
outras despesas, como a formação de superávit primário pelo governo.
São recursos que deveriam ser investidos no setor de transportes.
Destinação dos Recursos da CIDE
Destinação dos recursos da Cide
60%

50%
Transporte
40%
Outras Despesas
30%

20%
Não Utilizado

10%

0%
2002 2003 2004 2005
Ano Fonte: Siafi.

A comparação da matriz de transportes brasileira com a matriz de


outros países continentais, com condições geográficas similares, ilustra
mais facilmente a distorção e suas conseqüências sobre a produção na-
cional, em termos de custos e competitividade, diante da concorrência
internacional.
Considerando-se apenas os principais modais – ferroviário, ro-
doviário e aquaviário –, constatamos uma significativa participação do
modal ferroviário em alguns países, às vezes de forma predominante.
A Rússia se destaca, com o transporte ferroviário atingindo 81% de
participação, enquanto o rodoviário tem somente 8% e o hidroviário
11%. Com a exceção da Rússia e do México, que tem uma matriz de
transportes mais similar à do Brasil – com 55 % concentrada no modal
rodoviário –, nos demais países mostrados na tabela a participação das
rodovias fica em torno de 40% (entre 37% na China e 46% no Canadá).

39
Pens ar o Brasil: Transpor tes

No longo prazo, é preciso que o Brasil se aproxime de uma matriz como


a dos Estados Unidos, com 40% das cargas transportadas no modal fer-
roviário, 20% no rodoviário e 40% no aquaviário – considerando-se so-
mente esses modais.

Comparação internacional de matriz de transportes – divisão entre os


principais modais* em 2003

Extensão territorial
Ferroviário Rodoviário Hidroviário
terrestre**
% % %
(milhões km)
Rússia 81 8 11 17,0
Canadá 46 43 11 9,2
Austrália 43 53 4 7,6
EUA 43 32 25 9,2
China 37 50 13 9,6
Brasil 24 52 14 8,5
México 11 55 34 2,0
* Sem considerar os modais aéreo e dutoviário. ** Sem considerar as áreas cobertas por
águas. Fonte: ANTT, elaborado pela Trevisan (Análise Trevisan, 2005).

Comparação internacional de matizes de transportes


principais modais (% 2003)
México 11 55 34
Brasil 24 52 14
China 37 50 13 Ferroviário
EUA 43 32 25 Rodoviário
Austrália 43 53 4
R Hidroviário
Canadá 46 43 11
Rússia 81 8 11
0 20 40 60 80 100

40
Raphael Padula

Comparando diretamente o Brasil com os Estados Unidos, ob-


servamos uma diferença muito acentuada na participação do modal
rodoviário. Nos Estados Unidos, esse modal participa com 22,7 % da
produção de transporte, percentual muito distante dos mais de 60 % no
Brasil. Lá, a participação conjunta dos transportes ferroviário (36,3%) e
aquaviário (16,8%) ultrapassa 55%. Esses modais de menor custo, que
predominam na matriz norte-americana, não chegam a 35% no Brasil.
Outra nítida diferença é a participação do modal dutoviário: 24% nos
Estados Unidos contra 4,2% no Brasil. Os Estados Unidos são um país
continental com dutos ligando e cruzando todo o território, enquanto
no Brasil não há grande uso de dutos (normalmente usados para trans-
porte de gás, petróleo, minérios e grãos).

Comparação da matriz de transportes de Brasil e Estados Unidos

70%
61,1%
60%

50%

40% 36,3% ” Brasil

30% EUA
24,0% 22,7%
20,7%
20% 16,8%
13,6%

10%
4,2%
0,4% 0,2%
0%
Aéreo Hidroviário Dutoviário Ferroviário Rodoviário

Fonte: Apresentação da CNT para o PNLT, p. 9.


Disponível em www.centran.eb.br/plano_logistica.

41
Pens ar o Brasil: Transpor tes

A discrepância existente entre a matriz de transportes brasileira


e uma matriz ideal, com maiores participações dos modais ferroviário
e aquaviário – como a dos países que mostramos acima –, atinge di-
retamente a competitividade e a eficiência da nossa economia. O pro-
duto agrícola brasileiro, por exemplo, é onerado em cerca de 40% do
seu valor. Isso afeta negativamente tanto a renda do produtor brasileiro
quanto a dos consumidores, principalmente os mais pobres, pois afeta
os preços dos bens que formam a cesta básica.
Uma forma de mensurar a produtividade do transporte de cargas é
medida pela tonelada por quilômetro útil (TKU) produzida por empre-
gado no setor. Esta medida é importante para revelar a ineficiência do
setor no Brasil, principalmente quando comparado aos Estados Unidos.
Os gráficos abaixo, retirados do estudo CNT/CEL-Coppead (2002), re-
velam que o Brasil tem menor produtividade em cada modal. A produ-
tividade do modal rodoviário no Brasil é 33% da registrada nos Estados
Unidos; a do ferroviário é de aproximadamente 44%, e a do aquaviário
é de aproximadamente 48%.

Produtividade dos modais (106 TKU/empregado)

25%
21,2
20% 17,1
” Brasil
15%
8,2 9,3
10% EUA
5%
0,6 1,8
0%
Hidroviário Ferroviário Rodoviário
Fonte: CNT/CEL, 2002, p. 17. Elaborado a partir de dados do Geipot 2001; IBGE/1998;
Bureau of Transportation Statistics e Bureau of Labor Statistics.

42
Raphael Padula

Como a matriz de transportes do Brasil é muito concentrada no


modal menos produtivo, o rodoviário, a matriz como um todo é bem
menos produtiva do que cada modal visto em separado, quando compa-
rada com os Estados Unidos. A produtividade do sistema de transporte
de cargas é de somente 22% em relação à norte-americana (1 para 4,5).
A matriz brasileira apresenta um desempenho pior em termos de pro-
dutividade por mão-de-obra empregada.

Produtividade do setor de transportes de carga (106 TKU/empregado)

5%
4%
4,5 Brasil
3%
2% EUA
1,0
1%
0%

Fonte: CNT/CEL, 2002, p. 18.

O estudo CNT/CEL (2002) também apresentou a produtividade


do transporte de cargas em relação aos outros setores da economia bra-
sileira, tendo os Estados Unidos como parâmetro (equivalente a 100%).
Revelou que o setor também apresenta um baixo desempenho quando
observado desse ângulo. Conforme revela o gráfico abaixo, entre os se-
tores analisados, o setor de transportes só supera os setores de processa-
mento de alimentos (18%) e varejo de alimentos (14%).

43
Pens ar o Brasil: Transpor tes

Produtividade de mão-de-obra por setor

Benchmark - EUA 100%

Siderurgia 68%

Transporte Aéreo 47%

Telecomunicações 45%

Bancos de Varejo 40%

Montadoras 36%

Construção Civil 35%

Autopeças 22%

Transporte de Cargas 22%

Proc. Alimentos 18%

Varejo Alimentos 14%

0% 20% 40% 60% 80% 100%


Fonte: CNT/CEL, 2002, p.18.

Uma maneira de analisar a oferta de transportes no Brasil é a partir
do índice de densidade de infra-estrutura, calculado pela relação entre a
extensão (em km) de infra-estrutura ofertada e a área territorial do país
(em km2). O desbalanceamento da matriz de transportes tem também
como causa a baixa disponibilidade dos demais modais – ferroviário
e aquaviário, tanto de cabotagem quanto hidroviário –, assim como
suas limitações operacionais, o que faz com que eles não apresentem
alternativas em relação ao modal rodoviário, mais flexível e dinâmico.
A densidade de transporte dos modais revela a discrepância na oferta,
favorecendo, de longe, o modal rodoviário.

44
Raphael Padula

Densidade de Transporte
km/1000 km�

20%
17,3

16%

12%

8% 5,6
3,4
4%

0%
Rodoviário Hidroviário Ferroviário
(rodovia asfaltada) (rios navegáveis)

Fonte: CNT/CEL, 2002, p. 41.

O estudo CNT/CEL 2002 comparou a densidade da infra-estrutu-


ra brasileira com a de outros países continentais. A comparação mostra
que a oferta nacional de transporte é a menor: 26,4 km de extensão de
vias para 1 mil km2 de área territorial do país, menos que a metade do
México (57,2), por exemplo. O mesmo estudo aponta que a densidade
dos Estados Unidos é de 447 km de vias para 1 mil km2 de área, muito
maior que a dos demais países analisados. No gráfico, chama a atenção
também a baixa densidade do modal ferroviário e a baixa utilização do
transporte hidroviário na matriz brasileira.

45
Pens ar o Brasil: Transpor tes

Fonte: CNT/CEL 2002

Além da pequena quantidade da infra-estrutura ofertada, a quali-


dade da infra-estrutura está comprometida. Da extensão total de rodo-
vias nacionais, 88% não são pavimentadas e, das pavimentadas, 75% são
classificadas como péssimas, ruins ou deficientes pela CNT (Pesquisa
Rodoviária CNT 2006). O modal ferroviário apresenta altos índices de
acidentes, quando comparados com outros países.1
O setor de transportes de carga também é prejudicado pela defi-
ciência de oferta e qualidade de infra-estrutura de apoio, com poucos e
ineficientes terminais intermodais, que são fundamentais para a inter-
conexão e a coordenação entre modais. A partir dos números de termi-
nais aquaviários e ferroviários, o estudo CNT/CEL estima que existem
250 terminais intermodais no Brasil, enquanto nos Estados Unidos eles
chegam a 3 mil. Lá, além disso, a eficiência operacional de cada terminal
é muito maior.
O Brasil está dividido em cinco regiões. A articulação inter-regiões
é bastante deficiente, centrada basicamente no modal rodoviário, nas

1 A situação dos modais de transporte serão tratadas nas próximas seções.

46
Raphael Padula

poucas e extensas rodovias federais. A articulação entre as regiões se


organizou em torno dos antigos caminhos do Brasil colônia. As vias
de circulação foram reestruturadas de modo a facilitar a drenagem da
produção econômica em direção aos portos, ao comércio exterior. A
circulação interior praticamente inexiste. Dados do governo federal
apontam que mais de 50% da circulação de cargas está na Região Su-
deste, o que corresponde à sua maior participação na distribuição dos
fatores econômicos. No Brasil, a divisão geográfica de natureza regional
tem uma clara e perfeita contrapartida quando justaposta ao conceito de
mercados. Daí a importância que a atividade de transportes ainda pode
exercer para a integração das regiões.
A recuperação e a ampliação da malha viária devem refletir a im-
portância do setor de transporte para o processo de desenvolvimento,
assim como para promover a correção dos desequilíbrios regionais. A
integração regional deve ser a primeira prioridade de um plano de go-
verno nessa área.
A falta de planejamento e controle do setor de transportes levará
a um colapso – o que alguns já chamam “apagão” dos transportes ou
“paradão”, em alusão à crise de energia elétrica ocorrida no governo Fer-
nando Henrique. Os principais sintomas são: frota rodoviária e material
rodante ferroviário envelhecidos (caminhões com mais de 18 anos e lo-
comotivas com idade média superior a 25 anos); estradas em condições
inadequadas, 75% das quais com qualidade comprometida (deficiente,
ruim ou péssima); baixa oferta de infra-estrutura ferroviária; baixíssi-
ma oferta de terminais intermodais (multimodais); e hidrovias pouco
utilizadas.
Maior concentração da matriz de transportes no modal rodoviário,
menos eficiente em termos energéticos, e menor concentração no mo-
dal ferroviário, mais eficiente, tendem a fazer o Brasil menos eficiente
em termos energéticos nesse setor, principalmente quando comparado
aos Estados Unidos.

47
Pens ar o Brasil: Transpor tes

Visto como um todo e usando-se como critério os gastos de BTUs


(British Termal Unit) para cada dólar gerado do PIB, o setor de trans-
portes brasileiro apresenta um índice de aproveitamento energético 29%
maior que o dos Estados Unidos (CNT/CEL, 2002, p. 24). Aproveitamos
menos as fontes não-renováveis de energia no setor, o que incide no
nível de emissão de poluentes, no custo dos bens, nas contas externas
e na dependência de combustíveis. O nível de emissão de poluentes do
setor de transportes brasileiro supera amplamente o norte-americano,
em termos de óxidos de nitrogênio e monóxido de carbono, principais
poluentes relacionados à combustão de veículos. O baixo nível de ma-
nutenção e o envelhecimento da frota tendem a agravar essa diferença.

Fonte: CNT/CEL 2002, p. 24.

Transporte de passageiros
Embora o nosso principal foco seja o transporte de cargas, é importante
abordar algumas questões sobre a matriz de transportes de passagei-
ros. A concentração do transporte de passageiros no modal rodoviário
é muito maior do que a que apontamos no transporte de cargas: nesse
caso, a participação das rodovias ultrapassa 90% do total.

48
Raphael Padula

Matriz de transporte de passageiros

Modalidade Pass. x km %
Aérea 29.7 4.9
Ferroviária 10.7 1.8
Metroviária 4.4 0.7
Rodoviária 561.0 92.6
Aquaviária ... ...
Dutoviária - -
Total 605.8 100.0
Fonte: Anuários estatísticos Geipot e Consultoria DLC.

Analisando por número de passageiros transportados, tanto urba-


nos quanto de longa distância, a participação rodoviária supera 75% do
total. Essa marca se mantém se analisarmos apenas o transporte urbano,
mas diminui pouco mais de 10% se analisarmos apenas o transporte de
longa distância. Quanto ao modal ferroviário, vale ressaltar sua insigni-
ficante participação no transporte de passageiros a longa distância e sua
baixa participação no transporte urbano. No transporte de longa distân-
cia, é importante observar uma participação relativamente mais elevada
do transporte aéreo, que tem crescido nos últimos anos, enfrentando
problemas e restrições pela falta de planejamento e de investimentos.2

2 Utilizamos o Boletim CNT 2005 (dez/2005) para análise do número de passageiros


transportados por ser o último número do Boletim que ofereceu dados sobre transporte ro-
doviário urbano. Os dados são referentes a 2005.

49
Pens ar o Brasil: Transpor tes

Transporte de passageiros

Passageiros
Modal transportados % do total
(milhões)*
Rodoviário
Interestadual/ 132,8 2,71%
Internacional
Rodoviário urbano** 3.582,3 73,02%
Ferroviário longa
1,7 0,03%
distância
Ferroviário
1.114,8 22,73%
urbano***
Aéreo 75 1,51%
TOTAL 4.905,6 100%
Fonte: Boletim CNT dez/2005.
*Valores aproximados.
** Acumulado por ano nas principais cidades brasileiras (Belo Horizonte, Goiânia, Fortale-
za, Porto Alegre, Recife, Rio de Janeiro, Salvador e São Paulo).
*** Metro-ferroviário.

Transporte de passageiros urbano

Passageiros
Modal transportados % do total
(milhões)
Rodoviário urbano 3.582,3 76,27%
Ferroviário urbano 1.114,8 23,73%
Total urbano 4.697,1 100%

Fonte: Boletim CNT dez/2005.

50
Raphael Padula

O número de empresas atuantes no modal rodoviário é bem supe-


rior ao dos demais. Conforme observamos, isto se deve principalmente
à prioridade dada a esse modal, bem como ao baixo custo de entrada e
alto custo de saída no setor de transporte rodoviário de cargas. Em ter-
mos globais, os transportes interestaduais e intermunicipais rodoviários
geram mais de 500 mil empregos indiretos. O transporte aéreo gera 35
mil empregos diretos e 245 mil empregos indiretos.

Empresas e autônomos
Rodoviário Passageiros
Transportadoras

Caminhoneiros

Fretamento

Urbano

Interestadual /
Internacional
Ferroviário
Aéreo

Modal

N.° de
empresas/ 110.942 618.409 8 12 3.808 6.119 222
autônomos
Fonte: Boletim CNT dez/2005.

A racionalização dos transportes públicos de passageiros (coleti-


vos) gera maior eficiência econômica, pois reduz os custos, e favorece
a qualidade de vida da população, principalmente nos grandes centros
urbanos. Embora o automóvel possa ser visto como fonte de conforto
individual e sua produção gere empregos, impostos e desenvolvimento,
a racionalização do transporte de massa é mais importante para o bem
público. A oferta de transporte de massa, sua acessibilidade e grau de in-
tegração, bem como seu custo, são importantes para a qualidade de vida
por ter reflexos diretos em congestionamentos, acidentes, poluição do
ar, ruídos e custo urbano, principalmente em áreas mais concentradas.

51
Pens ar o Brasil: Transpor tes

Segundo o estudo Transporte de passageiros da CNT/Coppead-


UFRJ de 2002 (p. 56), “as variáveis mais importantes para os usuários
na escolha do modal para realizar suas viagens são preço, tempo de via-
gem, viagens diretas, atendimento, flexibilidade, conforto e segurança.
A procura por viagens diretas (não-utilização de integração com ônibus,
trem, metrô e barcas) tem várias causas, principalmente o desconforto
da integração e uma quase nula vantagem tarifária.”
O transporte público deve ser encarado como serviço de utilida-
de pública. Além de afetar a qualidade de vida da população, seu custo
incide diretamente nos salários reais dos trabalhadores. Grande parce-
la do preço da tarifa é utilizada para pagar as gratuidades e subsidiar
viagens de longa distância, nas quais os governos não subsidiam nem
gratuidades nem passagens normais. Caso não houvesse gratuidade, a
tarifa poderia ser menos da metade da atual. Como os governos não pa-
gam as gratuidades, estas recaem sobre as tarifas cobradas aos usuários
pagantes, em sua maioria trabalhadores.
Falta de planejamento e falta de prioridade ao transporte público
levam ao caos urbano nos transportes, ao surgimento dos chamados
transportes “alternativos” (clandestinos ou não) e ao crescimento do nú-
mero de automóveis (flexibilidade e disponibilidade), para quem pode
arcar com os custos. Aumentam o número de veículos automotores em
circulação, os congestionamentos e a poluição. O resultado final é dimi-
nuir a qualidade de vida e reduzir a eficiência econômica. No transporte
de passageiros, maior ênfase deveria ser dada à intermodalidade, aos
transportes de massa de menor custo, ao planejamento e à idéia de que
o transporte é um serviço de utilidade pública que incide pesadamente
no custo de vida da população de renda mais baixa.

52
Raphael Padula

Logística
O sistema logístico do Brasil apresenta problemas de produtividade e de
custos, que se refletem diretamente na competitividade, na eficiência e
nos custos da economia como um todo. A comparação entre os custos
logísticos no Brasil e nos Estados Unidos, países continentais, revela a
necessidade de ações para aumentar a eficiência do setor.
Em 1997, havia 35 operadoras com receita anual de R$ 1 bilhão.
Em 2005, já existiam 118 operadoras que empregam 79 mil pessoas,
com receita anual de R$ 16,4 bilhões. A tendência é de crescimento no
setor. Conforme observamos no capítulo 1, os principais produtos que
utilizam logística são: minérios, metal-metalúrgicos, químicos, petro-
químicos, automotivos, alimentícios, farmacêuticos e eletro-eletrôni-
cos. Nossas mercadorias são muito carregadas por custos logísticos, que
são um fator importante no “custo Brasil”. Temos que evoluir para nos
tornar mais competitivos.
O custo logístico no Brasil foi de R$ 225,5 bilhões em 2004, equiva-
lente a 12,8% do PIB. O custo com transportes são os mais importantes.
Correspondem a 60% dos custos logísticos, seguidos pelos custos de es-
toque, que equivalem a 30,5%. Vale ressaltar o impacto da concentração
no modal rodoviário, cujos custos responderam por 6,1% do PIB, ou R$
109,5 bilhões, quase a metade dos custos logísticos em 2004, conforme
dados do Centro de Estudos Logísticos da Coppead-UFRJ.
Os custos variáveis são importantes nos fretes. Conforme obser-
vamos, os fretes se relacionam mais diretamente aos custos variáveis
e não chegam a remunerar os custos fixos. A alta do preço do barril
de petróleo incide diretamente nos custos, no preço do óleo diesel e
também dos pneus, impactando os fretes e a margem de negociação por
parte dos autônomos.

53
Pens ar o Brasil: Transpor tes

Custo logístico no Brasil 2004

Custo Valor em R$ bi % do PIB


Custo total (R$) de 135,5 7,7
transporte
Rodoviário 109,5 6,1
Ferroviário 7,5 0,4
Aquaviário 12,5 0,7
Aéreo 2,1 0,1
Dutoviário 3,9 0,2
Custo de estoque 69,8 3,9
Custo de 11,7 0,7
armazenagem
Custo administrativo 8,5 0,5
Custo Logístico Total 225,5 12,8
Fonte: Centro de Estudos Logísticos / Coppead-UFRJ.

Segundo dados do CEL/Coppead, referentes a 2004, o custo de


armazenagem foi estimado em R$ 11,7 bilhões, igual a 0,7% do PIB,
e o custo administrativo em R$ 8,5 bilhões, 0,5% do PIB.3 O custo de
estoque, equivalente a 1/3 do custo logístico, foi estimado em R$ 69,8
bilhões, equivalente a 3,9% do PIB. É importante salientar que o custo
financeiro (custo de capital) de estoque está relacionado à taxa de juros
básica da economia (taxa Selic), que nesse ano foi de 16,25%, em mé-
dia.4

3 LIMA, Maurício P. (2006). “Custos logísticos na economia brasileira”. In Revista de


Tecnologia, Janeiro/2006. Rio de Janeiro: Coppead – UFRJ.
4 Idem.

54
Raphael Padula

O Brasil tem uma taxa de juros alta. A média da taxa de juros no-
minal em 1996 foi de 27,15% ao ano, caindo para 16,44% ao ano em
2004 – e alcançou 12,75% ao ano no início de 2007. Se compararmos
com os Estados Unidos, a taxa de juros nominal média foi de 5,27% ao
ano em 1996 e caiu para 1,38% ao ano, alcançando 5,25% ao ano em
2007. Isso fez com que o custo de estoque, como proporção do produto
interno bruto no Brasil, fosse quase o dobro do registrado nos Estados
Unidos em 2004: 3,9% contra 2,1%. Este é um dos principais fatores
explicativos do maior custo logístico em relação ao PIB no Brasil em
comparação com os Estados Unidos.5 O custo administrativo (em rela-
ção ao PIB) também foi quase o dobro – 0,5% contra 0,3% – e o custo de
transportes, principal custo logístico (também em relação ao PIB), foi o
que registrou maior diferença entre Brasil e Estados Unidos: 54%.

Custo de logística comparado: Brasil x EUA


(em % do PIB - 2004)

Brasil EUA
Transporte 7,7 5,0
Estoque 3,9 2,1
Armazenagem 0,7 0,7
Administração 0,5 0,3
Total em 2004 12,8 8,1
Fonte: Centro de Estudos Logísticos da Coppead-UFRJ.

5 LIMA, Maurício P. (2006).

55
Pens ar o Brasil: Transpor tes

Porcentagem de custos logísticos em relação ao PIB:


Brasil x EUA (2004)

Fonte: CEL/Coppead-UFRJ - www.centrodelogistica.com.br

Matriz de transporte de cargas e custos comparados em dólar - 2004:*


Brasil x EUA

MODAL BRASIL EUA


% de carga US$/1000 T % de carga US$/1000 T
** Km Km
Aéreo 0,1 602 0,4 898
Dutoviário 4,5 18 15,1 9
Aquaviário 12,2 24 15,5 9
Rodoviário 59,3 73 29,5 274
Ferroviário 23,8 12 39,6 17
* Foram usados para o cálculo valores e dólares de 2004, em média R$ 2,93/US$.
** Calculado com base em TKU.
Fonte: Lima, 2006 - a partir de dados do Geipot, Fipe e CEL/Coppead-UFRJ.

56
Raphael Padula

Lima (2006) chama a atenção para a considerável diferença entre


os valores do frete rodoviário do Brasil e dos Estados Unidos. Isso se
deve às cargas, ao perfil de rotas e à situação do mercado rodoviário, que
são bastante diferentes nos dois países. Nas palavras de Lima (2006, p.
68): “Enquanto no Brasil predomina o transporte de produtos agrícolas
em distâncias relativamente longas nesse modal [rodoviário], nos Esta-
dos Unidos ele está voltado ao transporte de produtos de mais alto valor
agregado [bens industriais] e à complementação dos outros modais por
uma ponta rodoviária de menor distância.” O autor ressalta o excesso
de oferta de transporte rodoviário no Brasil, diferente da escassez de
motoristas nos Estados Unidos.
No modal aéreo há pouca diferença, embora o custo do Brasil seja
um pouco menor. Já no transporte dutoviário, a diferença em favor dos
Estados Unidos é grande, por causa de economias de escala – grandes
dutos, transportando grandes volumes em longas distâncias – e do me-
nor custo de capital (taxa de juros). Os Estados Unidos também se des-
tacam pelo amplo uso do transporte aquaviário, contando com grandes
composições para transportar grandes volumes a menor custo.
O custo do transporte ferroviário é menor no Brasil – 12 dólares
contra 17 dólares por 100 T/Km. No entanto, conforme Lima (2006)
observa, se a Companhia Vale do Rio Doce for retirada do cálculo, o
valor passa a ser praticamente o mesmo nos dois países (16,93 dólares).
A CVRD opera para si mesma, a preço de custo, com alta produtividade
e grande volume.
Lima assinala (2006, p. 69): “Mesmo considerando a composição
da matriz de transportes dos dois países, em 2004 o custo médio de se
transportar uma tonelada por 1 mil km era menor no Brasil que nos
Estados Unidos.” O custo de transporte é maior no Brasil (7,5%) que nos
Estados Unidos (5,1%), em relação ao PIB, por causa da “relação entre
a movimentação de carga e o tamanho da economia”. Pois, “enquanto a
economia americana é praticamente vinte vezes maior que a nossa, eles

57
Pens ar o Brasil: Transpor tes

só movimentam sete vezes mais cargas que o Brasil”. Para Lima, isso se
deve ao alto valor agregado das mercadorias transportadas e à maior
participação do setor de serviços em relação ao PIB nos Estados Unidos.
Nossa estrutura produtiva baseada na produção de commodities (bens
primários e/ou de baixo valor agregado, não-intensivos em tecnologia)
nos leva a realizar grandes transporte de cargas de baixo valor agregado
e mantém baixa a participação do setor de serviços.
Dois fatores determinantes nos custos de transportes e logísticos
brasileiros são sua concentração no modal rodoviário e a falta de in-
termodalidade – especialmente em comparação com os Estados Uni-
dos. Mesmo com fretes baratos, o setor rodoviário não é competitivo
em transportes de longa distância, em relação aos modais ferroviário e
aquaviário. A intermodalidade dá a opção de usar no transporte de mer-
cadorias, no momento certo, o modal mais adequado em termos de cus-
tos – como ocorre nos Estados Unidos. É preciso que o Brasil implante
um sistema de transportes intermodal e aproveite toda a potencialidade
da intermodalidade, com amplo apoio de oferta logística eficiente.
O CEL/Coppead realizou uma pesquisa em que perguntava pela
prioridade entre “redução de custos” versus “melhoria de serviços”. Para
55% dos entrevistados do setor, a redução de custo é prioridade em re-
lação à melhora dos serviços (para 22,5%, ambos têm prioridade igual
e para 22,5% a prioridade é a melhora de serviços). Já nos Estados Uni-
dos, os resultados foram: 26% para prioridade igual, 35% para redução
de custos e 39% para serviços como principal prioridade em relação à
redução de custos.

58
Raphael Padula

Brasil x EUA, 2004


Prioridade: redução de custos x melhora de serviços (2004)

Brasil EUA
Prioridade Igual 22,5% 26,0%
Prioridade redução de custos 55,0% 35,0%
Prioridade melhora de serviços 22,5% 39,0%
Fonte: CEL/Coppead-UFRJ; www.centrodelogistica.com.br

Os principais problemas do setor são: (a) oferta inadequada, com


escassez de espaço para armazenamento de grãos nas áreas produtoras;
(b) gargalo nas estradas de aproximação aos portos, especialmente no
caso de Santos; (c) estradas de rodagem em más condições, precisando
de grande volume de investimento em restauração e manutenção; (d)
frota de caminhões com idade média alta (estimada em cerca de deze-
nove anos); (g) estradas de ferro pouco rentáveis e com necessidades de
investimentos significativos; (h) utilização precária do transporte aqua-
viário e da navegação de cabotagem.
As ações de integração nacional e intermodal devem ser acom-
panhadas de outros investimentos, como estradas alimentadoras, ter-
minais e pátios intermodais, armazenagem nas propriedades, terminais
portuários especializados etc. A intervenção governamental poderá
contar com expressiva participação do setor privado no investimento
direto e/ou na montagem de esquemas de financiamento.
A infra-estrutura logística deve receber apoio e financiamento
para a construção de armazéns coletores por proprietários, por coope-
rativas e por associações de produtores, estabelecendo-se como meta
a construção de uma capacidade de 70 milhões de toneladas até 2010.
Todas as cidades devem ter, pelo menos, uma unidade armazenadora
para realizar todo o processamento, a limpeza e a secagem da produção

59
Pens ar o Brasil: Transpor tes

agrícola local. Além disso, todos os armazéns pertencentes à União e


a suas empresas, com características típicas de armazenagem coletora,
deveriam ser identificados e integralmente transferidos a associações de
produtores e/ou cooperativas localizadas na sua área de influência. Isso
exigiria recursos da ordem de R$ 1,8 bilhão em oito anos.

Analisando os modais
Transporte rodoviário
Conforme observamos no primeiro capítulo, as empresas de transportes
rodoviário são o núcleo de maior dinamismo do setor, respondendo por
mais de 60% da produção de transportes de cargas. Essa predominância
deve-se à maior flexibilidade operacional, espacial e de nível de serviço,
bem como à maior agressividade de seus operadores. O modal rodoviá-
rio também é dominante nos transportes urbanos de passageiros.
Desde 1995, a Confederação Nacional do Transporte (CNT) reali-
za anualmente a Pesquisa Rodoviária, que fornece o perfil da oferta de
infra-estrutura desse modal. A pesquisa analisou 84.382 km de rodovias
pavimentadas em 2006. Seguindo os resultados, consideraremos os as-
pectos de conservação, segurança e conforto ao usuário das rodovias
brasileiras pavimentadas: pavimentação, sinalização e geometria.
A infra-estrutura rodoviária cresceu sob condução e investimentos
estatais. As formas de gestão dessa infra-estrutura se dividem entre a
gestão estatal e a concessionada. A primeira pode se basear em recursos
públicos federais e/ou estaduais para realizar as diferentes ações, como
ampliação, conservação e manutenção, restauração e reconstrução. Já na
gestão concessionada, a responsabilidade por essas ações fica delegada a
terceiros, que geralmente utilizam a cobrança de pedágios, sob fiscaliza-
ção do Estado, o qual também pode adotar pedágios em suas vias.
Hoje, há pedágios em 6,2% da extensão do modal rodoviário bra-
sileiro, formando a maior malha pedagiada do mundo. A malha rodo-
viária concessionada no Brasil em meados de 2007 atingia 10.825 km

60
Raphael Padula

– 9.739 km administrada pela iniciativa privada e o restante pelas ope-


radoras –, com 37 concessões, assim divididas: seis rodovias federais,
trinta estaduais e uma municipal. As concessões prevêem serviços de
apoio aos usuários: socorro médico, socorro mecânico, telefonia, câma-
ras de TV. Evidentemente, o setor privado tem interesse em atuar nas
rodovias de maior tráfego e maior importância econômica.
O quadro geral da malha rodoviária nacional mostra os seguintes
números:

Extensão da malha rodoviária (km)



Pavimentada Não Pavimentada Total
Federal 57.933 14.777 72.710
Estadual
17.049 7.277 24.326
transitória
Estadual 98.377 109.963 208.340
Municipal 22.735 1.281.965 1.304.700
Total 196.094 1.413.982 1.610.076
Fonte: Boletim Estatístico CNT, janeiro de 2007.

A malha rodoviária nacional possui 1.610.076 km, das quais aproxi-


madamente 88% são não pavimentados. Há 173 terminais rodoviários.
O estado geral de conservação da malha rodoviária brasileira é
ruim, apresentando índices desfavoráveis significativos. Este é o princi-
pal entrave ao modal. A Pesquisa Rodoviária CNT 2006 constatou que
12,2% da extensão pesquisada se encontram em péssimas condições,
24,4% em condições ruins e 38,4% em condições regulares. Isto significa
que 75% da extensão analisada têm alguma restrição, sendo classificados
como regulares, ruins ou péssimos. Somente 25% da extensão avaliada
são classificados como bons (14,2%) ou ótimos (10,8%).

61
Pens ar o Brasil: Transpor tes

Estado Geral das Rodovias


Estado geral % %
Ótimo 10,8
25
Bom 14,2
Regular 38,5
Ruim 24,4 75
Péssimo 12,1

10,8%
12,1%

14,2%

Ótimo
24,4% Bom
Regular
Ruim
Péssimo

38,5%

Fonte: CNT, Pesquisa Rodoviária 2006.


Extensão total analisada: 84.200 km.

As condições do pavimento são muito importantes, pois influen-


ciam a segurança, o tempo e os custos de transporte. Segundo a ava-
liação da CNT (Pesquisa Rodoviária, 2006), 45,5% dos pavimentos são
classificados como ótimos ou bons (37,6% ótimos e 8% bons). É procu-
pante porém que mais da metade (54,5%) sejam classificados de modo
insatisfatório, na condição de regulares (35,6%), ruins (12,6%) ou pés-

62
Raphael Padula

simos (6,2%). Isso quer dizer que o índice para condição do pavimento
é desfavorável.6
As condições de sinalização são um dos aspectos mais importantes
para a segurança das rodovias, que podem amenizar outros aspectos
ruins. A análise da CNT (2006) aponta que 31,4% da extensão pesqui-
sada são classificados como regulares e 38,9% estão em estado crítico
– 20,2% são ruins e 18,7 são péssimas. Ou seja, 70,3% das rodovias
apresentam alguma restrição, o que representa um índice desfavorável.
Somente 29,7% estão em condições favoráveis – 19,4% avaliadas como
ótimas e 10,3% como boas.
As condições de geometria da via têm impacto na segurança e na
fluidez das vias rodoviárias.7 A grande maioria da extensão pesquisa-
da foi considerada em más condições, 25,7% foram classificadas como
péssimas, 28,7% como ruins e 24,1% como regulares. Isto significa que
78,4% se enquadram nesse perfil restritivo. Além disso, a CNT (Pesquisa
Rodoviária CNT 2006, p. 39) constata que 89,7% das rodovias nacionais
são formadas por pistas simples de mão dupla e 40,5% não têm acos-
tamento. Somente 21,6% se enquadram na classificação boa (15,2%)
ou ótima (6,4%) em termos de geometria da via. Conforme a Pesquisa
Rodoviária CNT 2006 (p. 39) relata: “Além da ausência de acostamento
em grandes extensões, é grande o percentual de trechos com acosta-

6 Os critérios de avaliação de pavimento da Pesquisa CNT (CNT, 2006, pp.36-37), ,


de forma bem sintética, foram os seguintes: “a. A avaliação é feita da observação das condições
do pavimento a cada seguimento de até 10 quilômetros de extensão que compõe a extensão
total pesquisada; b. Em cada segmento o avaliador assinala a presença de um ou mais grupos
de defeitos predominantes na superfície do segmento. (...)”, c. Identificação da predominância
de algum grupo de defeitos sobre um segmento de 10 km de extensão.
7 Na avaliação da geometria das vias, a metodologia usada pela Pesquisa CNT (2006,
p.39) foi a seguinte: “a pista simples será avaliada como tendo boas condições gerais de segu-
rança quando possuir: acostamento sem mato, faixas centrais e/ou faixas laterais visíveis ou
desgastadas; a pista simples será avaliada como tendo condições gerais de segurança ruins
quando o seu acostamento for tomado pelo mato ou for inexistente, independente da condição
da sinalização horizontal; ou quando a sinalização horizontal não existir. ”.

63
Pens ar o Brasil: Transpor tes

mentos destruídos ou desgastados, que comprometem as condições de


uso para refúgio de veículos e/ou para realização de manobras evasivas
de emergência. A ausência de faixas adicionais de subida (terceira faixa)
em vários trechos de pistas simples com aclives longos e acentuados se
reflete, também, no resultado da avaliação.”
O gráfico abaixo apresenta de forma resumida as características
da malha rodoviária nacional e revela os índices desfavoráveis, que têm
reflexos negativos nos custos, no tempo gasto e na segurança do setor.

Resumo das características avaliadas das rodovias

Fonte: CNT – Pesquisa Rodoviária 2006, p. 40.

64
Raphael Padula

Indicações da Pesquisa % Km
Pavimento em estado crítico (regular, ruim, péssimo) 54,6 45.950
Sinalização com problemas 70,3 59.309
Sem acostamento 40,5 34.168
Placas encobertas por mato 1,3 1.119
Trechos com afundamentos, ondulações ou buracos 8,6 7.228
Predominância de pista simples de mão dupla 89,7 75.696
Fonte: Boletim estatístico CNT, janeiro/2007, baseado em dados da Pesquisa Rodoviária
CNT 2006.

Pontos Críticos
Erosão na pista 119
Defensas destruídas 80
Queda de barreira 14
Ponte caída 4
Buraco grande 69
Total 286
Fonte: Boletim estatístico CNT, janeiro/2007.

Deve-se ressaltar que a capacidade de suporte do pavimento in-


flui na durabilidade. De acordo com a Pesquisa Rodoviária CNT 2006,
o país pouco utiliza, como alternativa, pavimentos com maior suporte
(como os pavimentos de concreto ou pavimentos rígidos). As condi-
ções do pavimento influem na segurança e eficiência do transporte, in-
cidindo no tempo e no custo de transporte (velocidade e fluidez). Havia
obras em apenas 5,1% da extensão pesquisada.
O mapa brasileiro das rodovias classificadas, retirado da Pesquisa
Rodoviária CNT 2005, além de revelar as condições comprometidas da
malha rodoviária nacional, mostra que a quase-totalidade das vias em

65
Pens ar o Brasil: Transpor tes

boas ou ótimas condições estão concentradas nas regiões Sul e Sudeste


(área de maior grau de desenvolvimento), no polígono São Paulo-Rio
de Janeiro-Belo Horizonte-Brasília e ligadas a portos (caminhos para
exportação). Este cenário revela uma estrutura viária em boas condi-
ções “voltada para fora” e para o escoamento de commodities de baixo
valor agregado e tecnológico, em um país continental com muitas regi-
ões cujo desenvolvimento ainda precisa ser induzido.

Estado geral das rodovias por regiões

Fonte: CNT – Pesquisa Rodoviária 2006

66
Raphael Padula

Estado geral das rodovias

Fonte: Pesquisa Rodoviária CNT 2006, p. 100.

O gráfico revela que o percentual de rodovias em boas ou ótimas


condições também é desfavorável nas regiões Sul e Sudeste, sendo in-

67
Pens ar o Brasil: Transpor tes

ferior a 50% (36% no Sudeste e 39% no Sul). Esse percentual é ainda


menor nas demais regiões: 12% no Norte, 10% no Nordeste e 21% no
Centro-Oeste. Essas regiões demandam maior oferta de infra-estrutura,
principalmente para desafogar, atenuar ou eliminar efeitos de aglomera-
ção e concentração. No entanto, uma melhor oferta nessas regiões tende
a acentuar efeitos polarizadores, concentrando riqueza ali, e a dificultar
(ou mesmo afastar impossibilitar) objetivos de desenvolvimento regio-
nal em favor das regiões menos favorecidas e da integração nacional. A
oferta rodoviária atual favorece um desenvolvimento desequilibrado e
concentrado.
É interessante analisar de forma separada a malha rodoviária, dife-
renciando aquela que continua sob gestão estatal e aquela que está sob
regime de pedágios.
Apenas 16,9% da extensão de rodovias pesquisadas sob gestão do
Estado estão em condições de conservação favoráveis – 12,2% boas e
4,7% ótimas. Esses números revelam o estado deteriorado das rodovias:
83,1% de enquadram nas classificações péssimo (14%), ruim (27,4%) ou
regular (41,7%).
A Pesquisa Rodoviária CNT 2006 considerou as rodovias pedagia-
das, administradas por órgãos estaduais ou por concessionárias,8 ana-
lisando 10.825 km, e mostrou que o cenário se inverte. Em condições
favoráveis encontram-se 79,8% da extensão das rodovias analisadas –
52,1% classificadas como ótimas e 27,6% como boas; somente 20,2%
dos trechos registram condições de conservação com restrições – 0,2%
péssimas, 3,7% ruins e 16,3% regulares. Em pavimento e sinalização,
por exemplo, essas vias são consideradas ótimas em 84,3% e 78,5% dos
casos, respectivamente – contra 30% e 10,8% para as rodovias sob ges-
tão do Estado e não pedagiadas.

8 Consideradas rodovias concedidas pela União, sob fiscalização da ANTT, e ro-


dovias federais delegadas aos estados.

68
Raphael Padula

Extensão Federal
Estado Geral Km %
Ótimo 4.427 7,7
23,5
Bom 9.075 15,8
25.696 44,7
Regular 12.636 22,0 76,5
Péssimo 5.628 9,8
Total 57.462 100,0

Extensão sob Gestão Estatal

Estado Geral Km %
Ótimo 3.452 5,2
19,7
Bom 8.998 14,5
Regular 30.642 34,7
Ruim 20.162 24,8 80,3
Péssimo 10.303 20,8
Total 73.557 100,0
Fonte: Boletim Estatístico CNT, janeiro/2007.

69
Pens ar o Brasil: Transpor tes

Classificação geral
Extensão pedagiada sob gestão terceirizada ou estatal

3,7% 0,2%

16,3%

Ótimo
Bom
52,1% Regular
Ruim
27,6%
Péssimo

Fonte: CNT – Pesquisa Rodoviária 2006.

Esses números podem passar a idéia de que o Estado não tem re-
cursos para administrar as rodovias. Tais recursos estariam no setor pri-
vado, de modo que os pedágios e as concessões seriam a melhor forma
de financiar e ofertar transportes adequados. No entanto, o problema
está na prioridade que o orçamento estatal concede aos gastos financei-
ros. Além disso, a extinção do Fundo Rodoviário Nacional, a partir da
promulgação da Constituição de 1988, pode ser considerado um marco
no desarranjo das finanças do setor.
A avaliação desfavorável do estado de conservação da malha rodo-
viária nacional, com 75% de sua extensão comprometidos, mostra a ne-
cessidade de grandes investimentos na infra-estrutura rodoviária brasi-
leira – ampliação, manutenção, conservação e restauração. Por causa da
concentração da produção de transportes nesse modal, a eficiência e a
competitividade da economia, como um todo, fica prejudicada. Melho-
rar a oferta de infra-estrutura rodoviária no Brasil significa aumentar
a produtividade da economia. Além disso, é preciso privilegiar os as-
pectos de integração nacional e de intermodalidade. O atual estado da

70
Raphael Padula

infra-estrutura rodoviária dificulta acessos às regiões menos favorecidas


e contribui para promover um desenvolvimento desequilibrado entre
regiões.
A Pesquisa Rodoviária CNT 2006 (p.141) afirma: “Ao analisar os
resultados da pesquisa, é possível concluir que as deficiências na infra-
estrutura rodoviária comprometem a integração com as demais moda-
lidades, gerando restrições operacionais e dificultando o crescimento
da intermodalidade. Todo crescimento econômico do país tem que ser
precedido por uma situação favorável dos sistemas de transportes, o que
requer melhoras significativas na rede atual, além da expansão do siste-
ma rodoviário nacional.”
A oferta de infra-estrutura deve andar à frente da demanda, para
que não existam gargalos ao crescimento da economia. A CNT (Pesqui-
sa Rodoviária CNT 2006) estima em R$ 22,2 bilhões por ano os inves-
timentos necessários para que o sistema rodoviário alcance um padrão
adequado de segurança e desempenho (0,9% do PIB, considerando-se
a metodologia de cálculo do PIB adotada em 2007 pelo IBGE). Para
conservação e manutenção adequadas, são necessários investimentos
anuais da ordem de R$ 1,3 bilhão (0,05% do PIB na metodologia atual).
São valores irrisórios, se comparados aos gastos financeiros do Estado.

Investimentos necessários para conservação das rodovias


Km R$/km/Ano R$/Ano
Pista simples 75.696 14.250 1.078.668.000,00
Pista dupla 8.686 24.000 208.464.000,00
Total 84.382 38.250 1.287.132.000,00
Fonte: Pesquisa Rodoviária CNT 2006.

71
Pens ar o Brasil: Transpor tes

Investimentos necessários para recuperar o pavimento


Km R$/km Total
Reconstrução 5.217 750.000 3.912.750.000
Restauração 40.733 420.000 17.107.860.000
Manutenção 6.712 180.000 1.208.160.000
Total 52.662 22.228.770.000
Fonte: Pesquisa Rodoviária CNT 2006.

Os recursos da Contribuição de Intervenção no Domínio Econô-


mico (CIDE), que deveriam ser investidos em obras de infra-estrutura,
têm sido direcionados para outros gastos. Embora insuficientes, esses
recursos seriam importantes.
O impacto da matriz de transportes brasileira sobre o custo
dos fretes reflete-se no envelhecimento da frota cargueira. O setor de
transportes rodoviário de cargas apresenta pequenas barreiras à entrada
e grandes barreiras à saída, o que permite o aumento da oferta. Além
dessas, as principais causas da ampla oferta do transporte rodoviário
de cargas são o alongamento das jornadas de trabalho (excessivas), os
aumentos no peso dos carregamentos (sobrepeso), a baixa manuten-
ção e renovação da frota e a inadimplência fiscal do setor. O aumento
da oferta contribui para abaixar o valor relativo dos fretes, o que gera
barreiras à saída, baixa renovação e manutenção insuficiente da frota. A
falta de fiscalização rodoviária de pesos de carga, com a inoperância ou
a paralisação de 91% dos postos de pesagem, leva ao aumento da oferta
e à degradação da malha rodoviária.

72
Raphael Padula

Fonte: CNT/Coppead, 2002, p. 36.

Geralmente, o preço do frete cobre os custos variáveis, mas não


remunera os custos fixos (principalmente os de investimento, como de-
preciação e financeiro). Isso ocorre principalmente com os transporta-
dores autônomos. Segundo o estudo conjunto CNT/Coppead de 2002,
nesse ano a idade média da frota seria de 17,5 anos, com 76% dos
veículos com mais de dez anos. A projeção para 2012 é de 20,9 anos. Tal
situação não é sustentável no médio e no longo prazos.
Um frete rodoviário artificialmente baixo funciona como um obs-
táculo à intermodalidade, comprometendo o vigor do setor e a sustenta-
bilidade da economia, o que gera externalidades negativas. O gráfico da
próxima página, retirado do estudo elaborado pela CNT/CEL-Coppead
2002, mostra o baixo preço dos fretes para transporte de cargas fechadas
em longas distâncias e sua diferença negativa em relação aos custos-
padrão do setor.9 Essa diferença leva o transportador a adotar medi-

9 Não foram considerados na curva de custos a depreciação dos caminhões e o custo


de oportunidade do capital investido no caminhão.

73
Pens ar o Brasil: Transpor tes

das como sobrecarga e jornada de trabalho excessiva, que diminuem


os custos, ampliam a oferta e, ao mesmo tempo, deprimem o preço dos
fretes, formando um ciclo vicioso.10 Outras conseqüências do aumento
inadequado da oferta são altos índices de acidentes, excessiva emissão
de poluentes, engarrafamentos e excessivo consumo de combustíveis.
Os baixos investimentos em manutenção da frota de veículos são
causa e conseqüência dos preços baixos dos fretes. O estudo CEL/Co-
ppead mostra que os custos médios de manutenção (peças, mão-de-
obra, pneus e óleo) por km rodado são da ordem de R$ 0,23; estimati-
vas da CNT indicam que os autônomos gastam, em média, somente R$
0,16. O quadro torna-se ainda pior ao constatarmos que quanto mais
velho o veículo, menores são os investimentos em manutenção.
Valor do Frete Rodoviário (R$ / Ton*Km)

200
R$ por 1000 TKU

150

100
Custo = 64
50 “gap”
Preço Médio = 45
0
0 200 400 600 800 1000 1200 1400 1600

Rota (Km)
Fonte: CNT/CEL, 2002, p. 33.

10 No caso específico do transportador autônomo, conforme chama a atenção o


estudo CNT/CEL 2002, ele enfrenta barreiras à entrada muito pequenas, simplesmente pos-
suir a habilitação e o caminhão, e altas barreiras à saída, diante das condições do mercado de
trabalho brasileiro, com alto desemprego formal (acima de 10%) e difícil alocação de mão-de-
obra com baixa qualificação (poucos anos de educação).

74
Raphael Padula

O círculo vicioso do transporte


rodoviário de cargas

Pequenas barreiras Altas barreiras de


de entrada saída
transporte rodoviário
O círculo vicioso do

Aumento Baixo valor dos


da oferta fretes

Sobrepeso e Baixa renovação


excesso de jornada baixa manutenção

Fonte: retirado do CNT/CEL, 2002, p. 34.

Média de gastos com manutenção em R$/km


(por faixa de ano de fabricação)

0,171 0,161 0,161


0,161 0,157
0,138

0,096

Abaixo 75 75 a 80 80 a 85 85 a 90 90 a 95 95 a 99 Acima 99

Fonte: CNT/CEL 2002, p. 37.

Os motoristas de transporte rodoviário de carga trabalham em


longas jornadas, o que aumenta a oferta e diminui a qualidade do servi-

75
Pens ar o Brasil: Transpor tes

ço, pois influencia para baixo o valor do frete e aumenta a insegurança


nas estradas. Não há regras que limitem o tempo de percurso.

Fonte: CNT/CEL, 2002, p. 39.

A segurança no transporte rodoviário tem sido precária no Brasil.


A cada ano, são registrados em torno de 200 mil acidentes e 34 mil mor-
tes nas estradas, números que superam os países da Europa e os demais
da América Latina. Além dos fatores humanos, perdem-se aproximada-
mente R$ 7,3 bilhões por ano.
Há dificuldades para organizar dados referentes a acidentes nas
rodovias no Brasil, pois apenas as ocorrências em rodovias federais po-
liciadas – 60% do total – estão disponíveis. Houve uma queda contínua,
ao longo de quatro anos, após a introdução do Novo Código Brasileiro
de Trânsito (1997), registrando-se uma queda total de quase 20% até
2001. Embora o número de acidentes ainda seja menor em 2004 que
em 1997, desde 2001 os registros passaram a oscilar com tendência para
cima e já registram alta de quase 10%.

76
Raphael Padula

Evolução do total de acidentes em rodovias federais


(Brasil)

140.000
124.372 112.457
120.000 115.429
108.881
100.000 116.385
102.576 104.863
80.000
60.000
40.000
Novo Código Brasíleiro de Trânsito
20.000
0
1996 1997 1998 1999 2000 2001 2002 2003 2004
Fonte: DPRF
Fonte: CEL-Coppead. Disponível em: www.centrodelogistica.com.br.

Acidentes em rodovias federais


(Brasil)
120
108881
112457
100
Acidentes Gerais
80
50597
60
40107
40
Acidentes envolvendo veículos de carga
20

0
2001 2002 2003 2004

Fonte: DPRF
Fonte: CEL-Coppead. Disponível em: www.centrodelogistica.com.br.

77
Pens ar o Brasil: Transpor tes

Segundo dados do CEL-Coppead, os veículos de carga respondem


por algo em torno de 35% dos acidentes em rodovias federais, concen-
trados principalmente nas regiões Sudeste e Sul. A BR-116 e a BR-101
são as rodovias mais perigosas para o transporte de carga, responsáveis
por 23% e 17% dos acidentes, respectivamente.
Segundo dados do CEL-Coppead, o índice de mortes para cada 10
mil acidentes no Brasil é aproximadamente 14 vezes maior que o dos
Estados Unidos. As mortes por mil quilômetros de rodovia chegam a
ser 32 vezes maiores que a dos países desenvolvidos.

(T

Fonte: CEL-Coppead. Disponível em: www.centrodelogistica.com.br.

78
Raphael Padula

Fonte: CEL-Coppead. Disponível em: www.centrodelogistica.com.br.

A forma mais freqüente de acidente com caminhões é o tomba-


mento, com 47% dos casos. A probabilidade de ocorrência aumenta
com a velocidade do veículo, o peso da carga, as curvas acentuadas, o
sobrepeso e as longas jornadas de trabalho. Em quase a metade dos ca-
sos, alguma condição desfavorável na via contribuiu para o acidente.
Como vimos, as perdas com acidentes no transporte rodoviário
de cargas chegam a R$ 7 bilhões.11 Em 2005, os prejuízos com roubos
de carga foram de R$ 0,7 bilhão, valor dez vezes menor. O número de
ocorrências de roubos cresceu 14% ao ano entre 1999 e 2002 e começou
a cair desde então. Caiu cerca de 12% até 2005, mas nesse ano ainda re-
gistrava números maiores que os de 1999, com crescimento acumulado
de 1,4% no período.

11 Considerados também os prejuízos à vida, ao patrimônio e ao veículo.

79
Pens ar o Brasil: Transpor tes

Número de ocorrências e roubos/furtos de carga no Brasil

Ocorências de roubos/ Tx de cresc.


Ano
furtos de cargas anual
1999 10.500 -
2000 11.100 6%
2001 11.400 3%
2002 11.950 5%
2003 11.800 -1%
2004 11.700 -1%
2005 10.650 -9%

Ocorrências
14.000 11.800 11.700
11.100 11.400 11.950
10.500 10.650
12.000
10.000
8.000
Tx de Cresc. 1999 - 2005 = 1,4%
6.000
4.000
2.000
0
1999 2000 2001 2002 2003 2004 2005

* Dados estimados - rodovias e áreas urbanas


Fonte: CEL-Coppead, Indicadores de Transporte Rodoviário, disponível em: www.centro-
delogistica.com.br.

Os prejuízos causados por roubos e furtos de carga têm sido cres-


centes no período de 1999 a 2005, acumulando um crescimento de
66,7% no período e alcançando R$ 700 milhões. É interessante ressaltar
que o maior número de roubos e furtos (77%), e a maior parte dos pre-
juízos (71%), concentram-se na região Sudeste, a mais desenvolvida e
com maior movimentação de cargas.

80
Raphael Padula

Prejuízos com roubos e furtos de carga no Brasil (R$ milhões)

Prejuízos por roubos/ Tx de cresc.


Ano
furtos de cargas anual
1999 420 -
2000 500 19%
2001 550 10%
2002 575 5%
2003 630 10%
2004 700 11%
2005 700 0%

R$ Milhões

1.000

700 700
800
630
550 575
600 500
420
400 Tx de Cresc. 1999 - 2005 = 66,7%

200

0
1999 2000 2001 2002 2003 2004 2005

* Dados estimados - rodovias e áreas urbanas


Fonte: CEL-Coppead, Indicadores de Transporte Rodoviário, disponível em: www.centro-
delogistica.com.br.

81
Pens ar o Brasil: Transpor tes

Roubos/furtos de cargas por região - 2005


Ocorrências da roubos/ Prejuízos por roubo/furtos
Região furtos de cargas de cargas
No. % R$ Milhões %
Centro-oeste 341 3 38 5
Nordeste 812 8 67 10
Norte 270 3 19 3
Sudeste 8.164 77 500 71
Sul 1.078 10 76 11

Fonte: CEL-Coppead, Indicadores de Transporte Rodoviário.


Disponível em: www.centrodelogistica.com.br.

Esse número de ocorrências se reflete em custos de seguro e geren-


ciamento de risco e podem influenciar os trajetos, alongando distâncias
e diminuindo a produtividade do setor. É preciso um combate enérgico
e integrado das polícias, com fluxo de informação e serviço de inteli-
gência, para combater (evitar e recuperar) os roubos de carga no Brasil.
Por fim, a fiscalização (peso, velocidade, sonegação fiscal etc.) e
a regulação ineficiente no transporte rodoviário de carga, modal com
maior dificuldade de fiscalização, diminuem as barreiras à entrada, ao
mesmo tempo que aumentam a flexibilidade e o dinamismo, a falta de
segurança e de confiabilidade, a tendência ao envelhecimento da frota, a
maior emissão de poluentes e, sobretudo, as ineficiências. O quadro aci-
ma, retirado do estudo CNT/CEL 2002, compara os itens regulatórios
no Brasil, nos Estados Unidos e na Espanha, indicando a necessidade
de se avançar para uma maior e mais efetiva regulação e fiscalização do
setor, a fim de aumentar a eficiência e a segurança.

82
Raphael Padula

Itens Regulatórios EUA Espanha Brasil


Registro Nacional ✓ ✓ •
Requisitos Adicionais à Habilitação ✓ ✓ •
Responsável Técnico • ✓ •
Frota Mínima para Registro • ✓ •
Área Mínima de Terminais • ✓ •
Anual ✓ - ✓*
Vistoria Veicular
>1 Ano - ✓ -
Autorização de Transporte
Contigenciada • ✓ •
Limitação de Idade Máxima de Frota • • •
Limitação do Tempo de Direção ✓ ✓ •
Peso Máximo por Eixo ✓ ✓ ✓*
Publicação de Tarifas de Frete ✓ • •
Monitoramento de Faixa de Fretes ✓ ✓ •
• Inexistente. *No caso do Brasil alguns itens possuem leis específicas, porém não são
efetivos na prática. Fonte: CNT/CEL, 2002, p. 69.

Os principais desafios do modal rodoviário são: aumento dos in-


vestimentos públicos para ofertar estradas de qualidade, principalmente
nas regiões com piores índices, realizando obras que serão apresentadas
em outro capítulo; atrair recursos privados para atuar de forma sinér-
gica com os investimentos estatais; estabelecer fiscalização e regulação
eficiente no setor, tanto em relação às empresas transportadoras quanto
em relação às empresas concessionárias; estimular a renovação da frota
de caminhões.

83
Pens ar o Brasil: Transpor tes

Transporte ferroviário
A primeira estrada de ferro do Brasil foi inaugurada pelo imperador
dom Pedro II em 1854, ligando o Rio de Janeiro a Petrópolis (a baía de
Guanabara à serra da Estrela), com 14,5 km de extensão. Foi construída
por iniciativa do barão de Mauá, que via no transporte ferroviário um
meio fundamental para promover o desenvolvimento do país. O Impé-
rio incentivou a construção de ferrovias, cujas características marcam
até hoje a malha ferroviária nacional: utilização de diferentes tamanhos
de bitolas, o que dificulta a integração operacional entre as ferrovias e
a formação de um sistema nacional integrado;12 estradas de ferro com
traçados excessivamente extensos e sinuosos, localizadas de forma dis-
persa e isolada ao longo do território, em geral ligando a produção ao
exterior.
A Rede Ferroviária Federal S.A. (RFFSA) foi criada em 1957, for-
talecendo o investimento estatal e a expansão no setor. Malgrado a ex-
pansão tenha sido importante, muitas das características acima apon-
tadas se mantiveram e surgiram outros problemas, de que trataremos
a seguir.
Há décadas prevalece o abandono no transporte ferroviário, o que
gerou um modal pouco competitivo, com vias permanentes, material
rodante e superestrutura degradados. O país possui baixa densidade fer-
roviária – ou seja, uma malha ferroviária pequena em relação ao territó-
rio –, um sistema segregado e com dificuldades de integração, defasado
em equipamentos e material rodante, com bitolas estreitas e diferentes,
e com baixa capacidade dos terminais. É preciso aumentar a malha fer-
roviária, de modo a alcançar as regiões produtoras, e integrá-la com os

12 Bitola é a distância entre os trilhos de uma via-férrea. No Brasil, as bitolas mais


comuns são: a bitola métrica (1 m de largura), a bitola larga (1,60 m de largura), a bitola
internacional (1,435 m de largura), e ainda existem bitolas mistas. Quanto à última, contém
ambas as bitolas citadas anteriormente, onde usam-se três trilhos: um lateral, comum a ambas
as bitolas, um central para a bitola métrica e o outro lateral para a bitola maior.

84
Raphael Padula

demais modais, o que só se tornará possível se retomarmos o planeja-


mento de longo prazo, tanto para o setor de transportes quanto para a
economia como um todo.
O processo de privatizações buscou reverter esse quadro, a fim de
ampliar a oferta e melhorar os serviços e a produtividade do setor, sob o
argumento de que os recursos para investimentos eram escassos no Es-
tado e abundantes na iniciativa privada. Assim, o transporte ferroviário
passou a fazer parte do Programa Nacional de Desestatização na década
de 1990, com a inclusão da RFFSA (Decreto n.º 473, 10/03/92). Em me-
ados da década, o controle operacional foi repassado às empresas con-
cessionárias, que se tornaram responsáveis pela manutenção e o investi-
mento nas malhas. Além dessa concessão, foram firmados contratos de
arrendamento dos ativos de cada uma das malhas da RFFSA – que está
extinta pela Medida Provisória nº 353, de 22 de janeiro de 2007.
Os objetivos do modelo de desestatização, segundo descreve o
Ministério dos Transportes (www.transportes.gov) eram: desonerar
a União, fomentar investimentos e aumentar a eficiência operacional.
Para o leilão de concessões, o sistema foi dividido em seis submalhas re-
gionais (mapa abaixo): Malha Oeste, abrangendo a SR-10 (Bauru), com
1.621 km; Malha Centro-Leste, reunindo SR-2 (Belo Horizonte), SR-7
(Salvador) e SR-8 (Campos), com 7.080 km; Malha Sudeste, reunindo
SR-3 (Juiz de Fora) e SR-4 (São Paulo), 1.674 km; Estrada de Ferro Te-
reza Cristina, abrangendo a SR-9 (Tubarão), com 164 km; Malha Sul,
reunindo SR-5 (Curitiba) e SR-6 (Porto Alegre), com 6.586 km; e Malha
Nordeste, reunindo SR-1 (Recife), SR-11 (Fortaleza) e SR-12 (São Luis),
com 4.534 km. Essa divisão gerou conseqüências danosas para a inte-
gração das malhas e os trajetos de longa distância.

85
Pens ar o Brasil: Transpor tes

Submalhas Regionais

FCN

Novoeste FCA
EFVM

MRS

Ferroban

ALL

A atividade de regulação e fiscalização das concessionárias, em ter-


mos de serviços e exploração da infra-estrutura, é atribuição da ANTT. 13

13 Entre 1998-2001, esta função foi desempenhada pela Secretaria de Transportes


Terrestres do Ministério dos Transportes.

86
Raphael Padula

A malha ferroviária brasileira totaliza 29.706 km, das quais 28.225


km estão sob administração de empresas concessionárias, principal-
mente nas regiões Sul, Sudeste e Nordeste, atendendo parte do Centro-
Oeste e Norte do país. São Paulo, Minas Gerais e Rio Grande do Sul
concentram grande parte da malha ferroviária. Em 2006, o modal teve
participação de cerca de 20% no transporte de carga, 24% na movimen-
tação de carga e 2% na matriz de passageiros, incluindo o transporte
metroviário e ferroviário. O sistema ferroviário nacional é o maior da
América Latina, em termos de carga transportada, mas representa so-
mente 1/3 do total da malha canadense e sua extensão é bem menor
que a da Argentina (34 mil km). O transporte de passageiros em longa
distância praticamente inexiste.
É necessário aumentar a participação do modal ferroviário na ma-
triz brasileira. Os modais devem atuar na matriz de forma complemen-
tar, dentro do conceito de intermodalidade, e não de forma concorrente.
Atualmente, os fretes baixos do setor rodoviário prejudicam o aumento
da participação do modal ferroviário. Conforme destaca a Pesquisa Fer-
roviária CNT 2006 (p. 3), “em outros países com dimensões continen-
tais semelhantes ao Brasil e com expressivos setores agrícolas e mineral,
as ferrovias têm uma participação entre 40% e 50% no transporte de
cargas”.
A densidade ferroviária é definida pelo número de quilômetros de
ferrovias dividido por cada 1 mil quilômetros quadrados de extensão
territorial de um país (km/1.000km2). No Brasil, a densidade é de 3,4,
o que representa uma malha insignificante, principalmente se compa-
rarmos com a densidade de um país desenvolvido e continental como
os Estados Unidos: 29,8 (dados de 2002, CNT). A oferta ferroviária é
muito menor que a rodoviária, que apresenta uma densidade de vias
igual a 17,3. Além da baixa oferta, o setor apresenta problemas de viabi-
lidade econômica de algumas ferrovias que permanecem com alto grau
de subutilização.

87
Pens ar o Brasil: Transpor tes

O modal ferroviário é pouco integrado a outros modais, em gran-


de parte pelo número insuficiente e ainda reduzido de terminais de in-
tegração. As diversas esferas estatais (União, estados e municípios) e as
concessionárias devem fazer um esforço comum, em parcerias com os
clientes, para aumentar a quantidade de terminais. Além de mostrar a
baixa densidade ferroviária brasileira, o mapa também mostra que ela
resulta de uma restrição histórica do transporte ferroviário a corredores
de exportação. Nos Estados Unidos, com densidade significativamente
maior, privilegia-se a concepção de integrar todo o território nacional:
população, produção e mercados.
Conforme aponta a Pesquisa Ferroviária CNT 2006 (p. 111), “mo-
dificações que envolvem ajustes no atual sistema tributário e na legis-
lação e utilização de contêineres, assim como incentivos fiscais para a
criação de terminais intermodais, são necessárias para melhorar a in-
tegração das ferrovias com outras modalidades. (...) O pequeno fluxo
entre as concessionárias indica que o embaraço ao transporte de longa
distância ainda é significativo.”
É possível aumentar a participação das ferrovias na matriz de
transporte brasileira, no médio e longo prazos, com os investimentos
que as empresas concessionárias têm realizado em modernização e me-
lhora do material rodante e do desempenho operacional, e também com
investimentos do governo federal na ampliação da malha. Prosseguem
as obras em trechos da ferrovia Norte-Sul e a construção da Transnor-
destina, previstas no Programa de Aceleração do Crescimento.
No Brasil, o transporte ferroviário responde principalmente pelos
fluxos de minerais na região Norte, de produtos minerais e matérias-
primas industriais na região Sudeste, de grãos na região Sul e em partes
da região Centro-Oeste e da região Sudeste, e combustíveis na região
Nordeste. O minério de ferro responde por 63% do volume total trans-
portado pelas ferrovias.

88
Raphael Padula

Principais produtos movimentados


Mil TU - Ano 2004
Minério de ferro 63%
Produção agrícola 3%
Soja e farelo de soja 8%
Granéis minerais 2%
Indústria siderúrgica 7%
Combust./ Deriv. Petr. / Álcool 2%
Carvão/Coque 4%
Outros 11%
Soja e Farelo

Deriv. Petr./
Siderúrgica
Minério de

Combust./
Produção
Indústria

Minerais
Agrícola
Carvão/

Granéis
de Soja

Outros
Coque

Álcool
Ferro

Total
Ano

1997 168.950 9.290 16.310 10.950 2.770 5.690 10.990 27.340 252.290
1998 167.040 11.620 15.480 11.380 7.090 6.060 10.200 31.870 260.740
1999 163.540 11.870 16.240 11.470 7.550 5.970 8.240 34.830 259.710
2000 183.930 17.030 19.000 12.570 7.430 7.030 7.700 35.880 290.570
2001 184.580 17.675 19.966 12.105 14.317 6.159 8.495 41.953 305.251
2002 192.852 28.083 24.002 11.526 7.559 6.367 8.433 42.170 320.992
2003 203.517 31.865 25.521 12.706 8.818 8.349 7.684 47.741 346.201
2004 239.112 29.090 27.932 13.309 10.471 8.784 7.807 41.271 377.776
Fonte: CEL-Coppead, Indicadores de Transporte Ferroviário.

Para o governo, os resultados das privatizações no setor ferroviário


foram: cerca de R$ 1,7 bilhão com os leilões das malhas; cerca de R$ 2,2
bilhões em pagamentos trimestrais de concessão e arrendamento dos
bens operacionais à União (0,4% do PIB por ano); R$ 466 milhões na

89
Pens ar o Brasil: Transpor tes

arrecadação da Contribuição de Intervenção no Domínio Econômico


(0,02% do PIB por ano); fim de déficits nas operações das malhas da
ordem de US$ 300 milhões por ano (0,026% do PIB). Hoje, o setor gera
30 mil empregos.14
De forma geral, o sistema segue sucateado, tal como foi transferido
para as concessionárias. As questões fundamentais do setor dependem
de ações do Estado e de um planejamento amplo e integrado do sistema
de transportes em geral e da infra-estrutura. As operações das conces-
sionárias geraram algumas melhoras em termos de modernização do
sistema, o que se refletiu em ganhos de desempenho operacional nas
malhas concedidas. Alguns índices melhoraram: aumentou a produtivi-
dade do pessoal, diminuiu o número de acidentes, cresceu a movimen-
tação e a participação no total movimentado de cargas no país, cargas
antes transportadas por outros modais (como granéis agrícolas) foram
atraídas e a presença de cargas mais nobres, como contêineres e produtos
de alto valor agregado, aumentou. Também houve um aumento de 10%,
decorrente do uso da intermodalidade. Para a Pesquisa Ferroviária CNT
2006 (p.15), “esses resultados refletem substancial melhora e moderni-
zação do sistema, o que atraiu usuários e concessionárias e possibilitou
investimentos substanciais em material rodante e em vias permanentes”.
Ressurgiram empresas industriais, de consultoria e de logística, ligadas
ao setor. Segundo a pesquisa, “em 1991, por exemplo, foram fabricados
apenas seis vagões, contra 7.500 em 2005. Com essa alta demanda (...)
houve uma revitalização da indústria ferroviária nacional” (idem).
A malha ferroviária nacional é formada por doze malhas conces-
sionadas (onze para empresas privadas e uma para empresa pública),
duas industriais locais privadas e uma operada pelo Estado no Amapá.
Quatro das doze malhas são administradas pela América Latina Logís-
tica S.A. (ALL): Ferroban, Ferronorte, Novoeste e ALL.

14 Dados da Pesquisa Ferroviária CNT 2006.

90
Raphael Padula

Malhas Ferroviárias da RFFSA Concedidas


Novoeste - Ferrovia Novo Oeste S.A.
FCA - Ferrovia Centro-Atlântica S.A.
MRS Logística S.A.
FTC - Ferrovia Teresa Cristina S.A.
ALL - América Latina Logística do Brasil S.A.
CFN - Companhia Ferroviária do Nordeste
Malhas concessionadas
EFVM - Estrada de Ferro Vitória à Minas
EFC EFC - Estrada de Ferro Carajás
Ferroban - Ferrovias Bandeirantes S.A.
Ferropar - Ferrovia Paraná S.A.*
Ferronorte - Ferrovias Norte Brasil S.A.
Ferrovia Norte-Sul - Valec (empresa pública)
Malhas Industriais EFT - Estrada de Ferro Trombetas
Privadas** EFJ - Estrada de Ferro Jari
Estado do Amapá Estrada de Ferro do Amapá
* Concedida a empresa pública do estado do Paraná. ** Ambas no estado do Pará, a
primeira atendendo a demanda da indústria de minério e a segunda à de celulose.

Tabela 2 - Resultados das ferrovias depois das concessões


Resultados do Setor 1997 1998 1999 2000 2001 2002 2003 2004 2005

Produção Ferroviária
137,0 141,0 138,2 153,0 160,8 166,8 180,5 201,6 221,8
(bilhões de TKU)
Volume
252,9 258,5 255,0 286,8 289,9 314,2 334,7 367,0 391,9
de Transportado
Índice de Acidentes 75,5 69,3 64,9 53,1 39,4 35,5 33,6 30,4 32,9

Investimentos das
Concessionárias 398,1 386,1 537,6 617,4 766,0 667,7 1.088,8 1.957,8 3.114,3
(R$ milhões)
Investimentos da
162,0 113,0 45,0 56,0 58,0 56,0 35,0 8,0 44,0
União (R$ milhões)
Total de
Investimentos 560,1 499,1 582,6 673,4 824,0 723,7 1.965,8 1.965,8 3.157,6
(R$ milhões)
Fonte: ANTF (2006)

91
Pens ar o Brasil: Transpor tes

Resultados do setor de transporte ferroviário pós-concessão

3.500 Produção ferroviária


(bilhões de TKU)
3.000
2.500 Volume transportado
(bilhões de TKU)
2.000

1.500 Índice de acidentes


1.000
Total de investimentos
500 (R$ milhões)
-
1997 1998 1999 2000 2001 2002 2003 2004 2005

Fonte: Pesquisa Ferroviária CNT, 2006.

A tabela mostra que as empresas concessionárias aumentaram sig-


nificativamente os investimentos no setor, gerando aumento na deman-
da pelo transporte ferroviário e ganhos de desempenho operacional nas
malhas concedidas. Em alguns casos, o transporte ferroviário de cargas
passou a ser uma alternativa ao modal rodoviário, embora muito sen-
sível à variação na tarifa de transportes. No entanto, ainda há muito a
fazer para que se alcance um desempenho operacional satisfatório.
A produção de transportes do setor ferroviário cresceu 61,9%
no período pós-concessão, entre 1997 e 2005 – 7,7% ao ano. O volu-
me transportado cresceu aproximadamente 55% no mesmo período –
6,9% ao ano. O índice de acidentes diminuiu em 56,5% – redução de
7% ao ano. Os investimentos das concessionárias aumentaram 782%,
os da União diminuíram 73% e o investimento total no setor aumentou
563,7%, entre 1997 e 2005 – 97,7%, 9,1% e 70% ao ano, respectivamente.
O produto médio aumentou em cerca de 180% entre 1997 e 2005.
Dos investimentos realizados no modal, o maior tem sido em ma-
terial rodante (65% em 2004) seguido de superestrutura (19%). Os in-
vestimentos em infra-estrutura têm sido baixos: 4% em 2004 (dados do
CEL-Coppead).

92
Raphael Padula

O custo do frete cobrado pelas operadoras nas ferrovias é 50%


mais barato que o do transporte rodoviário. A alternativa ferroviária é
importante para agentes, como empresas petroquímicas, que lidam com
matérias-primas que, além de perigosas, são transportadas em grandes
volumes.
Apesar dos investimentos e do aumento do número de vagões, ín-
dices importantes tiveram resultados negativos no período pós-conces-
são, como a produtividade média dos vagões e das locomotivas, medida
pela relação entre produção de transporte de carga total ferroviária e o
somatório de vagões (ou de locomotivas) em tráfego na malha ferrovi-
ária brasileira.
É importante que as ferrovias liguem a produção a todo o país e
aos portos, principalmente a produção agrícola colhida em regiões mais
distantes; além disso, podem ser construídos pequenos trechos que li-
guem a linha principal a locais de produção. O papel da ferrovia não
deve ser apenas (ou prioritariamente) transportar commodities para
portos. Os meios de transporte devem ser um instrumento para superar
nossa condição de país subdesenvolvido, produtor e exportador de bens
de baixo valor agregado e baixa intensidade tecnológica, construindo
uma inserção internacional soberana e geradora de ganhos para toda a
sociedade. Além daqueles que dão acesso a portos, é preciso construir
corredores que interliguem todo o país, conectando centros consumi-
dores e produtores de produtos industriais de alto valor agregado e tam-
bém commodities industriais e produtos primários. É preciso atender às
demandas das áreas do Cerrado no Centro-Oeste, Nordeste, Triângulo
Mineiro e porções da região Norte, por causa do crescimento de sua
produção agrícola, o que demanda investimentos altos. Essa concepção
deve ser estendida à integração física da América do Sul.

93
Pens ar o Brasil: Transpor tes

Produto Médio*
R$/Mil TKU

60
55
50 46,2 49,1
45
40 44,8
35 40,0
30
25 22,8
17,6
20 14,0 16,4
15
10 15,6 Tx de Cresc. 1997 - 2005 = 179,9%
5
0
1997 1998 1999 2000 2001 2002 2003 2004 2005
*∑ das receitas brutas das ferrovias / ∑ da produção do transporte de carga das ferrovias
Fonte: CEL-Coppead, Indicadores de Transporte Ferroviário.

Taxa de Cescimento
Ano Produto Médio
Anual
1997 17,6 -
1998 14,0 -20,1%
1999 15,6 11,1%
2000 16,4 5,6%
2001 22,8 38,7%
2002 40,0 75,5%
2003 44,8 11,9%
2004 46,2 3,1%
2005 49,1 6,5%
Análises: CEL/COPPEAD

94
Raphael Padula

Material Rodante

Infra-Estrutura

Superest. Via
Permanente

Telecomunicações/
Sinalização

Oficinas

Capacitação de
Pessoal
Veículos
Rodoviários

Investimentos

Total
Ano

Outros
1997 112.977 15.486 64.304 10.384 1.040 461 0 148.393 353.045
1998 122.457 35.097 100.221 14.435 3.914 738 0 31.807 308.714
1999 244.255 85.779 101.212 24.297 5.542 258 1.783 14.457 477.583
2000 329.418 44.616 140.488 29.799 13.578 2.095 2.400 109.120 671.514
2001 243.345 122.909 328.766 41.806 8.361 1.019 2.226 61.938 810.415
2002 261.685 48.556 173.540 49.885 7.817 1.421 2.682 80.109 625.695
2003 604.441 60.928 184.260 66.134 26.165 2.285 1.748 126.010 1.071.971
2004 1.222.083 72.981 364.268 37.795 34.142 2.524 4.075 151.762 1.889.630
2005 2.064.000 202.200 746.900 59.000 0 0 0 305.600 3.377.700
Fonte: CEL-Coppead, Indicadores de Transporte Ferroviário.

Produtividade dos vagões*


Mil TKU/vagão

3.000 2.570 2.597 2.416


2.557 2.526
2.500
2.526
2.000 2.437
2.187
1.500
Tx de Cresc. 1997 - 2004 = -14,9%
1.000
500
0
1997 1998 1999 2000 2001 2002 2003 2004

*∑ da produção do transporte de carga das ferrovias /


∑ dos vagões em tráfego na malha brasileira

95
Pens ar o Brasil: Transpor tes

Mapa do Sistema Ferroviário Nacional

Principais Ferrovias

ESTRADA DE FERRO DO
AMAPÁ

E.F. TROMBETAS E.F. JARI

ESTRADA DE FERRO
CARAJÁS
CIA. FERROVIÁRIA
DO NORDESTE

FERROVIA
NORTE-SUL

FERRONORTE
FERROVIA CENTRO
ATLANTICA
Ferrovias Planejadas

Ferrovias Existentes FERROVIA NOVOESTE FERROVIA VITÓRIA-MINAS

MRS LOGÍSTICA
FERROESTE
FERROBAN

FERROVIA TEREZA CRISTINA

AMÉRICA LATINA LOGÍSTICA

Fonte: www.transportes.gov.br

Os principais problemas da malha ferroviária nacional referem-se a


(1) gargalos logísticos e operacionais, (2) problemas em áreas urbanas, (3)
malhas dispersas e não integradas, com divisão de áreas regionais e difi-
culdade de circulação entre concessionárias e (4) diversidade de bitolas.

96
Raphael Padula

Velocidade média comercial

km/hora

30,0
25,0 22,3 22,5
19,3 20,2
20,0 22,7
15,0
10,0 Tx de Cresc. 2000 - 2004 = 4,6%
5,0
0,0
2000 2001 2002 2003 2004

Velocidade média Taxa de crescimento


Ano
comercial anual
2000 19,3 -
2001 22,3 15,3%
2002 22,7 1,6%
2003 22,5 -0,6%
2004 20,2 -10,1%
Fonte: ANTT
Análises: CEL/COPPEAD
Fonte: CEL-Coppead, Fonte: CEL-Coppead, Indicadores de Transporte Ferroviário. de
Transporte Ferroviário.

97
Pens ar o Brasil: Transpor tes

Velocidade média de percurso

km/hora

35,0 28,6 29,7 30,5 29,1


30,0
25,0 30,3
20,0
15,0 Tx de Cresc. 2000 - 2004 = 1,7%
10,0
5,0
0,0
2000 2001 2002 2003 2004

Velocidade de Taxa de crescimento


Ano
percurso anual
2000 28,6 -
2001 29,7 3,6%
2002 30,3 2,0%
2003 30,5 0,9%
2004 29,1 -4,6%
Fonte: ANTT
Análises: CEL/COPPEAD
Fonte: CEL-Coppead, Fonte: CEL-Coppead, Indicadores de Transporte Ferroviário. de
Transporte Ferroviário.

98
Raphael Padula

Total de locomotivas em tráfego na malha

Unidades

2.500
2.150 2.541
1.888
2.000 1.655
1.518 1.950
1.365
1.500
1.551
1.000
Tx de Cresc. 1997 - 2004 = 86,2%
500

0
1997 1998 1999 2000 2001 2002 2003 2004

Total de Taxa de Cescimento


Ano
Locomotivas Anual
1997 1.365 -
1998 1.518 11,2%
1999 1.551 2,2%
2000 1.655 6,7%
2001 1.888 14,1%
2002 1.950 3,3%
2003 2.150 10,2%
2004 2.541 18,2%
Fonte: Ministério dos Transportes (1997 - 2000) e ANTT (2001 - 2004)
Análises: CEL/COPPEAD

99
Pens ar o Brasil: Transpor tes

Distância percorrida pelas ferrovias

km
548 547 539 531 546 545
600 534 529 570
500
400
300
200 Tx de Cresc. 1997 - 2005 = 4,1%
100
0
1997 1998 1999 2000 2001 2002 2003 2004 2005

Fonte: CEL-Coppead, Fonte: CEL-Coppead, Indicadores de Transporte Ferroviário. de


Transporte Ferroviário.

Taxa de crescimento
Ano Distância média
anual
1997 548 -
1998 547 -0,1%
1999 539 -1,6%
2000 534 -0,8%
2001 531 -0,5%
2002 546 2,7%
2003 529 -3,0%
2004 545 2,9%
2005 570 4,7%
Análises: CEL/COPPEAD

A velocidade de deslocamento das composições é muito lenta.


Parte do sistema tem velocidade máxima permitida abaixo de 50 km/h,
tornando o modal pouco competitivo para clientes que exigem tempos

100
Raphael Padula

curtos de deslocamento. A baixa velocidade gera ciclos longos e, con-


seqüentemente, a necessidade de uma frota maior, imobilizando o ma-
terial rodante por períodos incompatíveis com uma operação eficiente
e rentável; além disso, reduz a capacidade da linha, por causa do maior
tempo de bloqueio da via. As concessionárias acabam operando somen-
te na sua própria malha, onde os custos são menores. Este problema
está diretamente associado aos traçados antigos, sinuosos e longos, e às
construções também antigas, com muitos pontos crônicos de estran-
gulamento – os chamados gargalos de infra-estrutura – que ocorrem
principalmente em grandes áreas urbanas.
Segundo a Pesquisa Ferroviária CNT 2006 (p. 54), “parte da atual
malha ferroviária brasileira, por causa da tecnologia usada na época de
construção, quando os traçados contornavam as montanhas para evitar
a construção de pontes, resultou em uma malha composta por muitas
rampas, principalmente na acidentada topografia da região litorânea.
Esta característica, somada à utilização da bitola métrica, gera limita-
ções na velocidade operacional em determinados trechos, tornando as
viagens mais lentas e restringindo o limite de carga que os vagões trans-
portam.”
A retificação de trechos críticos demanda soluções onerosas, cujos
recursos só podem vir do Estado. Para áreas urbanas são necessárias
obras variantes, desvios, contornos e novos acessos a portos.
Como resultado dos diversos problemas no setor, hoje o modal
é competitivo em curtas distâncias, enquanto, por suas características
estruturais, ele deveria ser ideal para longas distâncias. Existem barrei-
ras ao aumento das distâncias de transporte: dificuldades nos grandes
centros urbanos, restrições impostas pelos acordos de tráfego mútuo e
direito de passagem e diferenças entre o frete ferroviário e o rodoviário
(que não são proporcionais para as grandes viagens).
Não há um sistema ferroviário nacional. Anteriormente às conces-
sões, a malha ferroviária já existia de forma dispersa e isolada. A divisão

1 01
Pens ar o Brasil: Transpor tes

do “sistema” ferroviário nacional em submalhas regionais, no processo


de concessões, criou dificuldades de circulação entre concessionárias –
impostas pelos acordos de tráfego mútuo e o direito de passagem – e
diminuiu a competição nas malhas regionais, situação agravada pelos
gargalos. Tudo resulta em baixas velocidades e na impossibilidade de
viagens longas. Além disso, a diversidade de bitolas nas ferrovias bra-
sileiras prejudica a integração da malha, pois inexiste um padrão único
(que não o métrico, de velocidade mais baixa) que possibilite a interli-
gação entre as malhas. As regras de tráfego mútuo e direito de passagem
favoreceram essa espécie de monopólio regional das submalhas e não
viabilizam a utilização integrada da malha ferroviária nacional como
um sistema único.
Conforme descreve a Pesquisa Ferroviária CNT 2006 (2006, p. 16),
“no acesso ao principal porto brasileiro, o porto de Santos – por onde
circulam, além dos trens de carga, também os trens de passageiros – es-
sas ineficiências são ampliadas, aumentando as dificuldades de conexão
entre as concessionárias, já agravada pelas diferentes bitolas”.
De fato, embora tenham ocorrido melhoras em indicadores e no
desempenho, ainda existem entraves que impedem o crescimento da
participação do setor na matriz de transportes brasileira. Para as fer-
rovias superarem seus gargalos físicos e operacionais, é necessário que
haja grandes investimentos que só podem ser realizados pelo Estado,
seja pelo seu gasto direto, seja pela concessão de linhas de crédito às
concessionárias. Isso conflita com o grande argumento para a desestati-
zação, que foi a escassez de recursos no setor público e a existência deles
no setor privado.

102
Raphael Padula

Densidade média de tráfego

Vagões/km

4,00
3,31
3,00 2,57 2,36
1,89 1,96
2,00 2,54
2,37
2,02
1,00 Tx de Cresc. 1997 - 2005 = 74,8%

0,00
1997 1998 1999 2000 2001 2002 2003 2004

*∑ dos vagões em tráfego nas ferrovias / ∑ quilometragem das linhas das ferrovias

Densidade média de Taxa de crescimento


Ano
tráfego anual
1997 4,86 7,7%
1998 5,02 3,1%
1999 4,92 -1,9%
2000 5,45 10,6%
2001 5,70 4,7%
2002 5,98 4,9%
2003 6,42 7,3%
2004 7,23 12,6%
2005 7,79 7,7%
Análises: CEL/COPPEAD

1 03
Pens ar o Brasil: Transpor tes

Densidade média de tráfego

Milhões de TKU/km

10,00
9,00 Tx de Cresc. 1997 - 2005 = 60,2%
7,23
8,00
5,98 7,79
7,00 5,45
5,00 5,02 6,42
5,70
4,00 4,86 4,92
3,00
2,00
1,00
0,00
1997 1998 1999 2000 2001 2002 2003 2004 2005
*
∑ da produção do transporte de carga das ferrovias / ∑ quilometragem das linhas das
ferrovias (28.445 km)
Fonte: CEL-Coppead, Fonte: CEL-Coppead, Indicadores de Transporte Ferroviário. de
Transporte Ferroviário.

Densidade média de Taxa de crescimento


Ano
tráfego anual
1997 1,89 -
1998 1,96 3,7%
1999 2,02 3,0%
2000 2,57 27,2%
2001 2,36 -8,1%
2002 2,37 0,3%
2003 2,54 7,3%
2004 3,31 30,1%
Análises: CEL/COPPEAD

104
Raphael Padula

A malha ferroviária do Brasil possui uma série de gargalos físicos


e logísticos que comprometem a competitividade, a eficiência e a capa-
cidade da própria malha e dos corredores de transporte ferroviários. Os
principais gargalos de infra-estrutura são:
1. Construções irregulares às margens das vias, prejudicando di-
retamente o desempenho operacional e a segurança: trata-se de gran-
des entraves, principalmente quando estão em áreas estratégicas e con-
gestionadas. A maioria desses problemas ocorre em grandes centros
urbanos: Belo Horizonte, Rio de Janeiro e Santos são consideradas as
áreas mais críticas. Nas zonas urbanas, as composições diminuem a ve-
locidade média de 40 km/h para 5 km/h. Muitas vezes as comunidades
invadem a faixa de domínio, instalando cercas, áreas de lazer (bancos,
quadras esportivas e praças), ruas paralelas às linhas ou até moradias
(inclusive sobre túneis). O problema tem raízes na história da formação
e da urbanização das cidades brasileiras que surgiam ao longo de linhas
férreas. Planos diretores seriam importantes instrumentos para evitar
esse gargalo.
2. Excesso de passagens em nível crítico nas malhas, o que contri-
bui para a baixa velocidade média dos trens – em torno de 25 km/h – e
afeta o desempenho operacional do transporte de cargas. Ao longo da
malha concedida, existem 12.400 passagens de nível, das quais 2.503
são classificadas como críticas, por sua localização inadequada, com
elevada ocorrência de acidentes, sinalização inadequada ou deficiente.
Há casos de passagens clandestinas.
3. Expansão e integração da malha ferroviária nacional. É preciso
que sejam realizadas obras para integrar efetivamente e expandir a ma-
lha para os mercados de carga existentes no país: Ferronorte (Ferrovia
Norte Brasil); Ferrovia Norte-Sul; eixo ferroviário Uberlândia-Itumbia-
ra – Rio Verde – Jataí-Mineiros – Alto Araguaia (conectando o Sul de
Goiás e o Mato Grosso aos portos de Santos, Itaguaí e Vitória); Nova
Transnordestina.

1 05
Pens ar o Brasil: Transpor tes

Principais projetos de expansão indicados pelas concessionárias


Projetos Ferroviários Valor Estimado (milhões R$)
Nova Transnordestina (construção de
4.588
1.159,0 Km e remodelação de 721,0 Km)
Ferrovia Leste-Oeste/ BA 2.167
Ferrovia Litorânea/ ES 658
Construção do trecho Alto Araguaia -
500
Rondonópolis/ MT (236,0 Km)
Ampliação da Malha Ferroviária em
1500
Santa Catarina (842,6 Km)
Total Geral 9.413
Fonte: ANTF (2006)

4. Gargalos logísticos, com pouca capacidade de acesso aos portos


e corredores com limitada capacidade ferroviária. Esses gargalos estão
localizados principalmente nas áreas urbanas, ocorrendo conflitos do
tráfego ferroviário com veículos e pedestres. A Pesquisa Ferroviária
aponta algumas obras a serem realizadas: “Construção de variantes no
corredor Paranaguá (ALL); aconstrução do Ferroanel de São Paulo e
expansão do Ferronorte até Rondonópolis; construção de variantes em
Minas Gerais (Patrocínio – Prudente de Morais e a travessia de Belo
Horizonte) e construção da variante Litorânea Sul”, no Espírito Santo
(p. 24). Essas obras esperam investimentos públicos ou a formação de
parcerias com o setor privado.

106
Raphael Padula

Projetos prioritários para solucionar gargalos logísticos


Projetos Ferroviários Valor Estimado (milhões R$)
Segregação de linha de carga na Região
150
Metropolitana de São Paulo
Remoção de invasões de faixa de
domínio (Rio de Janeiro, Santos e Belo 81
Horizonte)
Travessia de Barra Mansa/ RJ 32
Ferroanel de São Paulo - Tramo Norte
850
(PPP)
Variante da Serra do Tigre, entre
1.425
Patrocínio e Prudente de Moras (PPP)
Contorno Ferroviário São Félix -
111
Cachoeira/ BA
Contorno de Vila Velha 99
Variante Camaçari - Aratu/ BA 99
Desvio Guarapuava - Ipiranga/ PR
450
(PPP)
Acesso ao Porto de Santos 29
Sinalização de passagens de nível
20
municipais no Estado de São Paulo
Remoção de invasões na faixa de
20
domínio no Estado de São Paulo
Implantação do Pólo Logístico
de Campo Grande, junto ao novo 50
Contorno
Ampliação do Ramal de Siderópolis
8
(12 Km)
Viaduto/ trincheira em Criciúma/ SC 18
Total Geral 19

Fonte: ANTF (2006)

1 07
Pens ar o Brasil: Transpor tes

5. Diferenças de bitolas. Existem seis tipos de bitola, quando o


ideal é que o país possua apenas um. Essa diferença causa problemas
de integração e eficiência, pois muitas vezes a carga tem que mudar de
trem para seguir viagem, pois o trem anterior não é compatível com o
trecho seguinte a ser percorrido. Existem, ainda, malhas com mais de
uma bitola, como podemos observar na tabela abaixo. Se, por aproxima-
ção, dividirmos a classificação de bitolas somente entre métrica, larga e
mista, a participação desses tipos de bitola em relação à extensão total
ferroviária fica a seguinte: 82,1% métrica, 16% larga e 1,9% mista.
6. Falta de oferta para o setor. O crescimento da demanda pelo
transporte ferroviário e o conseqüente aumento da produção do setor
acarretam a necessidade de comprar material rodante e equipamentos.
A falta oferta para reposição de suprimentos da via permanente e de
material rodante é mais um problema.
Um dos maiores entraves à indústria e aos investimentos em infra-
estrutura é o custo de capital (taxa de juros), que tem sido muito alto
em termos nominais, reais e internacionais, o que inviabiliza financia-
mentos de longo prazo e faz com que os capitais sejam atraídos para as
operações financeiras; é preciso que os juros sejam reduzidos acentua-
damente. É preciso, também, que o Estado tenha políticas de estímulo à
indústria ferroviária e elimine taxas sobre a importação de componen-
tes ferroviários quando estes não são produzidos internamente.
Embora a desestatização tenha se baseado na idéia de que o setor
privado teria recurso que eram escassos no setor público, as concessio-
nárias clamam por linhas de crédito diferenciadas do BNDES – muitas
privatizações do setor contaram com financiamento do banco – e recla-
mam da exigência de bens como garantia, pois os ativos das ferrovias
pertencem à União.
Consideradas como negócio, as ferrovias são muito vulneráveis à
taxa de juros, pois são investimentos com retorno de longo prazo, com
alta dependência de capital e baixa rentabilidade. O reajuste da dívida

108
Raphael Padula

relacionada à concessão é feito pelo IGP-DI mais 12%, uma taxa muito
alta para os padrões internacionais.
Comparando dados do setor ferroviário no Brasil com os Estados
Unidos, um país considerado padrão, encontram-se diferenças notáveis,
mostrando o quanto o Brasil ainda tem por fazer. Em 2003, o investi-
mento por extensão da malha ferroviária foi três vezes maior nos Es-
tados Unidos que no Brasil; em 2004, a receita bruta por vagão foi o
triplo da nossa e a densidade média de tráfego em relação à do Brasil, se
medida pelo somatório da produção de transporte de carga das ferro-
vias dividido pelo somatório da quilometragem de extensão das vias, foi
de 2,4 vezes (se medida pelos vagões em tráfego nas ferrovias dividido
pelo somatório da quilometragem de extensão das vias férreas foi de
0,9 vezes); em 2005, a produção de transporte de cargas foi doze vezes
maior que a brasileira. Ou seja, os Estados Unidos têm uma produção
de transportes muito maior, utilizando menos vagões, o que indica a
maior produtividade dos vagões. Além disso, a distância percorrida pe-
las ferrovias nesse país foi 2,5 vezes maior que as brasileiras.

Produção do transporte de carga do modal ferroviário: Brasil x EUA

Fonte: CEL-Coppead.

1 09
Pens ar o Brasil: Transpor tes

Receita bruta por vagão: Brasil x EUA

Fonte: CEL-Coppead.

Investimento por extensão da malha: Brasil x EUA

Fonte: CEL-Coppead.

110
Raphael Padula

Densidade média de tráfego: Brasil x EUA

Fonte: CEL-Coppead.

Densidade média de tráfego: Brasil x EUA

Fonte: CEL-Coppead.

1 11
Pens ar o Brasil: Transpor tes

Distância percorrida pelas ferrovias: Brasil x EUA

Fonte: CEL-Coppead.

O estudo CNT/CEL-Coppead 2002 comparou o nível de investi-


mentos por quilômetro de linha das concessionárias brasileiras com o
investido pelas empresas nos EUA, constatando que o primeiro é apenas
1/3 do segundo. Esse número se torna mais grave quando se sabe que os
investimentos no Brasil são necessários para recuperar e expandir a ma-
lha, enquanto nos EUA eles são necessários somente para manutenção.
Investimentos privados: Média 1997 - 2000:
U$ por Km de linha U$ por Km de linha

33816
37314
32132 34205
31614

15661 11084
10968 10778
6927
1997 1998 1999 2000 Brasil EUA

Fonte: CNT/CEL, 2002, p.46.

112
Raphael Padula

As concessionárias e algumas análises de especialistas, como a


da Pesquisa Ferroviária CNT 2006, apontam a necessidade de o poder
concedente ajustar os contratos de concessão e arrendamento, rever-
tendo os pagamentos de arrendamento em investimentos voltados para
recuperar e expandir as malhas ferroviárias. Sem embargo, vimos que
a expansão do sistema ferroviário deve ser feita de forma estratégica e
planejada pelo Estado, com padronização do tamanho das bitolas, ten-
do em vista a formação de um sistema ferroviário nacional integrado
em todo o território nacional, privilegiando a intermodalidade. Para
tanto, o poder concedente deve retomar o planejamento de longo prazo
e mudar sua postura financista. As condições e a expansão do sistema
ferroviário não podem ficar nas mãos (e ao gosto) do mercado, pois esse
setor é estratégico e seu desenvolvimento depende de um planejamento
centralizado e harmônico.
Conforme afirma o estudo CNT/CEL-Coppead 2002, “a definição
de metas de produção e de acidentes não tem viabilizado um aumento
da eficiência no transporte ferroviário; metas relacionadas com o de-
sempenho operacional poderiam suprir esta lacuna”, principalmente no
que diz respeito à integração da malha nacional.
Como se vê, apesar de algumas melhoras, a malha ferroviária ainda
opera distante das condições ideais. A partir do quadro descrito acima,
podemos destacar os seus principais desafios: (a) aumentar a participa-
ção do modal na matriz de transportes brasileira, privilegiando aspectos
de intermodalidade e integração regional sul-americana; (b) melhorar e
expandir a oferta de infra-estrutura das malhas; (c) formar um sistema
ferroviário nacional, com visão integrada de cadeia logística; (d) ampliar
e reformar o material rodante, vagões e locomotivas, com participação
de clientes e empresas de locação; (e) superar os gargalos logísticos e
operacionais, principalmente nas áreas urbanas (ações de curto prazo);
(f) expandir a ferrovia Norte-Sul entre Aguiarnópolis (Tocantins) e Pal-
mas (Tocantins), num trecho de 496 km; (g) implantar a ferrovia Nova

1 13
Pens ar o Brasil: Transpor tes

Transnordestina (para a integração regional do país); (h) melhorar e


ampliar a oferta de superestrutura (terminais multimodais, terminais de
transbordo); (i) melhorar o problema de acesso a portos, principalmen-
te Santos (São Paulo) e Itaguaí (Rio de Janeiro), prejudicado principal-
mente por problemas de integração de malhas e tráfego compartilhado,
tal como ocorre em Paranaguá (Paraná) e São Luís (Maranhão).15
Segundo a Pesquisa Ferroviária CNT 2006 (p. 111), “o setor ferro-
viário privado calcula a necessidade de investir cerca de R$ 1,5 bilhão
na construção das principais variantes – linhas alternativas que evitam
os traçados antigos que apresentam fortes subidas e sinuosidades”. Nós
estimamos que aproximadamente R$ 3,5 bilhões sejam necessários para
a solução dos problemas de curto e médio prazo do setor. É preciso que
os recursos da Contribuição de Intervenção no Domínio Econômico
sejam utilizados no setor e, principalmente, que o Estado volte a investir
pesadamente em transportes, priorizando a produção e o desenvolvi-
mento econômico e social de forma planejada, pensando o médio e lon-
go prazos. Os investimentos privados devem atuar de forma sinérgica
nesse processo.

Transporte aquaviário
O transporte aquaviário percorre rios, lagos e oceanos. O subsetor hi-
droviário (ou de transporte fluvial) utiliza rios navegáveis. O subsetor
marítimo divide-se entre o transporte de cabotagem, realizado na costa
ou entre países vizinhos, e a navegação de longo curso, referente a rotas
internacionais e a serviços de feeder (alimentação de linhas).
O modal aquaviário brasileiro é pouco competitivo. Na navegação
internacional a bandeira brasileira é cada vez menos significativa, acar-
retando maior dispêndio de divisas para pagamento de fretes em nosso

15 Os dois principais acessos (corredores) ferroviários ao Porto de Santos são: Santos/


Bauru/Três Lagoas/Campo Grande/Corumbá, com bitola métrica; e Santos/Campinas/Santa
Fé do Sul/Alto Araguaia, com bitola larga.

114
Raphael Padula

comércio exterior. A navegação interior só é importante na região Nor-


te, tendo pequena participação relativa nas demais regiões por causa da
rigidez operacional e/ou a baixa adequação geoeconômica (ressalve-se a
importância crescente da hidrovia Tietê-Paraná). A navegação de cabo-
tagem se ocupa, essencialmente, de granéis líquidos e sólidos.
Em um país com as dimensões continentais e costeira do Brasil
(mais de 8.500 km de litoral), com abundância de rios, o modal aqua-
viário deveria ser um importante instrumento de transporte interior e
exterior, de cargas e de passageiros. É um fator fundamental para o de-
senvolvimento do país e deve ser explorado em toda a plenitude, tanto
no transporte marítimo de longo curso quanto no hidroviário e no de
cabotagem. O transporte aquaviário participa somente com 13,4% da
matriz de transportes de cargas do Brasil.

Portos
Os portos são o elo de ligação para o transporte de longo curso e de
cabotagem. No Brasil, a movimentação internacional de cargas é con-
centrada no transporte marítimo, que responde por 90% do total. Por
isso, a situação operacional dos portos é fundamental no transporte e
na logística de comércio exterior, devendo ter como características agi-
lidade e segurança, com fluxo de informações. No atual cenário, em que
predominam as cadeias globais de produção, o sistema de transportes
e logística – sua eficiência, qualidade, prazo, segurança, confiabilidade
e desempenho – é importantíssimo e pode até determinar a competi-
tividade de produtos e países. É preciso promover o setor para que a
produção nacional circule pelo país e alcance o mundo de forma com-
petitiva.
A Lei de Modernização dos Portos (Lei 8.630/93), de 1993, per-
mitiu maior participação da iniciativa privada na operação dos portos.
Como reflexo disso, os investimentos em equipamento e melhoras de
infra-estrutura em geral têm aumentado, principalmente por causa dos

1 15
Pens ar o Brasil: Transpor tes

investimentos privados. A produtividade dos portos tem crescido. No


entanto, muitos problemas foram criados e outros não foram (e nem po-
dem ser) resolvidos pelo setor privado. É necessário rever a lei. O cres-
cimento das exportações nos últimos anos pressiona a demanda por in-
fra-estrutura a custos competitivos (capacidade e agilidade), o que exige
investimentos. Caso eles não ocorram, permanecem custos excessivos,
principalmente no transporte internacional. Com o sucateamento sofri-
do pela marinha mercante nacional, no período das privatizações, com
Fernando Collor e principalmente com Fernando Henrique Cardoso, o
aumento do comércio reflete-se diretamente no aumento de custos de
frete e no direcionamento de divisas para esses pagamentos. Somente
no governo Lula a marinha mercante voltou a ter maior atenção e in-
vestimentos.
O principal tipo de carga transportado nos portos brasileiros são
granéis sólidos (60% do total). O movimento de cargas gerais tem cres-
cido continuamente, inclusive em participação no total de carga trans-
portada, por causa do aumento do transporte de contêineres. 16Na mo-
vimentação de contêineres, em 2005, em unidades (20’ e 40’), destaca-se
o porto de Santos (SP) com 40,44% do total movimentado, aumentando
sua participação em relação ao ano anterior (36,17%) (Antaq, 2005).
Cerca de 70% do transporte marítimo correspondem à movimen-
tação de minério de ferro (35,83%), petróleo (12,19%), derivados de
petróleo (9,98%), soja (4,37%), açúcar (2,31%), adubos e fertilizantes
(2,16%), produtos siderúrgicos (1,63%), trigo (0,96%), farelo de soja
(0,87%) e milho (0,2%) (Antaq, 2005).

16 O transporte de contêiner se dá através de navios de grande porte, conhecidos


como pora-contêineres, e criou o conceito dos portos concentradores (hub ports), que redis-
tribuem a carga por navios menores em linhas alimentadoras (feeders lines).

116
Raphael Padula

Movimentação de Cargas – 2001-2005


Ano Valor absoluto (mi de t) Valor percentual
Granéis Granéis Carga Taxa de Granéis Granéis Carga
Total
sólidos líquidos geral cresc. sólidos líquidos geral
2001 289 164 53 506 - 57% 32% 10%
2002 302 163 64 529 4,5% 57% 31% 12%
2003 336 162 73 571 7,9% 59% 28% 13%
2004 370 167 85 621 8,7% 60% 27% 14%
2005 393 164 93 650 4,7% 60% 25% 15%

Fonte: Antaq, Anuário Estatístico Portuário 2005. Disponível em www.antaq.gov.br.

O transporte de cabotagem não tem sido relevante. Participa com


aproximadamente 23,12% na movimentação de cargas, o que represen-
ta uma ligeira redução em relação à participação em 2004 (23,91%).
Isso significa apenas 5,7% da movimentação total de cargas na matriz
de transportes nacional e 14% das movimentações de embarcações. Ou
seja, a movimentação é praticamente estável, com tendência de queda
na participação relativa. A movimentação de cargas por cabotagem
cresceu 1,71% em 2004 e 1,14% em 2005 (Antaq, 2005).
O transporte marítimo de longo curso participa com 72,84% das
cargas (17,2% da matriz nacional) e 58% das embarcações, com partici-
pação e movimentação crescentes. Em 2005, a navegação de longo curso
cresceu 5,8% em relação a 2004, em movimentação de cargas. Outras
navegações cresceram 4,3% em 2005, mantendo a participação no total
de movimentação de carga em torno de 4%.
É necessário aumentar o transporte de cabotagem, que é de baixo
custo, tem enorme potencial e deve ser mais usado em países com as
condições geográficas do Brasil, além de poder desempenhar importan-
te papel na integração física e regional sul-americana. O Brasil possui
portos com vocação para a cabotagem.

1 17
Pens ar o Brasil: Transpor tes

Movimentação
Movimentação dedecargas
cargaspor
por tipo
tipo de
denavegação
navegação
2000 - 2005 (milhões de t)
2000 - 2005 (milhões de t)
800
571 620 649
600 429
485 507 447
371 411 437
400 332 348

200 135 137 137


1 137 148
150
18 22 21 23 25 26
0
2000 2001 2002 2003 2004 2005

Cabotagem Longo curso Outras Navegações Total


Fonte: Antaq, Anuário Estatístico Portuário 2005. Disponível em www.antaq.gov.br.

Participação dos tipos de Navegações no


Participação dos tipos Transporte
de navegações no transporte
Aquaviário - 2005 aquaviário - 2005
4%

23%

Outras Navegações
73%
Longo curso
Cabotagem

118
Raphael Padula

Movimento de embarcações nos portos – 2001-2004 (unidades)

Tx de Cresc. 2001 - 2004 = 4,0%


35.000
30.472 29.367
30.000 28.231 27.123
25.000
20.000 17.104
15.867 15.296
15.000 14.210
10.018 9.801
10.000 8.071 8.139
4.003 4.804 3.756 4.124
5.000
0
2001 2002 2003 2004

Longo curso Cabotagem Outras Total


Fonte: Antaq, 2004, elaboração CEL-Coppead.

Volumes operados (em milhões de toneladas)

Granel Granel
Ano Carga Geral Total
Sólido Líquido
1992 183,9 123,2 33,5 340,5
2004 369,6 166,6 84,6 620,7

Variação
201% 35,2% 152,3% 82,3%
Acumulada
Variação
9,6% 2,5% 8,0% 5,1%
Anual

1 19
Pens ar o Brasil: Transpor tes

Movimentação de carga por natureza e tipo de porto 2004 ( em t mil)

Terminais
Natureza
Portos % de Uso % Total Geral %
da Carga
Privativo
Granéis
122.862 33,2 246.749 66,8 369.611 59,6
Sólidos
Granéis
38.386 23,0 128.169 77,0 166.555 26,8
Líquidos
Carga
67.061 79,3 17.493 20,7 84.554 13,6
Geral
Total 228.310 36,8 392.411 63,2 620.721 100,0
Fonte: Apresentação do BNDES para o PNLT, p.8.
Disponível em www.centran.eb.br/plano_logistica

Em 2005, o porto de São Sebastião (SP) foi o mais importante do


setor de cabotagem, com 28% de participação, seguido de Aratu (BA)
com 13%, Belém (PA) com 7,5%, Angra dos Reis (RJ) com 5,3%, Santos
(SP) com 5,2%, Vila Conde (PA) com 4,8%, São Francisco do Sul (SC)
com 4,7%, Rio de Janeiro (RJ) com 4,4% e Manaus (AM) com 3,5%. Na
navegação de longo curso, os nove portos/terminais que mais movimen-
taram em 2005 concentram 81,79% do total movimentado no Brasil.
Os investimentos da União nos portos têm sido insuficientes e re-
lativamente estáveis ao longo dos anos, com uma queda acentuada em
2003. Dos R$ 240 milhões autorizados no Orçamento de 2006 para a
“agenda portos”, somente R$ 59 milhões (menos de 25%) haviam sido
ordenados até outubro, e nem mesmo esse montante havia sido execu-
tado. A marinha mercante foi privilegiada com maiores investimentos
e atenção no governo Lula, aumentando em mais de 100% entre 2002 e
2003, primeiro ano de mandato. No entanto, esse segmento parte de um
nível muito baixo, por causa do abandono e do sucateamento nos go-
vernos anteriores, que tentaram extingui-lo. Ele ainda demanda muitos

120
Raphael Padula

cuidados, investimentos e políticas específicas, como políticas de finan-


ciamento e industriais. O transporte hidroviário segue com investimen-
tos insignificantes.

Movimentação de longo curso:


total de cargas nos principais portos em 2005
Porto Cargas em t Participação
Tubarão (ES) 97.574.691 20,63%
Itaqui (MA ) 78.658.411 16,63%
Itaguaí (RJ) 65.665.071 13,88%
Santos (SP) 64.062.571 13,54%
Paranaguá (PR) 26.778.239 5,66%
Praia Mole (ES) 16.264.827 3,44%
Ponta Ubu (ES) 15.526.697 3,28%
Rio Grande (RS) 12.535.278 2,65%
S. Fco. do Sul (SC) 9.828.471 2,08%
Fonte: Antaq, Anuário Estatístico Portuário 2005.

Investimentos (realizados) da União - 2000 - 2004 (R$ mil)

2000 2001 2002 2003 2004


Rodoviário 1.840.281 2.310.072 1.653.570 712.450 960.038
Portuário 179.028 180.811 133.639 44.718 172.770
Ferroviário 59.812 70.909 72.185 34.805 69.138
Marinha
186.627 150.960 298.649 611.742 696.126
Mercante
Hidroviário
70.239 103.805 50.151 7.255 37.016
Interior
Fonte: Ministério da Fazenda, Ministério do Planejamento, Siafi.

1 21
Pens ar o Brasil: Transpor tes

A operação dos portos se dá sob administração pública ou privati-


va/privada.17 A administração dos portos, denominada Autoridade Por-
tuária, pode ser exercida pela União ou por concessionárias. Os portos
apresentam diferentes procedimentos administrativos, que diferenciam
seus processos, serviços e custos. A Pesquisa Aquaviária CNT 200618
mostrou que, para os agentes marítimos (armadores e embarcadores),
a eficiência/velocidade operacional é o principal motivo para escolher
um tipo de terminal (45,7% das respostas), seguido pelo custo (16,4%).
A pesquisa constatou que a eficiência operacional é apontada como o
maior atrativo em portos privados/privativos.
No entanto, os terminais públicos predominam em quase todos os
tipos de carga. Apenas a movimentação de contêineres predomina nos
terminais privados/privativos, por causa da maior disponibilidade de
equipamentos e recursos (74,2% das movimentações contra 24,8% em
terminais públicos). Segundo a opinião dos agentes, os problemas que
foram classificados como graves e muito graves na avaliação da pesquisa
foram o excesso de burocracia (76,7%), o elevado custo da mão-de-obra
(71,1%) e a falta de financiamento para investimentos em infra-estrutu-
ra portuária (59,5%).
O excesso de burocracia é um dos principais problemas nos por-
tos brasileiros e reduz sua competitividade. Os tributos e a burocracia

17 Segundo a Pesquisa Aquaviária CNT 2006 (p.22), “podemos considerar que os ter-
minais públicos são aqueles administrados por governos estaduais, municipais ou por órgão
vinculado ao Ministério dos Transportes. Já os terminais privativos são instalações portuárias
exploradas por empresas privadas, dentro ou fora da área do porto organizado, utilizadas na
movimentação e/ou armazenagem de cargas destinadas ou provenientes do transporte aqua-
viário. Estes podem ser de uso misto, para a movimentação de cargas próprias ou de terceiros,
ou de uso exclusivo, para movimentação somente de carga própria, localizados em áreas pri-
vadas, desta forma, também denominados terminais privados”.
18 A Pesquisa Aquaviária CNT 2006, Portos Marítimos: Longo Curso e Cabotagem,
analisou os principais fatores de infra-estrutura destes subsetores do transporte aquaviário, a
partir de entrevistas com agentes marítimos (armadores e embarcador). A Pesquisa selecionou
227 empresas, atuantes em 12 estados e 15 portos.

122
Raphael Padula

alfandegária aumentam os custos e dificultam o desembaraço. É preciso


racionalizar os processos e investir em informatização. Dentre os agen-
tes marítimos entrevistados na Pesquisa CNT 2006, 75% classificaram a
burocracia nos portos como grande ou muito grande.
Os custos portuários são elevados e os investimentos privados
não resultam em baixas tarifas. Não há concorrência intraportos, que
deveria pressionar os preços para baixo. O setor está sujeito a práticas
econômicas abusivas e a práticas de cartel. As altas tarifas não têm sido
revertidas em investimentos, públicos ou privados.
O custo da mão-de-obra tem sido um gargalo à competitividade
dos portos, onerando o custo total, com excesso de trabalhadores e ser-
viço de qualidade apenas regular. Segundo a Antaq, o custo da mão-
de-obra responde por duas a cinco vezes o custo da infra-estrutura. De
acordo com a Pesquisa Aquaviária CNT 2006 (p.31), “em geral os custos
com pessoal são 2,3 vezes maiores que os relacionados à infra-estrutura.
No caso específico de terminais públicos, esse valor chega a ser cinco
vezes maior. Os portos brasileiros são excessivamente caros por causa
dos custos com pessoal. (...) Os serviços de praticagem e rebocadores re-
presentam 30% a 50% o custo total.” É preciso haver uma adequação no
número e no treinamento dos trabalhadores, de acordo com cada porto.
Para a Pesquisa CNT, tal quadro sugere a necessidade do fortalecimento
do Órgão Gestor de Mão-de-Obra Portuária Avulsa.19 O sindicato do
setor, organizado e forte, é uma das razões para a rigidez no número de
trabalhadores. As Companhias Docas, órgãos federais, apesar de terem
reduzido seus quadros, ainda são deficitárias, principalmente por causa
de passivos trabalhistas.

19 Segundo a Pesquisa CNT (p.50), o OGMO “opera no âmbito de cada porto com a
finalidade de cadastrar, registrar e treinar a mão-de-obra dos trabalhadores portuários; admin-
istrar o fornecimento de mão-de-obra para os operadores portuários; estabelecer o número
de vagas; arrecadar junto aos operadores os encargos sociais e previdenciários, bem como a
remuneração devida aos trabalhadores”.

1 23
Pens ar o Brasil: Transpor tes

Cada tipo de terminal apresenta uma estrutura de despesas varia-


da. Segundo a Pesquisa Aquaviária CNT 2006 (2006, p. 29), “as despe-
sas com práticos (24,4%), rebocadores (21,4%) e mão-de-obra avulsa
(19,0%) são os principais componentes de despesas nos portos, segui-
dos pela utilização de infra-estrutura (19%), que engloba tanto a parte
terrestre quanto a marítima e a de estocagem. A operação no terminal
marítimo representa apenas 8,3% da despesa portuária.”
Com o sucateamento da marinha mercante brasileira e o recente
crescimento do comércio exterior, a opção tem sido usar navios de ban-
deira estrangeira, o que gera significativos custos de frete internacional
e pesa nos custos de transporte de longo curso.
É preciso melhorar o tempo de espera nos portos brasileiros, prin-
cipalmente para navios de granéis sólidos e contêineres. Para os casos de
navios de carga geral solta, granéis sólidos, contêineres e granéis líqui-
dos (ou seja, exceto P.C.C./Ro-ro e Passageiros), mais de 30% dos navios
esperam mais de seis horas por berço de atracação (para contêineres,
essa percentagem é de quase 50% e para granéis sólidos, de 54,3%). Esse
tempo de espera resulta em falta de eficiência, custos extras e atrasos no
tempo de entrega. A maior parte do tempo médio atracado dos navios
(desde a atracação até a partida) ficou entre 12 e 24 horas para navios de
contêineres (43,7%), P.C.C./Ro-ro (41,7%) e granéis líquidos (29,4%).
No caso de navios de granéis sólidos, mais de 20% ficam mais de 60
horas.
O tipo de carga mais carente de linhas regulares é o de contêineres.
O problema tem origem no forte crescimento do transporte de contêi-
neres: 136% na movimentação de contêineres nos últimos cinco anos,
passando de 2,5 milhões de TEUs em 2000 para quase 5,9 milhões em
2005. O crescimento da demanda por esse transporte não foi acompa-
nhado de uma oferta adequada.
A falta de regularidade na dragagem dos berços e canais de nave-
gação, adequando o calado de ambos para acesso e atracação, tem sido

124
Raphael Padula

um dos grandes problemas da infra-estrutura portuária. A ausência


de dragagens, que em alguns portos não são realizadas há quase cinco
anos, tem prejudicado a profundidade dos canais. Ao reduzir os cala-
dos, isso limita o acesso de navios de grande porte e torna impossível
ou muito caro o desembarque da carga. Essas obras são de responsabili-
dade da Autoridade Portuária, pois os operadores dos portos recolhem
taxas específicas para financiá-las. Têm sido dragados adequadamente
os principais portos nos estados de Santa Catarina, Espírito Santo, Rio
de Janeiro, Ceará, Paraíba e Maranhão. Nos demais, esse problema é
muito grave.
Além das condições dos portos, também são importantes as con-
dições dos acessos – terrestres e aquaviários – aos portos, que também
apresentam problemas de qualidade da infra-estrutura. Anteriormente,
tratamos dos problemas dos modais rodoviário e ferroviário. O acesso
rodoviário, além de inadequado, é de má qualidade (mal conservado).
Segundo a Pesquisa CNT 2006 (2006, p. 41), os principais problemas de
acesso rodoviário, além da má conservação das vias, são: passagens em
áreas urbanas, engarrafamentos de veículos de carga, roubos de carga,
falta de duplicação e opções de vias de acesso, falta de estacionamen-
to para espera, sinalização, pedágios e burocracia excessiva. Os acessos
ferroviários – apesar da oferta ser, em geral, adequada – também são
mal conservados e mal integrados. Os problemas apontados na Pesquisa
CNT 2006 (p.43) são: conservação da malha e dos terminais ferroviá-
rios, travessia por áreas urbanas,20 carência de linhas, falta de ramais
para os portos, falta de equipamentos e horários de operação. Os acessos
aquaviários têm problemas na profundidade de canais, pela ausência de
dragagem regular. Também são relevantes os problemas de profundida-
de e disponibilidade de berço de atracação e sinalização/balizamento. A

20 Conforme a Pesquisa (idem) assinala: “Destaca-se que a travessia por áreas urba-
nas ocorre no entorno do porto organizado, o que dificulta sua ampliaçao e a construção de
retroáreas e áreas de espera para os veículos de carga”.

1 25
Pens ar o Brasil: Transpor tes

dragagem de canais e berços representa o principal problema de acesso


aquaviário aos portos, e o acesso é determinante para a competitividade
dos portos.
É preciso integrar o transporte marítimo aos demais modais. Para
isso, são imprescindíveis a melhora nos acessos e o aumento da ofer-
ta e qualidade de infra-estrutura, assim como a qualidade e eficiência
dos serviços dos portos. Também é fundamental expandir retro-áreas e
armazéns (capacidade de armazenamento dos portos), sobretudo para
contêineres, aumentando a disponibilidade logística, o que demanda
grandes investimentos públicos e privados, tanto de empresas explo-
radoras quanto de usuários. Os pátios e áreas de armazenagem apre-
sentam problemas de disponibilidade e conservação, pela falta de in-
vestimentos, que são de responsabilidade da Autoridade Portuária, que
recolhe taxas e recebe incentivos dos governos para isso. Os retroportos
(ou retro-áreas) também apresentam problemas de disponibilidade e
conservação.
É preciso investir no aumento da capacidade e eficiência dos portos
brasileiros. Os equipamentos de transbordo (guindastes móveis, portêi-
neres, transtêineres, sistemas de recepção e expedição, ship-loaders etc.)
precisam de grandes investimentos. Com capacidade logística e efici-
ência, os portos podem operar com economias de escala na produção,
reforçando a intermodalidade. O aumento na movimentação de contêi-
neres mostra a necessidade de modernização e de aumento da oferta de
equipamentos nos portos brasileiros, e, conseqüentemente, do aumento
significativo dos investimentos.
Sob políticas adequadas e direcionadas para tal fim, os portos po-
dem dinamizar as economias regionais. São importante instrumento de
desenvolvimento. O porto de Santos, o principal do país, por exemplo,
apresenta gravíssimos problemas de acesso, com gargalo nas estradas de
aproximação e problemas de acessos ferroviários, de conservação e de
dificuldades de conexão entre as malhas de diferentes concessionárias.

126
Raphael Padula

Movimentação anual de contêineres – em TEUs

2002 2003 2004 2005

Crescimento

Crescimento

Crestimento
Quantidade

Quantidade

Quantidade

Quantidade
Porto

Santos 1.230.599 26,8% 1.560.963 22,4% 1.910.532 18,7% 2.267.921


Rio
452.548 13,2% 512.331 20,6% 617.808 9,3% 675.516
Grande
Itajaí 334.746 39,4% 466.771 20,8% 564.012 14,9% 647.796
Paranaguá 271.219 14,3% 309.931 21,7% 377.125 11,4% 420.318
Rio de
270.046 19,0% 312.349 7,2% 344.487 -5,5% 325.380
Janeiro
São
Francisco 257.925 9,3% 281.887 -2,9% 273.787 6,1% 290.440
do Sul
Outros 714.856 14,8% 820.413 86,9% 1.533.057 -14,5% 1.310.569
Total 3.531.939 21,0% 4.273.645 19.6% 5.113.198 16,1% 5.937.940
Fonte: Pesquisa Aquaviária CNT 2006, p. 48.

Existe uma centralização das decisões administrativas nas Compa-


nhias Docas. Estas devem ser financeiramente saudáveis e administra-
das de forma profissional, tendo em vista o desenvolvimento do porto,
o aumento da capacidade de gestão e de investimento. É preciso rever o
papel da Antaq, que deve ser voltado a objetivos públicos.
Uma série de desafios, de curto, médio e longo prazo, está coloca-
da ao Estado para a operação eficiente dos portos, pois o setor privado
não reúne condições ou interesse de enfrentá-los. Tais desafios são: (a)
racionalização de processos burocráticos, informatização e dimensio-
namento e treinamento de mão-de-obra; (b) realização de operações re-
gulares e de investimentos em manutenção: na criação e especialização

1 27
Pens ar o Brasil: Transpor tes

de berços, na dragagem, na expansão de retro-áreas para contêineres e


em armazéns, aumentando a disponibilidade logística, com moderni-
zação e aquisição de equipamentos, principalmente os de transbordo
(guindastes móveis, portêineres, transtêineres, sistemas de recepção e
expedição, ship-loaders etc.); (c) melhora de infra-estrutura e de acessos
rodoviários, ferroviários e aquaviários, e ações de integração dos portos
aos demais modais; (d) construção de novos terminais; (e) revisão do
marco regulatório e saneamento das Companhias Docas, para torná-las
auto-sustentáveis e financeiramente saudáveis, com gestão profissional,
voltada ao desenvolvimento do porto; (f) abertura de financiamentos
direcionados para modernizar e aumentar a capacidade dos portos, as-
sim como para solucionar os demais problemas que demandam uso de
recursos, objetivando acompanhar o crescimento de demanda e, princi-
palmente, fazer a oferta andar à frente da demanda.
Essas ações de integração devem ser acompanhadas de outros in-
vestimentos, como estradas alimentadoras, terminais e pátios intermo-
dais, armazenagem nas propriedades, terminais portuários especializa-
dos etc. A intervenção governamental nessas ações poderá vir a contar
com expressiva participação do setor privado como investidor direto e/
ou na montagem de esquemas de financiamento que as viabilizem.
Uma questão a ser resolvida é a integração de um dos vértices do
polígono São Paulo – Rio de Janeiro – Belo Horizonte – Brasília à malha
viária internacional. O complexo portuário Rio de Janeiro – Sepetiba é
a melhor solução. Ali, há uma importante área geográfica, compreendi-
da pelas baixadas Fluminense e de Sepetiba, para a instalação de áreas
alfandegárias de armazenagem, serviços de enchimento de contêineres
e pré-despacho. Os portos do Rio de Janeiro e de Sepetiba precisam ser
reaparelhados e recuperadas as vias de interconexão entre eles, os “por-
tos secos” e os corredores de transporte.
O porto de Itaguaí, na baía de Sepetiba, é o único no Atlântico Sul
com águas profundas e abrigadas pela baía, ou seja, capaz de receber

128
Raphael Padula

gigantescos navios porta-contêineres – que hoje fazem comércio com a


Ásia –, tornando-se um grande concentrador de cargas industriais e in-
serindo o Brasil nas rotas internacionais de comércio de mais alto valor
(cargas industriais), que atualmente se restringem ao Hemisfério Norte.
Sua localização é privilegiada, pois, em um raio de 500 km de Itaguaí
concentram-se 70% do PIB brasileiro. Esse porto, além de reduzir o gas-
to anual do Brasil com frete internacional, aumentaria a competitivi-
dade da indústria brasileira.21 Os gargalos estão no acesso rodoviário e
ferroviário. É preciso completar o arco rodoviário e adaptar/padronizar
bitolas de ferrovias. 22

Marinha mercante
O aumento do fluxo de comércio (exportações e importações) leva o
Brasil a ter maiores gastos com frete e aluguel de equipamentos. Em
2006, foram gastos US$ 6,5 bilhões em fretes marítimos. Eles refle-
tem o sucateamento da marinha mercante,23 grande transportadora

21 Apesar de seu potencial para cargas industriais, o complexo portuário atualmente


movimenta carvão, minério de ferro e alumina, e tem um terminal de contêineres (carga in-
dustrial), encontrando-se subaproveitado, com ocupação de apenas 35% da área, devido a en-
traves logísticos, a serem resolvidos, e pressões políticas (especialmente em favor de Santos).
No entanto, já atrai para a sua proximidade a instalação de grandes projetos industriais, com
empresas privadas interessadas (como a Vale do Rio Doce) que podem investir em obras de
infra-estrutura – com investimento podendo chegar a 569 milhões de reais - atuando de forma
sinérgica no porto.
22 O governo federal deve efetivar a obra de duplicação da BR-101 no trecho Santa
Cruz e Itacuruçá, obra de 22,6 km orçada em R$147 milhões, que é parte do arco rodoviário
que ligará o porto às rodovias BR-040, BR-116 e BR-101 – o Dnit não tem conseguido levar
a frente esta obra. Toda obra do arco rodoviário está orçada em R$570 milhões. Quanto ao
gargalo ferroviário, a malha ferroviária da FCA em Minas Gerais e Goiás tem bitola estreita,
enquanto a linha MRS em Barra Mansa é mais larga, demandando então a construção de uma
linha com bitola estreita entre Barra Mansa e Itaguaí. Vale lembrar que estas obras têm efeitos
multiplicadores e impactos sociais na região, gerando emprego e renda.
23 A marinha mercante é o conjunto de navios e outras embarcações destinadas a
exercer atividades comerciais, realizando, entre outras atividades, transporte de mercadorias e
de passageiros e apoio à exploração de recursos marítimos.

1 29
Pens ar o Brasil: Transpor tes

de riquezas do país, iniciado na década de 1990 com o governo Collor


e aprofundado no processo de privatização com o governo Fernando
Henrique Cardoso, que incluiu o Lloyd Brasileiro no Plano Nacional de
Desestatização.24
Nas décadas de 1970 e 1980, o Brasil tinha uma grande marinha
mercante e grandes armadores. O Lloyd Brasileiro, que transportava
mercadorias para todo o mundo, é o maior exemplo. A indústria de
construção naval brasileira era a segunda maior construtora de navios
do mundo, atrás do Japão. Em 1983, por exemplo, direcionou 64% de
sua produção para o mercado externo, gerando divisas de US$ 286 mi-
lhões. O transporte aquaviário de longo curso cresceu a taxas elevadís-
simas. O Lloyd, com mais de cem anos de existência, sempre foi o pilar
da marinha mercante nacional, seguido da Frota Nacional dos Petro-
leiros (Fronape, atual Transpetro). A empresa, rentável e competitiva,
tinha receita considerável. Na década de 1990, a frota nacional passou
por uma trágica redução e foi sucateada. Grandes companhias faliram
e estaleiros fecharam. Perdeu-se todo o desenvolvimento tecnológico
acumulado durante os anos anteriores. A entrega de navios nos estalei-
ros nacionais diminuiu drasticamente desde 1980, de 1,2 milhão de TPB
(tonelada de porte bruto) para menos da metade em 1990 e menos de
1/4 em 1996. Os empregos na indústria de construção naval, de mais de
30 mil trabalhadores, reduziu-se para menos de 10 mil em 1995 (Fonte:
CNT/CEL, 2002, p. 52).
Atualmente, a marinha mercante nacional vive uma nova fase. O
setor está sendo puxado pela expansão da exploração de petróleo, prin-

24 Em 1991, Collor baixou uma Medida Provisória para liquidar o Lloyd. No entanto,
os sindicatos fortemente organizados, através da Federação dos trabalhadores, conseguiram
a reversão da MP no Congresso Nacional. Com uma emenda no texto, a mudança feita seria
em favor da aberta de uma linha de crédito do Fundo da Marinha Mercante para o Lloyd, e
não seu dissolvimento ou liquidação. Em 1995, José Serra, o então Ministro do Planejamento e
Presidente do Conselho Nacional de Desestatização, baixou uma resolução colocando o Lloyd
a liquidação no Plano Nacional de Desestatização.

130
Raphael Padula

cipalmente na bacia de Campos (Rio de Janeiro), e pelas novas políticas


governamentais, que privilegiam a indústria nacional nas encomendas
ao setor e aumentam significativamente os investimentos da União,
ainda insuficientes. A exploração de petróleo tem demandado novas e
mais modernas embarcações de apoio marítimo, e a frota da Transpetro,
agora o maior armador da América Latina, demanda crescente renova-
ção, especialmente para atender especificações internacionais.25 O papel
do BNDES no financiamento é fundamental, abrindo linhas de crédito
para a construção de novas embarcações em estaleiros nacionais. O sis-
tema de incentivo para construção naval baseia-se nos financiamentos
especiais concedidos pelo Fundo de Marinha Mercante (FMM), sob exi-
gência de que os navios sejam construídos em estaleiros nacionais.26 É
necessário recuperar o Lloyd Brasileiro para que sejam criados empre-
gos na área marítima e na área de produção naval, reduzindo os gastos
com fretes internacionais.

Entrega de navios em estaleiros


nacionais (em 1000 TPB)
1,500
1,200
900
600
300
0
80
81
82
83
84
85
86
87
88
89
90
91
92
93
94
95
96

25 Devido à necessidade da frota da Transpetro atender novas especificações interna-


cionais, que seus navios deixarão de atender no curto prazo.
26 O Fundo de Marinha Mercante (FMM) tem como origem a taxa de renovação da
marinha mercante (TRMM), de 25%, cobrada sobre o valor do frete das importações, assim
como do retroalimentação das amortizações das embarcações financiadas. O FMM financia
os principais clientes, armadores nacionais e as empresas estatais de petróleo e mineração, da
indústria de construção naval.

1 31
Pens ar o Brasil: Transpor tes

Mão-de-obra (*10�) Número de empregados


40 na construção naval
30
20

10
0
80
81
82
83
84
85
86
87
88
89
90
91
92
93
94
95
96
Fonte: CNT/CEL, 2002, p. 52.

Cabotagem
Esse setor não tem tido uma participação adequada na matriz de trans-
porte. Além disso, vem perdendo importância gradativamente.

Fonte: Antaq. Séries estatísticas. Disponível em www.antaq.gov.br.

Em 2005, segundo a Pesquisa Aquaviária CNT 2006 (2006, p.73),


“24 empresas atuaram na navegação de cabotagem, operando 131 em-
barcações próprias (petroleiros, graneleiros, cargueiros e portacontêi-
neres, entre outros), e foram realizados 1.399 afretamentos de embar-

132
Raphael Padula

cações estrangeiras”. Os fatores mais importantes para a atratividade


do segmento são: nível de serviço oferecido ao usuário, qualidade dos
serviços, confiabilidade, regularidade e continuidade, tempo de trânsito
das mercadorias, freqüência e fretes compatíveis com as cargas e com
o mercado. As principais empresas do setor, que operam cabotagem de
carga geral, são a Aliança e a Docenave.
A Pesquisa conseguiu entrevistar 87,7% de um universo amostral
de 122 empresas cadastradas nos bancos de dados de clientes das em-
presas de navegação de cabotagem de carga geral. Dessas, 65,4% utili-
zam regularmente o transporte de cabotagem, 17,8% eventualmente e
16,8% já o utilizaram, mas não o utilizam mais (Pesquisa Aquaviária
CNT 2006, 2006, p. 74). Estas últimas apontaram como principais mo-
tivos para terem deixado de usar o modal: altos custos do frete, baixa
freqüência de linhas e grande incidência de avarias.
Os principais produtos transportados por cabotagem são alimen-
tos, produtos químicos e inflamáveis, celulose e papel, eletroeletrôni-
cos, materiais de construção, produtos de higiene e limpeza, produtos
metalúrgicos, veículos e autopeças, móveis e utensílios domésticos, em-
balagens e vasilhames, rações, madeira e derivados, minérios, bebidas,
calçados e confecções, borracha e plásticos.
O transporte de cabotagem é mais utilizado em conjunto com ou-
tros modais – só 4,7% dos entrevistados pela CNT utilizavam apenas o
modal –, e sua maior utilização se dá na região Sudeste, que tem mais
infra-estrutura para integração entre os modais. Essa utilização conjun-
ta dos modais de transporte mostra suas complementaridades, o que
pode ser fomentado, no caso da cabotagem, com melhora nos serviços
oferecidos (como coleta, entrega e gerenciamento de carga), nos siste-
mas de comunicação, no sistema logístico e na operação e eficiência dos
portos.
No Brasil, as tarifas do transporte por cabotagem para longas dis-
tâncias tendem a ser mais competitivas que as de outros modais, prin-

1 33
Pens ar o Brasil: Transpor tes

cipalmente para cargas de baixo valor agregado. O setor se direcionou


para o transporte de novos tipos de carga nos últimos anos, aumentan-
do a participação no transporte de carga geral. Com os crescentes pro-
blemas do transporte rodoviário (frota envelhecida, segurança etc.) e os
altos custos gerados por pedágios, o transporte de cabotagem tem sido
uma alternativa. Algumas empresas de navegação passaram a investir
no setor, que apresenta uma série de entraves.
Um obstáculo ao crescimento é a baixa disponibilidade de navios
de cabotagem de contêineres. Segundo estudo CNT/CEL-Coppead 2002
(p. 50), “apesar do recente crescimento do número de navios porta-con-
têineres que realizam o transporte na costa brasileira, o número ainda
baixo de saídas semanais nas principais rotas é apontado por alguns
embarcadores como limitante ao maior uso deste modal. (...) Quando
se compara o número de saídas semanais, em rotas que os navios con-
correm com caminhões, na costa brasileira e na costa européia, verifica-
se maior saída no mercado europeu.” Nos contêineres, geralmente são
transportados produtos de alto valor agregado, para os quais os custos
de espera são altos.
O desempenho dos portos é fundamental para o transporte de ca-
botagem. Como vimos, há uma série de desafios a vencer. Apesar da
melhora em alguns portos, a infra-estrutura portuária é um dos entra-
ves ao desenvolvimento da cabotagem. Entretanto, a melhora na eficiên-
cia levou ao crescimento do “transporte de mercadorias em rotas como
Santos – Manaus e Fortaleza – Buenos Aires”, como atesta a Pesquisa
Aquaviária CNT 2006 (2006, p. 73).
Com o crescimento do transporte de cabotagem, alguns portos
começaram a apresentar gargalos de infra-estrutura no carregamento
e descarregamento de contêineres. O sucateamento da marinha mer-
cante nacional também resultou em entrave ao setor, pois as empresas
nacionais, com problemas de produção e financeiros, deixaram de ser
fornecedoras adequadas de navios.

134
Raphael Padula

A tarifa do setor de cabotagem agrega o valor do frete e serviços


prestados nos portos (movimentação de mercadorias e entrada e saída
de navios). Segundo a Pesquisa CNT 2006, 54,2% dos clientes de em-
presas de cabotagem entrevistados têm percepção positiva em relação
à evolução de reduções tarifárias, o dobro da percepção negativa, de
27,1%. No entanto, a própria pesquisa revela que “o excesso de tarifação
foi considerado muito grave por 50,5% dos entrevistados e moderado
por 29,9%. O excesso de burocracia, a carência de linhas regulares e a
ineficiência nos portos foram classificados como fatores muito graves
(37,3%, 39,3% e 38,3%) e moderados (38,3%, 35,5% e 36,5%)”.
É importante que sejam ofertadas linhas regulares e freqüentes.
Segundo a Pesquisa CNT 2006 (p. 101-104), “nos últimos anos, o trans-
porte por cabotagem passou a operar com linhas regulares e freqüências
constantes, apesar de ainda insuficientes. Parte do aumento da movi-
mentação nos últimos três anos pode ser explicado pela maior confia-
bilidade do serviço. (...) As freqüências fixas quinzenais não atendem
às necessidades de cargas perecíveis, que necessitam de prazo máximo
de quatro dias”. É preciso aumentar a freqüência das linhas. Os proble-
mas dos portos, tratados acima, e a baixa freqüência das linhas afetam a
competitividade da cabotagem.
Um dos principais fatores de insatisfação dos clientes do segmen-
to, apontado na Pesquisa CNT 2006 (p. 83), foi o tempo de operação
e liberação de cargas, considerado lento por 49,5% dos entrevistados.
Quanto aos prazos de entrega, 50,5% afirmam que as empresas os cum-
prem, 40,2% que nunca cumprem, e 1,9% que cumprem parcialmente.
Segundo o estudo CNT/CEL-Coppead 2002, um grande problema
no setor de cabotagem é o desbalanceamento entre a movimentação de
fluxos de cargas entre regiões: ela é maior nos fluxos sul-norte e menor
nos fluxos norte-sul. Para o estudo, “os serviços de feeder – transbordo
de carga internacional em hub ports para posterior distribuição ao longo
da costa –, que ainda acontecem em pequena escala no Brasil, podem

1 35
Pens ar o Brasil: Transpor tes

ajudar no aumento dos fluxos do Norte e Nordeste para o Sul e Sudeste,


sempre que o hub port de transbordo for no Norte ou Nordeste. Pode-se
citar o porto de Suape, por seu grande calado e infra-estrutura de terra,
como um potencial hub port da região Nordeste”.
A Pesquisa Aquaviária CNT 2006 chama a atenção para o poten-
cial de crescimento do setor, pois os percentuais de carga transportados
hoje são na maioria inferiores a 50% (ver tabela). De acordo com a pes-
quisa (p. 98-99): “As empresas que utilizam a cabotagem, na maioria
(57,0%), transportam menos de 25% da sua carga total por cabotagem.
Apenas 17,7% transportam mais de 50% da carga por cabotagem e só
2,8% transportam de 96% a 100% da carga por cabotagem. (...) Ao ava-
liar a evolução, nos últimos três anos, da quantidade de carga transpor-
tada por cabotagem, 30,9% das empresas informaram que mantiveram
o mesmo volume de carga, 21,5% aumentaram de 6% a 25% do volume,
16,8% aumentaram menos de 5%. Apenas uma empresa (0,9%) aumen-
tou o volume em mais de 100% nos últimos três anos. Apenas duas das
107 empresas pesquisadas (1,9%) informaram que reduziram o volume
de carga transportado por cabotagem.”
Há amplo espaço para que a cabotagem cresça, somente observan-
do os clientes que já utilizam ou utilizaram o setor, desde que sejam
melhorados os fatores que mais influenciam na decisão de contratá-la.
É preciso realizar investimentos para aumentar a participação da ca-
botagem na matriz de transportes nacional, para que ela seja utilizada
plenamente, pois é adequada à geografia do Brasil e da América do Sul.
O Estado é o agente que possui os recursos e as forças para alavancar
esse desenvolvimento.

136
Raphael Padula

Problemas do segmento/ Fatores que inibem a expansão


Carência
Excesso de Excesso de Ineficiência
de linhas
burocracia tarifação no seu porto
regulares
Muito grave 37,3% 5,5% 39,3% 38,3%
Moderado 38,3% 29,99% 35,5% 36,5%
Pouco grave 12,2% 6,5% 13,1% 12,1%
NS/ NR 12,2% 3,1% 12,1% 13,1%
Total 100,0% 100,0% 100,0% 100,0%
Fonte: Pesquisa Aquaviária CNT 2006, p.102.

Condições para ampliar o serviço


Entrevistas Percentual
Menor custo de frete 59 40,4%
Freqüência das linhas 25 17,1%
Maior confiabilidade dos prazos 17 11,6%
Maior nível de segurança da carga 12 8,2%
Rede de agências mais amplas 4 2,7%
Manor nível de avarias 3 2,1%
Melhor comunicação/informação sobre a
2 1,4%
carga
Maior oferta de serviços complementares 1 0,7%
Melhora na armazenagem da carga 1 0,7%
Outro 7 4,8%
NS/NR 15 10,3%
Total 146 100,0%
Fonte: Pesquisa Aquaviária CNT 2006, p.101.

Segundo a Pesquisa Aquaviária CNT 2006 (p. 104), para a cabo-


tagem ampliar sua atuação “serão necessários investimentos em infra-

1 37
Pens ar o Brasil: Transpor tes

estrutura logística, ampliação da estrutura e facilidades portuárias,


simplificação dos procedimentos de transbordo, harmonização dos
procedimentos das autoridades intervenientes e maior articulação com
outros modais, (...) construção de novas embarcações nacionais para a
navegação de cabotagem, ao custo estimado de US$ 4,5 bilhões”.

Transporte Hidroviário
As hidrovias apresentam o mais baixo custo de manutenção e implemen-
tação. É um tipo de transporte que consome menos óleo diesel, sendo
mais econômico (inclusive em gastos com frete) e menos poluente. Suas
vantagens aparecem, especialmente, em transporte a longas distâncias.
O impacto ambiental da construção de uma infra-estrutura hidroviária
também é menor em relação à construção de rodovias e ferrovias, por
causa da utilização de uma via (o rio) já existente. A implementação de
hidrovias sempre está relacionada com programas de desenvolvimento
a serem implantados nas regiões banhadas pelas bacias. A infra-estrutu-
ra gerada pela implantação de uma grande hidrovia favorece o aumento
da produção e a geração de empregos, com melhor qualidade ambiental.
No Brasil, o transporte hidroviário está fortemente ligado a uma política
de usos múltiplos e integrados de recursos hídricos.
O número de quilômetros percorridos com um litro de combustí-
vel ao levar uma tonelada revela a eficiência energética do modal: 25 km
para o transporte rodoviário, 85 km para o ferroviário e 218 km para o
hidroviário. Conseqüentemente, a emissão de poluentes (hidrocarbo-
netos, monóxido de carbono e óxido nitrogênio) é significativamente
menor nas hidrovias.

138
Raphael Padula

Emissão de Poluentes *

Monóxido de
Modo Hidrocarbonetos Óxido nitroso
carbono
Empurrrador 0,09 0,20 0,53
Trem 0,46 0,64 1,83
Caminhão 0,63 1,90 10,17
Fonte: Agência de Proteção Ambiental (EUA). * Libras de poluentes emitidos no transpor-
te de 1 tonelada de carga por 1 mil milhas.

O Brasil possui uma grande rede hidroviária, mas não utiliza o


modal em toda a sua potencialidade. Os rios navegáveis requerem inter-
venções, como dragagem, construção de terminais, represamento, cons-
trução de eclusas, canais para rios sinuosos etc. O Brasil possui cerca de
43 mil km de rios, dos quais 28 mil km são navegáveis, mas apenas 10
mil km de hidrovias são utilizados, caracterizando uma subutilização
dos rios e do modal, que apresenta grande potencial de crescimento,
desde que haja intervenções nos rios e construção de infra-estrutura em
terra (terminais hidroviários).
As principais hidrovias brasileiras são: hidrovias da bacia amazô-
nica, formada pelo trecho ocidental, navegável por embarcações maríti-
mas, pela hidrovia do Solimões e pela hidrovia do Madeira; hidrovia do
Tocantins e Araguaia; hidrovia do São Francisco; hidrovia do Paraguai;
hidrovia Paraná – Tietê, onde se destaca o ramo norte; hidrovias do Sul,
formadas pelos rios Jacuí e Taquari; hidrovias do Nordeste, de menor
porte no cenário nacional, formadas pelos rios Parnaíba, Mearim e ou-
tros.

1 39
Pens ar o Brasil: Transpor tes

Rede hidroviária brasileira por bacias


Extensão aproximada (Km) Principais rios e
Bacia Estados
Navegáveis Potenciais Total lagos
Amazonas,
Solimões, Negro,
AM, Branco, Madeira,
PA, AC, Purus, Juruá,
Amazônica 18.300 724 19.024
RO, RR Tapajós, Teles
e AP Pires, Juruena,
Mamoré e
Guaporé
Mearim, Pindaré,
MA e
Nordeste 1.740 2.975 4.715 Itapecuru, Balsas
PI
e Parnaíba
TO, Tocantins,
Tocantins /
MA e 2.200 1.300 3.500 Araguaia e das
Araguaia
GO Mortes
MG, São Francisco,
São
BA, PE 1.400 2.700 4.100 Grande e
Francisco
e SE Correntes
Doce, Paraíba
MG, ES
Leste 0 1.094 1.094 do Sul e
e RJ
Jequitinhonha.
Paraná, Tietê,
Tiête / SP, PR Paranaíba,
1.900 2.900 4.800
Paraná e SC Grande, Ivaí e
Ivinheima.
Paraguai, Cuiabá,
MT,
Miranda, São
Paraguai MS e 1.280 1.815 3.095
Lourenço,
PR
Taguari e Iaurú.

140
Raphael Padula

Extensão aproximada (Km) Principais rios e


Bacia Estados
Navegáveis Potenciais Total lagos
Jacuí,Taquarí,
Sul RS 600 700 1.300 Lagoa dos Patos e
Lagoa Mirim.
Uruguai e Ibicuí
Uruguai RS e SC 0 1.200 1.200
(potenciais)
Total 27.420 15.408 42.828

Fonte: Administração das Hidrovias e Ministérios dos Transportes.

São necessários investimentos para reverter esse quadro e garantir


maior participação desse modal, tão vantajoso, na matriz de transportes
brasileira. Além disso, apesar de o transporte hidroviário ter elevado
potencial integrador, nossas hidrovias caracterizam-se por poucas e
precárias interligações, com hidrovias dissociadas umas das outras.
Das principais bacias, quatro têm potencial internacional: Amazô-
nica, Tietê-Paraná, Paraguai e Uruguai. A bacia Amazônica é a maior do
mundo em termos de extensão e a mais importante bacia brasileira em
movimentação de cargas, com mais de 25 milhões toneladas/ano trans-
portadas – mais de 80% do total transportado no país por esse modal.
Geograficamente, esse transporte favorece a região amazônica, mas eco-
nomicamente ela não é a mais desenvolvida, pois ali não há mercados
produtores e consumidores de peso. O transporte pelos rios tem papel
fundamental no desenvolvimento da Amazônia.
Os principais corredores hidroviários brasileiros são: Madeira, São
Francisco, Araguaia – Tocantins, Tapajós – Teles Pires, Tiête – Paraná,
Paraguai – Paraná, Taquari – Jacuí. Esses corredores estão bem distribu-
ídos pelo país. No entanto, a maioria dos rios está distante dos centros
produtores e geralmente não têm ligações até os portos marítimos.
A navegação interior é a modalidade de transporte que tem rece-
bido menor investimento do Estado (1,8% do total do irrisório valor in-

1 41
Pens ar o Brasil: Transpor tes

vestido em transportes entre 1995-2001). Em 2002, foram investidos em


hidrovias R$ 50,2 milhões, 2,25% do total investido em transportes (R$
2,2 bilhões). Em 2003, o investimento foi de R$ 29,6 milhões, 1,44% do
investido em transportes (R$ 2,0 bilhões). Em 2004, o investimento em
hidrovias foi de 2% (R$ 63,2 milhões) do total investido em transportes
(R$ 2,2 bilhões).27 Durante o governo Lula, a média de investimentos
em hidrovias em relação ao total investido em transportes, no período
de 2002 a 2004, foi de 1,9%, e a modalidade continuou esquecida. A
infra-estrutura do setor é insuficiente. Comparado-o aos demais mo-
dais, o modal hidroviário é o que necessita de menores investimentos
em infra-estrutura, apesar de gerar melhores resultados econômicos.
Existem vinte portos de navegação interior. Operam no sistema
hidroviário nacional 150 empresas. A frota estimada operante é de 1,5
milhão de toneladas de porte bruto (TPB). São transportadas 25,2 mi-
lhões de toneladas de carga por ano, 22,2 bilhões de t/km/ano, com mais
de R$ 500 milhões gerados em frete anualmente.
O desenvolvimento do setor hidroviário ajuda a intermodalidade,
pois os terminais hidroviários desempenham funções de transferência e
armazenamento de carga. Sua oferta, capacidade e eficiência estão inti-
mamente relacionados com a competitividade desse meio de transporte.
A rede rodoviária vicinal de alimentação das hidrovias é um dos garga-
los do escoamento de carga. A exploração plena de vários modais pode
criar externalidades econômicas relevantes na produção e exportação
de bens e na geração de empregos qualificados. Com a eficiente utiliza-
ção das hidrovias, o país será capaz de diminuir o preço dos produtos
que fazem parte da cesta básica e obter vantagens competitivas signi-
ficativas no mercado internacional. E, ao possibilitar a mobilidade da
produção em diversas áreas, induzindo o desenvolvimento nas regiões,

27 Dados: Ministério do Planejamento, Orçamento e Gestão; Ministério dos Trans-


portes e CEL-Coppead.

142
Raphael Padula

o transporte hidroviário trabalha em favor da diminuição de pressões


de migração sobre as áreas urbanas.

Movimentação de cargas por bacias (2000-2002) – em tonelada


Movimentação
2000(t)

Movimentaçao
2001(t)

Movimentação
2002(t)

Variação
no Biênio
2000/2001

Variação
no Biênio
2001/2002

Variação
no Triênio
2000/2002
Hidrovias

Bacia
Amazônica
4.246.636 4.780.884 7.689.270 12,60% 60,80% 81,00%
- Amazônia
Ocidental
Bacia
Amazônica
13.718.530 15.980.257 15.980.257 16,40% 0,0% 16,40%
- Amazônia
Oriental
Bacia do
187.180 211.359 205.144 12,91% -6,21 9,59%
Nordeste
Bacia
do São 58.766 60.631 75.009 3,17% 23,71% 27,64%
Francisco
Bacia do
Tocantins - 2.400 0 0 - - -
Araguaia
Bacia do
1.911.326 1.632.521 2.178.744 -14,59% 33,46% 13,99%
Paraguai
Bacia do
Tietê - 1.531.920 1.991.600 2.042.522 30,01% 2,56% 33,33%
Paraná
Bacia do
407.139 638.769 642.538 56,89% 0,59% 57,82%
Sudeste
Total 22.063.897 25.296.021 28.813.484 14,65% 13,91% 30,59%
Fonte: Administração das Hidrovias.

1 43
Pens ar o Brasil: Transpor tes

O Brasil possui apenas 58 terminais hidroviários, número insigni-


ficante quando comparado com os 1.137 terminais registrados nos Esta-
dos Unidos, que, além disso, operam com eficiência muito maior que os
brasileiros. O Brasil ainda tem poucas conexões intermodais, limitando
assim a capacidade de soluções em termos de logística de transportes.
A legislação ambiental e as questões jurídicas associadas criam
incertezas para investimentos no setor, por causa da demora em solu-
cionar questões de impactos ambientais. Tais impasses se tornam um
importante entrave ao maior aproveitamento das vias navegáveis. Uma
ação importante no setor é que os Relatórios de Impacto Ambiental28
sejam adequados, para que não ocorram interferências nos processos,
decorrentes do acúmulo de ações, e para que haja maior agilidade nes-
sas questões.
É preciso que sejam realizadas obras de desenvolvimento de infra-
estrutura hidroviária nos rios Madeira, São Francisco, Tocantins – Ara-
guaia, Tietê – Paraná e Tapajós – Teles Pires. Já no programa Brasil em
Ação, do governo Fernando Henrique, eram previstos investimentos
nas quatro primeiras vias, mas eles não foram realizados. As obras de
infra-estrutura na hidrovia Tocantins-Araguaia, importantíssima para o
escoamento da produção do Centro-Oeste brasileiro, diminuindo cus-
tos de transporte em quase 60%, ainda não saíram do papel, por ques-
tões ambientais.29 A hidrovia Tapajós – Teles Pires também continua
sem funcionar.

28 Estudos exigidos pela resolução 001/86 do Conselho Nacional de Meio Ambiente


(CONAMA) para que as Secretarias Estaduais de Meio Ambiente pré-aprovem projetos de
grande impacto ambiental.
29 A hidrovia Tocantins-Araguaia faz parte do projeto do Corredor de Transporte
Multimodal Centro-Norte, com integração entre os modais hidro-rodo-ferroviário, junto com
a BR-153 (rodovia Belém-Brasília) e a Ferrovia Norte-Sul. A hidrovia liga regiões do Mato
Grosso aos portos do Maranhão e do Pará. O projeto incorpora novas áreas agrícolas e de
exploração de atividades de turismo e lazer do Centro-Oeste. Estima-se que a via estimulará
a incorporação de quase 30 milhões de hectares ao sistema produtivo, com um potencial de
gerar 73 milhões de toneladas de grãos, principalmente soja, milho e arroz.

144
Raphael Padula

Uma questão importante para a eficiência da navegação interior é


maximizar a utilização de comboios, ou seja, as composições de barcaças
mais empurrador, medidos por toneladas. Os “comboios tipos” indicam
as dimensões da embarcação a ser utilizada, tendo em vista o dimen-
sionamento das obras de engenharia nas vias. No Brasil, os comboios
tipos utilizados nas obras são extremamente acanhados. É necessário
que se desenvolvam novos comboios tipos compatíveis com a realidade.
Como exemplo das limitações das vias, pode-se citar a hidrovia Tietê,
caracterizada por ter pequeno vão entre os pilares de pontes e restri-
ções de calado em alguns trechos. Abaixo, a tabela demonstra como são
acanhados os comboios tipos no Brasil, principalmente se comparados
com os do rio Mississipi, nos Estados Unidos.

Capacidade dos comboios tipos


Principais hidrovias do Brasil e rio Mississipi (EUA)

Capacidade do Distância aproximada


comboio projetada (t) (km)
Araguaia – Tocantins 2.000/2.500 1.250
São Francisco 2.000/2.500 1.400
Tietê – Paraná 2.400/4.800 730
Tapajós – Teles Pires 7.500 1.050
Paraguai – Paraná 18.000/22.000 1.900
Madeira 18.000/24.000 1.150
EUA
Upper Mississipi 18.000/22.500 1.050
Lower Mississipi 36.000/60.000 1.650
Fonte: Administração das Hidrovias, Ministério dos Transportes, CEL-Coppead, CNI.

A tabela sobre custos de implantação de hidrovias mostra como


eles são baixos. O custo unitário médio de implantação por quilômetro é

1 45
Pens ar o Brasil: Transpor tes

de R$ 173,3 mil. O menor custo unitário por quilômetro encontra-se na


hidrovia do Paraná (R$ 5 mil) e o maior na hidrovia Tocantins-Araguaia
(R$ 344 mil). Dos doze custos unitários por quilômetro, apresentados
na tabela, sete são menores que R$ 100 mil. O custo de implantação
total das vias apontadas na tabela é de aproximadamente R$ 2,4 bilhões
para 13,8 mil quilômetros de vias. No modal rodoviário, os custos por
quilômetro são de R$ 750 mil para reconstrução, R$ 420 mil para res-
tauração, R$ 180 mil para manutenção, e a malha rodoviária demanda
mais de R$ 20 bilhões para manutenção, restauração e reconstrução,
com uma média de R$ 422 mil por quilômetro.

Custos de implantação de hidrovias


Exemplos nacionais
R$ médios de 2002

Custo de Custo unitário


Trecho
Hidrovia Implantação de implantação
beneficiado km
R$ 1.000,00 R$ 1.000,00/km
Branco-Negro 38.000 750 50,7
Guaporé-Madeira 891.500 3.056 291,7
Capim-Guamã 15.300 372 41,1
Marajó 42.000 306 137,3
Teles Pires - Tapajós 255.000 1.043 244,5
Tocantins - Araguaia 1.047.098 3.040 344,4
Parnaíba 55.00 820 67,1
Grande - São
22.280 1.841 12,1
Francisco
Paraguai 6.500 1.275 5,1
Paraná 15.000 1.060 14,2

146
Raphael Padula

Lagoa Mirim -
7.500 260 28,8
Taquari
2.395.178 13.823 173,3
Fonte: Paulo Sérgio Oliveira Passos, “Hidrovias como fator de integração nacional”. Apre-
sentação à CNI, disponível em http://www.cni.org.br/empauta/hidrovia.

No passado, a priorização de investimentos fez com que o trans-


porte rodoviário predominasse e impedisse o desenvolvimento dos de-
mais modais, incluindo o transporte hidroviário. Mas as recentes ne-
cessidades econômicas e ambientais apontam que as hidrovias são uma
alternativa com amplas vantagens. O desenvolvimento do setor aqua-
viário permitirá diminuir os custos de manutenção e conservação da
infra-estrutura rodoviária e diminuir os acidentes, ao diminuir pressões
de demanda de transporte de carga sobre a malha rodoviária nacional.
No caso do transporte de passageiros, as hidrovias permitem deslocar
grandes quantidades de pessoas a um custo muito menor, viabilizando e
universalizando a mobilidade de usuários potenciais.
O principal desafio é desbloquear os investimentos estatais em
infra-estrutura para mudar o quadro histórico de privilégio do modal
rodoviário. Esses investimentos devem ser direcionados, entre outros
fatores, para dragagem, renovação e aumento de oferta de equipamen-
tos, melhora dos acessos terrestres (rodoviário e ferroviário) e marítimo,
implementação de hidrovias e maior utilização do potencial não utiliza-
do do transporte hidroviário, terminais fluviais intermodais, sinalização
fluvial, oferta e capacidade logística.
As ações de políticas públicas devem se direcionar também ao estí-
mulo da indústria de construção naval e da marinha mercante nacional,
do transporte de cabotagem e da utilização e aproveitamento de vias
navegáveis. É preciso usar os comboios tipos máximos como referência
para obras de engenharia, sempre que possível, em função da vida útil
da obra.

1 47
Pens ar o Brasil: Transpor tes

Entre os gargalos operacionais do setor, destacam-se: dimensiona-


mento e custo de mão-de-obra nos portos, informatização dos proce-
dimentos, racionalização dos processos burocráticos, racionalização e
superação de impasses referentes a aspectos legais e à legislação ambien-
tal, desatando os nós para uma ação governamental eficiente, estímulo
a operações de cabotagem, transbordo, e serviços de feeder e navegação
interior.

Transporte dutoviário
A Europa e os Estados Unidos são cruzados por grandes malhas de du-
tos, uma das formas mais econômicas de transporte para grandes volu-
mes, principalmente óleo, gás natural e derivados, especialmente quan-
do comparados com os modais rodoviário e ferroviário. Esse modal tem
sido pouco relevante no Brasil: participa com apenas 4,2% da produção
de transportes nacional, movimentando combustíveis e minérios. Nos
Estados Unidos, ele participa com 24% na matriz de transportes.
A atual infra-estrutura de transporte dutoviário no Brasil é inci-
piente, diante da dimensão do país. A Transpetro, subsidiária da Petro-
bras, é a principal responsável pelos dutos nacionais, com mais de 10
mil km de dutos que interligam todas as regiões do Brasil.
O Brasil tem pouco mais de 7 mil km de extensão de oleodutos,
que têm vazão nominal de mais de 524 milhões de toneladas por ano e
transportaram pouco mais de 240 milhões de toneladas de combustíveis
em 2005. Os principais dutos estão localizados em Macaé (RJ).
O Brasil possui três minerodutos, com uma extensão total de 567
km e uma vazão nominal de 19,5 milhões de toneladas/ano. Eles trans-
portaram pouco mais de 17 mil toneladas de carga em 2005, das quais
quase 90% correspondem ao mineroduto de Mariana (MG) a Ponta do
Ubu (ES), da empresa Samarco. O Brasil possui pouco mais de 5,7 mil
km de gasodutos em seu território, com vazão nominal de 32,3 milhões
de toneladas de gás/ano; foram transportadas quase 15 milhões de tone-

148
Raphael Padula

ladas de gás em 2005. Dos 10 mil km de dutos operados pela Transpetro,


7 mil são utilizados para o transporte de petróleo, derivados, biocom-
bustível, gás liquefeito de petróleo (GLP), petroquímicos e outros re-
nováveis líquidos. Em 2005, os oleodutos da Transpetro transportaram
640 milhões de metros cúbicos por ano de petróleo, derivados e etanol,
o que representou um crescimento de 1,5% em relação ao ano anterior.
O Brasil possui mais de 7,6 mil km de gasodutos instalados, ex-
tensão insignificante quando comparada à malha da Argentina (12,4
mil km) e, principalmente, dos Estados Unidos (450 mil km) – sendo
o primeiro um país de extensão bem menor que o nosso. Existem dois
grandes sistemas de gasodutos não interligados, a malha Sudeste e ma-
lha Nordeste, além do gasoduto Brasil-Bolívia.

Extensão dos gasodutos no território nacional


Gasoduto Extensão (km) Operadora
Sistema de gasodutos do Sudeste (SE) 1.358 Transpetro
Sistema de gasodutos do Espírito Santo 146 Transpetro
(ES)
Sistema de gasodutos do Nordeste 1.011 Transpetro
Setentrional (NE-SET)
Sistema de gasodutos do Nordeste 244 Transpetro
Meridional (NE-MER)
Gasoduto Brasil - Bolívia 2.593 TBG
Gasoduto Uruguaiana (RS) - Porto 50 TBS
Alegre (RS)
Bolívia - Mato Grosso 283 Gasocidente
Total 5.685

Fonte: AETT 2006.

1 49
Pens ar o Brasil: Transpor tes

O país desperdiça gás natural: 15 milhões de m³ diários não são


utilizados, embora estejam disponíveis, por falta de infra-estrutura para
levá-los aos consumidores. Isso representa mais da metade da quantida-
de importada da Bolívia (26 milhões de m³/dia) e quase 1/3 da produção
nacional. Dos 48,5 milhões de m³ por dia de produção nacional, 31%
são desperdiçados: 8,2 milhões são reinjetados nos campos e outros 6,8
milhões são queimados todos os dias. Grande parte da produção diária
de 9,7 milhões de m³ da bacia do Amazonas é reinjetada (5,9 milhões de
m³) e outra parte é queimada (2,5 milhões de m³) por falta de condições
físicas de escoamento da produção e pela baixa demanda na região. Há
um alto nível de queima de gás associado nas bacias, pois, em muitos
casos, prevalece a idéia de que a produção é insuficiente para justificar o
investimento necessário à sua recuperação.30
A produção brasileira de gás mais que dobrou nos últimos dez
anos, com destaque para as bacias do Amazonas e de Campos. É impor-
tante viabilizar uma alternativa de consumo em larga escala do gás pro-
duzido nos campos de Urucu, que permanece sendo reinjetado, o que
deverá ocorrer com a construção dos gasodutos Urucu – Porto Velho
e Urucu – Manaus. A construção deste já foi iniciada, o que permitirá
a utilização do gás nas termoelétricas dessas capitais, assim como no
parque industrial da Zona Franca de Manaus. As construções desses
dois gasodutos permaneceram no papel por problemas de licenciamen-
to ambiental, de financiamento e de falhas nas licitações. Isso representa
grandes entraves ao desenvolvimento do setor.
Comparando os dados do planejamento estratégico da Petrobras e
as previsões da Agência Nacional de Petróleo (ANP) para a entrada de

30 O gás natural apresenta uma característica muito particular em relação aos demais
combustíveis, visto que, com a tecnologia atual, seu estado físico gasoso não permite estoca-
gem de grandes volumes a custos competitivos.

150
Raphael Padula

novos campos em produção,31 é possível inferir que o aumento de pro-


dução, acrescido do fornecimento importado da Bolívia, será suficiente
para atender a demanda prevista até 2010, desde que se resolva a questão
do transporte do gás, pois aproximadamente 20% da produção ocorre-
rá na bacia do Amazonas. Ademais, as reservas estão concentradas na
região Sudeste, enquanto o incremento do consumo envolverá outras
regiões, o que reforça a necessidade de ampliar a malha de transportes.
A produção da bacia de Santos permitirá um abastecimento mais tran-
qüilo do mercado doméstico desde que seja completada a interligação
das malhas regionais, o que poderá ser feito tanto pela construção do
Gasene (ligando a malha Sudeste à malha Nordeste) ou pelo gasoduto
que virá da Venezuela e cruzará o Brasil, chegando até a Argentina (Ga-
soduto do Sul).
Por causa da falta de infra-estrutura de transportes de gás, o Brasil
depende demasiadamente da importação de gás da Bolívia, que abastece
metade do consumo nacional e 70% do consumo de São Paulo. Nenhum
gasoduto foi construído desde o ano 2000. O último foi o Brasil-Bolívia.
Questões ambientais e de gestão têm sido obstáculos, paralisando pro-
jetos. O Plano de Negócios da Petrobras 2007-2011 prevê a construção
de dutos e a redução da dependência externa para 30%. São investi-
mentos de US$ 6,5 bilhões, dos quais US$ 4,5 bilhões estão previstos
no próprio plano. Os projetos relacionados a esses investimentos são:
Gasene (perna norte), gasoduto Urucu-Coari-Manaus, manutenção da
infra-estrutura de transporte de gás natural, malha de gás do Sudeste,

31 As previsões da ANP, baseadas nos campos com planos de desenvolvimento já


aprovados, é que o nível de concentração de produção na Bacia de Campos, já inferior ao
existente no caso do petróleo, deverá se reduzir sensivelmente quando a Bacia de Santos entrar
em operação. Os principais campos que entrarão em produção são: Rio Juruá (2007) na Bacia
do Solimões (Região norte); Manati (2007) na Bahia; Bacia do Espírito Santo (2007); e Bacia
de Santos (2008), com um volume inicial de produção de 12 milhões m³ por dia. Algumas
destas previsões resultam de um plano da Petrobras que busca reduzir a dependência do gás
boliviano e alcançar auto-suficiência em gás até 2009.

1 51
Pens ar o Brasil: Transpor tes

ampliação do Gasbel, ampliação do trecho sul do gasoduto Brasil-Bolí-


via (escoamento do gás natural liquefeito, GNL), malha de gasodutos do
Nordeste e investimentos em GNL.

Plano de antecipação da produção


nacional de gás natural (Plangas)

Plangas 2007 2008-2010


Oferta Milhão m³/dia 1,0 38,2
Investimento R$ bilhões 2,8 25,0
Fonte: PAC – Ministério da Fazenda.

Algumas obras de transporte merecem destaque: a construção de


um gasoduto que ligará Campinas (SP) a Japeri (RJ) e permitirá levar
gás da bacia de Campos para São Paulo; o Gasene, interligando as re-
giões Sudeste e Nordeste, que permitirá ligar as malhas do país, solu-
cionando o problema de déficit de gás no Nordeste com a transferência
do excedente do Sudeste; as construções dos gasodutos Urucu – Porto
Velho e Urucu – Manaus, acima mencionados.
A concentração em poucas regiões produtoras e poucos centros
consumidores mostra a necessidade de se instalar uma malha densa de
gasodutos. Atualmente, há um excedente de oferta de gás nas regiões
Sudeste (gás associado da bacia de Campos) e Sul. Tal situação poderá
agravar-se, pois o gás da bacia de Santos duplicará a atual reserva brasi-
leira de gás natural.
A carência de gás na região Nordeste poderá ser superada pelo
incremento da produção do campo de Manati (bacia de Camamu – Al-
mada, na Bahia) e por investimentos na ampliação da malha de trans-
porte de gás da região, como o projeto Malhas Nordeste, o gasoduto
Sudeste – Nordeste, conhecido pela sigla Gasene (permitindo transferir
excedentes de gás da região Sudeste para o Nordeste) e, principalmente,

152
Raphael Padula

pela construção do gasoduto do Sul.32


Os desequilíbrios regionais de oferta e demanda de gás mostram
que a unificação da malha de gasodutos em escala nacional produzi-
ria benefícios ao sistema, não apenas em termos de abastecimento, mas
também de confiabilidade e flexibilidade.
A construção de dutos para transporte de combustíveis fica a cargo
de decisões do setor de energia e não de transportes, mais especifica-
mente a Petrobrás. Assim, o aumento da participação do transporte du-
toviário depende predominantemente de decisões do setor de energia.
Segundo especialistas, o Brasil já poderia ter alcançado a auto-suficiên-
cia em gás natural e ter uma infra-estrutura dutoviária mais desenvolvi-
da e mais densa, não dependendo de importação de gás da Bolívia – que
abastece mais da metade do consumo nacional –, o que não ocorreu
por causa da atenção concentrada da Petrobrás na auto-suficiência em
petróleo.

Transporte aéreo
Esse tipo de transporte se dedica a passageiros e a carga de alto valor
agregado e pequeno volume, respondendo por somente 0,4% de parti-
cipação na matriz nacional de transportes de cargas e a cerca de 5% do
transporte de passageiros.
O planejamento do transporte aéreo sempre foi feito de forma se-
parada em relação aos demais modais de transporte. Tendo prevalecido
a visão de que a infra-estrutura desse modal é voltada para questões
militares, o setor, que é serviço de utilidade pública, foi tratado de forma
separada dos outros modais, sendo submetido antes ao Ministério da

32 Na região Norte há reservas importantes de gás natural, quase integralmente re-


injetados, dada a inexistência de gasodutos de transporte interligando a região produtora aos
mercados consumidores. O principal mercado consumidor desse gás será a geração termoelé-
trica, visto que as usinas do sistema isolado consomem, hoje, basicamente óleo diesel e óleo
combustível.

1 53
Pens ar o Brasil: Transpor tes

Aeronáutica e atualmente ao Ministério da Defesa, enquanto os demais


modais ficaram submetidos ao Ministério dos Transportes. O Depar-
tamento de Aviação Civil (DAC) foi criado em 1931, diretamente vin-
culado ao Ministério de Viação e Obras Públicas, tendo sido vinculado
depois ao Ministério da Aeronáutica. Assim, o planejamento e o desen-
volvimento do setor sempre estiveram voltados ao próprio sistema de
aviação civil, sendo pouco ligados à integração com os demais modais e
com outros setores da vida nacional (Martins, 2007).
A criação da Empresa Brasileira de Infra-Estrutura Aeroportuá-
ria (Infraero), em 1972 (Lei 5.862), teve como objetivo aumentar a efi-
ciência do sistema aeroportuário nacional, por meio de uma empresa
pública que administrasse, operasse e explorasse comercial e industrial-
mente os aeroportos, desafogando os demais órgãos que tinham essas
atribuições entre muitas outras (o Departamento de Aviação Civil e os
comandos regionais da Força Aérea).
O Plano Nacional de Viação, de 1973, foi o último plano abrangen-
te que incluiu com o setor aéreo em uma estratégia multimodal, integra-
da aos demais setores de transportes. O Plano Nacional de Logística de
Transportes (PNLT), previsto, deve traçar metas de investimento e de-
senvolvimento para o setor aéreo, dentro da lógica da intermodalidade.
A cultura de planejamento no Brasil, que separa o transporte aéreo dos
demais modais, deve mudar.
Ao longo da história do transporte aeroviário no Brasil, mais es-
pecificamente a partir da década de 1960, tem ocorrido um movimen-
to das empresas de transporte aéreo para reduzir o número de portos
servidos, por causa da oferta de infra-estrutura e/ou da rentabilidade
econômica, e dos avanços tecnológicos nas aeronaves. Ao contrário, os
órgãos governamentais responsáveis, principalmente a partir dos obje-
tivos de Estado estabelecidos no regime militar, trabalhavam por um
sistema de transporte aéreo com metas de integração nacional e de de-
senvolvimento regional. Por exemplo, em 1976, o DAC dividiu o ter-

154
Raphael Padula

ritório nacional em cinco regiões para implantar o Sistema Integrado


de Transporte Aéreo Regional (Sitar), para ser operado por empresas
regionais sob regime de monopólio.33
O financiamento, a execução e o controle dos investimentos pla-
nejados e demandados em infra-estrutura aeroportuária são graves
problemas. As tarifas aeroportuárias, por si só, não remuneram as ope-
rações ou geram recursos suficientes para o desenvolvimento de infra-
estrutura, o que criava dificuldades para os investimentos da Infraero,
de estados e de municípios. Os recursos para financiar o desenvolvi-
mento da infra-estrutura aeroportuária devem vir dos cofres da União
ou dos Estados.
Para resolver a questão do financiamento de infra-estrutura, foi
criado, em 1989, o Adicional de Tarifa Aeroportuária (Ataero), recolhi-
do pelo Ministério da Aeronáutica e pela Infraero. Esses recursos de-
veriam ser investidos no reaparelhamento, aperfeiçoamento, reforma e
expansão dos aeroportos e aeródromos brasileiros (Martins, 2007). No
entanto, conforme Martins (2007, p. 18), não havia nenhuma especifi-
cação na legislação quanto à destinação dos recursos do Ataero, que fi-
cava a cargo da Infraero, inexistindo “registro de aplicação dos recursos
com a finalidade que a lei previa”. Somente em 1992 a lei federal 8.399
especificou que 80% dos recursos seriam utilizados pelo governo federal
no sistema aeroviário federal. Posteriormente, em 1998, uma alteração
instituiu que desses 80%, 41,5% seriam para a Infraero e 38,5% para
o Comando da Aeronáutica (receita do Fundo Aeronáutico). Os 20%
restantes ficariam a cargo dos estados, a serem aplicados em “aeropor-
tos e aeródromos de interesse regional ou estadual, bem como na con-

33 Segundo Martins (2007, p.13), “As empresas nacionais exploravam redes domésti-
cas que se estendiam por todo o território do país e algumas rotas internacionais, para as quais
tivessem designação. As redes domésticas ligavam entre si as capitais dos estados, o Distrito
Federal – Brasília, e alguns pólos de desenvolvimento turístico ou econômico regional, tais
como Porto Seguro, Foz do Iguaçu e Petrolina. A infra-estrutura de apoio a essas redes era
exclusivamente de aeroportos da INFRAERO”.

1 55
Pens ar o Brasil: Transpor tes

secução de seus planos aeroviários”, constituindo o suporte financeiro


do Programa Federal de Auxílio a Aeroportos (Martins, 2007, p. 19).
A lei determinava controle sobre o emprego desses recursos, exigindo
convênios que incluíssem cláusula de definição de contrapartida das
partes, do DAC e de governos estaduais, correspondendo ao percentual
de recursos a serem alocados por cada uma, para a realização das obras
conveniadas, de acordo com os planos aeroviários estaduais. Já os 80%
restantes, destinados a aeroportos federais, não possuem o mesmo con-
trole ou exigências de contrapartidas. Portanto, são vulneráveis ao mau
emprego dos recursos, como a construção de centros comerciais nos
aeroportos em detrimento da infra-estrutura e de equipamentos.
Segundo Martins (2007, p. 23), um dos grandes problemas do se-
tor aéreo é a “falta de dispositivos normativos de controle que permitam
ao governo assegurar que os investimentos em infra-estrutura obede-
çam ao planejamento aprovado para essas estruturas. Embora a lei do
Programa Federal de Auxílio a Aeroportos incluísse um dispositivo de
controle para o desenvolvimento dos aeroportos de interesse estadu-
al, definidos nos planos aeroviários estaduais, deixava uma lacuna para
aqueles discriminados como de interesse federal.”

Evolução da produção de transporte operacional

Doméstica Internacional
Ano
Cargas (t Km) Crescimento Cargas (t /Km) Crescimento
2001 754.331.212 - 1.342.191.318 -
2002 742.650.656 - 2% 1.406.340.949 5%
2003 702.926.624 -5% 1.503.540.711 7%
2004 796.614.525 13% 1.652.528.708 10%
2005 898.072.116 13% 1.708.577.621 3%
Fonte: ANAC e DAC, anuários estatísticos de vários anos.

156
Raphael Padula

A produção operacional total de transportes de cargas (contando


doméstico e internacional) em 2005 foi de cerca de 2,6 bilhões de tone-
ladas. O Sudeste concentra mais de 50% dessa movimentação, incluindo
cargas domésticas e internacionais, que apresenta uma tendência contí-
nua de crescimento. A capacidade aproveitada pelo tráfego doméstico e
internacional, ou seja, a produção de transportes aéreos demandada em
relação à ofertada – incluindo cargas, correio e bagagem transportada –,
variou entre cerca de 70% e cerca de 80% durante 2005, encerrando esse
ano com 72% de capacidade aproveitada. Considerando esses números
e a capacidade dos terminais, observamos que, se não forem realizados
os devidos investimentos, em três anos haverá uma crise no transporte
aéreo de cargas. Os investimentos previstos, se executados, garantirão a
normalidade do setor até 2015.
Em 2005, 569 mil toneladas de carga foram transportadas pelos 32
terminais de logística de carga da rede Infraero. O maior terminal, em
concentração de volume de cargas, é o do Aeroporto Internacional de
São Paulo/Guarulhos, que movimentou 219 mil toneladas em 2005. Em
seguida, vem o Aeroporto Internacional de Viracopos/Campinas, tam-
bém em São Paulo, e, de longe, os aeroportos Internacional de Manaus
(AM) e do Galeão (RJ) (www.infraero.gov.br).
Um dos principais problemas do transporte aéreo nacional, tanto
de cargas quanto de passageiros, é sua concentração em alguns aeropor-
tos (como os do estado de São Paulo), enquanto outros se encontram
subutilizados (como o do Galeão).
O Plano Diretor do Aeroporto Internacional de Viracopos/
Campinas prevê, no longo prazo, a realização de obras que permitirão
atender a uma demanda de 55 milhões de passageiros por ano e um
total de 470 mil operações de pouso e decolagem, considerando-se a
construção da segunda pista. Os terminais de logística terão capacidade
para processar até 720 mil toneladas de carga aérea por ano. Esse projeto
pretende transformar Viracopos no grande aeroporto da terminal São

1 57
Pens ar o Brasil: Transpor tes

Paulo e no principal centro cargueiro da América Latina (www.infraero.


gov.br).
O Brasil precisa de um plano aeroviário concebido dentro de uma
lógica de integração intermodal de transportes e de integração nacio-
nal. Os recursos do Estado são fundamentais para a realização de inves-
timentos e a solução dos principais problemas de desenvolvimento de
infra-estrutura aeroviária, que vão além dos recursos que as tarifas seto-
riais podem financiar. Também é fundamental que a questão do contro-
le do emprego dos recursos do Ataero seja resolvida. O transporte aéreo,
como serviço de utilidade pública, deve estar sob responsabilidade dire-
ta, estratégica e planejada do Estado.

Financiamento da infra-estrutura de transportes:


Estado versus mercado
Conforme observamos nas seções anteriores, a solução dos problemas
de infra-estrutura de transportes no Brasil depende de investimentos
que, pelas dimensões e os interesses envolvidos, só o setor público tem
condições de realizar. O capital privado tem interesse em investir no
setor, mas de forma limitada. Esse interesse pode ser usado de forma
sinérgica pelo Estado, combinando recursos privados e investimentos
públicos. O envolvimento do setor privado deve se dar sob a regulação
de agências públicas (tarifas, serviços, investimentos etc.) que defendam
o interesse da sociedade e não somente o das empresas, como tem sido
feito pelas agências, como a ANTT, criadas desde o processo de deses-
tatização.
A questão essencial do financiamento da infra-estrutura de trans-
portes depende de uma ação integral e planejada do Estado, com a cons-
tituição de fundos para infra-estrutura de transportes e a mobilização
de recursos. A Contribuição de Intervenção no Domínio Econômico
(Cide), cobrada nos combustíveis para a realização de investimentos no
setor, tem sido desviada de sua função original desde que foi criada,

158
Raphael Padula

sendo usada pelo governo para fazer superávit primário. Devemos ob-
servar, no entanto, que os recursos da Cide equivalem a apenas 0,4% do
PIB, montante pequeno perto do investimento anual necessário para
manter e restaurar a infra-estrutura de transportes do Brasil (2,0% do
PIB). A média dos últimos dois governos também não corresponde a
esse número.

Investimento em infra-estrutura de transportes


como percentagem do PIB:

Governo FHC (média) 0,3


Governo Lula (média) 0,2
% do PIB arrecadada através da CIDE (2005) 0,4
Necessário estimado para restauração e manutenção 2,0
Fontes: Ministério do Planejamento, Siafi, STN, e estimativas próprias.

No quadro atual, a parceria com o setor privado é desejável nas


ações voltadas para promover a integração e possível nas de irrigação.
Mas essa mesma parceria é impossível na atividade de indução ao de-
senvolvimento, que cabe ao Estado. Bem conduzida, a atuação privada
tende a gerar sinergias com a atuação do Estado.
O crescimento da economia, em um país subdesenvolvido como
o Brasil, está diretamente relacionado aos investimentos públicos e,
principalmente, aos recursos estatais em infra-estrutura. A origem dos
problemas do setor de transportes está na falta de investimentos e de
planejamento do Estado. Os investimentos têm diminuído nas últimas
duas décadas até se tornarem insignificantes, agravando a situação. Os
recursos do Estado (37% do PIB arrecadados em tributos) têm sido
prioritariamente direcionados para a formação de superávit primário
(4,9% do PIB em 2005, mais de R$ 90 bilhões) e para o pagamento de ju-
ros da dívida (8,1% do PIB, aproximadamente R$ 160 bilhões em 2005),

1 59
Pens ar o Brasil: Transpor tes

restando 0,6% do PIB para investimentos em geral e 0,3% do PIB para


investimentos em infra-estrutura de transportes.

160
Raphael Padula

Um plano de ação para o setor demanda investimentos anuais


estimados em torno de 2% do PIB. As taxas de investimento medío-
cres dos governos anteriores são a principal causa da situação precária
da infra-estrutura de transportes. Os governos Fernando Henrique e
Lula não investiram nem mesmo o necessário para manter e restaurar
a malha existente. Obras importantes não foram realizadas. É neces-
sário construir novas vias nos diversos modais e reestruturar a matriz
de transportes. Além disso, a falta de uma visão de longo prazo tem
privilegiado investimentos no setor rodoviário e em regiões mais desen-
volvidas, concentrados principalmente no escoamento da produção de
commodities primárias.

1 61
Pens ar o Brasil: Transpor tes

Ainda que a situação desejável fosse que os usuários arcassem com


todos os custos de investimentos, de manutenção e de operação, tal si-
tuação não é usual. É o Estado, na maioria das vezes, que realiza a in-
termediação por meio de uma política de subsídio explícito (direto) ou
implícito (cruzado). O sucesso de uma política de transportes também
reside nessa intermediação estatal, que deve ser feita de modo a garan-
tir: (i) aproveitamento da capacidade ociosa existente; (ii) política tari-
fária que faça com que a tarifa reflita o custo do serviço utilizado; (iii)
suprimento de recursos para executar uma intervenção que garanta o
crescimento do setor e o desenvolvimento econômico e social do país.
No caso das concessões de ferrovias e rodovias, a atuação da ANTT
tem-se voltado aos interesses privados, e não aos interesses nacionais,
com fiscalização inefetiva e concessão de privilégios. No arrendamento
da Rede Ferroviária Federal (RFFSA), observamos não só o descumpri-
mento de compromissos de investimento por parte das empresas pri-
vadas – levando ao sucateamento das ferrovias e mesmo devoluções à
RFFSA – como também o uso de organismos estatais de fomento, como
o BNDES, para atender as necessidades de recursos das empresas con-
cessionárias.
O setor de transportes demanda fortemente a indústria (constru-
ção civil, metal-mecânica, eletroeletrônica etc.) tanto durante sua im-
plantação, quanto na sua operação e gerenciamento. Seus projetos são
intensivos em capital, geram grande quantidade de empregos (muitos
com com baixa qualificação), modificam o meio ambiente e apresentam
longo período de maturação. Assim, investimentos em infra-estrutura
de transportes geram demanda direta (efeitos na cadeia produtiva), em-
pregos diretos e indiretos e renda, tendo efeitos multiplicadores sobre a
demanda e os investimentos em toda a economia. O planejamento de
qualquer empreendimento deve ser exaustivo e definidor, para que as
várias condicionantes que cercam o projeto não se exacerbem a ponto
de criar distorções.

162
Raphael Padula

É necessário que voltemos a ter um planejamento amplo, com in-


terconexões com as políticas macroeconômicas, setoriais, regionais etc.
A infra-estrutura é um instrumento para o desenvolvimento de setores
e regiões. Mas, com a combinação de política monetária conservado-
ra e ausência de planejamento, os investimentos em infra-estrutura de
transportes passaram a ser residuais em relação ao orçamento federal,
sendo encarados como gastos. A aplicação desses recursos ficou mais
sujeita a questões políticas (como disputas internas, disputas por recur-
sos e favorecimentos) do que a questões técnicas e estratégicas.
A disponibilidade de novos recursos permitirá executar um pro-
grama de obras compatível com as necessidades de um novo ciclo virtu-
oso de crescimento e desenvolvimento econômico, assegurando maior
economia e racionalidade nos dispêndios públicos.

1 63
III
Eixos viários e um plano de ação

Um plano de ação nos transportes


O Brasil é um país com ampla experiência e tradição em planejamento,
que vem desde o governo Getúlio Vargas, no Estado Novo, com o Plano
Especial de Obras Públicas e Aparelhamento da Defesa Nacional (1939),
que enfatizou, entre outros, o setor de transportes. O planejamento foi
um instrumento estratégico para o desenvolvimento do país na chama-
da Era Vargas (que vai do próprio Vargas a, pelo menos, 1980), espe-
cialmente o de longo prazo e mais especificamente durante o regime
militar. Foi um recurso amplamente utilizado no após-guerra em países
desenvolvidos e subdesenvolvidos, entre os quais se destacam a França,
o Japão e, atualmente, a China com seus planos qüinqüenais. Dentre os
planos confeccionados ou executados no Brasil, na Era Vargas, temos:
Missão Cooke (1942-1943), Plano de Obras e Equipamentos (1943),
Plano Salte – Saúde, Alimentação, Transportes e Energia (1951), Mis-
são Abbink (1951-1953), Plano de Metas (1956), Plano Trienal (1963),
Plano de Ação Econômica do Governo (1964), Plano Decenal (1067),

165
Pens ar o Brasil: Transpor tes

Plano Estratégico de Desenvolvimento (1967), I Plano Nacional de De-


senvolvimento (1972), II Plano Nacional de Desenvolvimento (1975),
III Plano Nacional de Desenvolvimento (1980).
O último Plano Viário Nacional para o Brasil foi elaborado em
1973 (houve uma tentativa de se fazer outro em 1985). Necessita, pois,
ser revisto, dando lugar a um novo plano. É necessário apresentar ao
país um conjunto de projetos estruturais a serem realizados em quatro
anos. Eles são imprescindíveis para implementar as reformas que pro-
pomos e constituir um mercado interno pujante. Mais ainda: o processo
de planejamento deve ser permanente, com controles, constantes avalia-
ções e estabelecimento de metas renovadas.
O Brasil precisa de um plano nacional de desenvolvimento que
trate a infra-estrutura de forma integrada e seja complementado por
planos regionais e setoriais. Mas o planejamento pressupõe que o Es-
tado tenha controle sobre as variáveis fundamentais para executá-lo, o
que não condiz com a postura vigente, que deixa a condução de variáveis
fundamentais (como taxa de câmbio, fluxos de capitais e investimentos)
nas mãos do mercado.
Um plano para o setor de transportes deve privilegiar: (a) a re-
estruturação (racionalização) da matriz de transportes brasileira, com
diminuição dos custos de transporte, (b) a intermodalidade, (c) a in-
tegração nacional e a integração sul-americana, (d) a promoção do de-
senvolvimento nacional, a formação de um amplo mercado interno e o
fortalecimento da identidade nacional.
Como observamos, os corredores de transporte não podem
limitar-se a ligar a produção de commodities de baixo valor agregado e
baixa intensidade tecnológica ao exterior, o que reforça a nossa condição
primário-exportadora. O planejamento de transportes e a concepção de
corredores de transporte devem trabalhar em favor do desenvolvimento
do país e levar em conta aspectos econômicos, regionais, sociais, tecno-
lógicos, demográficos, ambiental, logísticos, entre outros.

166
Raphael Padula

O planejamento de transportes no atual governo


O Plano Nacional de Logística de Transportes (PNLT)
O planejamento de transportes no segundo governo Lula está contido
no Programa de Aceleração do Crescimento (PAC), um programa de
governo a ser executado entre 2007-2010, e no PNLT, um plano de Esta-
do com foco no médio e longo prazo. O Centro de Excelência em Enge-
nharia de Transportes (Centran), criado de parceria entre os ministérios
do Planejamento, dos Transportes e da Defesa, incorpora uma visão de
transportes desenvolvimentista, na linha aqui proposta.
Segundo o Centran (http://www.centran.eb.br/), o objetivo do
PNLT é “desenvolver, formalizar e perenizar uma base de dados e ins-
trumentos de análise, sob a óptica logística, para dar suporte ao plane-
jamento de intervenções públicas e privadas na infra-estrutura e na or-
ganização dos transportes, de modo a que o setor possa contribuir para
atingir metas econômicas, sociais e ecológicas do país, em horizontes de
médio a longo prazo, rumo ao desenvolvimento sustentado”.
Segundo o Centran, o PNLT privilegia aspectos participativos e a
necessidade e vantagem da intermodalidade. Segundo Renaud Barbosa
da Silva (2007),1 “o PNLT deve subsidiar a elaboração do Plano Pluria-
nual (PPA) nos níveis estratégico e tático, cabendo ao Departamento
Nacional de Infra-Estrutura de Transportes (DNIT) a gestão dos proje-
tos nas modalidades rodoviária, ferroviária e aquaviária, privilegiando
a integração intermodal, forma racional para reduzir os custos internos
de transportes e promover crescimento e desenvolvimento”.
O PNLT prevê a necessidade de investimentos anuais no setor de
transportes de 0,4% do PIB ao ano no período 2008-2023, e afirma que
essa meta se enquadra na realidade das contas do governo. É uma per-
centagem insignificante, diante das urgentes necessidades do país. Além

1 Renaud Barbosa da Silva. “Infra-estrutura de transportes: estratégias, táticas e op-


erações”. In Revista Conjuntura Econômica – FGV, abril de 2007.

1 67
Pens ar o Brasil: Transpor tes

disso, esses investimentos de médio e longo prazos não incluem os in-


vestimentos de curto prazo em manutenção, conservação e recuperação,
previstos nos programas do DNIT, que indicam uma demanda de recur-
sos da ordem de R$ 2 bilhões por ano até 2015 (período coberto pelos
dois próximos PPAs). Caso os investimentos do programa do DNIT e os
previstos no PNLT venham a ser realizados, isso resultaria em 0,5% do
PIB ao ano até 2015 – cerca de R$ 115 bilhões, no total.
Esses investimentos estão muito aquém dos 2% do PIB ao ano que
foram propostos aqui como necessários para um programa eficaz. Es-
tão muito abaixo dos investimentos (como proporção do PIB) de paí-
ses como China, Tailândia, Índia, Rússia, Venezuela e Argentina, entre
outros, que investem entre 4% e 6% do PIB. Investimentos anuais de
0,5% do PIB só surtiriam efeitos na matriz de transportes e na econo-
mia nacional a partir de 2020, o que privaria o país de um crescimento
acelerado, vigoroso e equilibrado desde já.
Contudo, o PAC atropelou o PNLT e incluiu alguns de seus proje-
tos mais urgentes.

O Programa de Aceleração do Crescimento


O PAC pode ser considerado um programa de governo, enquanto o
PNLT pode ser considerado um plano de Estado. Anunciado no início
do segundo governo Lula (2007), tem como objetivo impulsionar inves-
timentos na economia e garantir para o Brasil um crescimento de 4,5%
em 2007 e de 5% a partir de 2008.
A previsão de investimentos totais do PAC para 2007 é de cerca de
R$ 16 bilhões. O governo colocou como coração do PAC o investimento
de R$ 11,3 bilhões no projeto piloto de investimentos (PPI), que não
depende de autorização parlamentar, mas só de decisão do governo, e é
deduzido do superávit primário. R$ 4,6 bilhões já estão autorizados pela
Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO) de 2007, e a diferença deverá
ser obtida por meio de nova alteração na LDO. O PPI corresponde a

168
Raphael Padula

0,5% do PIB, maior que o PPI do ano passado, que foi de 0,2% do PIB.
As leis propostas pelo governo no âmbito do PAC estão avançando no
Congresso. No primeiro trimestre de 2007, o governo gastou R$ 500
milhões com obras do PPI, menos de 5% do orçamento total previsto
para o ano, o que deve comprometer as metas. A demora na execução
de projetos pode fazer com que os recursos previstos no PPI não sejam
totalmente gastos. Técnicos estimam que se atinja, no máximo, 0,4%
do PIB em 2007. Com o desconto dos 0,5% do PIB alocados no PPI, o
superávit primário do governo alcançaria 3,75%, já que a previsão é de
4,25% do PIB. No primeiro trimestre do ano, o superávit bateu recordes,
chegando a 4,9% do PIB.
O PAC prevê investimentos de R$ 58,3 bilhões para o setor de
infra-estrutura logística de 2007 a 2010, sendo R$ 13,4 bilhões já no pri-
meiro ano. A parcela correspondente a desembolsos diretos do Estado
equivale a 11,7%. O restante vem de empresas estatais e do setor privado
– ou seja, depende das avaliações sobre a taxa de juros e a taxa interna
de retorno (TIR) dos investimentos, além de alterações em marcos re-
gulatórios. Para a execução dos investimentos do PAC estão previstos
R$ 34 bilhões do Orçamento Geral da União e o financiamento de R$ 17
bilhões pelo BNDES. No geral, o PAC privilegia a participação do inves-
timento privado na infra-estrutura logística e depende demasiadamente
desse tipo de investimento para obter sucesso, o que gera incertezas.
Essa dependência leva à necessidade de se adotar outras medidas, que
serão mencionadas no fim desta seção.
Se supusermos que a proporção de 11,7% será aplicada em 2007,
o Estado deverá investir em torno de R$ 1,6 bilhão. Também em 2007,
estão previstos investimentos de R$ 8,1 bilhões no modal rodoviário,
cerca de 60% do total do ano. Estima-se que 50 mil km precisam de
manutenção, recuperação e reconstrução, com custo estimado de R$
250 mil por km, o que indica a necessidade de R$ 12,5 bilhões, quantia
muito além da prevista.

1 69
Pens ar o Brasil: Transpor tes

Os outros modais precisam de ainda mais investimentos, pois, além


de resolver os problemas que já existem, devem aumentar a participação
na matriz de transportes nacional. Dos R$ 58,3 bilhões de investimentos
totais previstos para os quatro anos, 57,3% (R$ 33,4 bilhões) são para o
setor rodoviário, enquanto para os demais modais foram direcionados
os seguintes recursos: ferrovias com R$ 7,9 bilhões (13,5%), portos R$
2,6 bilhões (4,6%), aeroportos R$ 3 bilhões (5,1%), hidrovias R$ 0,7 bi-
lhão (1,3%), marinha mercante com R$ 10,6 bilhões (18,2%).

Previsão de investimentos em infra-estrutura logística do PAC


(R$ milhões)

MODAL 2007 2008-2010 TOTAL


Rodovias 8.086 25.352 33.437
Ferrovias 1.666 6.197 7.863
Portos 684 1.979 2.663
Aeroportos 878 2.123 3.001
Hidrovias 280 455 735
Marinha Mercante 1.779 8.802 10.581
TOTAL 13.373 44.907 58.280
Fonte: PAC

MODAL QTDE
Portos 12
Hidrovias 67 portos
Hidrovias 1 eclusa
Aeroportos 20
Fonte: PAC.

170
Raphael Padula

MODAL KM
Rodovias 45.337
Invest. Público 42.090
Invest. Privado 3.247
Recuperação 32.000
Adequação/Duplicação 3.214
Construção 6.876
Ferrovias 2.518
Invest. Público 211
Invest. Privado 2.307
Fonte: PAC.

Segundo o PAC, os objetivos dos projetos são: “aumento da efi-


ciência produtiva em áreas consolidadas; indução ao desenvolvimento
em áreas de expansão de fronteira agrícola e mineral; redução de desi-
gualdades regionais em áreas deprimidas; integração regional sul-ame-
ricana”.

Previsão de investimentos em transportes 2007-2010


por regiões (em R$ bilhões)

REGIÃO INVESTIMENTO TOTAL


Norte 6,2
Nordeste 7,3
Sudeste 6,1
Sul 3,9
Centro-Oeste 3,5
Projetos especiais 28,4
TOTAL 55,4

1 71
Pens ar o Brasil: Transpor tes

O PAC dividiu os investimentos por região, sendo a região Sudeste


a mais privilegiada na previsão de recursos. Acima, temos os investi-
mentos por região; abaixo, a lista de obras.

Região Norte:
BR-364-AC: construção e pavimentação Sena Madureira – Feijó – Cru-
zeiro do Sul.
BR-319-AM: restauração, melhoramentos e pavimentação Manaus –
Porto Velho.
BR-163-MT–PA: pavimentação Guarantã do Norte – Rurópolis – Santa-
rém, incluindo o acesso a Miritituba (BR-230-PA).
BR-230-PA: pavimentação Marabá – Altamira – Medicilândia – Ruró-
polis.
BR-156-AP: pavimentação Ferreira Gomes – Oiapoque.
Construção da ferrovia Norte-Sul: Araguaína – Palmas.
Ampliação do Porto de Vila do Conde.
Construção das eclusas de Tucuruí.
Construção de terminais hidroviários na Amazônia.

Região Nordeste:
BR-101-Nordeste (RN-PB-PE-AL-SE-BA): duplicação e adequação de
capacidade.
Natal: entroncamento BR-324 (Feira de Santana).
BR-230-PB: duplicação João Pessoa – Campina Grande
BR-135-PI-BA-MG: pavimentação Jerumenha – Bertolínea – Eliseu
Martins.
Construção de trechos entre a divisa PI-BA e a divisa BA-MG; pavimen-
tação.
Divisa BA-MG – Itacarambi.
BR-116-BA: execução de ponte sobre o rio São Francisco – divisa PE-
BA.

172
Raphael Padula

BR-116-324-BA: Salvador – Feira de Santana – divisa BA-MG (parceria


público-privada)
Contorno de São Félix – Cachoeira.
Variante ferroviária Camaçari – Aratu.
Ferrovia Nova Transnordestina – obra privada e financiamento público.
Recuperação e ampliação dos berços 101 e 102 do porto de Itaqui.
Construção do berço 100 do porto de Itaqui.
Dragagem dos berços 100 ao 103 do porto de Itaqui.
Duplicação do acesso rodoviário ao porto de Itaqui e BR-135.
Duplicação do acesso rodoviário ao porto de Pecém e BR-222, Caucaia
– Pecém.
Melhorias no terminal salineiro de Areia Branca.
Construção de novo acesso rodoferroviário ao porto de Suape.
Construção da via expressa portuária ao porto de Salvador.
Dragagem e derrocagem na hidrovia do rio São Francisco (Pirapora –
Juazeiro – Petrolina) e acesso ferroviário ao porto de Juazeiro.

Sudeste:
Arco rodoviário do Rio de Janeiro, incluindo a BR-101-RJ.
BR-101-ES: adequação de capacidade na divisa RJ-ES (incluindo o con-
torno de Vitória)
BR-381-MG: adequação de capacidade e duplicação da Belo Horizon-
te – Governador Valadares, incluindo o contorno de Belo Horizonte,
subtrecho Betim
– Ravena (em pista dupla).
BR-153-365-MG: duplicação da divisa GO-MG – Trevão – Uberlândia.
BR-040-MG: Duplicação do trevo de Curvelo – Sete Lagoas.
BR-050-MG: Conclusão da duplicação da Uberaba – Uberlândia e du-
plicação
Uberlândia – Araguari.
BR-262-MG: duplicação Betim – Nova Serrana.

1 73
Pens ar o Brasil: Transpor tes

BR-265-MG: Pavimentação Ilicínea – São Sebastião do Paraíso.


Rodoanel de São Paulo – Trecho Sul.
Adequação da linha férrea no perímetro urbano de Barra Mansa e cons-
trução de pátio
Construção do contorno ferroviário de Araraquara.
Ferroanel de São Paulo – Tramo Norte – SP – MRS-privado (REFC).
Construção das avenidas perimetrais do porto de Santos – margem di-
reita (Santos) e margem esquerda (Guarujá).
Dragagem de aprofundamento no canal de acesso, bacia de evolução e
junto ao cais do porto de Santos.
Derrocagem junto ao canal de acesso ao porto de Santos.
Contenção do cais do porto de Vitória.

Região Sul:
BR-101-SUL (SC-RS): duplicação Palhoça – Osório.
BR-116-RS: programa Via Expressa (Região Metropolitana de Porto
Alegre).
BR-386-RS: duplicação Tabaí – Estrela.
BR-392-RS: duplicação Pelotas – Rio Grande, inclusive contorno de Pe-
lotas.
BR-158-RS: pavimentação Santa Maria – Rosário do Sul.
BR-470-SC: duplicação da Navegantes – Blumenau – entroncamento de
acesso a Timbó.
BR-280-SC: duplicação da São Francisco do Sul – Jaraguá do Sul.
BR-282-SC: pavimentação da Lajes – Campos Novos – São Miguel –
Paraíso.
BR-153-PR: pavimentação Ventania – Alto do Amparo.
Construção da segunda ponte internacional sobre o rio Paraná em Foz
do Iguaçu.
BR-116-PR: adequação do contorno leste de Curitiba.
Construção do contorno de São Francisco do Sul.

174
Raphael Padula

Construção do contorno de Joinville.


Ampliação da capacidade do corredor ferroviário do oeste do Paraná
(privado).
Ampliação dos molhes e dragagem de aprofundamento do porto de Rio
Grande.
Construção e recuperação de berços do porto de Paranaguá.
Construção e recuperação de berços do porto de São Francisco do Sul.
Construção da via expressa portuária do porto de Itajaí.

Centro-Oeste:
BR-163-364-MT: duplicação Rondonópolis – Cuiabá – Posto Gil.
BR-158-MT: pavimentação Ribeirão Cascalheira – divisa MT-PA.
BR-364-MT: pavimentação Diamantino – Campo Novo dos Parecis.
BR-242-MT: Pavimentação Ribeirão Cascalheira – Sorriso.
BR-158-MS-SP: construção da Ponte Paulicéia – Brasilândia.
BR-070-GO: duplicação da divisa DF-GO – Águas Lindas.
BR-060-DF-GO: conclusão da duplicação Brasília – Anápolis.
BR-153-GO: conclusão da duplicação Aparecida de Goiânia – Itumbiara.
Construção da Ferrovia Norte-Sul: Anápolis (porto seco) - Uruaçu (con-
cessão).
Construção do trecho da Ferronorte: Alto Araguaia – Rondonópolis
(obra privada com financiamento do BNDES).
Dragagem e derrocagem na hidrovia do Paraná–Paraguai.

Programas Especiais (investimento total de R$ 24,6 bilhões):


Rodovias
Conservação de 52 mil km de rodovias, R$ 1,7 bilhão.
Manutenção e recuperação de rodovias, R$ 8,0 bilhões.
Estudos e projetos para 14.500 km de rodovias, R$ 1,0 bilhão.
Controle de peso – implantação e operação de 206 postos, R$ 666 mi-
lhões.

1 75
Pens ar o Brasil: Transpor tes

Sistema de segurança em rodovias, R$ 1,1 bilhão.


Sinalização de 72 mil km de rodovias, R$ 470 milhões.

Portos
Programa de dragagem nos portos, R$ 1,1 bilhão.
Marítimos
Programa de modernização da Marinha Mercante, R$ 10,6 bilhões.
Projetos rodoviários
BR-153: divisa MG/SP – divisa SP/PR, 321,6 km.
BR-116: Curitiba – divisa SC/RS, 412,7 km.
BR-393: Divisa MG/RJ – entroncamento BR-116 (via Dutra), 200,4 km.
BR-101: Divisa ES/RJ – ponte Rio – Niterói, 320,1 km.
BR-381: Belo Horizonte – São Paulo, 562,1 km.
BR-116: São Paulo – Curitiba, 401,6 km.
BR-116-376-101: Curitiba – Florianópolis, 382,3 km.

O programa também prevê investimentos em infra-estrutura dos


aeroportos, no valor total de R$ 3 bilhões entre 2007 e 2010, visando
a aumentar a capacidade de transporte de cargas e de passageiros. A
efetivação desses investimentos e a regulamentação das aplicações são
necessárias para que não ocorra uma crise no transporte de cargas aére-
as e para tentar superar a crise no transporte de passageiros, juntamente
com outras medidas.

176
Raphael Padula

Investimentos do PAC em aeroportos (R$ milhões)

Fonte 2007 2008-2010 TOTAL


Infraero 305 664 969
Orçamento Geral da União 573 1.459 2.032
TOTAL 878 2.123 3.001

Meta de ampliação da capacidade

Número Acréscimo até


Capacidade Atual
aeroportos 2010
Milhões de
20 118 40,3
passageiros/ano
Mil toneladas/ano 4 100 191

Conclusão de obras em andamento:


Boa Vista, ampliação da Capacidade para 330 mil passageiros/ano.
Macapá, ampliação da capacidade para 700 mil passageiros/ano.
Fortaleza, construção do terminal de cargas e da torre de controle.
Natal, construção do aeroporto de São Gonçalo do Amarante.
João Pessoa, ampliação da capacidade para 860 mil passageiros/ano.
Guarulhos, implantação, adequação, ampliação e revitalização do siste-
ma de pátios e pistas.
Congonhas, segunda etapa da reforma e modernização do terminal de
passageiros e construção da torre de controle.
Santos Dumont, ampliação da capacidade para 8,5 milhões de passa-
geiros/ano.
Vitória, ampliação da capacidade para 2,1 milhões de passageiros/ano.
Goiânia, ampliação da capacidade para 2,1 milhões de passageiros/ano.

1 77
Pens ar o Brasil: Transpor tes

Novas obras
Parnaíba, ampliação e reforço de pátio e pista.
Recife, construção de quatro pontes de embarque.
Salvador, readequação do acesso ao aeroporto.
Vitória, construção do novo terminal de cargas.
Confins, ampliação do estacionamento de veículos em mais setecentas
vagas.
Guarulhos, ampliação da capacidade para mais 12 milhões de passagei-
ros/ano.
Tom Jobim, recuperação e revitalização dos sistemas de pistas e do ter-
minal de cargas.
Curitiba, ampliação da pista e ampliação do terminal de cargas em mais
5 mil m².
Florianópolis, ampliação da capacidade para 2,7 milhões de passagei-
ros/ano.
Porto Alegre, implantação do novo complexo logístico do aeroporto e
ampliação da pista de pouso e decolagem.
Cuiabá, complementação da reforma do terminal de passageiros.
Brasília, ampliação da capacidade para 11 milhões de passageiros/ano.

O PAC também prevê medidas para estimular o investimento pri-


vado, do qual depende diretamente. Algumas das medidas de estímulo
ao financiamento são: criação do Fundo de Investimento em Infra-Es-
trutura com recursos do FGTS (R$ 5,0 bilhões); redução da TJLP (de
9,75% para 6,5%); redução dos spreads do BNDES (para financiamento
de investimentos em infra-estrutura, logística e desenvolvimento urba-
no). Entre as chamadas melhoras do ambiente de investimento, há medi-
das relacionadas à questão ambiental, ao incentivo ao desenvolvimento
regional (com recriação da Sudam e da Sudene) e medidas de aperfei-
çoamento do marco regulatório e do sistema de defesa da concorrência,
entre outras. O PAC também contempla: medidas de aperfeiçoamento

178
Raphael Padula

do sistema tributário, bem como de desoneração do investimento, so-


bretudo em infra-estrutura e construção civil, para incentivar o investi-
mento privado; desoneração de obras de infra-estrutura (suspensão da
cobrança de Pis/Cofins para novos projetos); desoneração dos Fundos
de Investimento em Infra-Estrutura (isenção de imposto de renda).

Os eixos viários e um plano de obras.2


Os espaços viários continentais e territoriais
O Brasil ocupa aproximadamente 47% do território sul-americano, tem
fronteiras com a quase-totalidade dos países (exceto Chile e Equador), e
sua economia corresponde a mais de 50% do PIB continental. Segundo
uma óptica exclusiva de transportes, o continente é composto de sete
grandes espaços de tráfego, basicamente determinados por suas caracte-
rísticas físico-geográficas (Costa e Padula, 2007): Litoral Atlântico; Pla-
nalto Brasileiro; Bacia do Prata; Cordilheira Andina; Litoral do Pacífico;
Planície Amazônica; Orenoco/Caribe.
O Brasil tem controle absoluto sobre os dois primeiros, participan-
do de forma marcante da gestão condominial da bacia do Prata e da pla-
nície Amazônica. Permanece aberta a possibilidade de utilizar os demais,
como espaço de tráfego, graças a interesses econômicos e estratégicos de
países vizinhos que também pretendem um estreitamento de relações
conosco e a criação da Comunidade Sul-Americana de Nações.
A infra-estrutura de transportes do continente privilegia o comér-
cio exterior, voltada para os portos, e se concentra no modal rodoviário.
Um novo ciclo de desenvolvimento, que pretenda superar as deficiên-
cias do atual modelo, deve enfrentar o desafio de integrar plenamente
todas as regiões, reconstituindo a matriz de transportes, de modo a esta-
belecer vias de comunicação adequadas à integração desse arquipélago
de espaços geográficos diferenciados chamado Brasil. E deve ir além,

2 Esta seção foi retirada, com algumas alterações, de Costa e Padula, 2007.

1 79
Pens ar o Brasil: Transpor tes

propondo a integração física de todos os espaços da América do Sul.


Aproveitar a multiplicidade de nossas vias naturais, representadas
pelo extenso litoral e as bacias interiores, integrando-as por meio de
modais de maior capacidade – navegação de cabotagem e fluvial, além
de ferrovias –, bem como buscar a integração entre os espaços de tráfego
condominiais de que participamos e dos outros que atendam a interes-
ses estratégicos nossos e de nações vizinhas é necessário para obtermos
o máximo de produtividade e de rentabilidade no desenvolvimento in-
terno e no comércio exterior.
O planejamento da matriz de transportes é o principal instrumen-
to de superação de nossas deficiências. Com a ausência de um planeja-
mento para infra-estrutura e, em especial, para o setor de transportes,
que defina programas e projetos de curto, médio e longo prazo, os ime-
diatismos do mercado vão reproduzir, ano a ano, os erros do passado e
agravar o quadro já existente.

Principais eixos viários e plano da ação viário


A integração de mercados
Como observamos, a articulação inter-regiões é bastante deficiente no
Brasil. Baseia-se no modal rodoviário e se organizou seguindo os an-
tigos caminhos do Brasil colônia, em direção aos portos. A circulação
interior é bem mais difícil. Mais de 50 % da circulação de cargas situam-
se na região Sudeste. Tal divisão regional corresponde perfeitamente à
distribuição dos mercados.
A integração regional deve ser prioridade de um plano de governo
na área de transportes. A recuperação da malha viária reflete a impor-
tância do setor para o processo de desenvolvimento. Como suporte para
o macroplanejamento de um programa de transportes, deve-se adotar o
conceito de corredores de integração, que pretendem interligar os ma-
cromercados delimitados pelas regiões. Eles significam um complexo de
facilidades que tem início em um eixo de transportes, mas que acrescen-

180
Raphael Padula

ta outros insumos à atividade econômica, como estradas alimentadoras,


terminais e pátios intermodais, armazenagem dentro das propriedades,
terminais portuários especializados etc.
São os seguintes corredores de integração prioritários: (a) Sul –
Sudeste, a ser recuperado e reestruturado; (b) Sudeste – Nordeste, a ser
recuperado e reestruturado; (c) Centro-Oeste – Sul, a ser construído;
(d) Centro-Oeste – Sudeste, a ser recuperado e reestruturado; (e) Cen-
tro-Oeste – Norte, a ser construído; (f) Nordeste – Norte, a ser cons-
truído; (g) Nordeste – Centro-Oeste, a ser recuperado, reestruturado e
ampliado.
Dois desses corredores passam pelo Planalto Brasileiro (Sul – Su-
deste, Sudeste – Nordeste), três passam também pelo Litoral Atlântico
(Sul – Sudeste, Sudeste – Nordeste, Nordeste – Norte), outros três en-
volvem a ligação dos espaços de tráfego da Bacia do Prata e do Planalto
Brasileiro (Centro-Oeste – Nordeste e Centro-Oeste – Sul), outro liga
os espaços de tráfego da Bacia Amazônica e da Bacia do Prata (Centro-
Oeste – Norte) e, finalmente, o último liga a Bacia Amazônica e o Pla-
nalto Brasileiro (Nordeste – Norte).
A partir de alternativas estudadas, propomos um plano em infra-
estrutura de transportes a ser levado a cabo em quatro anos de governo.
Ele reúne um conjunto de ações, além das obras que vêm sendo reali-
zadas de forma inadequada pelo atual governo e de outras que estão
contidas no PAC:

A. No espaço de tráfego do Planalto Brasileiro (Sul – Sudeste e Sudeste


– Nordeste):
A.1. Ligação Sul – Sudeste:
A.1.1. Duplicação das rodovias que ligam Porto Alegre – Florianopólis
– Itajaí – Joinville – Curitiba – São Paulo, incluindo trecho da BR-101;
A.1.2- Reaparelhamento do sistema ferroviário que interliga a região Sul
à Sudeste, em especial o corredor São Paulo – Curitiba – Porto Alegre –

1 81
Pens ar o Brasil: Transpor tes

Uruguaiana, inclusive o trecho Ferroban;


A.2. Ligação Sudeste – Nordeste:
A.2.1. Restauração da BR-116;
A.2.2. Reaparelhamento do trecho ferroviário Salvador – Belo Horizon-
te e do ramal Corinto – Pirapora;
A.2.3. Restauração da navegabilidade no rio São Francisco entre Pirapo-
ra e Juazeiro – Petrolina;

B - No espaço de tráfego do Litoral Atlântico (Norte – Nordeste, Nor-


deste – Sudeste, Sudeste – Sul):
B.1. Atuação na melhora dos seguintes portos: Vila do Conde, Itaqui,
Fortaleza, Cabedelo, Suape, Aratu, Itaguaí (Sepetiba), Santos, São Fran-
cisco do Sul, Itajaí e Rio Grande, preparando-os também para a cabota-
gem. Alguns portos estão subutilizados, como Itaguaí, enquanto outros
estão sobrecarregados, como Santos. A questão portuária deverá ser
prioritária, pois a nova Lei dos Portos adicionou problemas novos sem
resolver os existentes. Além das ações visando a fortalecer e recapacitar
as companhias Docas, bem como eliminar a excessiva intermediação
existente na atividade portuária, deverá ser estudada a especialização de
alguns portos, tornando-os cativos de determinados fluxos de mercado-
rias, de modo a aumentar a racionalidade de sua operação e seu projeto,
incentivando a intermodalidade;
B.2. Reaparelhamento dos meios flutuantes da navegação de cabotagem.
É fundamental reequacionar o transporte naval, remodelando a concep-
ção de embarcações, que devem ser padronizadas para prestar serviços
de cabotagem.
B.3 - Recuperar o Lloyd Brasileiro de sua insolvência gerencial e crise
financeira, especializando-o em cabotagem. O estreitamento de relações
entre o Lloyd e as operadoras resultantes da antiga Rede Ferroviária Fe-
deral é fundamental para viabilizar essas empresas como operadoras de
transporte intermodal.

182
Raphael Padula

C. Na ligação dos espaços de tráfego da Bacia do Prata e do Planalto


Brasileiro:
C.1. Ligação Centro-Oeste – Nordeste.
C.1.1. Restauração da BR-020 (Brasília – Fortaleza) e da BR-242 (Brasí-
lia – Salvador);
C.1.2. Continuidade da expansão da ferrovia Norte-Sul, de modo a
interligá-la com a malha ferroviária do Sudeste, com a construção de
ramais ferroviários e de conexões intermodais.
C.2. Ligação Centro-Oeste – Sul.
C.2.1. Ampliação da Ferroeste, em construção pelo governo do estado
do Paraná, com a interligação Cascavel – Maracaju e o reaparelhamento
da interligação Maracaju – Campo Grande.
C.3. Ligação Centro-Oeste – Sudeste.
C.3.1. Prolongamento da Ferronorte, interligando Santa Fé do Sul –
Cuiabá.
C.3.2. Reaparelhamento da Ferrovia Novoeste (Bauru – Campo Gran-
de).

D. Na ligação dos espaços de tráfego da Bacia do Prata e da Bacia Ama-


zônica:
D.1. Ligação Centro-Oeste – Norte.
D.1.1. Restauração e pavimentação das BR-070, BR-158 e PA-150, ligan-
do Cuiabá – Barra do Garças – Belém;
D.1.2. Restauração e pavimentação da BR-364, ligando Cruzeiro do Sul
– Rio Branco – Porto Velho – Cuiabá;
D.1.3. Restauração e pavimantação da BR-163, ligando Sinop – Cuiabá
– Campo Grande;
D.1.4. Restauração da BR-318, ligando Manaus a Porto Velho.

E. Na ligação dos espaços de tráfego da bacia Amazônica e do planalto


Brasileiro

1 83
Pens ar o Brasil: Transpor tes

E.1. Ligação Nordeste – Norte.


E.1.1. Prolongamento da ferrovia Nova Transnordestina em direção ao
eixo da ferrovia Norte-Sul e em direção ao oeste baiano. Essa ferrovia
possibilitará a integração transversal de toda a zona de expansão da fron-
teira agrícola dos cerrados do Norte, do Nordeste e Centro-Oeste (sul
do Pará, Maranhão, Piauí e Ceará, norte do Tocantins, oeste da Bahia,
norte de Minas, através dos projetos A.2.2 e A.2.3, acima indicados),
possibilitando o reforço das rotas de abastecimento de produtos agrí-
colas para as populações das regiões Nordeste e Norte do Brasil. Além
disso, devem ser construídos portos para realizar a ligação entre essa
ferrovia e a de Carajás com a hidrovia do Araguaia-Tocantins.

Irrigação econômica
A questão da irrigação econômica é central para a matriz de transportes.
Sob esse aspecto, as ações prioritárias localizam-se na região Sudeste,
responsável por mais de 50% da produção de transportes no Brasil.
A delimitação geográfica compreendida pelo polígono São Paulo – Rio
de Janeiro – Belo Horizonte – Brasília demanda como prioritárias as
seguintes ações:

A. Recuperação de ferrovias:
A.1. Rio – São Paulo;
A.2. Rio – Belo Horizonte;
A.3. Campinas – Triângulo Mineiro – Brasília.

B. Recuperação e duplicação dos seguintes trechos rodoviários:
B.1. Rio – São Paulo (interligação com o trecho duplicado São Paulo
– Queluz);
B.2. São Paulo – Belo Horizonte;
B.3. Belo Horizonte – Juiz de Fora – Rio.

184
Raphael Padula

As obras mais urgentes no polígono são o anel rodoviário e o anel


ferroviário de São Paulo, o arco rodoviário do Rio de Janeiro e o desen-
volvimento e maior utilização do porto de Itaguaí.
Essas ações devem ser acompanhadas de outros investimentos,
como estradas alimentadoras, terminais e pátios intermodais, armaze-
nagem dentro de propriedades, terminais portuários especializados etc.
A intervenção governamental poderá contar com expressiva participa-
ção do setor privado como investidor direto e/ou como participante de
esquemas de financiamento.
Uma questão a ser resolvida é a integração de um dos vértices des-
se polígono à malha viária internacional. O porto de Itaguaí (Sepeti-
ba) apresenta a melhor solução.3 O desenvolvimento desse porto, com
grande potencial e hoje subutilizado, pode desafogar Santos, atualmente
o principal porto do país. Devem ser reaparelhados os portos do Rio de
Janeiro e de Sepetiba e o complexo portuário Rio de Janeiro – Sepetiba,
e recuperadas as vias de interconexão entre eles, os “portos secos” e os
corredores de transporte descritos acima.
O porto de Itaguaí enfrenta gargalos no acesso rodoviário e fer-
roviário. É preciso completar o arco rodoviário e adaptar/padronizar
bitolas de ferrovias. O governo federal deve efetivar a obra de duplica-
ção da BR-101 no trecho entre Santa Cruz e Itacuruçá (22,6 km), orçada
em R$ 147 milhões, que é parte do arco rodoviário que ligará o porto às
rodovias BR-040, BR-116 e BR-101. O Departamento Nacional de Infra-
Estrutura de Transportes (DNIT) não tem conseguido levar à frente essa
obra. Todo o arco rodoviário está orçado em R$ 570 milhões. Quanto
ao gargalo ferroviário, a malha ferroviária da FCA em Minas Gerais e

3 O porto de Itaguaí, na Baía de Sepetiba, é o único no Atlântico Sul com águas


profundas e abrigadas pela baía, ou seja, capaz de receber gigantescos navios porta-contêiner –
que hoje fazem comércio com a Ásia – e se tornar um grande concentrador de cargas industri-
ais, inserindo o Brasil nas rotas internacionais de comércio mais alto valor (cargas industriais),
que atualmente se restringem ao hemisfério Norte.

1 85
Pens ar o Brasil: Transpor tes

Goiás tem bitola estreita, enquanto a linha MRS em Barra Mansa é mais
larga, o que demanda a construção de uma linha com bitola estreita
entre Barra Mansa e Itaguaí.

Indução ao desenvolvimento
Três regiões são prioritárias para ações de indução ao desenvolvimento
no setor de transportes: Centro-Oeste, Norte e Nordeste. Todas podem
ser consideradas regiões de fronteira. As obras mais significativas para
uma efetiva ação em curto prazo são:

A. Região Centro-Oeste:
A.1. Recuperação e pavimentação do trecho da BR-158 entre Barra do
Garças e Brasília;
A.2. Recuperação do trecho ferroviário Campo Grande – Corumbá
(fronteira com a Bolívia) da ferrovia Novoeste.

B. Região Norte:
B.1. Implantação e consolidação da hidrovia Araguaia – Tocantins e de
suas interligações com a estrada de ferro Carajás, com o trecho existente
da ferrovia Norte-Sul e com o trecho ferroviário Norte-Nordeste a ser
construído (Imperatriz – Suape).
B.2. Recuperação da BR-230 entre Itaiutaba e Marabá.
B.3. Recuperação da BR-163 entre Sinop e Itaiutaba.
B.4. Recuperação dos trechos navegáveis dos rios da bacia Amazônica:
Juruá (Cruzeiro do Sul – Eirunepé – Rio Solimões), Purus (Rio Branco
– Lábrea – Rio Solimões), Japurá, Madeira (Porto Velho – Manicoré
– Rio Amazonas), Negro (São Gabriel da Cachoeira – Manaus – Rio
Amazonas/Solimões) e Teles Pires (viabilizando a navegação pela hidro-
via Tapajós – Teles Pires). Construção da eclusa de Tucuruí.
B.5. Recuperação e conclusão da BR-174, Manaus – Caracaraí – Boa
Vista.

186
Raphael Padula

B.6. Implantação da BR-210, entre Macapá – Caracaraí – São Gabriel


da Cachoeira (parte do projeto Calha Norte).

C. Região Nordeste:
A questão nordestina é uma questão nacional, e sua solução é funda-
mental para se alcançar a integração territorial, social e econômica do
Brasil. As políticas específicas de desenvolvimento exigirão uma atuação
de grande envergadura na área de infra-estrutura, visando a superar as
barreiras existentes. Além da Ferrovia Transnordestina, citada, devem
ser desenvolvidas as seguintes ações:

C.1. Plano de recuperação do Semi-Árido: gestão dos recursos hídri-


cos.
C.1.1. Recuperação de todas as barragens e açudes implantados na re-
gião.
C.1.2. Implantação de barragens em todos os rios e cursos d’água pere-
nes ou intermitentes, visando tanto a retenção das águas pluviais como
a regulari-zação das cheias que periodicamente assolam a região.

C.2. Implantação e pavimentação da BR-226, ligando Marabá – Porto


Franco – Presidente Dutra – Teresina – Crateús.
C.3. Dentro do trecho da Companhia Ferroviária do Nordeste, constru-
ção do trecho remanescente da ferrovia Transnordestina, ligando Sal-
gueiro – Crato e Senador Pompeu – Piquet Carneiro – Crateús.
C.4. Restauração e recuperação da ferrovia Crateús – Teresina – São
Luís.
C.5. Restauração e recuperação da ferrovia Crateús – Fortaleza.
C.6. Restauração e recuperação da ferrovia Fortaleza – Iguatu/Arrojado
– Souza/Mossoró – Campina Grande – João Pessoa – Recife.
C.7 - Restauração do trecho ferroviário Recife – Macéio – Aracaju –
Salvador.

1 87
Pens ar o Brasil: Transpor tes

Essas obras devem ser realizadas por meio de mutirões de micro, pe-
quenas e médias empresas regionais, sob a supervisão dos batalhões de
engenharia do Exército. O Exército tem sido utilizado há décadas na
construção de rodovias e ferrovias, e mais recentemente também em
obras de infra-estrutura dos portos. Tal opção tem grande importância,
pois é necessário realizar grande mobilização de pessoal e correta apli-
cação dos recursos destinados.

Penetração nos espaços territoriais da cordilheira dos Andes e do li-


toral Pacífico
As ações a serem desenvolvidas com essas funções precisam ser precedi-
das de acordos diplomáticos. Tais acordos são perfeitamente possíveis,
pois todos os países envolvidos têm interesse na maior integração da
América do Sul.

A. Ligação ferroviária Centro-Oeste – Litoral Pacífico/Porto de Arica.


A.1. Reconstrução e reaparelhamento do trecho ferroviário Corumbá –
Santa Cruz de la Sierra.
A.2. Construção do trecho Santa Cruz de la Sierra – Cochabamba.
A.3. Construção e reaparelhamento do trecho existente no eixo Cocha-
bamba – Arica.
B. Ligação rodoviária Centro-Oeste/Norte – Litoral Pacífico/Peru.
B.1. Expansão da BR-364, interligando Cruzeiro do Sul (AC) com a ci-
dade de Puna (Peru), viabilizando o acesso ao Pacífico a partir da região
Centro-Oeste e da região amazônica, abrangida pelos afluentes da mar-
gem direita do Rio Solimões.

C. Interligação com o Sistema Rodo-Ferroviário do Cone Sul.


C.1. Construção de ponte rodo-ferroviária sobre o rio Uruguai na cida-
de de São Borja.
C.2. Construção de ponte rodo-ferroviária na cidade de Uruguaiana.

188
Raphael Padula

Ações complementares
O plano de ação apresentado exige ações conjuntas de todas as esferas
– União, Estados e Municípios –, de empresas privadas, cooperativas,
associações de produtores e outras entidades da sociedade civil, visan-
do a superar outros problemas existentes no interior de micro-regiões,
cidades, distritos etc.
Além disso, são necessárias as seguintes ações complementares:
(a) Estradas alimentadoras: deve ser concedido apoio financeiro e
crédito complementar para a realização de obras de construção, recu-
peração e remoção de pontos de estrangulamento de 50 mil km de ro-
dovias vicinais. Os recursos, a serem mobilizados no período de quatro
anos, atingem R$ 360 milhões;
(b) Pátios e terminais: devem ser identificadas e vendidas todas as
áreas e edificações pertencentes à União e suas empresas que possam
ser usadas para a instalação de equipamentos de infra-estrutura pelo
setor privado, de modo a racionalizar processos produtivos integrados a
redes de grande capacidade de transporte (ferrovias e hidrovias).
(c) Armazenagem dentro das propriedades: deve-se apoiar e finan-
ciar a construção de armazéns coletores por proprietários, por coope-
rativas e por associações de produtores, estabelecendo-se como meta
a construção de 30 milhões de toneladas de capacidade até 2005. Esse
programa de construção traz como condicionante implícita que todas as
cidades tenham acesso, a pelo menos, uma unidade armazenadora lo-
cal para realizar todo o processamento, limpeza e secagem da produção
agrícola de seus produtores. Além disso, devem ser identificados todos
os armazéns pertencentes à União e às suas empresas que possuam ca-
racterísticas típicas de armazenagem coletora, para que sejam integral-
mente transferidos para associações de produtores e/ou cooperativas
localizadas em sua área de influência. A necessidade de recursos é de R$
1,8 bilhão em oito anos.

1 89
IV. Considerações gerais sobre a integração
sul-americana e a IIRSA

O quadro geral
A integração sul-americana passa pela construção de uma infra-estru-
tura específica. Por causa de fatores históricos, geográficos, econômicos,
políticos e culturais, as principais áreas de concentração econômica e
populacional do continente estão distribuídas de forma heterogênea
e dispersa, concentradas na faixa litorânea, voltadas para o comércio
exterior. Inexistem, ou existem de forma muito inadequada, conexões
viárias entre elas.1 A região é como um arquipélago, com escassas cone-
xões realizadas por longas rodovias. Os modais ferroviário e aquaviário,
mais baratos e característicos para transportes de grandes cargas e de
longa distância, não são utilizados para integrar a região, ao contrário
do que ocorre nos Estados Unidos e na Europa. O transporte de cabota-

1 As razões históricas, políticas e econômicas relacionam-se à nossa colonização,


que formou economias agrário-exportadoras com sua geração de riqueza voltada para fora. A
razão geográfica encontra-se em obstáculos naturais, por exemplo, a região da Amazônia e a
Cordilheira dos Andes.

191
Pens ar o Brasil: Transpor tes

gem, que deveria ser o principal modal para transporte de cargas entre
regiões costeiras, não é amplamente utilizado. As ligações dependem do
modal rodoviário, o que resulta em custos extraordinariamente eleva-
dos. O potencial de comércio entre as principais áreas econômicas da
região, especialmente entre as áreas do Atlântico e do Pacífico, não é
devidamente explorado. O centro da região, área dotada de importantes
recursos e ricos ecossistemas, não está devidamente ocupado e interli-
gado ao restante do continente e ao mundo. O interior é praticamente
despovoado. Exemplo disso é a região amazônica.2
A vasta dimensão do continente e a longa distância entre seus cen-
tros exigem consideráveis fluxos de transportes de longa distância, pre-
dominantemente realizados pelo modal rodoviário, gerando elevadíssi-
mos custos ao comércio intra-regional. A conseqüência desses custos,
que tanto atrapalham a integração sul-americana, é o baixo crescimento
do PIB em diversas áreas, pela falta de uma integração adequada que
gere sinergias. Estimamos que o PIB da região, como um todo, deixe de
crescer em torno de 2% a cada ano pela falta de conexões adequadas,
através de um sistema intermodal eficiente. O transporte realizado por
ferrovias, cruzando e interligando o continente, e por cabotagem, ao
longo da costa, são os mais racionais e devem ter peso crescente na ma-
triz regional. Esses modais foram deixados de lado pela prioridade dada
ao modal rodoviário em todos os países da região.
É necessário desenvolver um sistema de transportes eficiente que
integre toda a região, irrigue regiões saturadas e induza o desenvolvi-
mento e a ocupação de regiões subdesenvolvidas, subutilizadas, subo-
cupadas e subexploradas. A América do Sul precisará investir muitos
bilhões de dólares para construir sua integração física, base da integra-
ção política, econômica, social e cultural. São necessárias construções

2 Exemplos de ecossistemas são: a Bacia Amazônica, os Cerrados, o Pantanal, o Cha-


co, os Pampas.

192
Raphael Padula

e/ou investimentos em redes de ferrovias, hidrovias, portos, marinha


mercante, redes rodoviárias, transportes aéreo e terminais e armazéns
para apoio intermodal, como destaca Darc Costa (2003).
Atualmente, a América do Sul tem as seguintes regiões econômi-
cas principais: Norte-Nordeste do Brasil, Sul-Sudeste do Brasil, Noro-
este Sul-Americano, Grande Buenos Aires-Montevidéu, Chile Central
e países centrais (Paraguai e Bolívia). É preciso aumentar o comércio
entre essas regiões, cuja potencialidade está subaproveitada.
Segundo Costa (2003, p.139), “a falta de uma rede continental
de transporte manifestou-se clara e penosamente, em 1982, durante a
Guerra das Malvinas, quando o Peru, a Venezuela e outros países, ao
tentarem dar apoio logístico à Argentina, descobriram que não havia
navios cargueiros que viajassem diretamente entre Caracas e Buenos
Aires”.
Cerca de 60% da população da região moram nos países membros
do Mercosul (Brasil, Paraguai, Uruguai e Argentina), na sua maior parte
localizada em uma faixa estreita (cerca de 600 km) ao longo da cos-
ta atlântica (mais de 7 mil km). Usados adequadamente, a cabotagem
e o transporte hidroviário resultariam no aumento do comércio e no
crescimento econômico. No Cone Sul, o Norte-Nordeste do Brasil seria
ligado eficientemente à Grande Buenos Aires e a Montevidéu. O porto
de Sepetiba (como superporto) deve fazer a ligação do polígono São
Paulo – Rio de Janeiro – Belo Horizonte – Brasília com o mundo, com-
plementado pela navegação fluvial e por malhas terrestres adequadas.
Isto é importante para ligar o Sudeste brasileiro, região de maior peso
econômico do Hemisfério Sul, à malha viária internacional e ao trans-
porte de cabotagem na América do Sul. O comércio do Mercosul, feito
predominantemente por rodovias, está concentrado no eixo Sudeste-
Sul do Brasil – Grande Buenos Aires – Montevidéu. A Costa do Pacífico
e a Costa Atlântica, mais distanciadas pela falta de vias intracontinentais
adequadas, podem ter no transporte marítimo, passando pelo Panamá,

1 93
Pens ar o Brasil: Transpor tes

uma alternativa mais imediata. Eixos hidro-ferroviários – com hidro-


vias, navegação de cabotagem e alguns eixos ferroviários estratégicos
que já existem ou estão em construção – são os meios que podem ser
mobilizados mais rapidamente, com investimentos relativamente bai-
xos, para um primeiro passo em direção a uma eficiente integração de
transportes intermodal.3 Em prazo mais longo, é necessário construir
um novo canal interoceânico. A partir dos eixos hidro-ferroviários, o
Norte-Nordeste do Brasil e o rio da Prata, distanciados por cerca de 5
mil km, poderiam ser interligados de forma mais eficiente. O Norte-
Nordeste do Brasil é uma região que deve ter seu desenvolvimento eco-
nômico e social induzido com vias adequadas, interligando-a às demais
regiões.
Essa região tem ligações com Peru, Colômbia e Equador por vias
navegáveis costeiras e fluviais de longa distância, conectando-se direta-
mente ao Noroeste da América do Sul e ao Pacífico; também se liga à
região Amazônica, que a interliga ao Pacífico. Essas regiões, no entanto,
têm um comércio insignificante entre si. Uma conexão importante é a
do Centro-Oeste brasileiro com o Norte boliviano através do rio Madei-
ra. Esse rio pode ter um papel fundamental na integração, induzindo o
desenvolvimento em várias regiões. É preciso usar eixos bioceânicos, e
não somente costeiros, ligando a Amazônia com HUB Ports no Atlânti-
co e no Pacífico, com um porto de transbordo centro-amazônico.
O fluxo de comércio intra-regional tem crescido fortemente nos
últimos anos, tanto entre países do Mercosul quanto entre países do
Mercosul e da Comunidade Andina de Nações (CAN). O comércio
do Brasil com os países da América do Sul cresceu aproximadamente
73% entre 2002 e 2005. Assim, necessita-se urgentemente de oferta de
infra-estrutura adequada para atender às demandas de um comércio

3 VIVACQUA, P.A., Stehling, S.M.F. (2001). Corredor Atlântico do Mercosul, Integ-


raçãoSul-Americana e Navegação – questões estratégicas. In III Ciclo de Comércio Exterior do
Vale do Paraíba, p. 3. São Sebastião - SP.

194
Raphael Padula

crescente e pujante. Os recursos gerados por uma integração multimo-


dal eficiente pagariam com sobras, em termos econômicos e sociais, os
investimentos em transportes.
O Brasil corresponde a 47,8% do território da América do Sul e tem
mais da metade do PIB e da população do continente. A integração re-
gional sul-americana passa pela integração do território brasileiro, como
base do processo. Algumas questões e projetos são importantíssimos
para a integração, como a utilização do rio Madeira e da bacia amazôni-
ca, do transporte de cabotagem e de ferrovias transcontinentais, como
a que liga a malha brasileira ao Peru, e também a ponte Brasil-Guiana.
Projetos ferroviários importantes são: (1) a construção da ferrovia Pan-
Americana, ligando Caracas a Buenos Aires, juntamente com a ferrovia
Norte-Sul e com ferrovias troncais, como a que propomos ligando San-
tos a Arica, interligando a região; (2) a Transcontinental Norte, ligando
o porto de Suape (PE) a Iquito, no litoral pacífico do Equador; (3) a
ferrovia do Conesul, ligando o Sudeste-Sul à Grande Buenos Aires. Para
atender a demanda desses projetos, é necessário estimular e capacitar a
indústria fornecedora de máquinas e equipamentos para o setor.
As rodovias também demandam altos investimentos para recupe-
ração, manutenção e construção de novas vias.
É preciso mais que duplicar a capacidade de transportes da ma-
rinha mercante e investir em portos, capacidade de armazenamento,
equipamentos, vias de acesso etc. Os portos de Sepetiba e Arica devem
fazer o papel de superportos regionais, no Atlântico e no Pacífico.
A América do Sul tem cerca de 85 mil km de ferrovias, enquan-
to os Estados Unidos, já no fim do século XIX, tinha em torno de 120
mil km, o que revela a baixa densidade ferroviária do nosso continente.
Além disso, a região possui seis tamanhos de bitolas, como se vê na ta-
bela a seguir, o que prejudica a integração ferroviária. É uma herança da
era colonial. É necessário uniformizar tudo, gradativamente, na bitola
ótima (em termos de capacidade e velocidade) de 1,435 metros.

1 95
Pens ar o Brasil: Transpor tes

Rede ferroviária sul-americana por bitola da via (em km)

Bitola em metros
1,676 1,600 1,435 1,067 1,000 0,914
Argentina 20.545 - 2.772 - 10.655 -
Bolívia - - - 3.538 - -
Brasil - 3.472 194 - 25.784 -
Colômbia - - 150 - - 2.688
Costa Rica - - - 950 - -
Chile 4.311 - - 341 3.958 -
Equador - - - 965 - -
Paraguai - - 441 - - -
Peru - - 1.782 - - 345
Uruguai - - 3.001 - - -
Venezuela - - 634 - - -
Total 24.856 3.472 8..974 2.306 43.935 3.033
Fontes: Jane’s World Railways, 1994, elaborado por Costa, 2003, p. 140.

É preciso usar as hidrovias subutilizadas, integrando as bacias do


Orinoco, do Amazonas e do Paraná, de modo a ligar a Venezuela (Ciu-
dad Guayana) à Argentina (Grande Buenos Aires). A ligação da bacia
do Prata com a bacia amazônica passa por intervenções para resolver
problemas de corredeiras nos rios Madeira e Mamoré. A bacia do Prata
demanda uma série de ações e intervenções, como construções de bar-
ragens e eclusas. A construção de um novo canal interoceânico ligando
o Atlântico ao Pacífico, permitindo o fluxo de embarcações modernas,
também é importante.
Uma questão de grande relevância no transporte de cargas intra-
regional é o gargalo nas aduanas, por causa da burocracia, gerando per-
da de tempo e maiores custos. É preciso unificar os procedimentos da
burocracia aduaneira com as seguintes medidas: unificação das legisla-

196
Raphael Padula

ções, integração dos sistemas de informática, processos simultâneos (e


não seqüenciais) de trabalho das autoridades que tratam da liberação
de cargas, ampliação da capacidade dos portos secos (o que exige inves-
timentos na ordem de bilhões de reais) e mais técnicos dos ministérios
da Agricultura de cada país. O Mercosul, desde sua criação jurídica,
em 1994, prevê a integração aduaneira e determina a criação de áreas
integradas de controle nas fronteiras, visando a simplificar os processos
burocráticos de passagem de cargas e pessoas, embora isso não tenha
ocorrido de fato. A aprovação do Código Aduaneiro do Mercosul vai
uniformizar procedimentos aduaneiros no bloco.
O principal ponto de passagem de cargas da América do Sul, entre
Uruguaiana (Brasil) e Paso de los Libres (Argentina), onde o Mercosul
estabeleceu em 1997 que haveria controle integrado, também sofre com
os problemas de burocracia, que atingem principalmente as exportações
brasileiras (Góes, 17/05/2007).4 Segundo Góes, a liberação das importa-
ções foi unificada no lado brasileiro – com a instalação de autoridades de
ambos os países, enquanto a liberação das exportações brasileiras, que
deveria se concentrar no lado argentino, ainda passa por duas etapas. “A
exceção são os caminhões que circulam no regime ‘porta-a-porta’, cuja
documentação é desembaraçada na origem ou no destino.” Dados da
empresa que administra o porto seco rodoviário de Uruguaiana, Eadi
Sul, citados por Góes, mostram que 667 veículos passam por lá todos
os dias, em média; aproximadamente 70% deles (exportação e impor-
tação) são liberados no primeiro dia; o tempo médio de permanência
dos caminhões na importação é de aproximadamente doze horas; na
exportação, o tempo médio é de cerca de cinco horas; o tempo médio
de permanência tanto em importações quanto em exportações é de
aproximadamente oito horas. A previsão de melhora dessa situação está

4 Góes, Francisco. “Mercosul sofre com gargalo aduaneiro”. In Valor Econômico (jor-
nal), 17/05/2007.

1 97
Pens ar o Brasil: Transpor tes

prevista para 2008, com o aumento da capacidade do Complexo Termi-


nal de Cargas (Cotecar), no lado argentino, que permitirá concentrar os
trâmites burocráticos das nossas exportações.
A integração das regiões por um sistema de transportes eficiente
geraria sinergias, formando um grande mercado interno regional, com
maior comércio, mais emprego e maior crescimento econômico, além
de produzir maior identidade regional, rompendo o isolamento entre
regiões. As conseqüências quadro atual são conhecidas: ineficiência, ne-
gócios não realizados, má ocupação do território, concentração demo-
gráfica, efeitos de polarização e de repulsão. O sistema de transportes é
um instrumento fundamental para impulsionar a industrialização em
todos os países da região.

A Iniciativa para a Integração da Infra-Estrutura


Regional Sul-Americana (IIRSA)
A IIRSA foi criada na I Reunião de Presidentes da América do Sul, re-
alizada em 2000, em Brasília. Seu objetivo é prover o continente de
uma infra-estrutura adequada nas áreas de transportes, comunicações
e energia, que serviria como base para a maior integração comercial e
social da região. Os projetos deveriam ser implementados em dez anos.
No Comunicado de Brasília, resultante do encontro, as seguintes afir-
mações revelam os objetivos do projeto: (i) complementação e expansão
de projetos existentes e identificação de novos projetos de infra-estru-
tura favoráveis à integração; (ii) identificação de fórmulas inovadoras
de apoio financeiro para os projetos de infra-estrutura, de maneira a
estimular a participação de investidores privados e a mobilizar todos os
recursos possíveis.
Embora uma agenda regional de projetos de infra-estrutura, ela-
borada por doze países da América do Sul, possa representar um avanço
no processo de integração, devemos analisar a IIRSA de forma cuidado-
sa para tentar identificar a forma de integração que está proposta ali.

198
Raphael Padula

Um plano de infra-estrutura de transportes pode trabalhar basi-


camente para duas formas de integração: (a) para integrar a região no
comércio global, reafirmando e acentuando nossa tendência primário-
exportadora (ou exportadora de commodities), com uma boa infra-
estrutura voltada para fora, com conexões entre centros produtores e
consumidores voltados apenas para o litoral, sem ligações adequadas e
eficientes entre si; (b) para realizar a integração regional, ligando centros
produtores e urbanos da própria região, encurtando as distâncias com
transportes multimodais eficientes e baratos, fomentando a produção
industrial dos países da região e acelerando uma integração dinâmica,
com vantagens competitivas na produção e comercialização de bens in-
dustriais de alta intensidade tecnológica e valor agregado, além de ligar
os países ao comércio internacional, garantindo, porém, uma inserção
soberana. A primeira forma geralmente vem associada ao Estado neo-
liberal: privilegia a participação do setor privado nos investimentos e
sustenta o Estado mínimo.
Desde o início, a IIRSA foi tratada pelo governo brasileiro com
uma visão estritamente técnica, e não político-estratégica. Sua condu-
ção ficou a cargo de uma comissão interministerial, criada em 2001 pelo
governo Fernando Henrique Cardoso, formada pelo Ministério do Pla-
nejamento, que exerce a coordenação, e os ministérios dos Transportes,
das Minas e Energia e das Comunicações; o Ministério das Relações Ex-
teriores não foi incluído. Os trabalhos técnicos da IIRSA seriam orien-
tados pelas prioridades estabelecidas pelos governos a partir de um
conselho de ministros de planejamento e de infra-estrutura dos países
participantes – o Comitê de Direção Executiva.
Inicialmente, os países apresentaram 335 projetos de infra-estrutu-
ra, de diferentes graus de maturação e natureza, no valor total de US$ 38
bilhões (Couto, 2006, p. 63) – aproximadamente 1,6% do PIB do Brasil.
Seguindo a proposta de Eliezer Batista e aproveitando a experiên-
cia brasileira de planejamento, a análise técnica do IIRSA privilegiou os

1 99
Pens ar o Brasil: Transpor tes

seguintes eixos: eixo Andino, eixo Andino do Sul, eixo de Capricórnio,


eixo da Hidrovia Paraguai-Paraná, eixo do Amazonas, eixo do Escudo
Guayanés, eixo do Sul, eixo Interoceânico Central, eixo Mercosul-Chile,
eixo Peru-Brasil-Bolívia (o mapa da região dividida por eixos está dis-
ponível em www.iirsa.org). Além disso, a análise técnica também está
dividida em processos setoriais a serem privilegiados: transporte multi-
modal, transporte marítimo, transporte aéreo, tecnologias da informa-
ção e comunicações, passagens de fronteira, instrumentos de financia-
mento e integração energética.
A coordenação dos trabalhos e dos grupos técnicos (GTEs, respon-
sáveis pela execução dos trabalhos) cabia a agências multilaterais de fo-
mento, como o Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID), com
grande influência norte-americana, a Corporação Andina de Fomento
(CAF) e o Fundo para o Desenvolvimento da Bacia do Prata (Fonplata),
que formariam o Comitê de Coordenação Técnica (CCT), estabelecido
como secretaria-executiva. A partir do agrupamento de projetos realiza-
do pelo GTE, o CCT, baseado em diagnósticos das principais atividades
econômicas e de seus fluxos de comércio (reais e potenciais), realizava
um processo técnico de hierarquização e priorização dos projetos da
IIRSA. Além disso, o CCT era responsável por contratação de estudos
e consultorias que orientassem a tomada de decisão dos países sobre os
projetos e avanços do processo de integração física.
Segundo Couto (2006), essas delegações buscavam aproveitar a
maior agilidade das agências, driblando restrições orçamentárias e le-
gais dos Estados, o que permitiu o avanço e a continuidade do projeto,
embora sem institucionalidade. Por outro lado, delegava-se demasiada
influência às agências, que têm interesses próprios na região, especial-
mente o BID.
Na III Reunião dos Presidentes da América do Sul, realizada em
Cuzco, Peru, em 2004, foi consolidada a AIC, acordada pelos doze países
da região, apresentando 31 projetos – 28 em transportes, um em energia

200
Raphael Padula

e dois em comunicações – que seriam eleitos como prioritários para


a integração física da região. Esses projetos seriam implantados entre
2005 e 2010. De acordo com o plano de ação confeccionado para a IIR-
SA, eles teriam valores inferiores a 5 bilhões de dólares. Todos os países
foram contemplados com pelo menos um projeto. Os 28 projetos na
área de transportes se dividem da seguinte forma: 24 rodoviários, dois
hidroviários, dois ferroviários e um dutoviário (o gasoduto Nordeste,
identificado como projeto na área de energia). Assim, o IIRSA tende
a reafirmar a predominância do modal rodoviário, de mais alto custo,
dificultando a interconexão entre centros e a exploração de sinergias.
Uma visão estritamente técnica e a influência das agências multi-
laterais determinaram o critério de análise e a seleção/hierarquização
dos projetos. Conseqüentemente, também determinaram a Agenda de
Implementação Consensuada (AIC) e o seu traçado viário, que é baseado
nos impactos no aumento dos fluxos de comércio e da competitividade
de bens e serviços existentes na região, bem como na atração de inves-
tidores privados. Assim, o projeto – mais especificamente, a AIC – pri-
vilegia uma visão estática no longo prazo, bem como a participação dos
bancos multilaterais e da iniciativa privada, retirando os Estados das
atividades de financiamento.
O traçado viário da AIC fortalece uma infra-estrutura voltada para
fora, planejada para expandir a competitividade e as complementarida-
des estáticas da região, perpetuando os países na condição de subde-
senvolvimento. Assim não se promove uma integração industrializante
baseada em ganhos recíprocos e dinâmicos de longo prazo, como ocor-
reu na Europa. Dos 31 projetos apresentados na AIC, somente um já
foi inaugurado, a ponte sobre o rio Acre (Brasil-Peru), que serve para
escoar bens primários (principalmente a soja) para o Pacífico. Outros
dez projetos estão em execução.
Parece que a AIC partiu do pressuposto de que o problema de
infra-estrutura de transportes está resolvido no Brasil – o que está lon-

2 01
Pens ar o Brasil: Transpor tes

ge da verdade. Nenhuma das obras de infra-estrutura que propomos


aparece na AIC. Além disso, ela não apresenta projetos que liguem a
Amazônia aos principais centros da região.
Pode-se notar, conforme Couto (2006, p. 68), que os reflexos do
Estado neoliberal “se fizeram sentir também no âmbito das relações re-
gionais (...). A formação do Mercosul, que previa integração industrial
e desenvolvimento, foi deliberadamente desviada para questões mera-
mente comerciais. E a integração física sul-americana com [Fernando
Henrique] Cardoso admitia um papel reduzido aos Estados, delegando
às agências regionais de desenvolvimento e à iniciativa privada o papel
de incentivadores e executores do processo. (...) De fato, isso gerava, à
primeira vista, algumas ambigüidades. A primeira delas diz respeito à
delegação da secretaria-executiva às agências multilaterais: CAF, BID e
Fonplata. Na mesma linha, nos trabalhos da iniciativa, chama a atenção
a ausência do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social
(BNDES), segundo maior banco de investimento do mundo e ator-cha-
ve para a promoção da indústria nacional. Por outro lado, foi permitida
a presença do BID, no qual é forte a influência norte-americana.”
Durante o predomínio de governos neoliberais na América do Sul,
com o governo Fernando Henrique Cardoso no Brasil, a IIRSA e a AIC
foram projetos de bancos multilaterais, e não de Estados, privilegiando
a participação privada, trabalhando para a integração da região ao co-
mércio internacional, uma infra-estrutura voltada para fora.
Quanto à questão do financiamento, ponto crítico do projeto, de-
veria haver uma atuação conjunta do BNDES e da CAF, além da cria-
ção do Banco del Sur e de fundos estruturais – por meio de consórcios
entre os países, com contribuições proporcionais à posição econômica
dos países da região. É necessário que os Estados da região mudem a
postura neoliberal para que haja maiores recursos disponíveis para in-
vestimento, especialmente em infra-estrutura, que tem efeitos multipli-
cadores por toda a economia.

202
Raphael Padula

O BNDES tem atuado a favor da integração física, com ações bila-


terais. Em 2003, o BNDES e a CAF promoveram o primeiro seminário
conjunto de co-financiamento de projetos para integração sul-americana,
inserindo o BNDES no processo de integração física do continente e tra-
tando de projetos não contemplados pela IIRSA (Couto, 2006, p. 69). 5
Além disso, o BNDES tem financiado exportações de bens e servi-
ços de empresas brasileiras para a execução de vários projetos em países
da América do Sul, como: tubos e serviços de engenharia para constru-
ção de gasoduto na Argentina (US$ 237 milhões); vagões de metrô para
o Chile (US$ 153 milhões); aviões da Embraer e construção da usina
hidrelétrica de San Francisco no Equador (US$ 304 milhões); bens e
serviços de engenharia para construção de estrada no Paraguai (US$
77 milhões); a usina hidrelétrica La Vueltosa e linhas de metrô, entre
outros, para a Venezuela (US$ 352 milhões).6
Essas formas de financiamento impulsionam a integração que de-
fendemos, com uma visão estratégica de longo prazo, pois se destinam
a bens e serviços de alto valor agregado e alta densidade tecnológica.
Defendemos uma integração que gere ganhos recíprocos, na qual o Bra-
sil deve desempenhar o papel de exportador de bens de capital e servi-
ços, abrindo seu mercado às manufaturas dos demais países – tal como
ocorreu na integração européia, com a Alemanha desempenhando o
papel de pivô comercial.
Desde o início do governo Lula, o Brasil definiu como prioridade
as relações diplomáticas e econômicas com os demais países da América

5 Primeiro Seminário Internacional de Co-financiamento BNDES/CAF: Prospecção


de Projetos de Integração Sul-americana, que objetivava identificar projetos de infra-estrutura
a serem financiados pelos dois organismos em todos os países da América do Sul, passando
ao largo dos objetivos, da concepção adotada e do projeto da IIRSA. Devemos lembrar que o
BNDES criou um departamento específico para tratar do assunto integração sul-americana
(idem).
6 Fonte: Palestra do então Ministro do Planejamento Guido Mântega, disponível em
www.planejamneto.gov.br/arquivos_down/spi/iirsa/Guido_Mantega_IIRSA_23nov.PPT.

2 03
Pens ar o Brasil: Transpor tes

do Sul, abandonando a simples retórica e a visão economicista prati-


cadas pelo governo anterior.7 A integração física e o IIRSA têm toma-
do um rumo mais coerente com a integração regional. As deficiências
apontadas na AIC têm sido superadas, e os demais projetos presentes
na IIRSA, que privilegiam uma integração estratégica com interliga-
ções entre os principais centros regionais, têm sido contemplados pelos
atuais governos da região, com o BNDES tendo maior participação no
processo. Os governos tomaram as rédeas do processo de integração
de transportes, suplantando a proeminência e os interesses dos bancos
multilaterais e do capital privado.

7 A posição política do Governo se reflete já na formação do Ministério das Relações


Exteriores e na própria estrutura do Itamaraty. O chanceler Celso Amorim, em seu discurso
de posse do Ministério, defendeu o aprofundamento da integração entre os países da América
do Sul. Na estrutura do Itamaraty, a América do Sul, que antes era acompanhada dentro do
Departamento das Américas, ganhou uma subsecretaria específica, vinculada diretamente à
Secretaria-Geral e, assim, ao Embaixador Samuel Pinheiro Guimarães, que sempre se declarou
contrário à Área de Livre Comércio das Américas (ALCA) e favorável à integração sul-amer-
icana. Para Guimarães (2002, p.146), em sua obra Quinhentos anos de periferia, a “América
do Sul é a circunstância inevitável, histórica e geográfica do Estado e da sociedade brasileira”.
Essa opção política se evidenciou em ações políticas logo nos primeiros meses de Governo
Lula, como: a defesa de Hugo Chávez e participação na formação do Grupo dos Amigos da
Venezuela; a primeira viagem de Lula como presidente eleito à Argentina e o apoio a Néstor
Kirchner como candidato à presidência; nos financiamentos concedidos pelo BNDES para
financiar obras de infra-estrutura à Venezuela; no compromisso da construção de uma ponte
Brasil-Peru, entre os municípios de Assis Brasil (Acre) e Iñapari.

204
V. Breves considerações finais

Ao longo deste estudo, observamos o quadro alarmante da infra-es-


trutura de transportes no Brasil. Os grandes problemas apontados têm
como origem um Estado que dá prioridade às finanças, e não à econo-
mia produtiva. Daí decorre a falta de investimentos e de planejamento
em transportes, um setor de interesse público e estratégico. A oferta de
transportes deve andar sempre à frente da demanda para que não haja
entraves ao desenvolvimento, ou seja, para que o país não perca oportu-
nidades. Como vimos, investimentos realizados de forma desordenada
tendem a agravar a situação. A existência de uma infra-estrutura vol-
tada para fora, atendendo regiões produtoras de commodities de baixo
valor agregado e baixa intensidade tecnológica, reforça a nossa posição
histórica na divisão internacional do trabalho e exerce efeitos polariza-
dores dentro do país.
A matriz de transportes brasileira apresenta demasiada concentra-
ção no modal rodoviário: mais de 60% dos transportes de cargas e mais
de 90% dos transportes de passageiros. Este é o modal mais caro e me-

205
Pens ar o Brasil: Transpor tes

nos eficiente para transportes de longa distância e em grandes volumes,


quando comparado aos modais ferroviário e aquaviário, que têm pe-
quena participação na matriz de transportes de cargas: 20,7% e 13,6%,
respectivamente. É necessário reestruturar a matriz de transporte de
cargas, no longo prazo, de modo a chegarmos a 40% no modal ferrovi-
ário, 20% no rodoviário e 40% do aquaviário – considerando somente a
distribuição de participação entre esses modais.
Cerca de 75% das rodovias são classificadas pela CNT como pés-
simas, ruins ou regulares. As estradas apresentam problemas de sinali-
zação, pavimentação e/ou geometria. Ou seja, o transporte está concen-
trado num modal mais custoso e com problemas na maior parte de sua
infra-estrutura. Além dos altos investimentos para reestruturar a ma-
triz, é preciso realizar investimentos urgentes na própria infra-estrutura
rodoviária.
O pífio investimento estatal em transportes – média de 0,2% do
PIB ao longo dos últimos anos – tem se concentrado no modal rodo-
viário, ultrapassando 4/5 do total, o que tende a manter e reproduzir o
quadro atual.
A malha ferroviária apresenta uma série de gargalos físicos e lo-
gísticos. Esses entraves comprometem a competitividade, a eficiência
e a capacidade da malha nacional e dos corredores de transporte ferro-
viários. Os principais gargalos de infra-estrutura são construções irre-
gulares às margens das vias, excesso de passagens em nível críticas nas
malhas, problemas de expansão e integração, inclusive no tráfego entre
malhas de diferentes operadoras, diferenças de bitolas, gargalos logísti-
cos (acesso limitado aos portos, corredores com pouca capacidade), fal-
ta de oferta para ampliação e reforma do material rodante (com inves-
timentos prejudicados pela taxa de juros da economia) e superestrutura
deficiente (terminais multimodais, terminais de transbordo).
Após as privatizações, em meados da década de 1990, os investi-
mentos no setor aumentaram e houve melhoras operacionais. No en-

206
Raphael Padula

tanto, a malha ferroviária nacional ainda opera distante das condições


ideais. Seus principais problemas demandam ações e investimentos que
só o Estado pode realizar. Segundo a Pesquisa Ferroviária CNT 2006 (p.
111), “o setor ferroviário privado calcula a necessidade de investimento
de cerca de R$ 1,5 bilhão na construção das principais variantes – linhas
alternativas que evitam os traçados antigos que apresentam fortes su-
bidas e sinuosidades”. Estimamos que R$ 3,5 bilhões sejam necessários
para solucionar os problemas de curto e médio prazo do setor.
O modal aquaviário é pouco competitivo. A bandeira brasileira é
cada vez menos significativa na navegação internacional, com o sucate-
amento da marinha mercante, impulsionado pelo processo de privati-
zação, acarretando maior dispêndio de divisas para pagamento de fretes
no comércio exterior – cerca de R$ 6,5 bilhões por ano. Já a navegação
de cabotagem, que deve ser fundamental para os transportes de cargas
no Brasil e na América do Sul, é pouco utilizada e se ocupa essencial-
mente de granéis líquidos e sólidos. Em um país com a dimensão terri-
torial e costeira do Brasil, com abundância de rios, o modal aquaviário
deve ser um importante instrumento de transporte interior e exterior,
de cargas e de passageiros.
Os portos brasileiros enfrentam uma série de problemas de curto,
médio e longo prazo para a operação eficiente. O setor privado não reú-
ne condições ou interesse de realizar os investimentos necessários. Os
principais problemas são: (a) processos burocráticos, informatização e
dimensionamento/treinamento de mão-de-obra; (b) manutenção inefi-
ciente dos portos, principalmente no que diz respeito à regularidade na
dragagem; (c) falta de manutenção regular na criação e especialização
de berços, dragagem e expansão de retroáreas para contêineres e ar-
mazéns, aumentando a disponibilidade logística, modernização e aqui-
sição de equipamentos, e principalmente equipamentos de transbordo
(guindastes móveis, portêineres, transtêineres, sistemas de recepção e
expedição, ship-loaders etc.); (d) melhora na infra-estrutura e em aces-

2 07
Pens ar o Brasil: Transpor tes

sos rodoviários, ferroviários e aquaviários, bem como ações de integra-


ção dos portos aos demais modais; (e) construção de novos terminais;
(f) revisão do marco regulatório e saneamento das companhias Docas,
para que elas sejam auto-sustentáveis e financeiramente saudáveis, com
gestão profissional, voltadas ao desenvolvimento dos portos, aumentan-
do a capacidade de gestão e de investimento; (g) necessidade de finan-
ciamentos direcionados para a modernização e aumento da capacidade
dos portos, tendo em vista acompanhar o crescimento de demanda e,
principalmente, fazer a oferta andar na frente da demanda; (h) existên-
cia de alguns portos sobrecarregados (como o de Santos) e outros subu-
tilizados (como o de Itaguaí).
O Brasil possui cerca de 43 mil km de rios, dos quais 28 mil km
são navegáveis. Destes, apenas 10 mil km de hidrovias são utilizados, o
que mostra uma subutilização dos rios e do modal hidroviário, que tem
grande potencial de crescimento. Tendo em vista melhorar a navegabi-
lidade de diversos trechos fundamentais para desenvolver o setor hi-
droviário de navegação interior no Brasil devem ser feitas intervenções
como dragagem, construção de terminais, represamento, construção de
eclusas, canais para rios sinuosos etc. A navegação interior tem impor-
tância apenas na região Norte, tendo pequena participação relativa nas
demais regiões por causa da rigidez operacional e/ou baixa adequação
geoeconômica (ressalve-se a importância crescente da hidrovia Tietê-
Paraná). Nas obras de engenharia, devem ser utilizados os comboios
tipos máximos sempre que possível.
Quanto aos gargalos operacionais do setor a serem resolvidos, des-
tacam-se o dimensionamento e o custo da mão-de-obra nos portos, a
informatização dos procedimentos, a racionalização dos processos bu-
rocráticos, a superação de impasses referentes a aspectos legais e à legis-
lação ambiental, de modo a desatar nós para uma ação governamental
eficiente, o estímulo a operações de cabotagem, transbordo e serviços de
feeder e navegação interior.

208
Raphael Padula

O transporte dutoviário no Brasil ainda é muito incipiente, princi-


palmente diante da extensão do país, e participa apenas marginalmen-
te do transporte de cargas. Como a infra-estrutura dutoviária é mais
direcionada aos combustíveis, o seu desenvolvimento tem ficado mais
a cargo do setor de energia. A infra-estrutura de gasodutos é pouco de-
senvolvida. Esse é o principal problema do setor, que pode ser atribuído
ao maior enfoque da Petrobras na questão do petróleo, tendência que
deve se reverter por causa do aumento da importância do gás na matriz
energética nacional.
O transporte aéreo, que tem crescido continuamente, sofre com
falta de planejamento e com uma visão que o separa dos demais meios
de transporte e da vida nacional. Além disso, não há controle eficaz
sobre os recursos gastos no setor. Seu crescimento desordenado tem
levado a concentrações das operações em alguns aeroportos sobre-uti-
lizados, como o de Congonhas (SP), e subutilização de outros, como o
Galeão, o que tem levado a diversos problemas. A tendência do setor no
transporte de cargas é de crise em aproximadamente três anos, caso os
investimentos previstos não sejam realizados de forma ordenada.
Dois fatores de grande peso nos custos de transportes e logísticos
brasileiros, sem dúvida, são a concentração no modal rodoviário e a
falta de intermodalidade. A intermodalidade dá a opção de usar o mo-
dal mais barato no transporte de mercadorias no momento adequado.
É preciso que o Brasil implante um sistema de transportes intermodal,
aproveitando-o em toda sua potencialidade, com apoio logístico mo-
derno e eficiente.
Os principais problemas em logística são: oferta inadequada, com
escassez de espaço para armazenamento de grãos nas áreas produtoras;
gargalo nas estradas de aproximação aos portos, especialmente Santos;
estradas em más condições, demandando de grande volume de inves-
timento em restauração e manutenção; frota de caminhões com idade
média alta (estimada em cerca de vinte anos); estradas de ferro pouco

2 09
Pens ar o Brasil: Transpor tes

rentáveis e com necessidade de investimentos significativos; utilização


precária do transporte aquaviário e da navegação de cabotagem.
As ações de integração nacional e intermodal devem ser acom-
panhadas de outros investimentos, como estradas alimentadoras, ter-
minais e pátios intermodais, armazenagem nas propriedades, terminais
portuários especializados etc. Nesses casos, a intervenção governamen-
tal poderá contar com expressiva participação do setor privado como
investidor direto e/ou na montagem de esquemas de financiamento. A
infra-estrutura logística exige ação conjunta de todas as esferas execu-
tivas do poder público, de empresas privadas, cooperativas, associações
de produtores e outras entidades da sociedade civil, visando a superar
problemas no interior de microrregiões, cidades, distritos etc.
Segundo cálculos da CNT (Pesquisa Rodoviária 2006), os inves-
timentos necessários para que o sistema rodoviário alcance um padrão
adequado de segurança e desempenho são estimados em R$ 22,2 bi-
lhões (0,9% do PIB, para a metodologia de cálculo do PIB adotada em
2007 pelo IBGE, e em torno de 1,1% para o cálculo anterior). Como ob-
servamos, são necessários investimentos anuais da ordem de 2% do PIB,
no mínimo, para mudar em quatro anos a infra-estrutura de transportes
do país, iniciando a reestruturação da matriz. Pode-se argumentar que
esse valor é alto e não condiz com a realidade das contas brasileiras. No
entanto, observarmos que o Brasil economiza 4,9% de seu PIB para pa-
gamento de juros da dívida e paga 8,1% do PIB nesses juros. Tem que ser
viável essa proporção de investimentos em um setor prioritário. Países
como Venezuela, Argentina, Rússia e Malásia, entre outros, têm inves-
tido entre 2% e 6% PIB em infra-estrutura. Os recursos da Cide, ainda
que só alcancem 0,4% do PIB, devem ser usados em investimentos em
infra-estrutura de transportes e não desviados para outros gastos, como
tem ocorrido.
Um novo ciclo de desenvolvimento, que pretenda superar as de-
ficiências de nosso modelo, deve enfrentar o desafio de integrar ple-

210
Raphael Padula

namente todas as regiões, reestruturando a matriz de transportes, de


modo a estabelecer vias de comunicação adequadas à integração desse
arquipélago de espaços geográficos chamado Brasil. E deve ir mais além,
propondo a integração física de todos os espaços da América do Sul.
Aproveitar a multiplicidade de nossas vias naturais, representadas
pelo extenso litoral e as bacias interiores, integrando-as com modais de
maior capacidade – navegação de cabotagem e fluvial e ferrovias –, bem
como buscar a integração entre os espaços de tráfego condominiais de
que participamos e dos outros que atendam a interesses estratégicos
mútuos – nossos e de nações vizinhas – é uma tarefa necessária se qui-
sermos obter o máximo de produtividade de nossa economia.
O planejamento da matriz de transportes é o principal instrumen-
to de superação de nossas deficiências. Com a ausência de um planeja-
mento para a infra-estrutura e, em especial, para o setor de transportes,
com programas e projetos de curto, médio e longo prazo, os imediatis-
mos do mercado reproduzirão os erros do passado, agravando o quadro
existente.
É importante uma regulação eficiente, na qual o poder concedente
garanta uma visão estratégica e econômica de longo prazo e as agências
reguladoras atuem de acordo com o interesse público. Um programa
de infra-estrutura de transportes deve contemplar os princípios gerais
que apresentamos: visar a integração, indução e irrigação; promover
uma alteração na matriz, explorando a intermodalidade em toda sua
potencialidade, tendo em vista maior eficiência no sistema; observar
os aspectos logísticos associados às diferentes formas de transporte e
à intermodalidade; integrar o espaço brasileiro e sul-americano (com
reorientação da IIRSA).
Como vimos, as principais áreas de concentração econômica e po-
pulacional da América do Sul encontram-se praticamente desconecta-
das entre si e concentradas na faixa litorânea, voltadas para o comércio
exterior. O potencial de comércio entre essas áreas, especialmente entre

2 11
Pens ar o Brasil: Transpor tes

as áreas do Atlântico e do Pacífico, não são devidamente explorados. A


extensão da região e a distância entre seus centros exigem vultosos flu-
xos de transportes de longa distância, em sua maioria realizados através
do modal rodoviário, gerando altos custos à produção e ao comércio.
Tais custos são obstáculos maiores que as tarifas à efetiva integração
sul-americana.
O projeto da IIRSA deve ser aproveitado para impulsionar obras
que interliguem as principais regiões econômicas da América do Sul,
fomentando uma integração regional dinâmica, baseada na produção
industrial e no desenvolvimento dos países da região, e não uma inte-
gração meramente econômica, baseada no comércio exterior e voltada
para fora.

212
Raphael Padula

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