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SÃO LUÍS
2010
Pereira, Ariel Tavares
141fl.
2
ARIEL TAVARES PEREIRA
Aprovada em / /
BANCA EXAMINADORA
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À Dona Rosa, que com seu afeto e
coragem, aprontou-me para a vida.
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AGRADECIMENTOS
5
determinação e o pouco de sensibilidade que há em mim: Socorro, Dora, Eliane, Rosinha e
Aubélia.
Aos meus sobrinhos Ivo (hoje com seis anos), Rafael (cinco), César (três) e Rita
de Cássia (um ano e onze meses) que trouxeram muitas alegrias sempre que me
“visitaram” em São Luís ou das vezes que fui até eles, em Centro Novo do Maranhão.
“Titio, quando o senhor vai terminar este trabalho?”, “Titio, a gente pode brincar no
computador?”...
Agradeço à turma do mestrado pelas discussões enriquecedoras, tanto em sala de
aula quanto nos corredores da UFMA ou ainda nos bares da Praia Grande.
Tenho um agradecimento especial para uma colega dessa turma: Elisene, hoje
minha namorada e em breve minha esposa.
Quero agradecer aos professores do Programa de Pós-Graduação em Ciências
Sociais, especialmente à professora Maristela de Paula Andrade, minha “madrinha” nessa
empreitada, que por várias vezes insistiu para que fizesse a seleção: “meu filho, por que
você não larga isso aqui [graduação em C. Sociais] e vai fazer o mestrado?”. Agradeço
ainda a estimulante disciplina que ministrou durante o curso e que, ao lado da do professor
Igor Grill, foram as que mais contribuíram para melhorar o projeto e, posteriormente, para
dar continuidade à pesquisa.
Ao professor Igor, quero agradecer ainda pela orientação séria e competente,
pautada sempre pelo rigor científico, mas também pela compreensão e tolerância com as
minhas limitações e/ou “teimosias” na elaboração do trabalho.
Agradeço ao professores André Botelho, José Ricardo Ramalho e Marco Aurélio
Santana que me receberam muito bem na cidade maravilhosa durante o período cursado no
IFCS/UFRJ. Agradeço as contribuições então dadas ao projeto pelos professores André
Botelho e Marco Aurélio.
Não poderia deixar de agradecer aos professores que aceitaram participar da
banca examinadora: Professor Dr. Marco Aurélio Santana e professora Drª Arleth Santos
Borges.
Sem o apoio da Capes, concedendo bolsa durante os dois anos do curso, esta
dissertação não seria possível.
6
Aderbal Quadros não entendia aquelas conversas.
Sobre o que se passara na Rússia, tinha apenas
idéias nebulosas: ouvira falar numa “revolta
braba” em que os revolucionários tinham “feito o
serviço” na família imperial, instituindo um
regime em que tudo era de todos.
Érico Veríssimo
(extraído de O tempo e o vento)
7
RESUMO
8
ABSTRACT
Investigated in this work of the historical moments (1935-1937), known as first “anti-
communist wave”, in which he sued the construction and propagation of representations
about communism and communists in the city of São Luís, Maranhão. Having as source of
empirical papers published in this period: “O Combate”; “Pacotilha”; “O Imparcial” and
“Tribuna”. All linked to factions that monopolized the oligarchic political game of the
time. The research theme around which we build the object of investigation is the
imaginary anti-communist in Brazil, which came with new meanings and significance of
the various social groups and institutions that sought to impose a vision of "true" about
communism / communist. The discourses about these related produced by the newspapers
of São Luís in the 1930’s is an element within a wider discursive formation, which was
taking shape in different historical contexts, with the participation of various social actors.
We try to focus on the discursive strategies adopted by the newspapers surveyed, and try to
identify their role in the formation of an imaginary anti-Communist.
9
SUMÁRIO
1. INTRODUÇÃO
11
2. A SÃO LUÍS DAS PRIMEIRAS DÉCADAS DO SÉCULO
XX 26
5. CONCLUSÃO 136
REFERÊNCIAS 139
10
1. INTRODUÇÃO
1
Ver: SILVA, s/d. e MOTTA, 2002; 2007.
2
O conceito de facção aqui utilizado segue a definição dada por Carl Landé (1977). São grupos não-
corporados que se caracterizam por “membros instáveis, duração incerta, liderança personalística, ausência
de organização formal e um interesse maior por poder e espólios do que por ideologia ou política” (LANDÉ,
1977, p.52). Não se trata, portanto, de tentar impor uma classificação pejorativa para as referidas correntes
políticas, mas de procurar caracterizá-las com maior precisão analítica.
3
Ludovicense ou sanluisense são as duas formas com que se pode designar quem ou o que é originário desta
cidade.
4
A ANL foi fundada no Rio de Janeiro em março de 1935. No Maranhão sua existência legal se deu entre os
meses de abril e julho, quando Vargas decretou o fechamento nacional da organização. Para a trajetória
detalhada da ANL no Maranhão: CALDEIRA, José de Ribamar. A ANL no Maranhão. São Luís: Edufma,
1990.
5
A AIB, movimento nacionalista de forte caráter fascista, atuou legalmente no Maranhão entre os anos de
1933 e 1937. Para uma análise do caráter fascista da AIB: TRINDADE, Hélgio. Integralismo (o fascismo
brasileiro na década de 1930). São Paulo/ Porto Alegre: Difel/UFRGS, 1974. Sobre a AIB no Maranhão:
CALDEIRA, João Ricardo. Integralismo e política regional: a Ação Integralista no Maranhão. São Paulo:
11
recorrência de editoriais, artigos e matérias que alertavam para o “perigo do comunismo”
(PEREIRA, 2006). Isso chamou nossa atenção, especialmente por não encontrarmos
indícios de movimentação comunista organizada, na cidade de São Luís daquele período
(meados da década de 1930), que pudesse representar qualquer ameaça concreta para o
jogo político estabelecido, então controlado pelos grupos oligárquicos (CALDEIRA, 1981;
REIS, 2007).
Também durante a monografia surgiu a inspiração para o próprio título do
trabalho, uma paráfrase do famoso texto de Marx e Engels publicado em 1848:
Annablume, 1999.
12
projeto de pesquisa, nos servindo como referencial para as nossas primeiras formulações
acerca do material coletado nos jornais de São Luís, apesar de tratar de um período
diferente do que estávamos analisando aqui em São Luís.
Outro importante livro sobre o anticomunismo no Brasil é o de Rodrigo Patto
Sá Motta, Em guarda contra o perigo vermelho: o anticomunismo no Brasil, obra de
referência nessa área não somente por conseguir dar conta de um longo período (de 1917
até 1964), mas principalmente porque esclarece com propriedade determinadas questões
acerca das origens e matrizes ideológicas do chamado anticomunismo brasileiro. Rodrigo
Motta é um dos primeiros a romper com certas concepções tradicionais sobre o imaginário
político anticomunista, como é o caso da interpretação produzida pelo Estado, e
notadamente pelo Exército, em torno da chamada Intentona Comunista, transformada
numa espécie de “mito fundador” do anticomunismo no Brasil.
Tal interpretação localizava o início do combate ao comunismo como uma
conseqüência dos levantes em quartéis nas cidades de Natal, Recife e Rio de Janeiro. As
forças armadas brasileiras decidiram, inclusive, marcar a data de 27 de novembro como
“dia nacional de repúdio ao comunismo”, como aponta Rodrigo Santos de Oliveira em sua
dissertação de mestrado: “Perante o tribunal da história”: O anticomunismo da Ação
Integralista Brasileira. Neste trabalho, o autor realiza uma análise aprofundada do
anticomunismo da Ação Integralista, revelando que o meio impresso (jornais, revistas e
livros) foi o principal instrumento de divulgação das representações anticomunistas
produzidas pela AIB.
Outro trabalho instigante que tivemos acesso foi o livro de Roberto Martins
Ferreira Organização e Poder - Análise do discurso anticomunista do exército brasileiro,
em que o autor realiza uma investigação através das chamadas ordens do dia, um
documento oficial que anualmente o exército divulgava como parte das ações que
buscavam marcar a luta contra o comunismo. Percorrendo um longo recorte cronológico, o
trabalho consegue descortinar alguns elementos recorrentes do discurso do exército que
tiveram um papel decisivo na construção da imagem do comunismo e do comunista. Do
ponto de vista metodológico, ele segue uma orientação mais forte da análise de conteúdo
que busca identificar os recursos argumentativos utilizados pelo enunciador, e ainda como
este produz estratégias para convencer o leitor a engajar-se na defesa das idéias
apresentadas pelo discurso.
Ao livro de Carla Luciana Silva, intitulado Onda vermelha: imaginários
13
anticomunistas brasileiros (1931-1934), tivemos acesso quando de nossa passagem pelo
Rio de Janeiro no primeiro semestre de 2009. A autora apresenta a tese de que o fenômeno
anticomunista seria anterior à ANL e aos levantes de novembro de 1935, apontado como
marco inicial das campanhas anticomunistas no Brasil. Carla Silva baseou sua pesquisa na
análise dos Anais da Assembléia Nacional Constituinte de 1934 e dos jornais fluminenses
(Correio da manhã e O Jornal) e gaúchos (A Federação e o Correio do povo). No bojo das
discussões e propostas que se faziam no período e que tinham como núcleo central a
“questão social” e suas possíveis soluções, a autora identifica a disseminação de um
imaginário anticomunista. Segundo sua análise, o anticomunismo funcionou, desde então,
como “uma forma de justificação para os vários setores das elites políticas nacionais se
definirem pelas propostas autoritárias” (SILVA, s/d, p.19).
Como primeiro passo na construção do nosso objeto de análise, decidimos
relativizar um aspecto presente entre os principais trabalhos que tratam da temática dos
discursos sobre o comunismo, qual seja: sua abordagem a partir da perspectiva específica
de um imaginário anticomunista construído pelo discurso dos diversos agentes sociais que
combatiam o comunismo, notadamente a Igreja Católica e o Integralismo. Nossa percepção
é de que esse viés interpretativo muitas vezes não possibilita enxergar que se trata de um
espaço de disputa entre representações que visam impor um sentido determinado para um
determinado referente. Para pensarmos com Ernesto Laclau, o comunismo deve ser
tomado, especialmente numa configuração de crise política, como sendo um significante
flutuante6, cujo sentido/significado que vai defini-lo ou tornar-se hegemônico em uma
determinada configuração social, encontra-se em disputa com outras definições,
formuladas por agentes sociais que ocupam posições antagônicas às ocupadas por aqueles
que formularam a definição que veio a se tornar hegemônica.
Não descartamos o uso da idéia de um anticomunismo, ou melhor, de
anticomunismos, forjados dentro dos diversos quadros históricos e sociais vividos pelo
país. Pretendemos apenas situar-nos, como ponto de partida para a análise, desde uma
posição que nos possibilite enxergar que existia uma pluralidade de enunciados sobre o
comunismo, e que nem todos visavam apresentá-lo como um fenômeno deletério dos
valores sociais vigentes e, portanto, negativo ao país.
Mesmo que nossa abordagem se limite ao discurso da imprensa, que visava,
14
todavia, em sua quase totalidade, impor um sentido negativo para o comunismo, não
devemos esquecer que se produziu também um discurso cujo objetivo era difundir uma
imagem positiva do mesmo. Em determinado momento, é possível encontrar mesmo na
imprensa de São Luís, às vezes dentro de um mesmo veículo, a tensão própria desse espaço
de concorrências entre diferentes perspectivas do comunismo ou do bolchevismo, como se
passou a designar mais precisamente a experiência particular da Rússia. A visão
hegemônica que se vai configurar acerca do chamado comunismo soviético é o resultado
de uma luta pela constituição da imagem legítima, a que seria o “verdadeiro retrato” da
realidade vivida pelo povo russo sob o regime comunista. Mas esta visão que conseguiu se
impor como verdadeira não foi a única que se produziu. Nos jornais estudados é possível
vislumbrar um pouco esse espaço de tensão e disputa de idéias na discussão, por exemplo,
sobre qual seria o melhor regime político, econômico e social para o Brasil. Ou ainda nas
posições críticas assumidas por certos jornalistas em relação ao integralismo, como se deu
especialmente no jornal Tribuna à época da existência legal da ANL.
A postura do cientista social não é assumir uma posição, mas procurar
compreender os posicionamentos e visões de mundo presentes nos diversos discursos
analisados, como já alertava Weber, tratando justamente do caso de uma possível agenda
de pesquisa que a sociologia poderia formular para o estudo da imprensa (WEBER, 2002,
p.187).
Compreendemos que o discurso sobre o comunismo e o comunista produzido
pelos jornais da época foi um importante elemento para que se plasmasse, com o auxílio de
outros sujeitos e instituições sociais, a identidade desses dois referentes (comunismo e
comunista). Uma identidade que se torna, pela força da imprensa enquanto instituição
capaz de fazer ver e existir aquilo de que trata, a única identidade possível.
Uma ferramenta teórica importante em nossa abordagem do discurso
jornalístico enquanto um elemento que contribuiu para a elaboração de representações
acerca do comunismo e do comunista é a noção de representações sociais, tal como foi
elaborada, ou melhor, re-elaborada por Roger Chartier (1990). Sua conceituação das
representações sociais foi bastante influenciada pela sociologia reflexiva de Pierre
Bourdieu, e principalmente por Marcel Mauss e Durkheim (CARVALHO, 2005), e busca
compreender as práticas e representações sociais, bem como as “estratégias que
determinam posições e relações e que atribuem a cada classe, grupo ou meio um ‘ser-
apreendido’ constitutivo da sua identidade” (CHARTIER, 1990, p.23). Essa imposição ou
15
determinação do “ser apreendido” (ou da identidade social) ocorre, e pode ser percebida,
através dos discursos que classificam e delimitam papéis sociais.
Como sabemos, o conceito de representações sociais foi formulado por Émile
Durkheim (2003), e buscava, dentro de um contexto específico de disputa com outras
ciências, delimitar um espaço legítimo de atuação para a sociologia. Ao diferenciar
representações coletivas de representações individuais, Durkheim fundou a sociologia
enquanto área do conhecimento, porque lhe atribuía um objeto especifico de estudo, as
representações coletivas. Juntamente com Marcel Mauss, ele pensou as representações
articuladas às relações sociais concretas, não como algo pairando abstratamente sobre as
cabeças dos indivíduos. Nas palavras de Mauss: “mesmo as representações coletivas mais
elevadas só têm uma existência, isto é, só o são verdadeiramente a partir do momento em
que comandam atos” (apud CHARTIER, 1990, p.18).
É nessa linha que esses clássicos da sociologia são recuperados por Roger
Chartier, quando estabelece que o conceito de representação ocupa um lugar central no seu
programa de pesquisa de uma história cultural ou sociologia histórica, como ele próprio
nomeia sua agenda de trabalho. Chartier entende que a pertinência operatória desse
conceito se dá na medida em que torna possível articular três modalidades da relação com
o mundo social: 1) os processos de classificação, divisão e delimitação que organizam a
apreensão do mundo social; 2) as práticas que objetivam tornar conhecida uma
determinada identidade social; e 3) as formas objetivadas ou institucionalizadas que
“representam” determinado grupo ou classe social.
Como se pode ver, essa formulação é tributária das concepções de Pierre
Bourdieu. Assim, seguindo seu desenho conceptual, as representações são pensadas dentro
de um espaço de disputas ou campo de concorrências, onde diversos agentes buscam impor
uma visão legítima acerca do mundo social, bem como determinar o seu lugar e o lugar do
outro nesse mundo.
As representações sobre o comunismo lhe atribuem um sentido definido,
constituindo, assim, seu “ser-apreendido”, sua “identidade”. Todavia, essa construção de
identidade ocorre dentro de um espaço de lutas onde diferentes agentes atuam visando
determinar essa identidade (BOURDIEU, 2004a).
Existe uma relação indissociável entre representações sociais e a constituição
de uma identidade social, pública, que se processa num campo de disputas entre agentes
(indivíduos, grupos sociais ou instituições) que pretendem impor os princípios de visão e
16
divisão legítima do mundo social. O entendimento adequado dessa relação passa pela
superação da oposição entre representações e realidade, uma vez que as representações
fazem parte da realidade, elas existem efetivamente, seja sob a forma de “atos de
percepção e apreciação, de conhecimento e reconhecimento em que os agentes investem os
seus interesses e os seus pressupostos”, seja através de objetos (emblemas, bandeiras,
insígnias, etc.) e das “estratégias interessadas de manipulação simbólica que têm em vista
determinar a representação mental que os outros podem ter destas propriedades e dos seus
portadores” (BOURDIEU, 2004, p.112).
Existe, portanto, uma luta pelo poder de instituir a verdade das coisas e dos
grupos sociais através de sistemas simbólicos de classificação que determinam, por
exemplo, quem é incluído e quem é excluído de determinado grupo social, aqueles que
devem ser considerados “patriotas”, “bons brasileiros” ou, pelo contrário, “impatrióticos”,
“maus brasileiros”, enfim, “inimigos” da “Nação”.
Desse modo, a identidade é sempre relacional, na medida em que é produzida
enquanto marcador da diferença em relação a um exterior. Tanto comunistas quanto
anticomunistas buscam construir uma visão legítima acerca do que seria o comunismo,
pois através das classificações, delimitações e exclusões que operam em seus discursos e
práticas a realidade é contraditoriamente construída e dada a ler. No nosso caso a ênfase
será dada ao discurso jornalístico apreendido enquanto constituindo uma unidade
discursiva acerca do comunismo7. Ao mesmo tempo, partimos da idéia de que o discurso,
ao tratar de um objeto, também o produz. Como isso se dá no caso da idéia de comunismo
é o que buscamos compreender melhor.
Não se trata de reconstituir a história do comunismo em si, reclamando uma
voz de verdade sobre os seus princípios e objetivos, ou, utilizando alguns pressupostos
teóricos de Foucault, não se trata de fazer uma história do referente, mas de tentar
compreender como se processou a construção de um objeto dentro de uma dada unidade
discursiva (FOUCAULT, 2007, p.53). Como afirma na Arqueologia do saber, a agenda do
programa arqueológico busca tomar os discursos não apenas como
conjuntos de signos (...), mas como práticas que formam sistematicamente os
objetos de que falam. Certamente os discursos são feitos de signos; mas o que
fazem é mais que utilizar esses signos para designar certas coisas. É esse mais
que é preciso fazer aparecer e que é preciso descrever.
(FOUCAULT, 2007, p.55. Grifo nosso)
7 “Os enunciados, diferentes em sua forma, dispersos no tempo, formam um conjunto quando se referem a
um único e mesmo objeto” (FOUCAULT, 2007, p.36)
17
Em nossa apropriação do texto foucaultiano, visando analisar o discurso da
imprensa sobre o comunismo, entendemos que esse mais, dentre outras coisas, pode ser
entendido enquanto processo que contribui para formar uma imagem do que seja o
comunismo e os comunistas. E não só isso, pois o discurso veiculado pelos jornais,
pautado na estratégia da estereotipização, cria também uma visibilidade e uma dizibilidade,
ou seja, ele permite ver e dizer o objeto de que fala (ALBUQUERQUE, 2006, p.36).
Através das imagens e enunciados clichês que os jornais põem em funcionamento dentro
dessa maquinaria imagético-discursiva, produz-se um significado específico para o
comunismo/comunista. Nesse sentido, eles são efeitos de verdade produzidos pelo
discurso. O que queremos saber é como isso se deu, ou melhor, quais as condições de
possibilidade8 desse discurso. Seria possível identificar as estratégias discursivas que
possibilitaram construir esse objeto específico, singular, que é o comunismo enquanto
regime da anarquia, da barbárie, que destrói os valores nacionais, que não respeita a
propriedade?
O discurso é entendido aqui enquanto prática cultural que se trama na teia de
relações sociais, mas que ao mesmo tempo tem o poder de instituir o real. Segundo Michel
Foucault, o discurso tem regras próprias de aparecimento, condições específicas de
apropriação e utilização, e que se apresenta desde o início (“e não simplesmente em suas
‘aplicações práticas’”) perpassado pela questão do poder. Sendo, portanto, objeto de uma
disputa política, o discurso é, ao mesmo tempo, constituinte da trama social.
(FOUCAULT, 2007, p.136-137).
Ernesto Laclau, refletindo acerca da dimensão política da existência social,
destaca que o investimento de sentido que constitui o ser dos objetos se dá dentro de um
sistema de relações marcado por um antagonismo radical. Desse modo, o resultado dessa
luta pela constituição de identidades sociais e políticas não pode ser pré-determinado, pois
estamos num campo de identidades relacionais. O que significa dizer que a identidade “não
seria o que é fora da relação com a força que a antagoniza”, sendo esta força “parte das
condições de existência dessa identidade” (LACLAU, 1990, p.18). Daí a noção de um
8 Entendido, segundo Foucault (1992, pp.10-11), como espaço de ordem a partir do qual são “possíveis
conhecimentos e teorias”, irrompem “idéias, constituem-se ciências, formam-se racionalidades”. O conceito
foi originalmente formulado para análise do processo de constituição da positividade histórica, ou solo
epistemólogico, das chamadas ciências humanas, projeto levado a cabo na obra As palavras e as coisas –
arqueologia das ciências humanas.
18
“exterior constitutivo”, imprescindível nessa relação de constituição de identidades. Ou
seja, na medida em me diferencio do outro, do que é exterior a mim e ao meu grupo, eu
busco elaborar minha identidade numa relação em que, ao mesmo tempo, estabeleço uma
identidade para o outro.
Tanto os comunistas quanto os não-comunistas são compreendidos enquanto
produtores de um discurso sobre o comunismo; emitem enunciados, formulam conceitos,
lançam mão de estratégias enunciativas que visam definir o que seja o comunismo, e assim
impor uma visão “verdadeira”, reconhecida socialmente como legítima. Portanto, “fala-se”
em comunismo de diferentes maneiras: segundo a concepção dos “católicos”,
“integralistas”, “liberais”, etc. Poderíamos mesmo nos perguntar, se para cada um desses
grupos a visão que têm do comunismo é una, homogênea, sem nuanças. Será que dentro do
que convencionalmente identificamos como Igreja Católica existe uma única concepção,
responsável pela produção dos mesmos enunciados acerca do comunismo? A igreja dos
anos 1920/1930 é a mesma dos anos 1960/1970? Como é possível surgir de dentro de uma
mesma instituição diferentes formulações para um mesmo objeto? É preciso se perguntar
quais as condições sociais específicas em que se elabora um determinado discurso.
A análise arqueológica deve dar conta de como se instaura certo discurso,
quais suas condições de emergência. Tal análise deve fazer aparecer também os “domínios
não discursivos” a que remetem e nas quais tomam corpo os enunciados. São as
instituições, os acontecimentos políticos, os processos econômicos e culturais
(FOUCAULT, 2007, p.182-183). Essa questão das práticas é um aspecto imprescindível da
metodologia de pesquisa proposta por Foucault, que enfatiza a necessidade de se descrever
os enunciados em sua materialidade, sem tentar interpretar ou mesmo revelar significados
ocultos à superfície dos mesmos. O enunciado, ou o conjunto dos enunciados, é um
fenômeno inscrito na história, nas relações materiais, na vida social, devendo ser procurado
nesse nível concreto da sua existência. Sendo o enunciado, ao mesmo tempo, não oculto e
não visível, a análise enunciativa só pode se referir a
19
que significa para elas o fato de se terem manifestado, de terem deixado rastros
e, talvez, de permanecerem para uma reutilização eventual (...). (FOUCAULT,
2007, p.124).
Sabe-se bem que não se tem o direito de dizer tudo, que não se pode falar de
tudo em qualquer circunstância, que qualquer um, enfim, não pode falar de
qualquer coisa. Tabu do objeto, ritual da circunstância, direito privilegiado ou
exclusivo do sujeito que fala.
(FOUCAULT, 2008, p.9)
20
de grupo que as formulam, implicando num “necessário relacionamento dos discursos
proferidos com a posição de quem os utiliza” (CHARTIER, 1990, p.17). Daí considerar
que as representações são matrizes de discursos e práticas diferenciadas. Por isso, devemos
compreendê-las de um modo particular e historicamente determinado, pois elas não
existem num continuum ahistórico. Chartier faz questão de destacar a descontinuidade
fundamental das formações sociais e culturais, e, por conseguinte, das próprias
representações sociais.
Assim, por exemplo, nas conjunturas políticas em que experimentou a
liberdade de atuação, o PCB buscou dissociar sua imagem do ateísmo, com o objetivo de
diminuir a resistência junto ao eleitorado católico. E mesmo nos períodos de ilegalidade o
PCB formulou e buscou implementar, através dos movimentos ou organizações políticas
que controlava, um conjunto de princípios políticos que pregavam a reunião de todas as
forças políticas, e também de todo cidadão brasileiro, contrários ao imperialismo, ao
latifúndio, ao fascismo e em defesa da Pátria. As chamadas frentes políticas ilustram bem
esse aspecto da tentativa de reverter o processo de depreciação ou mesmo exclusão através
do descrédito imposto aos comunistas.
No Maranhão, foram fundadas organizações com esse caráter, a exemplo da
VAF (Vanguarda Anti-Fascista) e da FUP (Frente Única Proletária)9. Tanto comunistas
quanto anticomunistas demonstravam assim certo domínio do espaço das tomadas de
posição em uma situação determinada do campo político. “Concretamente, a produção de
tomadas de posição depende do sistema das tomadas de posição propostas em concorrência
pelo conjunto dos partidos antagonistas” (BOURDIEU, 2004, p.178). Portanto, toda ação
ou tomada de posição no jogo só tem sentido se pensada relacionalmente; existe uma força
que se exerce sobre os agentes e que provém do próprio espaço de concorrência em que
lutam pela preferência dos consumidores. A isto Bourdieu chama de um “sistema de
desvios”:
O campo, no seu conjunto, define-se como um sistema de desvios de níveis
diferentes e nada, nem nas instituições ou nos agentes, nem nos actos ou nos
discursos que eles produzem, tem sentido senão relacionalmente, por meio do
jogo das oposições e das distinções (BOURDIEU, 2004, p.179).
9
Frente Única Proletária (FUP). Originou-se a partir da V.A.F.(Vanguarda Anti-Fascista). Ambas eram
orientadas pelo PCB. A FUP foi um dos movimentos de esquerda criados e orientados pelo PCB, assim
como a VAF, que a antecedeu e como a ANL, que a sucederá no pós-eleições de 1934. Ver: CALDEIRA,
1990, pp. 35-7.
21
crescimento e a penetração dos seus princípios políticos em diversas instituições da
sociedade brasileira é o que justifica e pauta a ação dos grupos sociais que assumem a
bandeira de uma “união sagrada” 10 contra o “inimigo comum” (o comunismo).
Tal apelo em defesa da união de forças contra a “ameaça comunista” tornou-se
recorrente na imprensa de São Luís, constituindo uma clara manifestação da solidariedade
profunda que marca a relação entre aqueles que possuem o monopólio ou o “privilégio de
investir no jogo político” 11.
Estas tomadas de posição de políticos ou de jornalistas políticos, como a
campanha anticomunista empreendida pelo Pe. Astolfo Serra através da imprensa e ainda
em organizações políticas como a O.R.D.E.M (Organização de Resistência Democrática ao
Extremismo no Maranhão), visavam, além de defender a manutenção do jogo político
numa conjuntura de crise e de questionamentos não só do governo central, preservando o
jogo (revolução constitucionalista) mas também do próprio regime em vigor no país
(insurreição comunista de novembro de 1935).
Segundo Chartier, a categoria representações coletivas aponta para a
incorporação, pelo indivíduo, do mundo social a partir de sua própria posição dentro deste
mundo. Este é, basicamente, o modo de operação do conceito de habitus de Bourdieu, onde
as categorias mentais ou esquemas de percepção são o resultado da incorporação das
divisões do mundo social que definem para cada indivíduo a maneira de classificar, falar
ou atuar.
O estudo das representações religiosas em Durkheim está ligado a um esquema
mais amplo de compreensão dessas lógicas culturais de classificação simbólica que
organizam a vida social, não apenas nas sociedades “simples”, mas também nas sociedades
industriais modernas.
Procurando elementos que pudessem dar sustentação à escolha da imprensa
como registro principal para a elaboração de uma pesquisa sociológica chegamos até um
texto de Max Weber (2002) intitulado “Sociologia da imprensa: um programa de
pesquisa”. Trata-se de uma palestra, pronunciada em 1910, em que se justifica a
10 Expressão usada por Assis Chateaubriand, proprietário da rede nacional de jornais, Os Diários
Associados.
11 Nas palavras de Bourdieu, “esta solidariedade de todos os iniciados, ligados entre si pela mesma adesão
fundamental ao jogo e às coisas que estão em jogo, (…) pelo mesmo investimento fundamental no jogo de
que eles têm o monopólio e que precisam perpetuar para assegurarem a rentabilidade dos seus investimentos,
não se manifesta nunca de modo tão claro como quando o jogo chega a ser ameaçado enquanto tal”
(BOURDIEU, 2004, pp.172-173).
22
importância desse empreendimento, buscando demarcar alguns procedimentos para sua
realização. Um postulado-chave para a construção de uma análise objetiva da imprensa
seria buscar apreender os posicionamentos e visões de mundo presentes nas páginas dos
jornais. “Apenas isso12, por certo, e não uma tomada de posição, seria nossa tarefa.”
(WEBER, 2002, p.187).
Os jornais constituem uma importante fonte de consulta para uma pesquisa
histórica que pretenda compreender um determinado contexto, o qual se entende como
possível solo13 que permitiu a emergência de certos discursos. A pesquisa que tem por base
a imprensa descortina ainda a possibilidade de visualizar as diferentes relações sociais que
compõem uma determinada conjuntura no espaço-tempo e perceber as suas transformações
históricas. Ao tomar conhecimento dos “contatos dos jornais com os partidos”, das suas
ligações com “o mundo dos negócios, com todos os inumeráveis grupos e pessoas que
influem na vida pública e são influenciados por ela” abre-se diante do pesquisador um
“campo impressionante para a investigação sociológica” (WEBER, 2002, p.187). É
comungando dessa percepção acerca do potencial sociológico da análise da imprensa que
procuramos descortinar essa teia de relações na qual se enredam os jornais, mas que é
também construída por eles. O referido texto de Weber nos serviu como esteio teórico e
metodológico da pesquisa, permitindo explorar diversas possibilidades na análise desse
tipo de fonte.
Além dos jornais citados, os quais pertenciam às principais facções políticas
em atuação na cena política maranhense, compõem ainda o nosso corpus documental
alguns jornais que tiveram vida curta e/ou poucos exemplares editados dentro do nosso
recorte cronológico, mas que tiveram certa importância na época. São eles o Diário do
Norte, dirigido por Antonio Lopes14 e Notícias, dirigido pelo Padre e ex-interventor
Astolfo Serra. O Diário do Norte é fundado em abril de 1937, às vésperas, portanto, do
golpe do Estado Novo; Notícias foi lançado em março de 1932 por Astolfo Serra, logo
após sua saída do posto de Interventor do Estado do Maranhão. E conseguiu se manter por
pouco mais de dois anos, pois em junho de 1934 deixou de ser produzido.
Consultamos, ainda, alguns veículos de tiragens semanais ou mesmo mensais,
12 Grifos do autor.
13 Ver nota 7.
14 Advogado, professor de Filosofia do Direito na Faculdade de Direito e escritor, Antonio Lopes adquiriu
reconhecimento no meio intelectual maranhense nas décadas de 1930-1940. Fundou, em 1937, o jornal
Diário do Norte, folha que exerceu grande influência na mocidade intelectual de São Luís, pois acolhia
generosamente aos jovens poetas e escritores.
23
mas que também participaram do referido processo de produção e reprodução de idéias e
juízos sobre o comunismo, tais como: O Integralista, O Legionário e Maranhão. Estes dois
últimos são jornais católicos. O jornal O Integralista, como o nome já indica, era
produzido pela Ação Integralista Brasileira – AIB15 – Seção do Maranhão. Desses, foi
possível perceber que pelo menos O Legionário teve circulação por outras cidades do
Maranhão. Este jornal era órgão criado pela “União de Moços Católicos” da cidade de São
Bento, região da Baixada Maranhense. Foi fundado em 1935, mas circulou por outras
cidades do Maranhão e nos serve para considerar que estava disseminado o discurso
anticomunista católico em terras timbiras.
Assim, nos interessa compreender as estratégias discursivas elaboradas pelos
jornais e ainda o conjunto de referências simbólicas que é mobilizado visando facilitar a
transmissão de um sentimento anticomunista. Convém também caracterizar as
heterogeneidades do discurso anticomunista na imprensa ludovicense, levando em
consideração que os jornais em circulação naquele período eram a expressão das disputas
que se davam entre as facções políticas, visando consolidar ou alcançar a posição de
mando na cena política local. Sendo uma imprensa faccionalista, ela buscava defender os
interesses da facção política que representava. Dessa forma, os jornais vão manipular de
diferentes maneiras o discurso sobre o comunista/comunismo, muitas vezes acusando os
adversários de “extremistas”, palavra que era usada para designar todos aqueles que
visavam “perturbar a ordem pública”, notadamente os comunistas.
A estrutura do trabalho foi pensada da seguinte forma: primeiro, uma
introdução contendo breve apresentação da temática, onde aproveitamos para tratar muito
sumariamente, de alguns trabalhos acadêmicos que tratam da questão do anticomunismo.
Os procedimentos teórico-metodológicos empregados na construção do objeto também
estão nessa parte.
No primeiro capítulo tentamos compor um quadro sócio-histórico da cidade de
São Luís, buscando situar o tipo de configuração social em que se desenrola o processo
específico analisado. Empreendemos uma pequena digressão econômica e histórica com o
intuito de situar melhor o leitor no espaço de disputa entre as diferentes facções políticas e
como isso está diretamente ligado a alguns usos específicos do espectro comunista.
O segundo capítulo é onde tentamos analisar cada um dos jornais, identificando
15
Para a atuação da AIB no Maranhão ver: CALDEIRA, 1999.
24
as estratégias discursivas utilizadas no modo como apresentam a questão do comunismo,
onde ganha corpo o sentido hegemônico de que ele representaria uma ameaça à ordem
social.
No terceiro e último capítulo destacamos os principais elementos do discurso
jornalístico que nos permitirão compor um argumento acerca das possíveis regularidades
discursivas. O qual é formulado na conclusão do trabalho, onde defendemos que a ênfase
atribuída pelos jornais à dimensão da prova, da objetividade, recorrendo muitas vezes ao
argumento da ciência, nos leva a concluir que o princípio de unidade desse discurso se
encontra na mobilização de recursos de autoridade, que a imprensa se atribui a capacidade
ou o poder de “revelar” ou “retratar” a realidade. Portanto, o discurso jornalístico se
colocará perante o público leitor, no que diz respeito ao tema comunismo/comunista, como
um intérprete do que seria a verdadeira realidade desse sistema ou regime político,
constituindo, através das representações que são forjadas e difundidas, mas também
simplesmente reproduzidas, pela própria imprensa, uma identidade para esses referentes.
25
2. A SÃO LUÍS DAS PRIMEIRAS DÉCADAS DO SÉCULO XX
16
Falar em “apropriação do modelo haussmaniano” em São Luís soaria bastante exagerado. Isto teria
acontecido em algumas cidades brasileiras, mas em decorrência de uma situação histórica que propiciou
transformações daquela envergadura, caso de São Paulo e Rio de Janeiro, centros econômicos dinâmicos. Cf:
PESAVENTO, 1999.
17
Ver: LACROIX, 2002.
26
maneira de pensar”que se verificou nas primeiras décadas do século XIX e que se
caracterizou por transformar o problema da decadência da lavoura num tema obrigatório
para se pensar a história do Maranhão. Este pensamento de escola forneceu os esquemas
explicativos para todos os intérpretes que daí em diante se debruçaram sobre as questões
econômicas e sociais da província. “O padrão de explicação” articulado no começo do
século XIX “instituiu, assim, uma modalidade tida como legítima para se pensar o
Maranhão transcendendo o tempo em que foi elaborado e se mantendo
contemporaneamente nos meandros do pensamento erudito a nível regional.” (ALMEIDA,
2008, p.58)18.
18
Para um melhor entendimento dos fundamentos ideológicos dessa produção intelectual ver: Almeida,
Alfredo W. Berno de. A ideologia da decadência: leitura antropológica a uma história da agricultura do
Maranhão. Rio de Janeiro: Casa 8/ Fundação Universidade do Amazonas, 2008.
27
consagrado marco zero da história econômica do Estado, a implantação da Companhia
Geral de Comércio do Grão-Pará e Maranhão no ano de 1755.
Com efeito, desde as últimas décadas do século XIX que o Maranhão vinha
experimentando uma queda acentuada nos preços dos seus principais produtos agrícolas,
então o açúcar e o arroz. Este último o carro-chefe da economia. De acordo com Flávio
Reis (2007, p.35), o declínio dos preços destes dois produtos “durante toda a segunda
metade do século XIX” agravou a escassez de capital monetário no setor rural, que já
existia. “O setor mercantil comandava toda a estrutura de comercialização externa” e,
também, o “financiamento da produção” (idem, p.35).
Portanto, as causas da forte crise enfrentada pela economia maranhense na
passagem do século XIX para o século XX devem ser buscadas nas próprias características
da sua formação econômica, condicionante e condicionada pelo perfil social e cultural,
como notou Bandeira Tribuzi (1981). Segundo este economista, o modelo da economia
apresentava algumas características dominantes, que teriam marcado todo século XIX.
Tratava-se de um modelo que, nas suas palavras:
28
por que surgiu uma indústria têxtil, mas sim por que os investimentos neste setor se deram
de maneira tão precipitada, considerando-se que, num espaço de cinco anos (entre 1890 e
1895) 14 fábricas foram inauguradas em todo o Estado, mobilizando recursos da ordem de
dez mil contos e mais ou menos três mil operários (CALDEIRA, 1988: apud REIS, p.38).
Segundo análise de Flávio Reis, as razões dessa “brusca aceleração dos investimentos”
encontram-se em três condicionantes, que assim sintetizamos: a) possibilidade de encontrar
taxa de lucratividade maior e mais segura do que o setor açucareiro, abalado por incertezas
quanto à sua capacidade de manutenção; b) as mudanças na política econômica
(Encilhamento) facilitaram a reunião de capital; c) a probabilidade de alcançar os mercados
do Norte/ Nordeste.
Sempre dependendo de alguma circunstância externa que permitisse um novo
surto econômico, o Maranhão do século XX passou a viver do passado. Escrevendo nesse
período, e deixando transparecer certo saudosismo dos míticos tempos áureos, Fran
Paxeco19 afirmava que no passado o Maranhão havia alcançado um inquestionável
predomínio em duas áreas, na agricultura e nas letras. Porém, o tempo passara e agora se
vivia um “declínio” tanto das “tradições agrícolas’’ quanto das “tradições literárias”:
Eram dois predomínios que nenhuma zona brasileira lhe requestava, por que se
criou um tom uníssono em torno dessas verdades axiomáticas. Mas os anos
correram. [...] surgiram competições – e, tanto nos arrozais como nas letras,
escancarou-se o declínio, passou a viver-se da fama (Apud: VIVEIROS, 1992,
p.4).
29
mundial. As conseqüências desse conflito, para economia maranhense, foram animadoras:
experimentou-se o surto de 1917-25, quando os altos preços internacionais de alguns
produtos (algodão, babaçu e tecidos) ajudaram a “reequilibrar as finanças empresariais e
públicas, vivendo o estado alguns anos de otimismo“ (TRIBUZI, 1981, p.26). Tendo
cessado os bons ventos da conjuntura externa que, todavia, não gerou modificações nas
bases da estrutura produtiva local, a economia do estado retornou à situação quase habitual
de crise, apresentando no período de 1925 a 1935 “taxas medíocres de expansão”
(TRIBUZI, 1981, p. 27).
2.2. Os serviços “públicos”: a segregação do espaço urbano em São Luís
E não se restringia a estes aspectos a situação de crise pela qual passava a
cidade. As condições de moradia de uma grande parcela da população eram precárias, já
que apenas uns poucos privilegiados tiveram acesso à implantação e/ou reforma realizadas
nos serviços públicos no final da década de 1920 que, mesmo assim, apresentavam muitas
deficiências20.
A São Luís da década de 1930 não mudara muito no que diz respeito a essa
questão da qualidade de vida. A sua população estimada em 70 mil habitantes, continuava
enfrentando sérias dificuldades e reivindicava, inclusive através da imprensa, medidas para
solucionar a proliferação de lixo pelas ruas, a falta de energia elétrica, etc21. As
reclamações desse tipo geralmente tinham o apoio dos jornais, como no caso que se pedia
solução para o problema do lixo que se acumulava nas ruas da cidade:
RECLAMAÇOES POPULARES
Pedem os moradores da Praça Gomes de Sousa e adjacências attenção das
autoridades competentes para o fato de pessoas inescrupulosas virem fazendo
daquela praça deposito de lixo.
Por ser uma questão de higiene urbana, temos que providencias serão tomadas
com urgência. (O IMPARCIAL, 31/08/1935, p.5)
30
transportes e abastecimento de água da capital. (TRIBUNA, 21/08/1935, p.3).
É possível enxergar esse quadro a partir das indicações de Pierre Bourdieu
acerca do espaço social e de como as classes ou grupos sociais se impõem enquanto
segmentos reconhecidamente legítimos. Assim, as “relações de força objetivas” tenderiam
a reproduzir-se nas “relações de força simbólicas”, como parte das estratégias sociais de
reprodução dos próprios segmentos sociais (BOURDIEU, 2004, p.145). O que constitui a
força dos agentes são as diferentes espécies de capitais que os agentes possuem, elas
“definem as probabilidades de ganho num campo determinado” (idem, p.134).
Podemos pensar isso integrado ao processo de segregação sócio-espacial que se
observa na cidade quando das reformas e/ou implantações dos chamados equipamentos de
consumo coletivo. Têm-se assim um espaço de disputa social onde aqueles grupos que
possuem melhores trunfos (ou capitais) sociais (posição social, influência política, etc.)
tendem a ter maiores vantagens na distribuição dos ditos serviços públicos.
Aqui também temos o fenômeno social que destacamos para outros serviços
públicos como transporte, coleta de lixo, luz, etc. Trata-se de uma segregação espacial que
é decorrência da diferenciação social que pautava a organização e estruturação da
sociedade ludovicense. Por outro lado, não devemos fazer crer que esses serviços
funcionassem a contento mesmo para aqueles poucos privilegiados que habitavam as áreas
servidas. A própria implantação de alguns daqueles equipamentos de consumo coletivo se
deu muito tardiamente, como foi o caso da coleta de esgoto, que somente nos anos de 1920
tornou-se realidade na capital maranhense. E mesmo depois de estabelecido, esse serviço,
assim como os outros, apresentava problemas vários, sendo freqüentes as reclamações e
denúncias nos principais jornais da cidade por parte dos moradores daquelas áreas
“nobres”, privilegiadas pelos “modernos” serviços públicos. E assim era com a coleta de
lixo, realizada de modo precário e ineficiente; com a iluminação pública, de fornecimento
intermitente, cujos funcionários encarregados simplesmente deixavam de acender os
combustores, condenando assim os moradores a reviverem as noites de breu dos anos
anteriores.
31
Até as décadas de 1920 e 1930, grande parte desses serviços de consumo
coletivo ainda padecia dos mesmos problemas e tendo a sua área de atendimento restrita à
parte central da cidade, deixando o restante da população excluída desses benefícios.
Nesse contexto de crise econômica, se apresentava, segundo REIS (2007)
imbricada à questão urbana, também uma questão social, que tendem a se intensificar no
final dos anos 1920 e começo dos anos 30, em especial devido a um crescimento de
organizações e sindicatos de trabalhadores que começaram a reivindicar melhores
condições de trabalho e moradia. Essa incipiente mobilização dos trabalhadores ganhou
força principalmente na cidade de São Luís onde as facções políticas dissidentes, em
particular a facção marcelinista22, buscavam captar as reivindicações populares em seu
discurso “anti-oligárquico” questionando, através dos jornais oposicionistas, a legitimidade
das facções dominantes.
Novos sindicatos de trabalhadores continuam sendo fundados na capital, a
exemplo do Sindicato dos Catraieiros (TRIBUNA, 26/04/1935, p.5), do Sindicato dos
Bancários do Maranhão, fundado no começo de abril de 1935 e noticiado por Tribuna em
1º de maio desse ano (TRIBUNA, 01/05/1935, p.4). Bem como os que já existiam
prosseguem suas atividades sindicais:
22
Esta facção política era liderada pelo médico Marcelino Machado, mais à frente trataremos com mais
detalhes o quadro político local.
32
2.3. As facções políticas e seus veículos de comunicação.
No Maranhão, as disputas faccionistas ocorriam com certa intensidade quando
a Aliança Liberal tomou o poder na chamada Revolução de 1930. Nos primeiros anos
dessa década, contexto bastante conturbado politicamente, tem-se um afastamento
momentâneo das facções políticas que até então brigavam pelo controle do poder estadual
e a nomeação pelo governo central de interventores estaduais. Com o início do governo de
Getúlio Vargas, seguiu-se na maioria dos estados à derrubada dos governadores e ascensão
dos correligionários da Aliança Liberal. No Maranhão, as facções marcelinista e
tarquinista23, então na oposição ao governo do estado, haviam apoiado a candidatura de
Vargas na eleição de 1929, mas não quiseram se comprometer nas conspirações que
planejavam a tomada do poder no estado em outubro de 1930.
Apesar de declararem apoio ao novo governo, os marcelinistas não tiveram
acesso aos postos da administração estadual. Os primeiros interventores foram indicados
por ou com a aprovação de Perdigão, então bastante prestigiado junto a Juarez Távora, o
comandante da Revolução no Norte.
Esses primeiros interventores tentaram estabelecer uma ligação direta com
novos atores políticos, a exemplo dos sindicatos que então existiam na cidade. Com isso,
objetivavam isolar ou mesmo excluir as facções políticas tradicionalmente dominantes do
jogo político no estado. Decorreu daí uma forte oposição às interventorias, que mudam
constantemente de titular, gerando um quadro de instabilidade. Isso demonstra que a força
daquelas facções não terminara de imediato à mudança dos ocupantes dos postos
dirigentes, persistindo sob formas diversas as relações de interdependência que
asseguravam a sua participação no jogo, que agora contava com novos jogadores, mas que
não deixava de se pautar pelas regras estabelecidas em um momento anterior.
Desse modo, a liderança do chamado movimento revolucionário ficou a cargo
do bacharel em direito e simpatizante do tenentismo José Maria dos Reis Perdigão.
Depois de ter participado da rebelião tenentista de 192424 em São Paulo, Reis
23
A facção tarquinista tinha como era liderada por Tarquínio Lopes Filho, médico, dissidente do
situacionismo magalhãesista.
24
“Em dezembro de 1923, o julgamento e a punição dos implicados no levantes militares do ano anterior (Os
18 do Forte), acusados de promover um golpe de Estado, agravaram as relações entre o Exército e o
governo federal. A tensão crescente redundou na eclosão, em julho de 1924, de uma rebelião militar em
São Paulo, articulada pelo general reformado Isidoro Dias Lopes, pelo major Miguel Costa. Tiveram
ainda participação destacada os tenentes Juarez Távora, Eduardo Gomes, João Cabanas e Filinto Müller”.
In: http://cpdoc.fgv.br/producao/dossies/AEraVargas1/anos20/CrisePolitica/Levantes1924.
33
Perdigão, mesmo sendo civil, tornou-se o principal nome do tenentismo no Maranhão. A
partir de então ele passou a atuar na capital federal como jornalista, sempre mantendo
contato com seus aliados no Maranhão. Quando se iniciou a mobilização para destituir o
governo de Washington Luís e as chamadas oligarquias estaduais, ele se deslocou para São
Luís a fim de participar da conspiração que apearia do poder os chamados governos
oligárquicos. Acreditava, enquanto partidário do tenentismo, que esses dirigentes políticos,
ligados ao predomínio do latifúndio e à exploração estrangeira, eram os responsáveis pelos
graves problemas sociais que impediam o desenvolvimento do país. Vitorioso o
movimento, que no Maranhão ocorreu a 8 de outubro de 1930, antecedendo, portanto, a
deposição do Presidente Washington Luís, levada a termo em 24 do mesmo mês, Reis
Perdigão liderou a junta governativa provisória, formada por ele e dois militares. As
facções marcelinista e tarquinista, que haviam apoiado a candidatura derrotada de Getúlio
Vargas, logo se apressaram em proclamar o seu apoio ao novo governo estadual.
O nome escolhido por Reis Perdigão e confirmado pelo governo central foi o
do Pe. Astolfo Serra, escolhido justamente porque não estava ligado a nenhuma das
chamadas correntes políticas oligárquicas. Mas este procurou o apoio da facção
marcelinista, ao mesmo tempo em que tentava cooptar os sindicatos de trabalhadores da
capital. Tentava assim viabilizar uma rede de apoio que pudesse garantir a sustentação do
seu governo, afastando-se ao mesmo tempo da forte influência de Reis Perdigão. Rompida
sua relação com este último e sofrendo uma forte campanha das facções oposicionistas, sua
situação se tornou insustentável como uma série de escândalos produzidos e publicados
pela imprensa de São Luís, cuja repercussão nos jornais da Capital da República foram a
gota d’água para sua exoneração, em agosto de 1931.
Dentre as várias acusações constava uma que dizia, ou melhor, comprovava,
segundo os jornais da época, que o Padre-interventor era comunista. A prova do fato
estaria na descoberta de um suposto filho, o que já seria um escândalo considerável, e que
34
o mesmo teria sido batizado, por desígnio do padre, sob o nome de Lenine25.
Podemos observar com mais clareza o quanto a imprensa estava se tornando
uma arma fundamental na disputa, conquista e sustentação do poder político no estado do
Maranhão, e de resto em todo o país. Com efeito, é interessante observar que não apenas os
antigos participantes do jogo político local, as facções que monopolizaram até 1930 esse
jogo, buscavam imprimir suas idéias ou discursos legitimadores através dos seus próprios
veículos de comunicação. Tanto Reis Perdigão quanto Astolfo Serra, as duas principais
personagens que surgem no espaço da política local imediatamente após o movimento de
outubro de 1930 também vão fundar um órgão de imprensa com o objetivo de garantir,
pelo menos, a sua permanência nesse espaço de disputa. Já atuavam como jornalistas antes
de passarem à frente da direção política do Estado, e mesmo não conseguindo se manter no
governo durante muito tempo, em grande medida devido à pressão das facções que se
reorganizavam para recuperar seus antigos postos de mando, pressão essa que se dava
principalmente através da imprensa, ainda tentaram se manter em evidência no jogo
político mantendo cada um seu próprio jornal.
Até certo ponto podemos dizer que houve significativa proliferação de jornais
nesse contexto de instabilidade política experimentado pelo Maranhão na primeira metade
da década de 30. A maioria teve duração efêmera, mas mesmo assim demonstra que
começava a tomar forma um fenômeno que não era novo, mas que ganha contornos mais
definidos daí em diante, tornando-se cada vez mais freqüente na vida política brasileira.
Trata-se do que podemos chamar de afirmação institucional da imprensa, a qual mostrar-
se-á capaz de determinar temas, questões e problemáticas a serem debatidas pelos
profissionais da política, influenciando o próprio equilíbrio de poder no espaço das
disputas políticas26. Podemos usar aqui, tendo um certo cuidado em demarcar as
peculiaridades locais do caso maranhense, o conceito de agenda, visto que ele nos permite
compreender esse processo pelo qual os jornalistas se colocam na condição de dizer o que
deve ser tratado “politicamente”. Ce sont pour l’essentiel les journalistes que detiennent le
pouvoir de tout a la fois reveler socialment une situation, la designer comme
25
“O processo de agenda é decerto um jogo complexo que nenhum ator ou grupo pode pretender controlar:
mas é evidente que os profissionais da política não estão aqui em posição dominante” (LE BART, 1998,
p.42)
26 Seguimos em certa medida a sugestão de pesquisa que oferece Christian Le Bart que, ao tratar do discurso
político, ressalta a importância de se estudar, especialmente nos períodos de crise política, o papel dos
jornalistas como formuladores de “problemas” políticos os quais interpelam os profissionais da política que
se vêem na obrigação de, pelo menos, respondê-los. Para tanto formula o conceito de agenda (LE BART,
1998, pp.41-42).
35
problematique et comme politique, et interpeller les “decideurs”27. Mas sem esquecer que
existe uma grande diferença entre a imprensa francesa contemporânea, onde existe um
espaço jornalístico com uma relativa autonomia diante das injunções externas. Na década
de 1930 em São Luís a configuração da imprensa está pautada no atrelamento umbilical
com as correntes políticas que monopolizavam a disputa pelo poder.
Em junho de 1933 é nomeado como interventor o capitão Antonio Martins de
Almeida, que se aproxima dos “decaídos” magalhãesistas e os ajuda a fundar o Partido
Social Democrático do Maranhão (PSDM), que será a base de sustentação do seu governo.
As eleições de 1934 dão vitória às facções oposicionistas (PR- marcelinistas e URM-
genesistas), que garantiram maioria na Assembléia Constituinte Estadual e,
conseqüentemente, o direito de escolher o governador do Estado. Esta coligação escolheu,
como nome de consenso das duas facções, o médico-sanitarista Aquiles Lisboa, que
assumiu o governo em junho de 193528.
Apesar de ser considerado “alheio ao partidarismo”, Lisboa logo demonstrou
suas pretensões em se constituir como liderança efetiva no Estado, descumprindo pontos
do acordo que o tornara governador. A facção genesista cobrava, em documento oficial
encaminhado ao governador, a indicação do prefeito da capital, além de outras nomeações
como forma de estabelecer a “perfeita proporcionalidade na distribuição dos cargos”
(REIS, 2007, p.114). Decidindo manter na prefeitura de São Luís um nome de sua
confiança, acabou perdendo a maioria na Assembléia para a oposição, reforçada com os
cinco deputados da URM de Genésio Rego. Estendendo-se a crise até o limite da
duplicação de poderes, resolve o governo central intervir em junho de 1936, nomeando
provisoriamente Carneiro de Mendonça, e em agosto, após acordo com as facções em
disputa, o maranhense Paulo Ramos, funcionário do Ministério da Fazenda que atendia ao
pré-requisito usual de não ter vínculos com a disputa política local. O que, entretanto,
27 Tradução livre: São os jornalistas que possuem o poder ao mesmo tempo de revelar socialmente uma
situação, designá-la como problemática e como política e, ainda, interpelar as ‘autoridades competentes’ (LE
BART, 1998, p.41).
28 Aquiles Lisboa nasceu em 1872 na cidade de Cururupu-MA, filho de grandes proprietários de terras, seus
pais não tiveram dificuldades em mantê-lo seja na capital do Estado, seja na capital do país (NUNES, 2000,
p.324). Assim, Lisboa cursou, em Salvador, a faculdade de farmácia e, no Rio de Janeiro, a faculdade de
Medicina. Foi eleito membro da Academia Maranhense de Letras e se tornou patrono da cadeira nº32 do
Instituto Histórico e Geográfico do Maranhão. Em 1931 é nomeado diretor do Jardim Botânico no Rio de
Janeiro. Era já um cientista consagrado quando começou a galgar postos e cargos no campo político
(NUNES, 2000, p.323). Ainda nos anos 1920 foi prefeito de sua cidade natal, depois concorreu, e perdeu, ao
cargo de senador da República, e, em 1935, alcançou o posto de Governador do Maranhão, no qual
permaneceu pouco mais de um ano.
36
acabava sempre determinando a “criação de novos pólos de interesse” (REIS, 2007, p.115).
Consideramos que as noções de quase-grupos ou facções “vagamente
ordenadas” (em oposição às unidades políticas organizadas) entendidas como “unidades de
conflito acionadas em ocasiões específicas”, fundadas mais em “transações”, disputas por
cargos e postos da administração do que em “questões de princípio” (MAYER, p.149) são
pertinentes para a análise do caso estudado.
Segundo Flávio Reis, tratava-se de uma crise intra-oligárquica, característica
recorrente da “estrutura política de mando” que veio se constituindo a partir da segunda
metade do século XIX, marcada pelo predomínio de um “setor político” que passa a
“controlar as instâncias de decisão” ao mesmo tempo em que está submetido às pressões
do governo central, onde efetivamente sustentava seu poder (REIS, 2007, p.207 e 216). As
crises intra-oligárquicas se caracterizam, segundo Reis, pela presença de novas lideranças
que reivindicam espaço de influência dentro da estrutura ou “padrão de dominação”
estabelecido, ou seja, da estrutura política oligárquica. Essas crises tendem a apresentar
variáveis específicas do momento em que ocorrem, no entanto, sua natureza é a mesma:
fruto da renovação e substituição de lideranças oligárquicas.
Como foi dito anteriormente, a análise se deteve especialmente sobre os
seguintes jornais: O Imparcial, O Combate, Pacotilha e Tribuna, escolhidos por sua
regularidade durante os anos de 1935-1937, mas principalmente porque estavam
diretamente ligados às três principais facções políticas em atuação naquele período. Com
efeito, eles representavam os interesses genesista, marcelinista e magalhãesista. A facção
genesista, que controlava o jornal O Imparcial, estava organizada em volta da liderança de
Genésio Rego e se reunia sob a sigla da União Republicana Maranhense (URM). A facção
marcelinista era liderada por Marcelino Machado, médico e proprietário de O Combate que
se tornou a grande liderança de oposição ao situacionismo magalhãesista, tendo forte
influência na cidade de São Luís. Os marcelinistas estavam reunidos no Partido
Republicano (PR). Os magalhãesistas tinham como grande liderança Magalhães de
Almeida, que havia sido a principal liderança política do Estado, comandando o processo
que elegeu os três governadores durante a década de 1920 (Luis Domingues, Godofredo
Viana e o pŕoprio Magalhães de Almeida). A partir das eleições de 1934 estão organizados
sob a sigla do Partido Social Democrático do Maranhão (PSDM). Pacotilha e Tribuna são
veículos que seguem sua orientação política.
Ademais, os referidos veículos impressos eram aqueles de maior tiragem e
37
circulação da capital, sendo o título de jornal de maior circulação reivindicado, ao mesmo
tempo, por O Imparcial e O Combate.
Podemos considerar os jornais ludovicenses como órgãos oficiais, ou
paraoficiais, de divulgação dos ideais das principais facções políticas em atuação naquele
momento. Assim, vejamos: O Combate traz como epíteto “órgão do Partido Republicano -
orientação política do Dr. Marcelino Machado”; Pacotilha também reconhece sua filiação
partidária (é “órgão do P.S.D.”); já O Imparcial se diz “alheio aos interesses políticos dos
partidos maranhenses”, mas defende os interesses da U.R.M. de Genésio Rego; Tribuna é
um jornal magalhãesista.
Dos quatro jornais, dois declaram sua orientação partidária abertamente, o que
faz com que os outros os identifiquem como “a imprensa partidária” e, ao mesmo tempo,
reclamem para si uma certa neutralidade política, como é o caso de O Imparcial.
Ao contrário da imagem que procurava construir para si, este veículo, como
também os outros, fazia parte da imprensa partidária. Com efeito, O Imparcial estava
diretamente ligado a URM de Genésio Rego. O que vemos em todo jornal é uma campanha
abertamente pró-genesista, ao lado de críticas às outras facções, em particular aos
magalhãesistas. Isto enquanto formava ao lado dos marcelinistas um bloco situacionista.
Em algumas matérias e principalmente nos artigos de primeira página o jornal simula
atacar o “partidarismo”, apontado como “causador de todos os nossos males” (O Imparcial,
17/07/1935, p.1).
38
por “governos descuidados da administração [pública] e apenas preocupados com a
política”.
Os jornais estudados possuem relações claras com as facções políticas que
monopolizavam o jogo político local. Em cada um, a linha editorial é fortemente marcada
pela defesa e engrandecimento das ações e posicionamentos da principal figura da facção
ao qual está atrelado. Vejamos como Tribuna se referia ao ex-governador Magalhães de
Almeida em maio de 1935:
39
produzidos por um mesmo segmento social. Não apenas seus proprietários e diretores, mas
também seus redatores e jornalistas faziam parte de uma pequena elite política que
controlava o jogo político no Estado do Maranhão da década de 1930. Tanto é assim, que
rapidamente conseguem recuperar o controle ou a posse do aparato de poder, que Getúlio
Vargas havia deixado com os tenentes após o golpe de 1930.
No caso dos jornalistas ou articulistas que escrevem nos jornais, que muitas
vezes não eram funcionários efetivos dos mesmos, eles pode tanto pertencer à linha
ideológica dominante do jornal, aquela que pauta de maneira geral o posicionamento do
veículo, e que é determinada pela facção política a que está ligado ou, por outro lado, pode
apresentar uma postura, até certo ponto, “independente” da posição hegemônica. Todavia,
caso raro é a posição totalmente contrária, por parte de um jornalista, àquela que orienta o
jornal em sua relação com as facções locais. Interessante, nesse sentido, é o caso de Byron
de Freitas. Ele é advogado e exerce o ofício de jornalista no jornal Tribuna, aparecendo
como um dos principais integrantes da ANL no Maranhão. Tendo mesmo ocupado o cargo
de secretário do Núcleo dos funcionários públicos, como noticiado no próprio jornal.
A presença de um aliancista naquele jornal ajuda vislumbrar, inclusive, a
possibilidade de que pudessem existir outros simpatizantes dentro da imprensa
ludovicense. Essa questão toma corpo com os casos de pessoas que escrevem sejam
algumas poucas matérias assinadas ou mesmo artigos em coluna durante certo tempo,
como é o caso de José Osvaldo de Carvalho, acadêmico de direito que escreve no jornal
Tribuna. Registro Diário é o nome da coluna que este passa a assinar, a partir de junho de
1935 neste matutino magalhaesista. De origem social elevada ele desferiu críticas
explícitas aos que defendiam as idéias de Mussolini e Hitler no Brasil; elogiando, por outro
lado, os acontecimentos protagonizados pela ANL, que teriam desencadeado, segundo ele,
uma espécie de conscientização popular:
REGISTRO DIÁRIO
Os operários se movimentam levados pela ansia de obterem um pão menos duro,
de possuírem uma terra que seja sua e conquistarem, mesmo tingida de sangue,
uma liberdade. Liberdade que a todos atinja e dê proteção, sob o seu manto
augusto idolatrado. É a alma29 nacional que se movimenta. [...] É uma
nacionalidade inteira que tirita pela hora sagrada das suas legitimas e verdadeiras
reivindicações. O povo está cansado de lançar os seus protestos platônicos a sua
benedita paciência se acha esgotada e ele, na retaguarda dos paladinos das suas
aspirações, quer lutar e vencer[...].
29
Mais tarde vamos abordar a questão que se colocava nesse momento da necessidade de construção da alma
nacional.
40
(TRIBUNA, 28/06/1935, p.5.)
41
por outras agentes sociais30.
Dentro desse quadro político mais amplo ocorreu o surgimento de novas
organizações ou correntes políticas, a exemplo da ANL e da AIB. Para os objetivos do
nosso trabalho seria importante destacar alguns elementos da movimentação aliancista,
tendo em vista que ela atraiu a atenção de uma parte da imprensa de São Luís e serviu de
motivo para o surgimento e proliferação, principalmente, após seu rápido crescimento
nacional, de discursos que a tomavam como organização comunista.
Dos documentos produzidos pela ANL no Maranhão restaram, somente,
aqueles que foram por ela entregues para publicação nos jornais da cidade. É, portanto,
através desses manifestos, notas e convites veiculados na imprensa ludovicense e,
principalmente, por meio da cobertura do movimento aliancista, que podemos divisar a
repercussão da ANL em São Luís, tanto na fase da legalidade, quanto no período que se
sucedeu à cassação do seu registro. Todavia, não vamos realizar aqui tal empreendimento,
o qual foi realizado por José Ribamar Caldeira (1990). Destacamos apenas a ANL iniciou
sua organização no Maranhão em abril de 1935, atuando legalmente até julho do mesmo
ano, quando foi fechada, em todo país, por decreto de Getúlio Vargas, amparado na Lei de
Segurança Nacional que fizera aprovar no começo do ano.
Sua atuação no Maranhão se restringiu ao espaço urbano de São Luís, o que se
justificaria pelo fato de nessa cidade se concentrar o maior número de comunistas
maranhenses (CALDEIRA, João Ricardo, 1999, p.72). O recrutamento político
concentrou-se sobre os chamados segmentos médios, os quais estavam divididos entre os
dois novos movimentos políticos que surgiram naquela época: a AIB (que reunia os
fascistas brasileiros) e VAF, depois FUP, e por fim ANL, que congregava todos os
antifascistas da época (desde liberais até comunistas). Esses segmentos médios eram,
sobretudo, formados por profissionais liberais, servidores públicos e professores. Eram eles
que constituíam a maior parcela dos integralistas e dos comunistas da região
(CALDEIRA,1990, p.35). A AIB e ANL eram organizações de caráter nacional pautadas
por ideologias claramente opostas, que pretendiam arregimentar simpatizantes em todo
país com o objetivo de se legitimar enquanto força política e, de alguma forma, reivindicar
o poder político.
30
Para não falar apenas dos comunistas presos após os levantes de novembro de 1935, os quais foram
processados e julgados pelo TSN, deve-se mencionar que parte dos membros do Conselho Federal da
Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) considerava aquele tribunal inconstitucional. Ver: Dulles, 1985,
p.73.
42
A dificuldade de arregimentação era maior entre os trabalhadores urbanos
maranhenses. O pequeno proletariado urbano dividia-se entre aqueles que apoiavam a
facção governista, que era a parcela mais numerosa, segundo José Ribamar Caldeira
(1990); aqueles que estavam ligados à facção oposicionista (o que se explica pelo discurso
e prática marcelinista, que visavam especificamente os trabalhadores); e alguns poucos que
aderiram às organizações orientadas pelo PCB; e ainda existiam operários que apoiaram e
militaram na AIB maranhense (CALDEIRA,1990, p.36).
43
3. REPRESENTAÇÕES DO COMUNISMO E DO COMUNISTA NA
IMPRENSA DE SÃO LUÍS
PERIGO
Passando, hontem, à noite, pela rua da palma, ouvi [...] este diálogo:
Pois é como lhe digo, cumpadre. Larguei roça, cavalo, famia, e outros
bicho pra vim sabê a verdade do que corre lá pela minha terrinha.
Estava quase doido. A muié não trabaiava mais, e eu, cumo uma besta, - de
dentro pra fora, de fora pra dentro [...].
Lá, se diz que os comunistas estava aqui; que tudo ia se tomá pra elles
dividi e comê, até as muié [...] Além disso, que tinha um baruio por via da
política, que tinha metraiadoras por riba das igreja [...] uma ruma de coisa
desencontrada!
Cheguei, não vi nada. Os comunista tão na grade e o nosso querido
governadô dirigindo tudo dêreito, no Palácio.
(A LUCTA, 05/01/1936, p.4. Grifo nosso).
44
se buscava instilar o medo do comunismo. Podemos dizer que a forma de dominação
efetiva se concretiza a partir do “medo que une e assegura a ordem social” (HARDT &
NEGRI, 2001, p.344). O discurso sobre o comunismo/comunista produzido pelo imprensa
atua disseminando o medo, criando assim as condições para a legitimação de medidas de
repressão e controle a toda e qualquer possível ameaça à chamada ordem social.
O comunismo foi classificado e nomeado de movimento extremista, ou seja,
movimento que, no intuito de alcançar seu objetivo político (a implantação de outro regime
político), recorria ao uso da força e da violência, não hesitando muitas vezes em matar
pessoas inocentes, não respeitando as tradições, valores, nem a religião de um povo.
Uma das formas de utilização do discurso sobre o comunismo/comunista, ou
mais propriamente dos efeitos pejorativos que acompanham o discurso detrator acerca do
comunismo, diz respeito à tentativa de identificar adversários políticos como “comunistas”.
Tratava-se de um expediente muito usado na luta política do período: a acusação de ser
comunista. Era sem dúvida uma forma de desqualificar e, assim, retirar o concorrente da
disputa.
Apesar de não se referir ao contexto social ludovicense, essa notícia faz parte
do conjunto de enunciados que compõem a superfície de inscrição onde se constituem os
imaginários sociais. “O imaginário é um horizonte: não é um entre outros objetos, mas é
um limite absoluto que estrutura um campo de inteligibilidade” (LACLAU, 1990, p.71).
Nomear de comunista, fazer com que essa categorização fosse aceita como
verdadeira, dependia da capacidade dos agentes interessados em impor sua visão; dos
meios de que dispunham para tornar bem-sucedida essa iniciativa. Dependia, por exemplo,
do controle ou pelo menos da possibilidade de exercer influência seja junto à polícia ou ao
judiciário, seja junto à imprensa. Como aponta Bourdieu (2004, p.142) a categorização é
45
um procedimento que busca tornar público determinada idéia acerca de alguém ou de
alguma coisa:
31
O mesmo fenômeno se verificou em estudo sobre a imprensa goiana: ALMEIDA, Maria Isabel de Moura.
O anticomunismo na imprensa goiana: 1935-1964. Dissertação de mestrado defendida no Programa de Pós-
graduação em Sociologia/UFG, 2003.
32
O processo de formação teria sido unificador, mas a sua realização se deu através de três ordens de
diferenciação. Uma delas são as “diferenças de desenvolvimento regional que, ativando sucessivamente
diferentes áreas como núcleos polarizadores da vida econômica, provocam graves efeitos de colonização
interna” (RIBEIRO, 1991, p.141). A colonização aí se refere ao campo cultural, fundamentalmente. Portanto
compreende também a dependência dos meios de informação (imprensa).
46
dos cabeças do movimento de novembro de 35, nos quais demonstra,
amplamente, que o movimento foi orientado pelo governo de Moscou.
Vitorioso o movimento de 35, seriam fuzilados, segundo instruções recebidas da
3ª Internacional, cerca de 70 mil brasileiros.
(O IMPARCIAL, 08/05/1937, p.5)
SALVE CODÓ
Nestes momentos de perturbação em que aventureiros se querem apossar
do Brasil para torná-lo um mísero escravo da Rússia, pregando a
dissolução dos costumes, banindo a idéia de Deus, Pátria e Família, é bem
significativo e consolador ver-se uma cidade celebrar seu centenário. Esta
comemoração é um protesto contra as idéias demolidoras.
Codó celebra o primeiro século da fundação de sua paróquia e de sua
comarca. Ahí está bem claro o apego às nobres tradições que engrandecem
um povo [...].
Este é e será sempre o sentimento do povo brasileiro, que adora a Deus,
ama a Pátria e defende e acarinha a Família.
(LEGIONÁRIO, --/08/1935, p.1. Grifos nossos).
47
tradições que engrandecem um povo” está bem consolidado no espírito do povo brasileiro.
É relevante destacar ainda que esta matéria foi produzida em meados do ano de 1935, mais
exatamente em agosto, alguns meses antes das fracassadas tentativas de levante nos
quartéis que ocorreram no Rio Grande do Norte, Pernambuco e Rio de Janeiro (VIANNA,
2007).
Tanto assim que não devemos estranhar o destaque e mesmo a veemência com
que frequentemente ela concitava os brasileiros a se engajar nessa luta:
48
de 1935, quando se dava a movimentação da Aliança Nacional Libertadora (ANL), esse
jornal praticamente ignora seu surgimento e atuação, seja em nível nacional, onde ela teve
uma certa dimensão e repercutiu na imprensa, ou mesmo local, que apesar de não
representar um agente de peso no jogo político teve espaço em todos os outros grandes
jornais da cidade.
As preocupações de O Combate estavam concentradas, nesse momento, em
torno da disputa pela conquista do poder estadual travada entre os magalhãesistas e os
marcelinistas.
A partir de julho as notícias sobre os chamados “movimentos extremistas”
começam a aparecer com mais freqüência, passando o jornal a dar espaço para o debate
que se travava em relação aos modelos político-sociais, ao mesmo tempo em que busca
alertar para o que era considerado como o perigo dos “extremismos”, tanto da “esquerda”
(identificado com a ANL) quanto da “direita” (representado pelo integralismo e sua
disposição em formar milícias).
Depois do fechamento da Aliança Nacional Libertadora (ANL) em todo país,
em julho de 1935, acusada de crime contra a ordem política, começaram a aparecer
matérias alertando para a importância do “combate ao extremismo”, quase sempre fazendo
referência ao chamado movimento comunista. Essa campanha ganhou força no plano
nacional após as tentativas de levante comunista em novembro de 1935. Este evento se
tornou, então, a principal temática tratada pela imprensa brasileira. No Maranhão, O
Combate aproveitava essa questão para defender as medidas do governador Aquiles
Lisboa, no cargo desde junho de 1935, resultado de uma aliança política envolvendo as
facções marcelinista (PR) e genesista (URM). Esta aliança, no entanto, durou apenas dois
meses, retirando-se a URM devido a uma disputa por cargos e nomeações, elemento vital
para a manutenção e crescimento do poder de uma facção política (REIS, 2007, p.114).
O governo ficou sem maioria na Assembléia Legislativa. O bloco
oposicionista era agora formado pelos “decaídos” magalhãesistas (PSD) e os genesistas
(URM), que passaram a usar de todas as armas possíveis para (re)tomar a direção do
governo estadual33.
Toda atividade que porventura viesse comprometer ou mesmo determinar o
33 A partir dessa cisão entre as facções se estabelece uma crise que vai se estender até junho de 1936,
quando Vargas nomeia um interventor interinamente, enquanto costurava um acordo entre os dois blocos que
reivindicavam o poder. Eles aceitaram a indicação do nome de Paulo Ramos, a ser eleito pela Assembléia
como governador para completar o mandato constitucional de quatro anos.
49
enfraquecimento do Governo Aquiles Lisboa nesta hora de perigo nacional, encontraria a
reprovação formal da consciência pública, afirmava O Combate. A polêmica se travava
principalmente em torno das medidas tomadas pelos deputados das facções oposicionistas
que procuravam inviabilizar o governo de Aquiles Lisboa.
50
O discurso que se apropria das referências acerca do comunismo é até certo
ponto repetitivo em seus argumentos, os conteúdos que enfatiza giram em torno da
imperiosa necessidade de defesa dos “interesses nacionais”, devendo-se preservar as
instituições definidoras da nacionalidade, a família, o regime político democrático, as
liberdades individuais, de expressão e imprensa. As diferenças estão na apropriação dessa
referências discursivas pelos diversos agentes sociais.
SOTURNA PERSPECTIVA
O mundo é um vulcão, as lavas do ódio escorrem por todos os setores da vida
humana. […]
A Rússia é um dragão infernal, de esgares satânicos, que quer a todo transe
realizar em torno do mundo o seu programa sinistro.
O Brasil, triste dizê-lo, é sua presa favorita. Não é para admirar que estrangeiros
conspirem contra o ritmo nacional. O que nos abate e sucumbe é saber que
consciências brasileiras, que valores brasileiros se venderam ao ouro soviético
pela destruição da terra magestosa, da inconfrontavel terra do Cruzeiro do Sul.
Dignos, a um tempo, de compaixão e despreso. Por ventura já não bastam as
convulsões internas, inspiradas na politicagem vil, verdadeiro crime de lesa-
Pátria ?
Não nos bastam, por ventura, as competições partidárias que separam a família
brasileira, notadamente a maranhense? […]
Congreguem-se os valores maranhenses em proveito da terra berço. […]
(O COMBATE, 06\04\1936, p.1)
51
Em 20 de julho novamente na primeira página O Combate publica mais um
editorial que se volta para a questão do combate ao comunismo, enfatizando a necessidade
de uma contra-ofensiva à propaganda comunista. O título da matéria traz consigo a
intenção pedagógica que marcava a abordagem dessa questão: “O que todos devem saber”.
52
democracia, comunismo, fascismo), dentre os quais o país precisava optar por um.
Segundo o jornal, existiam elementos que representavam essas forças e que estavam em
atuação no país buscando implantar o regime político que defendiam. O papel que os
jornais, de maneira geral, se atribuem nessa discussão é o de apontar aquele que seria mais
apropriado para as condições da sociedade brasileira. No caso do matutino O Combate a
posição assumida é bastante clara quanto à negação do comunismo, visto como ameaça às
tradições e instituições brasileiras.
53
Brasil. O editorial de O Combate se situa enquanto detentor de uma certa autoridade que
lhe permitiria afirmar esse discurso. Sendo a palavra oficial do jornal, esse editorial
procurava demonstrar o conhecimento profundo do jornal acerca das coisas de que tratava,
empregando uma linguagem erudita e, ao mesmo tempo, pretensamente científica. Para
tanto mobiliza categorias do que seria um duelo filosófico-científico (“argumento sério”,
“postulados” e “prova”, “realidade”, “pseudo-razões” etc) entre os que defendiam que o
comunismo poderia ser instaurado com sucesso no Brasil e aqueles que discordavam disso.
Demonstrando ainda conhecer a “teoria marxista” o jornal afirmava que esta concepção
seria completamente (“positivamente”) “teratológica” ao “meio” brasileiro.
Dentre os muitos crimes ou atentados aos valores da civilização que se
convencionou imputar ao comunismo encontra-se o fato dele afirmar que as diferenças
sociais não eram legítimas, e ainda defender a necessidade da luta entre patrões e
empregados para superá-las. Isso demonstraria sua incompatibilidade com uma suposta
natureza humana. Os indivíduos que alcançavam o “apogeu da fortuna e do poder” o
faziam pelo mérito, segundo afirmava ainda o mesmo editorial. Eles sabiam impor suas
qualidades pessoais ao meio, mesmo porque não existiriam no Brasil, segundo o jornal,
castas sociais que tivessem quaisquer privilégios. Neste país as coisas seriam assim: cada
um viveria do “produto do seu trabalho honrado”.
Em outra matéria que se insere nessa questão dos regimes ou modelos políticos
o autor do artigo intitulado afirmava que “O melhor dos regimes” era o existente no Brasil.
O que o levava a defender que “deveríamos todos os bons brasileiros” reagir à propaganda
mentirosa que por aí estariam fazendo os “camelôs comunistas”.
54
inglês, a ter a vida equivalente nos domínios de Stalin.
[...]
Aí, nessas palavras, se encerram conceitos cristalinos que enaltecem com toda a
verdade as excelências e os méritos do regime democrático, tão
lamentavelmente menoscabado por brasileiros transviados que se deixaram
empolgar por uma propaganda tendenciosa e falsa, mantida e desenvolvida à
custa de dinheiros de um governo estrangeiro que evidentemente, só visa
[ilegível] em um país colonial ou submetido ao seu protetorado [sic]. Ninguém
se iluda a esse respeito. A Rússia é hoje em dia um país asfixiado, sem comercio
com o exterior. E o Brasil seria para os comunistas um mercado excelente onde
ela viria colocar os seus produtos, se acaso conseguisse implantar aqui um
governo soviético.
Este o motivo por que Moscou tanto se interessa pelo nosso país.
Devemos, pois, todos os bons brasileiros, reagir contra a propaganda mentirosa
que por ai se faz, inspirada por programas traçados em Moscou, e tendentes a
desmoralizar o nosso regime de governo, que, malgrado a parolagem oca e
vazia dos “camelôs” comunistas, nos proporcionou o grau de grandeza e
progresso que atingimos e sempre fez a felicidade do nosso povo.
(O COMBATE, 13 de outubro de 1936, p.03. Grifos nossos.)
55
7- É extremista, o que quer dizer sem senso, sem prudência. Age legalmente
contra os que não são como ele, eliminando-os do mundo por qualquer processo.
8- Resume-se o comunismo nessas três palavras. Inveja, ódio e violência.
O INTEGRALISMO
1- É contraditório. Os mais eminentes integralistas do Brasil são Gustavo barroso
e Plínio salgado. Entre ambos há divergências profundas. […]
2- É confuso. Não tem orientação segura. Pronuncia-se dubiamente a respeito do
capitalismo, judaísmo, liberdade de consciência e religião.
3- É intolerante. Não admitirá no seu ilusório reinado, outros partidos. Plínio
salgado tacha os que não adotam o seu sistema confuso, de retardados mentais ou
de velhacos (“A Ofensiva” de 01\11\36).
4- Julga os homens pela cor da camisa. Se esta não for verde o sujeito é um
defunto moral.
5- Estabelece divisão entre brasileiros, criando um grupo privilegiado o da
camisa verde.
6- É irracional. Exige que se obedeça sem discussão a um homem falível como
os demais, privando-nos do dom divino da analise, do exame e do raciocínio.
7- Produz fanáticos em vez de homens equilibrados e sensatos.
8 – É partidário de concordatas, ligando o temporal ao espiritual, com evidentes
prejuízos para ambos.
9 – Não cumpre o que promete. Há muitos capitalistas integralistas e os seus
operários não só não recebem salário justo, como não são tratados com a
consideração que o sistema promete; teoricamente combate o Carnaval, mas
ainda este ano a Polícia em Belém do Pará, foi com um bloco integralista
“inteirinho” ás grades da prisão… Por isso alguém já disse que o Integralismo é a
pele de cordeiro de baixo da qual se oculta a alma do lobo do capitalismo…
O CRISTIANISMO
1 – Não há incerteza para o verdadeiro cristão. Ele sabe como deve agir e para
onde vai.
2 – O cristianismo é tolerante. Exige que se ame os próprios inimigos, apresenta
os homens como irmãos.
3 – Não julga os homens pelo exterior. Avalia-os pelo coração e pelo caráter, que
procura aperfeiçoar. Não faz distinção entre o rico e o pobre, o judeu e o etíope,
o patrão e o operário. […]
4 – Exige obediência voluntaria e consciente, não a um homem como nós, mas a
cristo.
5 – Garante a felicidade do lar, implantando nele o amor, pelo qual todos
cumprem com alegria o seu dever e se respeitam mutuamente.
6 – Faz a grandeza de qualquer pais, levando os homens a cumprir o seu dever
com honestidade e desprendimento.
Se escolherdes mal, tereis que suportar as conseqüências desastrosas da vossa
escolha!
Um anti-extremista
(Da “A Tarde”, de Carolina)
(O COMBATE, 18\05\1937, p.3)
56
invocat, diziam os latinos. O abismo atrai o abismo, o extremismo chama o extremismo.
Para a esquerda não há maior apoio que a certeza de que a direita se organiza. E vice-
versa” (O Combate, 02/07/1935, p.04). Dentro desse quadro, a posição defendida pelo
autor do artigo torna-se clara: os extremismos são perigosos para a ordem e a manutenção
dos valores tradicionais (família, propriedade, etc.) da sociedade brasileira, ameaçando
destruir o Estado liberal democrático, segundo o autor, em vigor no país. Deve-se, então,
combater ambos os extremismos, de esquerda ou de direita. É isso que reclama o Brasil,
continua o articulista, já que “por índole, por tradição, por educação, o brasileiro é hostil
aos extremismos. Prefere a orientação equilibrada” (idem).
Como estamos afirmando, a estratégia recorrente do discurso de construção de
uma imagem social para o comunismo, colocada em funcionamento pelos jornais
ludovicenses da década de 1930, centrava-se no argumento da verdade científica,
acompanhada dos pressupostos da objetividade, neutralidade e imparcialidade na análise
dos fatos. Com efeito, quase sempre as matérias recorrem a uma autoridade científica,
supostamente reconhecida enquanto tal pela comunidade de cientistas dos outros países.
57
O Combate, procura explicar, através da “análise sociológica” de Berdaeff35, o
fenômeno do bolchevismo. Tal análise acerca da situação russa sob o regime implantado
naquele país desde 1917 é usada para explicar determinados acontecimentos políticos no
Brasil dos anos 1930, tidos como exemplos concretos e dolorosos da “realidade positiva” a
que seriam impelidos os povos frente à ameaça bolchevista.
O que o jornal pretende demonstrar é que os brasileiros já conheciam essa
“realidade positiva” do bolchevismo revelada pelo grande “sociólogo moderno”. Tal
realidade teria se manifestado, segundo afirmava, de maneira dolorosa para a consciência
nacional, através do “quadro sinistro” de novembro de 1935. O qual deveria ficar gravado,
ainda segundo palavras do próprio jornal, na consciência de todos, “povo e governo”,
como “advertência sangrenta” para que cada um tomasse o seu posto na luta em “defesa do
regime”.
Faz-se uso aqui de uma autoridade científica supostamente consagrada entre
seus pares, ou seja, no campo da sociologia, tomada como ciência legítima para explicar as
sociedades.
35
Nikolai Berdiaeff Filósofo soviético nascido em Kiev, foi um dos principais representantes do
existencialismo cristão, escola filosófica que buscava examinar a condição humana numa perspectiva
cristã. Envolvido em atividades marxistas foi condenado a três anos de exílio (1899). Depois de cumprida
a pena morou em São Petersburgo, onde tomou parte em movimentos culturais e religiosos. Mudou-se
para Moscou (1907) e, após da revolução (1917), lecionou filosofia na Universidade de Moscou, porém
entrou em conflito com o regime e foi expulso do país, principalmente por suas ligações com a igreja
ortodoxa russa. Radicou-se em Paris, onde com outros exilados fundou uma academia de estudos
filosóficos e religiosos (1924) e um jornal, Put' (1925), por meio do qual combateu o comunismo
(QUADROS, 2009, p.73).
36
As aspas que aparecem no excerto correspondem a “citações” que Bourdieu faz do trabalho de J.-L.
Austin, How to do Things with Words.
58
O interessante no uso que o jornal faz dessa fala autorizada é que, em certa
medida, ela própria advém do peso que lhe empresta o veículo. Ou seja, quem garante sua
credibilidade é a imprensa, enquanto instituição que se coloca como mediadora entre o
saber científico e a sociedade. Esse poder de verdade é atribuído às palavras do sociólogo
quando o jornal afirma tratar-se de um dos maiores sociólogos modernos, e por isso suas
palavras “merece[ria]m ser divulgadas”. Tal poder de verdade decorria também do fato do
jornal considerar como a realidade o que é dito pelo sociólogo Berdaeff, devido à força
atribuída às suas palavras. Ou seja, ele reconhece nesse discurso uma fala autorizada.
Desse modo, suas palavras adquiriam o poder mágico de criar aquilo de que tratava.
Temos que considerar as condições sociais dos usos da linguagem para não
cairmos numa análise puramente textual que tenta encontrar nas palavras o poder ou,
segundo os filósofos da linguagem, a força ilocucionária que muitas vezes elas exprimem
(BOURDIEU, 1996, p.85).
Como contraponto à posição notadamente contrária ao sistema político e social
em vigor na Rússia assumida por O Combate, podemos destacar uma matéria, publicada
em outro jornal, que se utiliza da mesma estratégia discursiva, mas com interesse diferente.
A matéria saiu em Tribuna e procurava mostrar a “eficiência do regime” soviético no
campo da pesquisa científica, para tanto, referendava suas afirmações nas palavras de uma
autoridade da área científica brasileira.
59
notícia sobre a descoberta do meio biologico de immunização e tratamento da
lepra. (TRIBUNA, 28 de março de 1934, p.4. Grifos nossos.)
37
Ver biografia de Mauricio de Medeiros no sítio do CPDOC/FGV (acessado em 11/02/2010, às 22h):
http://cpdoc.fgv.br/producao/dossies/JK/biografias/mauricio_de_medeiros
38
Não conseguimos descobrir por qual partido político ele se elegeu em todas essas oportunidades. Mais
importante, no entanto, parece ser o fato de que ele assumiu posição contrária ao regime instalado em
1930.
60
(idem, p.232), por representar uma das mais diferentes e inovadoras propostas sociais, e
desencadeou-se assim um “surto editorial” sobre a experiência dos Sovietes (idem, p.232).
39
Motta (2007, p.232) fornece as referências completas: Maurício Medeiros. Rússia (Notas de viagem-
impressões-entrevistas-observações sobre o regimen sovietico). Rio de Janeiro: Calvino, 1931; Osório
César. Onde o proletariado dirige. São Paulo: s/ed., 1932; Caio Prado Jr. URSS, um mundo novo. São
Paulo: Companhia Editora Nacional, 1934; Cláudio Edmundo. Um engenheiro brasileiro na Rússia. Rio de
Janeiro: Calvino Filho, 1933.
61
As palavras do professor, escritor e homem público Maurício de Medeiros,
nas condições sociais específicas em que emergem no discurso jornalístico são apropriadas
de modo a produzir um efeito de sentido determinado, qual seja, elas expressariam a
verdade acerca da realidade vivida no “regime proletário russo”, em especial no que diz
respeito à avançada produção científica desse país. “Vivemos em uma sociedade que
produz e faz circular discursos que funcionam como verdade, que passam por tal e que
detêm, por este motivo, poderes específicos” (Foucault, 1979, p.231). Não é possível
contestar o discurso (re)produzido pelo jornal, afinal, o mesmo era pronunciado por um
cientista reconhecido (BOURDIEU, 1996), que estivera na Rússia comprovando o
“inegável salto de progresso” da ciência naquele país sob “regime proletário”.
O jornal Pacotilha tem uma longa história. Fundado em 1880 com o objetivo
de combater a Escravidão e defender a República, foi publicado quase ininterruptamente,
nessa sua primeira fase que durou exatos 50 anos. Em 1930 parava de circular, mas em
1934 retornou ao cenário da imprensa maranhense, perdurando até 1938, quando encerrou
definitivamente. A direção do matutino foi entregue ao jornalista Nascimento Moraes que
a repassou, em julho de 1935, para Constancio Carvalho40.
Não sabemos se à época da revolução de 1930, que retirou do poder no
Estado do Maranhão a facção magalhãesista, este veículo já seguia as orientações dessa
facção. Nos parece que sim, visto que o jornal só voltaria a circular em 1934, justamente
quando Magalhães de Almeida procurava retomar sua condição de estrela de primeira
grandeza no cenário político local, aliando-se ao interventor Martins de Almeida e
fundando o Partido Social democrático (PSD) e reabrindo, como órgão oficial desse
partido, o jornal Pacotilha.
Nesse sentido talvez seja interessante destacar a contraposição existente entre
os jornais Pacotilha e O Combate. Claro, os diferentes enfoques são frutos do
posicionamento político de cada um dos jornais que, através de suas matérias, procuravam
demonstrar a honestidade, a dedicação e a grandeza dos seus políticos: O Combate
40
Presidente do diretório do PSD e suplente de deputado federal.
62
representava a facção marcelinista que havia indicado para o governo do estado, em
eleição vitoriosa na Assembléia Estadual, o sanitarista Aquiles Lisboa41; Pacotilha, por sua
vez, pertencia à facção magalhãesista, que estivera à frente do poder estadual durante a
década de 1920, destituídos dessa posição em 1930, quando se iniciou o período das
interventorias.
Os dois jornais travavam uma disputa em torno da legitimação pública de
cada uma das facções, deslegitimando ao mesmo tempo o outro lado. Quando a facção
marcelinista assumiu o comando do estado, o que se deu com a posse de Aquiles Lisboa,
ocorrida em junho de 1935, a facção magalhãsista já havia conseguido se aproximar da
interventoria do Capitão Martins de Almeida, e gozava, portanto, das vantagens auferidas
do controle da máquina de poder no Estado.
E como Aquiles Lisboa fora escolhido devido ao critério de não pertencer a
nenhuma das correntes políticas que compuseram a aliança PR-URM, Pacotilha ainda
tentava, nos primeiros dias do novo governo, defender os interesses da facção
magalhãesista. Sob a capa de um discurso em prol da economia de gastos e da defesa dos
serviços públicos, ela procurava justificar a manutenção dos funcionários das repartições
públicas. Procurando fazer uso do que ela mesma chamava de “opinião pública”, Pacotilha
pressionava Aquiles Lisboa para que não atendesse aos “interesses partidários” e não se
deixasse levar pela “vaga das competições pequeninas”:
UMA PERSPECTIVA...
Não acreditamos que o critério partidário, ou melhor a parcialidade no
julgamentos dos valores seja o preferido pelo atual Presidente do Estado nas
reorganizações que vai fazer nas Repartições Públicas. Alias não estamos de
ânimo deliberado a aceitar que S.exc. meta ombros a mais uma reorganização
nos quadros dos funcionários das Repartições Públicas. Inúmeras já têm sido
postas em prática, e nenhuma, pelo que nos parece, correspondeu às necessidades
dos serviços, pois que já se fala em nova reorganização...
Pelo visto, o que ocorre é que todas as reorganizações não têm visado até hoje
melhorar os serviços públicos, mas a satisfazer interesses partidários, aumentar
despesas e adquirir novos funcionários que em coisa alguma favorecem a
economia do trabalho. […]
[…] tantas reorganizações, reformas e mudanças que só servirão para colocar
bem protegidos aflitos [sic] e colocar mal o governo perante a opinião pública.
Mas estamos certos que S.exc. […] não se deixará levar pela vaga [ilegível] das
competições pequeninas, que sempre se precipitam pelas portas adentro dos
gabinetes dos Chefes de Estado. […]
41
Convém lembrar que se tratou de uma aliança entre a facção marcelinista, reunida sob a sigla do Partido
Republicano (PR) e a facção genesista, organizada em torno da União Republicana Maranhense (URM),
que, desse modo, obtiveram maioria na Assembléia. Assim lhes coube o poder de indicar o governador e
os dois senadores do Estado.
63
S.exc. cairá no erro de muitos administradores, alguns até bem intencionados, e
que não deixaram no governo traços de sua superior orientação, por terem
esperdiçado longo tempo em reformas e organizações que os seus sucessores
pensando como eles, deitaram abaixo, ao tomarem as rédeas do governo!
Confiamos no espírito penetrante e na alta cultura do dr. Achilles Lisboa.
(PACOTILHA, 4 de julho de 1935, p.1)
Mas a questão das nomeações era central na manutenção das facções políticas
e Aquiles Lisboa logo após sua posse daria início às substituições dos funcionários da
administração pública estadual, indicando logicamente indivíduos os que faziam parte das
duas facções que detinham o poder nesse momento, os marcelinistas e genesistas, também
chamados de “unionistas” devido estarem reunidos na União Republicana Maranhense
(URM).
UM MÊS DE GOVERNO
Em trinta dias o sr. Aquiles Lisboa, o homem que veio governar sem partidos,
sem ódios e sem vinganças, demitiu ou transferiu cerca de seiscentos
funcionários públicos, adversários políticos dos marcelinistas e unionistas.
[…]
(PACOTILHA, 23 de julho de 1935, p.01)
A partir de então a disputa entre as duas facções, que repercutia nas páginas
dos seus respectivos diários, tornou-se mais aberta, mobilizando-se inclusive acusações de
que, entre os deputados da oposição magalhãesista existiam aliancistas. Por sua vez,
Pacotilha representava a facção magalhãesista e por isso estava sempre elogiando ou
defendendo os seus integrantes, como no caso de uma acusação que dizia ser aliancista o
deputado Felix Valois. Sua resposta veio sob a forma de desafio ao próprio governador, a
quem o deputado acusado não perdia a oportunidade de criticar.
Aqui vemos uma notícia que comentava a repercussão dos fatos na capital do
país:
64
Pacotilha. Após a cassação da ANL iniciou-se uma “caça às bruxas” (aliancistas) em todo
o país e diversas pessoas foram acusadas de simpatizar ou mesmo atuar naquela
organização. O deputado, devido ter estado presente em pelo menos uma das reuniões
ocorridas no Teatro Arthur Azevedo, começou a sofrer “acusações” de que era membro da
ANL.
O silêncio da Pacotilha em relação à ANL no primeiro semestre de 1935, ou
seja, no período em que aquela organização estava na legalidade e atuava em São Luís
tentando recrutar adeptos e conquistar simpatizantes, nos fez deixar um pouco de lado esse
matutino magalhãesista, à época da elaboração do trabalho de conclusão da graduação.
Somente depois que tivemos oportunidade de consultar suas páginas referentes aos anos de
1936 e 1937, além do segundo semestre de 1935, foi possível perceber sua orientação
política em relação ao fenômeno do “extremismo”, como muitas vezes é chamado o
comunismo em suas matérias.
Com efeito, a partir de julho de 1935 as notícias dando conta do caráter
comunista da Aliança Nacional Libertadora se tornam mais freqüentes nesse jornal. Assim
vejamos o que se dizia por ocasião do fechamento da ANL:
REPRIMINDO O EXTREMISMO
Rio, 15 – A Polícia, de posse do plano de bolchevização do Brasil, traçado na
Rússia e que foi publicado, em parte, pelos jornais, conforme instruções do
governo, [que] está agindo severamente no sentido de assegurar a ordem pública
e as instituições nacionais. Rigorosas instruções foram transmitidas a todos os
governadores dos estados para a devida segurança do País. O plano se
configurava nesse ponto de vista: a Rússia, comprimida entre o Japão e a
Alemanha, estabeleceu o seu ponto de apoio no Brasil, visando a bolchevização
de toda a América do Sul.
(PACOTILHA, 16 de julho de 1935, p.2)
65
oportunidade para poder fechar a ANL.
Mas foi a imprensa que se encarregou de divulgar que pairava sob a nação
uma ameaça:
AS AGITAÇÕES EXTREMISTAS
Rio, 22 – As agitações extremistas estão preocupando as autoridades, tendo sido
frustradas várias greves que tentataram rebentar aqui e nos estados.
[...] a polícia esteve em grande atividade para empedir qualquer movimento.
(PACOTILHA, 24 de julho de 1935 p.01)
66
Igreja, militares, intelectuais, depois dos levantes comunistas de novembro de 193543.
O que dizemos pode ser verificado em muitas matérias que o jornal Pacotilha
no período de 1935 a 1938 dando conta de complôs, assaltos, furtos de gado, enfim, tudo o
que era social e moralmente condenável podia ser ligado à atividade dos comunistas e
mesmo do Partido Comunista, o qual procuraria, através de sua estratégia demolidora,
causar desordens e instabilidades sociais com o fim de revoltar a população contra as
autoridades e o regime legalmente estabelecido. Ou ainda noticiando as “descobertas” de
complôs comunistas, que funcionavam como um elemento propagador de tensão e medo,
devido à suposta ameaça de alteração violenta da ordem que adviria caso um desses planos
fosse bem sucedido. Isso demonstrava o quanto era necessária a atuação precavida e
enérgica da polícia na repressão aos movimentos de caráter subversivo. Se considerarmos
toda a imprensa, foram muitas as noticias de complôs por todo o país, em alguns casos o
Maranhão aparecia como possível cenário de um deles, os quais nunca se desdobravam em
ação, eram sempre “descobertos”, “frustrados” pela policia...
COMPLOT “EXTREMISTA”?
Fortaleza, 25 – os jornais desta capital publicaram telegramas do Rio, noticiando
a existência de um “complot” extremista com raízes aqui, no Maranhão e no
Pará, visando depor os respectivos governadores.
(PACOTILHA, 27 de agosto de 1935, p.1)
67
integralista44. mas de maneira geral, o que sobressai são matérias que reforçavam as ações
do governo de reprimir exclusivamente o movimento aliancista, acusado de planejar
subverter a ordem:
ALIANCISMO E INTEGRALISMO
Rio, 24 – Estando os jornais aliancistas insistindo para que sejam fechadas as
sedes integralistas, ouvimos no Ministério da Justiça que o governo não pode
cogitar do fechamento dessas sedes por serem muito diferentes as situações
legais da Ação Integralista Brasileira e da Aliança Nacional Libertadora, e
porque o movimento integralista não tem caráter subversivo.
Noticiam que elementos terroristas encobertos [sic], propalam que estão prestes a
estourar greves gerais em Porto Alegre, Paraná, São Paulo, Minas, Bahia e
Pernambuco. Acrescentam as notícias que, os governos da União e dos Estados
estão tomando providências para garantir a ordem, cercando por força armada os
bancos e as repartições de serviço público.
(PACOTILHA, 26 de julho de 1935, p.2)
44
Protestaram contra o congresso integralista da Bahia. In: Pacotilha, 14/11/1935, p.5.
68
Encontravam-se assim entrevistas ou reportagens sobre eventos integralistas. Abaixo
trechos de uma entrevista de Plínio Salgado que teria sido publicada por um jornal alemão:
69
anterior à sua realização.
A EMPREITADA SINISTRA
Sabedores do dia e hora em que partia o trem, os comunistas se deslocariam para
o kilometro 14, onde seria, como já dissemos armada a emboscada.
Com a alavanca, a chave inglesa e o pé de cabra os trilhos seriam deslocados e o
trem precipitar-se-ia no fatal abismo. Enquanto isso, com um alicate seriam
cortados os fios telegráficos, evitando desse modo, qualquer comunicação com
uma estação próxima.
Feito o saque, os comunistas dariam inicio à partilha do dinheiro, estando como
“tesoureiro” o indivíduo Lauro Sampaio, talvez, o mais “capaz” entre todos os
“capazes”.
Agora, o que é revoltante, é a finalidade destinada à vultosa quantia se bem
roubada, que seria dividida em três partes distribuídas equitativamente da
seguinte maneira: uma parcela para o Partido Comunista; outra, para o
Congresso da Juventude Estudantil e Proletária do Brasil e a última para os
empreendedores do assalto.
ONDE FOI ARQUITETADA A TRAMA
A polícia conseguiu apurar que esses genuinamente “extremistas” se reuniam no
campo do Ourique, na Pedra da Memória.
A célula comunista freqüentada pelos assaltantes era localizada no “João Paulo”.
Em busca dada à casa número 248, da rua do Mocambo, residência de José
Soares, a Polícia apreendeu uma alavanca e uma chave inglesa com que seriam
arrebentados os parafusos e tala de ligação dos trilhos. Estão presos os seguintes
implicados no miserável complô, sendo em sua quase totalidade, conhecidos da
Polícia como “extremistas”: Lauro Sampaio (o “tesoureiro”); José Soares, que
guardava as ferramentas, José de Ribamar Soares, que prestou importante
depoimento, narrando o caso em todos os seus pormenores; Aluysio Serra, que
será ouvido ainda hoje.
BELO “IDEALISMO!”
Dessa maneira, os agentes de Moscou, supõem conquistar a consciência
nacional!
O arrombamento dos bancos de Natal bem demonstram ao Brasil que tanto
repudia o comunismo, seu elevado “idealismo” e desejo de “salvar” a nossa
Pátria. Agora esse processo posto em prática no Maranhão, o qual é apenas o
cumprimento fiel do programa traçado por Moscou, é uma prova de que os
Soviets são partidários desses atos de roubos, arrombamentos e assaltos.
ÚLTIMA HORA
Já [antes de] encerrarmos a presente edição, fomos informados de que a Polícia
tinha prendido mais um implicado no complô.
Imediatamente procuramos o Sr. Primeiro Delegado que nos confirmou o
“consta” que nos havia dado[,] informando que o preso é operário da Estrada de
Ferro São Luís-Teresina.
Segundo nos informaram, essa prisão abrirá caminho para novas investigações.
(PACOTILHA, sábado, 29 de fevereiro de 1936, p.2)
70
“complôs” sinistros como esse que aconteceria na capital maranhense, não fosse a ação da
policia que conseguiu frustrar esse “miserável complô” comunista.
O fato servia de alerta para a sociedade ludovicense porque o perigo estava
bem perto, existindo “células comunistas” em bairros da capital, a exemplo da que
funcionava no João Paulo, onde a polícia teria encontrado a prova do crime: uma alavanca
e uma chave inglesa.
A prova do crime mesmo encontrava-se no fato de se tratar, no caso dos
indivíduos presos, de pessoas declaradamente comunistas e que possuíam, por isso, ficha
na polícia confirmando que eram “adeptos do credo comunista”, conforme acentuava o
jornal.
No mesmo período saiu notícia informando da presença de comunistas no
vizinho estado do Piauí, que teriam envolvimento com a “mazorca comunista” ocorrida,
cuja “trama se estendia a quase todos os estados”:
OS COMUNISTAS DO PIAUÍ
Rio, 21 – O “Diário de Notícias” comentando a denúncia do procurador da
República contra 43 comunistas, no Piauí, publica o seguinte suelto (sic):
“Enviam de Teresina um telegrama capaz de causar pasmo a muita gente: o
procurador da República apresentou denúncia contra 43 pessoas inculpadas de
participantes, na mazorca comunista, cuja trama se estendia a quase todos os
Estados.
Mas o curioso é que nenhum dos chamados pequenos estados, salvo o Rio
Grande do Norte, apresenta um número tão elevado de comunistas às voltas com
a Justiça. Se excluirmos o Distrito Federal, São Paulo, Rio Grande do Norte e
Pernambuco, nenhuma outra região do país prestou mais volumosa contribuição
ao movimento soviético ao qual devemos as delícias do estado de sítio.
Só o Piauí! Quem diria que por lá se ‘alinhasse’ tantos comunistas? E ocorre
notar que o maior número não é da capital; a denúncia do procurador da
República atinge trinta indivíduos só da pequena cidade do Parnaíba!”.
(PACOTILHA, 29 de fevereiro de 1936, sábado, p.8)
71
cavalares e suínos nos Campos da Chapada, de Pinheiro e Santa Helena; em
Anajatuba, Rosário e outros municípios […].
Surge, porém, no meio dessas roubalheiras, uma circunstância grave, que é a da
presença de um agente comunista a insuflar e mesmo orientar esses furtos de
animais.
[…] efetivamente, todos os sinais [quais?] indicam que um agitador comunista
há dias preso pela Polícia, e que agia naquela zona, em poder do qual foi
apreendida documentação vermelha, era o orientador desses atos de rapinagem,
agindo naturalmente, abusando do estado de analfabetismo do nosso caboclo.
Sabemos, perfeitamente, que as ordens do Komintern são nesse sentido, não só
para agitar as massas, como para provocar a falta de carne nos mercados que,
logicamente, vai gerar descontentamento no meio das populações. […]
(PACOTILHA, 26 de fevereiro de 1937, p.8)
Mais uma vez uma notícia que poderia se resumir a mais um simples caso de
furto de gado em cidades do interior do estado se transformava numa “circunstancia
grave”. Como no caso do assalto ao trem pagador, a história mudava de feição quando se
descobria tratar-se de “agentes comunistas” que procuravam perturbar a tranqüilidade da
vida nessas terras. Esses furtos de gado teriam como objetivo, segundo o jornal, causar
escassez de carne para o consumo da população e, desse modo, plantar a semente do
descontentamento. Tudo isso fazia parte, segundo a visão difundida pelo jornal, das
orientações emanadas do komintern, cujas ordens, “sabemos perfeitamente” visavam
sempre “agitar as massas”.
Pacotilha não era o único jornal que pedia repressão aos “movimentos
extremistas por parte do governo” que, segundo o jornal, estaria “no dever de tomar
medidas severas, senão proibir as provocações extremistas quer da esquerda, quer da
direita”. Estas recomendações eram dirigidas ora aos comunistas e integralistas, ora apenas
aos “vermelhos”, como ocorria geralmente em O Imparcial. Esse pedido de atuação
repressiva do Estado era sempre justificado por uma defesa de democracia liberal, que
vigorava no país, segundo afirmavam todos os jornais estudados.
Este matutino se dizia independente e, diferente de O Combate e da Pacotilha,
não era oficialmente o jornal de nenhuma facção política. O jornal foi fundado em 1º de
maio de1926. Tornou-se mais tarde órgão dos Diários Associados, jornal de grande
circulação no estado. E é o único dentre os que consultamos que ainda existe até hoje.
O Imparcial contribuiu com as atividades integralistas em São Luís, garantindo
72
um espaço considerável seja para as notícias que divulgavam as reuniões, seja veiculando
textos ou matérias a pedido dos chamados camisas verdes45 maranhenses. É somente neste
matutino que encontramos, por exemplo, os anúncios dos livros integralistas que eram
vendidos em São Luís (O Imparcial, 05/04/1935, p.6). Foi ele também o único que
veiculou a nota da AIB maranhense que objetivava boicotar a solenidade de instalação
oficial da ANL em São Luís, ocorrida em 5 de julho de 1935, no Teatro Arthur Azevedo
(O Imparcial, 05/07/1935, p.7). E como conclusão da campanha anti-aliancista e depois
anticomunista desse jornal citamos a série de matérias transcritas a pedido da seção da AIB
no Maranhão durante os dias 10 e 13 de julho, justamente visando “coincidir com a
presença da Caravana aliancista em São Luís” (CALDEIRA, 1990, p.66).
Nessa ocasião, o jornal publicou uma série de artigos combatendo a atuação do
PCB, acusado de se disfarçar sob a bandeira da ANL. As matérias começaram a aparecer
no dia 10 de julho de 1935 e prosseguiram nos três dias seguintes, sempre apresentando
“provas cabais” da ação “insidiosa e maquiavélica do comunismo” no Brasil. Escolhemos
um trecho de uma dessas “reportagens”, como as chama o próprio matutino, para dar uma
idéia do seu conteúdo:
45
Como ficaram conhecidos em todo o país os integrantes do movimento integralista. O que se deveu ao fato
de usarem uniformes de cor verde oliva. TRINDADE, 1979; CALDEIRA, 1999.
73
[n]a própria exposição de motivos e fins da ANL a prova incontestável de que o
movimento que ela dinamiza tem fins nitidamente marxistas. Está no seu
manifesto: ‘trabalhadores manuais e intelectuais, proletários e semi-proletários
das cidades e do campo, comerciantes garroteados pelo Fisco, [...] jovens e
mulheres oprimidas, o povo pobre em geral – marchamos todos em fileiras
cerradas e compactas sob a bandeira da ANL, para a defesa e realização das suas
oportunas quão justas reivindicações: suspensão das dívidas externas;
nacionalização das empresas e bancos imperialistas; moratória para os pequenos
industriais, comerciantes e agricultores e anulação de todas as dívidas dos
trabalhadores do campo para com os grandes senhores territoriais’. Que significa
toda essa pregação, todo esse programa se não a simples e pura técnica
comunista universalmente preconizada pelos seus agentes como remédio para os
males econômico-sociais de todas as pátrias?
[…]
Os partidários da importação da planta exótica de Moscou […] precisam se
aperceber de que o povo já atingiu a sua maior idade, já sabe discernir, não sendo
mais possível a ilusão da sua boa-fé […].
A embromação não surtirá efeito. Pelo contrário: irritará as massas sofredoras
mais de perto visadas pelo embuste. […].
(O IMPARCIAL, 13/07/1935, p.2).
O BOLCHEVISMO NA RÚSSIA
O Regime do comunismo, através de uma crítica do jornalista Plínio Barreto,
redator-chefe do “Estado de S. Paulo”, ao livro de Gondin da Fonseca47.
46
De fato uma parte considerável das matérias e notícias veiculadas pela imprensa ludovicense não são
produzidas localmente, mas retiradas de outros órgãos, nacionais ou internacionais. Todavia, importa
destacar que elas são publicadas porque atendem a interesses e necessidades locais, caso contrário não seriam
veiculadas.
47
O jornalista Gondin da Fonseca esteve em Moscou como enviado do jornal Correio da Manhã, do Rio de
Janeiro. Tornou-se conhecido por suas reportagens sobre a “realidade da Russia soviética”, seus relatos eram
considerados “valiosos e insuspeitos”, segundo muitos outros jornalistas e autores de textos sobre o
comunismo tanto na imprensa quanto sob a forma de livros. Analisando um folheto apócrifo publicado nos
anos 1930 e intitulado Onda vermelha: bolchevismo e comunismo (regime de sangue... de fome... de
escravidão...) a historiadora Carla Silva constatou que Gondin da Fonseca é citado como um jornalista
insuspeito, pois seria simpático ao marxismo, antes de viajar até à Rússia. Ver Silva. s/d, p.160-162. Depois
dessa visita à Russia Gondin da Fonseca escreveu um livro sobre o que teria testemunhado in loco.
74
(Transcrição do “Diário da Manhã” de Recife solicitada pela AIB, no
Maranhão).
[…]
Em toda a Rússia, ninguém possui gatos nem cachorros. Foram devorados todos
os cães e todos os gatos. Como poderia o povo suatentá-los se as rações que não
chegam a sua própria alimentação! [...] Em algumas aldeias do interior, a
aparição de ratos é considerada uma benção providencial, - disputam-se como
petiscos ratos! [...] Houve tempo, nas vesperas da N.E.P., em que se chegou, no
interior da Rússia, a comer gente. “Ainda hoje”, afirma o Sr. Gondin da Fonseca
[autor do livro], durante invernos rigorosos há, por vezes, nos sovietes, casos de
anthropophagia. “Nenhum comunista honesto que haja percorrido e estudado a
URSS poderá negar esta minha afirmativa. [...] De noite, nas aldeias, o cidadão
não sahia da porta da rua para fora com medo de ser devorado pelo faminto
semelhante. Um pavor!”
[…]
(O IMPARCIAL, 05/07/1935, pp.2 e 4)
75
demonstrando surpresa, mas, principalmente, repulsa diante de tão humilhante situação por
que passaram e ainda estariam passando os habitantes de “algumas aldeias do interior”
daquele país.
Todo esse quadro de miséria e degradação humana delineado em pinceladas
rápidas pelo articulista, torna-se ainda mais vivo e ao mesmo tempo apavorante, com a
descrição dos casos “em que se chegou [...] a comer gente”. O que teria ocorrido na década
de 1920, época dos planos econômicos conhecidos como NEP, sigla para Nova Política
Econômica48. Ficava assim constatado que o regime político em vigor na Rússia era um
fracasso, além de totalmente nocivo ao ser humano, infringindo-lhe calamidades terríveis
como a fome, que de tão desesperadora só deixou como última saída ao russo faminto
devorar o seu semelhante. “Ainda hoje [...] durante invernos rigorosos há [...] nos sovietes,
casos de antropofagia”, segundo o autor do livro em que se baseia a matéria jornalística,
Gondin da Fonseca, “nenhum comunista honesto que haja percorrido e estudado a URSS
poderá negar esta minha afirmativa”. Devido ao fato de se tratar de um jornalista
conhecido em todo país e que havia viajado à Rússia a serviço de um grande jornal da
capital da República com o objetivo de fazer a cobertura “imparcial” dos fatos, suas
palavras compartilhavam da autoridade institucional da imprensa, ele era o seu porta-voz
autorizado49 (BOURDIEU, 1996, p.87 e 89).
Gondin da Fonseca afirmava que a fome, o desespero e o medo seriam as
únicas coisas que estavam bem distribuídas entre a população. A intranqüilidade era maior
à noite, quando o “cidadão” nem sequer saia de casa, devido o “medo de ser devorado pelo
faminto semelhante. Um pavor!”. O objetivo de matérias como essa era transmitir um
sentimento de medo em relação a uma possível “comunização” do Brasil.
Estes enunciados penetrariam fundo no imaginário social, compondo um
sólido arquivo de textos e imagens, tendo fornecido as referências simbólicas para o
discurso sobre o comunismo\comunista não só dos anos 1930, mas também foi sendo
reativado e ressignificado por outros sujeitos em diferentes conjunturas políticas.
Importante observar que a matéria de O Imparcial foi publicada no dia 5 de
48
Após a guerra civil pela conservação do regime instaurado em 1917, e devido ainda ao forte bloqueio
econômico das nações capitalistas, a Rússia estava com sua economia seriamente abalada. A NEP foi a
política econômica implantada por Lênin para reverter esse quadro, utilizando instrumentos da economia
de mercado coordenados pelo Estado (HOBSBAWM, 1995, p.369).
49
“O porta-voz autorizado consegue agir com palavras em relação a outros agentes e, por meio de seu
trabalho, agir sobre as próprias coisas, na medida em que sua fala concentra o capital simbólico
acumulado pelo grupo que lhe conferiu o mandato e do qual ele é, por assim dizer, o procurador”
(BOURDIEU, 1996, p.89).
76
julho, justamente uma data que o movimento aliancista buscava construir como símbolo
das lutas pela libertação do país e que marcava o lançamento oficial do Diretório Estadual
do movimento aliancista no Maranhão, em solenidade no teatro Arthur Azevedo, em uma
data que buscava simbolizar as lutas revolucionárias de 1922 e 1924, empreendidas pelos
tenentes. Com efeito, isso fazia parte, por um lado, de uma estratégia dos aliancistas (e
comunistas), que visava instituir datas nacionais como marcos simbólicos de uma luta
política que tem significado efetivo somente para um grupo específico, mas à qual se
procura impor uma percepção de grande data nacional.
77
seriam contrários a ela, considerando-a como uma instituição importante para alcançar seus
objetivos político-sociais de transformar o país.
Analisando a conjuntura pós-novembro de 35, verificamos que a postura de O
Imparcial é no sentido de se posicionar enquanto guardião do que ele chama as
“instituiçoes democráticas” do país, que estariam ameaçadas nesse “grave momento” da
nossa história. É assim que atua divulgando e estimulando a criação de organizações
político-sindicais, como foi o caso do Comitê de Propaganda e Organização Syndical e de
Combate ao Extremismo:
78
procurava ligar-se ao Governo Federal, contribuindo com as políticas trabalhistas que
naquele momento já estavam ganhando espaço dentro do cenário de disputa com as
diversas correntes sindicais em atuação no movimento sindical brasileiro (GOMES, 2008).
Desde março de 1931 que vigorava no país uma nova lei de sindicalização, que
visava transformar os sindicatos em órgãos consultivos e colaboradores do Estado.
Segundo Ângela de Castro Gomes, a lei de sindicalização tinha como objetivo o “combate
a toda organização que permanecesse independente, bem como a todas as lideranças –
socialistas, comunistas, anarquistas etc. definidas como capazes de articular movimentos
de protesto contra a nova ordem institucional” (GOMES, 2008, p.163).
Cabe destacar o modo ou a estratégia de inserir a problemática no cenário da
tensão ou crise vivida pelo país. E ela estaria na ordem do dia não apenas aqui no Brasil,
sendo tão grave que ameaçava destruir o mundo. Uma forma de valorizar a si próprio
enquanto promotor de possíveis soluções para um problema dessas proporções. A
participação desse órgão de imprensa na organização dos trabalhadores torna-se mais
compreensível quando sabemos que o advogado que “orienta” esse comitê é também o
redator-chefe de O Imparcial, Paulo de Oliveira. Vemos, assim, o quanto estão atrelados
imprensa e política, no cenário de indistinção, onde os jornais procuram atuar como
intermediadores entre as “classes syndicalisadas” e o governo, prefigurando o modo de
organização que será implantado no Estado Novo. Mas nesse período, anterior ao golpe de
1937, já se reforçam alguns princípios que depois serão institucionalizados pela legislação
trabalhista de Vargas, como o paternalismo e a orientação governamental dos sindicatos de
trabalhadores (idem, p.165).
Em um trecho da matéria se afirma que a iniciativa de criação do comitê
mereceria o aplauso dos “bons brasileiros”, porque num momento em que os “extremistas
da esquerda e da direita” combatiam a “social democracia” era louvável uma iniciativa
como aquela levada a cabo pelo “dr. Paulo de Oliveira”. Ao indicar que existiam
brasileiros que eram “bons” deixava-se implícito que outros brasileiros eram “maus”, os
quais só podiam estar associados “às idéias extremistas, deletérias e dissolventes” que
ameaçam a suposta democracia brasileira. A Frente Única de Combate que se planejava
criar deveria justamente combater esses maus brasileiros, rotineiramente associados aos
“extremistas”, que às vezes incluíam “os da direita”, mas sempre “os da esquerda”.
Em outro artigo, sempre publicado com destaque na primeira página, Paulo de
Oliveira reforça a sua posição e também a do jornal, visto que ele é o redator-chefe de O
79
Imparcial, no sentido de conferir legitimidade às posturas das autoridades que defendem a
necessidade de estar alerta para combater os “traidores do regime”.
DE PÉ – PELO BRASIL
(Ao presado e respeitável amigo Sr. Dr. Paulo Ramos. Energia moça, ao serviço
da Patria.)
A nota que o ministro da guerra enviou à imprensa carioca e foi transmittida,
pelo alto commando de nosso glorioso Exército, a todas as Regiões Militares,
para effeito de publicidade não é só um documento de tranquillização à
nacionalidade, porque ella consagra, também, na concisão indemolível de seus
termos, nesta hora de graves solicitações para a Patria, o principio da autoridade,
que resulta firme e decisivo, alertado em todos os sentidos para rechassar os
trahidores do regimen, onde quer que elles apareçam. [...]
(O IMPARCIAL, 03/10/36, p.01)
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alguns meses, tendo sido na época contestado pelas principais facções, então afastadas do
poder, mas que possuíam muita capacidade de pressão, exercida principalmente através
dos jornais que controlavam. A pressão dos chamados “decaídos” juntamente com a perda
do apoio de Reis Perdigão, minaram suas chances de permanecer à frente da interventoria.
Tentou se eleger deputado para a assembléia estadual nas eleições de 1934, mas não obteve
sucesso.
Os objetivos da ORDEM parecem seguir a mesma linha do Comitê Proletário
dirigido por Paulo de Oliveira, com a diferença de buscar congregar todos os grupos
sociais e profissionais, além da ênfase moral e religiosa devida ao seu idealizador. Segundo
consta de matéria publicada em O Imparcial, o programa da entidade é “simples”:
O.R.D.E.M.
O nosso confrade Astolpho Serra, que orienta com um grupo de amigos a novel
81
organização democrática denominada ORDEM recebeu, ontem, do ministro
José Americo de Almeida, candidato á Presidencia da Republica o seguinte
telegrama:
RIO, 9.
Padre Astolpho Serra
S.Luiz.
Com os meus calorosos applausos ao vosso movimento democratico agradeço
desvanecido o apoio da ORDEM a minha candidatura, pedindo estender esse
agradecimento demais amigos.
JOSÉ AMERICO
(O IMPARCIAL, 10/08/1937, p.2)
O.R.D.E.M.
A Organização de Resistência Democrática ao Extremismo no Maranhão, criada
e orientada pelo nosso confrade Astolpho Serra, com um grupo de amigos,
organização que não tem caracter de partido politico, ha recebido, em nosso
meio, valiosas adhesões de elementos de todas as correntes partidarias e de
valiosos elementos independentes.
A ORDEM acaba de fazer uma frente unica de combate aos extremismos com 25
syndicatos proletarios filiados ao “Comité de Propaganda e Organização
Syndical”.
Essa frente unica vem constituir, em nossa terra, uma formidavel resistencia
democratica na defesa sadia das instituições patrias.
A proposito desse movimento democratico o Padre Astolpho Serra vem de
receber da longinqua cidade de Carolina o seguinte telegramma:
Padre Astopho Serra. S.Luiz.
Com a devida venia transcrevi no periodico local “A Tarde” vosso placard de 20
de julho.
Aproveito oportunidade dar-vos inteira solidariedade.
(O IMPARCIAL, 13/08/1937, p.6)
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orquestração para deflagrar mais um golpe de estado. A posição da ORDEM, e
consequentemente de seu mentor, se expressa em tomadas de posição como esta:
PLACARD
Não me surprehendeu a carta que o dr. Achilles Lisbôa fez publicar em Acção de
ontem.
Aquilo tudo é um desabafo; força é confessar.
Quem sahiu do governo nas circumstancias em que sahiu o illustre leprologo,
após os movimentados episodios de sua administração, ha-de forçosamente
trazer a alma cheia de travores, e a boca amarga de maldições aos homens e ao
mundo.
A carta do brilhante intelectual cathecumeno do integralismo é um
impressionante SCHEMA de seu estado psychologico, que, depois do silencio de
um anno , aproveita a primeira oportunidade para deflagrar numa descarga.
O que me causou especie, no caso em apreço, foi a ingenuidade do consagrado
scientista, em quem a sinceridade e admiração dos homens justos, reconhecerá
um espirito esclarecido e douto; ingenuidade dolorosa, por certo, que vae ao
cumulo de suspirar pela vinda de um regime, como é o integralismo, que jamais
lhe daria essa liberdade de acção para insultar, pela ACÇÃO os altos poderes da
Republica e até áquelles seus mais dedicados amigos, que o elevaram ao poder e
o cercaram decididamente!
Respeito os motivos de fôro intimo, que exacerbam o dr. Achilles, bem como a
suggestiva influencia de ordem sentimental, nascida da sua amizade ao
venerando dr.Belizario Penna, que o polariza agora para o Sigma.
Mas, não se illuda o illustre jornalista. Nesta Democracia, apesar dos pezares, ha
mais sinceridade, mais lealdade, mais justiça que no Integralismo, cujo regime é
de despersonalização do individuo, e um dos mais arrojados systemas de
sociolatria.
A prova é muito simples.
E eu vou recolhel-a na propria ACÇÃO e na OFFENSIVA.
Pela carta do dr. Achilles verifica-se o abysmo, que se cavou entre elle e o
grande presidente Getulio Vargas e os amigos e admiradores do Presidente.
Ahi está um ponto capital...
Pois bem, essa mesma ACÇÃO deverá causar ao dr. Achilles aborrecimentos
tremendos, se o respeitavel medico folhear a collecção de maio e junho ultimo.
O Dr. Getulio é para os integralistas maior que Plinio Salgado, mau grado agora
acceitem esses violentos ataques do dr. Achilles ao Chefe da Nação!
Vou demonstrar:
-Leia-se a seguinte manchete de ACÇÃO de 7 de maio, nº 57:
“Quando o historiador do futuro fizer o cadastro dos patriotas, que actualmente
se oppõem ao triumpho dos inimigos da Patria, inscreverá entre os mais
decididos e destemerosos o nome do presidente Getulio Vargas”.
-Outra manchette de ACÇÃO de 12 de maio, nº61:
“A attitude energica e prompta do Presidente Vargas repelindo os impetos
criminosos de certos satrapas de provincia, a serviço do Anti-Brasil, traz á Nação
Brasileira a certeza de que a Patria não sucumbirá aos golpes traiçoeiros de seus
covardes inimigos.”
-Mais esta de ACÇÃO de 12 de junho […]
-Para terminar: Leia o dr.achilles esta legenda de ACÇÃO de 16 de junho, nº 92,
ao cliché do dr. Getulio: “Presidente Vargas, unica espereança de liberdade e
justiça”.
[…]
Isto posto, que pensará o Sr. Achilles desses homens que se propõem a salvar o
Brasil?
Qual, senhores, regime bom é o nosso e … viva o Dr. Getulio Vargas!
(O IMPARCIAL, 12/08/1937, p.5)
83
Em todo perpassado por um domínio das regras do jogo e demonstrando uma
certa noção das coisas que estavam em disputa no jogo, este texto de Astolfo Serra é uma
tentativa de demonstrar o quanto valia a pena jogar este jogo político. Sua intenção era
alertar o “ingênuo” Aquiles Lisboa, rifado da posição de destaque que ocupou em virtude
de uma determinada configuração do equilíbrio de poder entre as principais facções, para o
fato de que é somente dentro deste “regime”, ou através deste jogo de tipo oligárquico
(ELIAS, 1999, p.93), por Astolfo Serra denominado de “Democracia”, que existe a
possibilidade de reivindicar as coisas, principalmente os benefícios, que o jogo oferece e
que tendem a mobilizar os agentes em disputa pelas melhores posições.
84
Recebe, pois, o Maranhão, calorosamente a Gustavo Barroso e seus
companheiros de propaganda. Irá ouvir sua palavra culta em varias conferencias.
Traduzindo, no desataviado desta notícia, os sentimentos do Maranhão para com
Gustavo Barroso, o “Imparcial” apresenta boas-vindas ao illustre escriptor e seus
dignos companheiros.
Das 19 as 20.30 horas, terá logar, no Theatro Arthur Azevedo, a recepção solene
feita pelos integralistas locaes a Gustavo Barroso, que doutrinará sobre o
integralismo.
(O IMPARCIAL, 02/01/1934, p.1)
LIGA ANTI-FACISTA
Em reunião realizada ante-ontem na qual estavam representadas todas as classes
sociaes, fundou-se, nesta capital, a Liga Anti-Facista, que, como seu nome
indica, tem como objectivo unico combater a doutrina política facista[sic].
Para confecção do programma de acção dessa agremiação, foi escolhida uma
commissão entre os seus fundadores, composta de nove membros.
Dentro de poucos dias reunir-se-á novamente a Liga Anti-Facista, para tomar
conhecimento do trabalho da commissão referida.
Está assim constituido o Comité de Organização da Liga Anti-Facista: Pedro
Bona, Amorim Parga, Fabio Castro, Abdegard Brasil Corrêa, Callisto de Moraes
Accaccio, Benedito Costa, Herculano Pastor de Almeida, Amâncio Pires e
Raymundo Octavio de Jesus.
(O IMPARCIAL, 14/01/1934, p.6)
85
Dentre os fundadores da Liga Antifascista, os mais conhecidos integrantes do
que podemos chamar de movimento esquerdista de tendência comunista no Maranhão, são
Pedro Bona e Abdelgard Brasil Corrêa, que atuaram decisivamente na organização da
ANL, ocupando postos de liderança.
Em correspondência localizada nos arquivos do Poder Judiciário do Estado
do Maranhão encontramos alguns ofícios em que o Executor do Estado de Guerra no
Estado, o Coronel Otto Feio da Silveira, informava ao Juiz Federal acerca da prisão de
alguns indivíduos suspeitos de tomarem parte no “movimento subversivo de que ia ser
teatro o Maranhão” em novembro de 1935.
Ministério da Guerra
S.Luiz,
Em 7/5/36
Nº 47
Do coronel Executor do Estado de Guerra.
Ao Exmo. Sr. Dr. Juiz Federal neste Estado.
ASSUMPTO: (comunicação) faz uma
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maranhense de um grupo de militantes de orientação comunista, que acreditamos teve sua
gênese no início da década de 1930, demandaria uma outra pesquisa. Todavia,
identificamos alguns fragmentos dessa história que, para os objetivos de nosso trabalho,
nos permitem visualizar essas movimentações comunistas na capital maranhense.
A partir do recorte cronológico estabelecido, 1935-1937, consultamos também
algumas edições de jornais dos anos de 1934 e 1938, apenas para efeito comparativo, visto
que partimos do pressuposto de que a incidência de matérias sobre o comunismo tornou-se
maior com o surgimento da ANL e principalmente após os levantes de novembro de 1935.
Assim, em 2 maio de 1934 encontramos a seguinte notícia:
O 1º DE MAIO
Ao amanhecer de ontem, a policia prendeu alguns auxiliares do commercio,
estudantes e funcionários públicos quando pregavam boletins de propaganda
communista na via publica.
(O IMPARCIAL, 02/05/1934, p.1)
A PRISÃO DE COMMUNISTAS
A ATTITUDE ENERGICA DA POLICIA
A policia tomou, hontem, providencias no sentido de evitar que elementos
extremistas fizessem propaganda do credo de Moscou, atacando as autoridades
constituidas.
O policiamento foi reforçado e dirigido pessoalmente pelo Capitão Alberto
Zamith. Foram efetuadas diversas prisões de elementos communistas
encontrados fazendo distribuição de manifestos ao mesmo tempo que, alguns
jovens, escreviam nas fachadas dos predios, com carvão e piche, palavras
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incendiarias.
O policiamento prolongou-se até pela manhã de hoje, quando as autoridades
dirigiram-se a Central de Policia, afim [sic] de ouvir os prisioneiros, que são em
numero de oito, todos eles rapazes muito jovens.
A policia encontrou em poder dos communistas grande quantidade de boletins
pregando abertamente o credo marxista.
(NOTÍCIAS, 01/05/1934, p.5)
88
(NOTÍCIAS, 03/05/1934, p.5)
Dessa vez somos informados de que as prisões ocorreram nos subúrbios da
cidade de São Luís. Informa-se, ainda, que foram onze os comunistas presos nas
manifestações do 1º de maio, número diferente da matéria publicada dois dias antes,
quando se falava em oito presos. Nessa segunda matéria sobre “o caso” afirma-se que os
propagandistas do comunismo eram em sua maioria estudantes, mas que contavam também
com a participação de três “operários”. Por que foram soltos tão rapidamente? Quem eram
os estudantes, quem tinha acesso à educação formal? Seriam filhos de pessoas influentes,
que estavam querendo demonstrar um pouco de rebeldia juvenil? Dá a impressão de que,
para a Polícia, esses “jovens rapazes” não representavam efetivamente um perigo à ordem
social e política, limitando-se a “aconselhá-los” sobre seu comportamento. Como os nomes
não foram divulgados, não foi possível localizar informações sobre quem são esses
militantes presos e logo em seguida soltos pela Polícia. Seria importante saber, por
exemplo, se tinham origens sociais que lhes pudessem pesar a seu favor para que fossem
logo postos em liberdade, em defesa dos quais se poderia argumentar, ainda, o fato de que
eram apenas “jovens estudantes”, sendo compreensível seu idealismo.
Tratar-se-ia de um grupo de pessoas que estavam concretamente empenhadas
em torno de certas idéias políticas de esquerda? O foco principal, pelo que se depreende,
seria organizar um movimento capaz de mobilizar os grupos letrados das camadas médias
urbanas, em especial estudantes, empregados do comércio, funcionários públicos, além, é
claro, dos operários fabris que moravam nos chamados subúrbios da cidade, a exemplo dos
conhecidos distritos do João Paulo e do Anil. Somos informados pela segunda matéria que
as prisões aconteceram “no subúrbio da cidade”, o que nos leva a acreditar que muito
provavelmente ocorreram em um desses lugares, pois se tratava do dia 1º de Maio e nada
mais coerente do que, no dia do trabalhador, divulgar as idéias comunistas nos bairros onde
estes residiam, objetivando assim ganhar seu apoio para essa causa.
Numa outra perspectiva, O Imparcial é o único jornal que faz uma espécie de
cobertura policial sobre os comunistas que estariam ainda atuando em São Luís nos anos
de 1936 e 1937, período de caça às bruxas. Assim ele noticia uma prisão efetuada pelo
Polícia no bairro do João Paulo:
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Há quase um anno que a policia andava no encalço do communista Francisco
Marques Figueiredo, ex-escriturário da Directoria de Fazenda.
Varias diligencias foram organizadas, todas sem resultado.
Seguramente informada de que Figueiredo estava em sua residencia, no João
Paulo, a policia deu uma ¨batida¨ ali, ás primeiras horas de hontem, conseguindo
prendê-lo.
A diligencia foi chefiada pelo sr. Francisco Galdino Saraiva, inspector da Guarda
Civil.
Figueiredo foi encontrado dentro de um buraco, especialmente feito em um
fugão [sic], junto a uma parede.
Sempre que a policia fazia algumas diligencias na casa do referido communista,
ele se recolhia ao esconderijo. [...]
O ex-funccionario do Estado, acusado como um dos principais elementos dessa
cidade está bastante enfraquecido e muito barbado, tendo declarado que sofreu
recentemente um ataque de congestão. [...]
Figueiredo foi recolhido á peninteciaria devendo prestar declaração hoje á noite.
(O IMPARCIAL, 19/10/1936, p.3.)
90
de todo o país. Apresentada como uma questão que exigia medidas urgentes e firmes por
parte, não só do governo, mas de toda a sociedade brasileira, sob pena de colocar em risco
as nossas mais sólidas tradições.
É nesse contexto que devemos entender alguns editoriais d’O Imparcial
naquele mês de dezembro de 1935. Chamamos atenção especialmente para dois deles, um
do dia 6, o segundo do dia 11. O primeiro fala da campanha de mobilização contra o
comunismo que existe em todo o país, a qual não seria fruto da imprensa nem da
burguesia, mas refletiria uma repulsa unânime da própria “família brasileira, indignada
diante da intentona que ameaçou o destino do Brasil”. Seguindo o estilo peculiar das
referências eruditas dos jornalistas maranhenses de então, o editorial recupera o episódio
da guerra entre Roma e Cartago para ilustrar as medidas que se deviam tomar em relação
ao inimigo ameaçador da unidade do país:
PENA DE MORTE
Cogita-se […] de emendar o artigo 161 da Constituição Republicana a fim de
que seja aplicada a pena de morte aos responsáveis por movimentos
subversivos.
O momento inspirou essa medida para os crimes de natureza política ou
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sediciosa. […]
O assunto […] tem vindo até agora, através dos anos, […] alegando-se que a
sociedade moderna vive ainda infiltrada dos mais perigosos vícios. […]
Os poetas, e mesmo alguns criminalistas, só encaram o assunto pelo coração,
evocando um sentimentalismo que fecha os olhos à defesa social e atende
apenas o lado comovedor das almas generosas.
[…]
Lombroso não se arreceia de atribuir a superioridade dos corações em nosso
século, relativamente ao passado, à seleção da raça pela pena de morte.
[…] para o professor J.A. Roux, da Universidade de Strasburgo, […] o critério
dominante, na apreciação da velha contenda, deve ser o da “necessidade da pena
de morte”, subordinando-se essa “necessidade” às condições do “meio e do
momento”.
Pois bem, a emenda que ora se pretende fazer no Brasil é subordinada às
condições do momento e à natureza política e sediciosa dos fatos.
É uma medida excepcional, sem efeito retroativo, aplicável aos militares e civis,
de acordo com as normas do Código Militar Brasileiro.
(O IMPARCIAL, 11/12/1935, p.01)
O jornal deixa claro que não se trata de uma simples opinião, mas de uma
medida que se impunha como necessária, segundo era demonstrada pelo próprio
pensamento científico. Para fundamentar e comprovar a necessidade de adoção dessa
medida extrema, o jornal recorria às ponderações de uma autoridade internacional, o
professor J. A. Roux, da Universidade de Strasburgo. Segundo esse cientista, afirmava o
jornal, deve-se considerar uma “necessidade” quando as condições do meio e o momento
assim o demonstrem. “Pois bem, a emenda que ora se pretende fazer no Brasil é
subordinada às condições do momento e à natureza política e sediciosa dos fatos”. O que
devia ser suficiente para demonstrar que sua adoção se pautava no mais absoluto rigor
cientifico, ficando provada a necessidade dessa medida para solucionar o grave problema
das tentativas de subversão política.
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se tratar de um jornal da facção oposicionista.
Vejamos alguns exemplos da cobertura da ANL que demonstram certa
simpatia ou aprovação desse movimento. O jornal Tribuna publica uma matéria sobre as
movimentações daquela organização no Estado:
93
advogado/jornalista Byron de Freitas, um dos principais líderes aliancistas. A presença de
aliancistas entre os jornalistas desse periódico poderia explicar sua cobertura atípica da
ANL no que se refere aos demais veículos da imprensa de São Luís. Mas como se
explicaria essa presença de aliancistas, ou mesmo de comunistas, como seria o caso do
advogado/jornalista Byron de Freitas?
Os jornais costumavam sempre identificar a origem das notas ou convites em
que as organizações políticas solicitavam sua publicação. Além do mais, estas notas de
propaganda, oficiais, vinham sempre com os nomes dos signatários, como neste caso:
Percebe-se que a nota foi redigida pela ANL que solicita à Tribuna sua
publicação (“pede-nos a publicação”). Quanto ao seu conteúdo importa dizer que a nota
tem o objetivo de defender a legitimidade do núcleo aliancista que se formava no
Maranhão; segundo se depreende da leitura, aquela legitimidade vinha sendo contestada.
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Contribuindo para percebermos como a cobertura da ANL por parte de Tribuna
era realmente diferente dos demais jornais, apresentamos a seguir mais alguns exemplos. A
divulgação do programa aliancista ocorre de modo particular nesse matutino. Não é apenas
um ponto ou outro do programa que se divulga, a exemplo do que se fazia em outros
veículos, e quando estes publicavam alguma coisa sobre a ANL. A Tribuna traz, nessa
matéria, o que poderíamos chamar a essência do programa aliancista, numa apresentação
sintética e objetiva dos seus aspectos mais relevantes, dando-nos a impressão de que assim
o foram escolhidos porque seu objetivo era divulgar o movimento:
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do stalinismo51, peregrinando por alguns países, como a própria Tribuna noticiou em
junho:
Enriqueça a sua estante com estes livros. Uma biblioteca não é um luxo, é uma
necessidade.
Socialismo: Manifesto Communista, Princípios do Communismo, Socialismo
Utópico e socialismo scientifico, ABC do communismo.
Filosofia: O Marxismo
Economia: O Capital, O plano qüinqüenal.
Politica: A Revolução Espanhola, Tempestade sobre a Asia, Revolução e contra-
revolução na Allemanha.
(TRIBUNA, 23 de fevereiro de 1934, p.1)
Trata-se, mais uma vez, de um anúncio do próprio jornal. Com efeito era
comum naquela época os jornais venderem livros em sua própria sede, quando chegavam
novos títulos, eles eram logo anunciados pelo jornal. Algumas vezes traziam os autores,
mas no caso em questão os títulos não são acompanhados pelos nomes dos seus autores, no
entanto é possível identificar que compõem certa tendência ideológica comum. São, em
sua maioria, livros de divulgação das idéias comunistas. Manifesto comunista, Socialismo
utópico e Socialismo científico, O Capital são obras muito conhecidas e é surpreendente
que estivessem em circulação mesmo antes da aprovação da chamada Lei Monstro de abril
de 193552, que vai proibir a circulação de “gravuras, livros, panfletos, boletins ou
quaisquer publicações, nacionais ou estrangeiras” nas quais se verificasse “a prática de ato
51
CARONE, 1978, p.366-7.
52
Como passou a ser denominada pelos sindicalistas e militantes de esquerda a Lei nº 38, de 4 de abril de
1935, que o governo chamou de Lei de “Segurança Nacional”. Ela definia o que constituía crime contra a
ordem política e social, limitando direitos e garantias constitucionais.
96
definido como crime nesta lei, devendo-se apreender os exemplares” (CARONE, 1978,
p.61-63). Segundo o historiador Edgar Carone ocorreu, na década de 1930, uma “espantosa
multiplicação de livros marxistas e de editoras voltadas exclusivamente a esta linha de
pensamento”, cujos livros seriam de venda garantida (apud SILVA, p.59). Seria preciso
destacar também que os livros integralistas e anticomunistas tiveram uma difusão nesse
período, como demonstra sua propaganda nos jornais.
Assim como em Tribuna é possível identificar uma tendência pró-aliancista,
em determinadas matérias de O Imparcial podemos ver um posicionamento bem definido
em relação ao integralismo, como se vê, por exemplo, na publicação de notas que
informavam antecipadamente sobre discursos do líder integralista que seriam transmitidos
pelo rádio:
O INTEGRALISMO
Rio, 2 – o sr. Plínio Salgado, chefe nacional da Ação Integralista, falará, amanhã,
às 21 ½ horas, na estação radio Mayrink Veiga, ao Brasil inteiro.
(O IMPARCIAL, 02/08/1937, p.8)
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desorganizado. Somos um povo desorganizado porque não possuímos
organização econômica.
Não temos por estas e outras coisas, os necessários partidos políticos nacionais
organizados.
Os que conquistam o poder representam efemeramento [sic] e sem nenhuma
expressão de soberania popular, os tais “partidos” PP, PPS, PSD, PRP, e muitos
outros por aí a fora, numa ressonância enjoada de “pês”, que nem é bom falar!
- O único partido nacional é o integralismo!Gritou um dos que até aquele
momento mantinha-se calado e bisbilhoteiro.
- Concordo. O integralismo é realmente a única organização política de aspecto
nacional.
Mas para ser integralista, é igualmente como se ter vocação para pregador
protestante ou padre católico romano!
- A mesma coisa. Sem vocação não vai!
- Em todo caso merece meditação, e bem séria, as palavras do chefe Plínio
Salgado, berrou o “camisa-verde”, que tirando de um dos bolsos do paletó, um
folheto todo amarrotado pelo uso e sem dar tempo, foi logo lendo em altas vozes:
“Não estamos com homens. Não nos interessam os homens, nem dentro de
nossas fileiras, muito menos fora delas. Estamos com idéias!”
Que venham, então, as tais idéias!
(O IMPARCIAL, 01/04/1937, p.2)
OS LIVROS RECEBIDOS
- Historia secreta do Brasil, 2ª parte – Gustavo Barroso.
- Judaísmo, maçonaria e comunismo – Gustavo Barroso.
- Brasil, colônia de banqueiros – Gustavo Barroso.
Estes livros acham-se à venda na
LIVRARIA UNIVERSAL
De Ramos de Almeida & C.Ltda
Praça João Lisboa, 114
(O IMPARCIAL, 01/08/1937, p.8)
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devia receber, é preciso destacar que não se tratava de uma simples determinação de
mercado a escolha dos referidos títulos integralistas. Acreditamos que as matérias citadas e
estes anúncios apontam para um posicionamento, pelo menos de uma parcela do jornal,
indicativo do apoio que davam ao movimento integralista. O que, todavia, não deixa de
expressar ambigüidade, uma vez que é no mesmo O Imparcial que Astolfo Serra publica
sua coluna Placard, na qual escreve contundentes críticas ao integralismo. É ainda este
mesmo veículo que divulga as “ações patrióticas” da ORDEM liderada pelo próprio
Astolfo Serra. A sua campanha à frente dessa organização estava orientada contra todos os
extremismos, ou seja, combatia tanto o comunismo quanto o integralismo. Porém, Astolfo
Serra tinha nutria uma mágoa particular pelos camisas verdes maranhenses, por conta do
episódio em que fora acusado de ser comunista, tendo sido forjadas provas, pelos
integralistas, que supostamente comprovariam aquela acusação.
O que parece mais acertado é conceber os jornais, cada um deles, como
espaços heterogêneos, marcados por disputas internas entre diferentes posicionamentos
políticos, com o predomínio muitas vezes de uma determinada corrente, o que não quer
dizer que não seja factível encontrar no mesmo veículo pontos de vista conflitantes.
Travava-se de uma batalha contra as idéias comunistas e similares (como o
aliancismo). Isso pode ser verificado em todos os jornais pesquisados, inclusive em
Tribuna. Todavia, devemos ressaltar os espaços de difusão das idéias aliancistas no
período em que a ANL existiu legalmente. A cassação do registro da organização
representou um primeiro golpe para os jornalistas que eram aliancistas, ou mesmo
comunistas, ou para aqueles que eram apenas simpatizantes e encontravam espaço nesse
órgão para demonstrar suas preferências.
A saída dos jornalistas que tinham proximidade com a ANL, como Byron de
Freitas, além daqueles que esporadicamente escreviam em Tribuna ajuda a compreender a
inflexão na linha política do jornal. Com efeito, ele se torna mais declaradamente
anticomunista, os espaços que existiam antes do fechamento da ANL desaparecem de vez
em conseqüência da repressão que se segue à fracassada tentativa de tomada do poder em
novembro de 1935, atribuída aos comunistas e também aos aliancistas.
Um caso interessante que exprime a posição particular de Tribuna em relação
às “idéias de esquerda” é o do articulista José Osvaldo, que passa a assinar suas colunas
nesse jornal a partir do primeiro semestre de 1935. Na sua maioria elas tratam de temas
comuns àqueles da ANL, quando discutem a própria organização. Apesar das dificuldades
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de compreensão de alguns elementos do texto, nossa leitura identifica pontos comuns com
o discurso aliancista. Assim, analisemos um exemplo:
REGISTRO DIÁRIO
Os aliancistas teem sobejos motivos para contentamento.
Pois não é que o Sr.Getulio Vargas fechou-lhe as sédes, prendeu-lhe adeptos e
chefes?
Quando um movimento se pronuncia com a força do aliancista é signal que tudo
está muito ruim para um lado e optimamente bom para o outro. Assim essa
reação significa,
apenas, que a Aliança Nacional Libertadora já não é corrente frágil e sim algo de
temível, de espantador, trazendo no seu bojo conquistas que são derrotas para os
poderosos de hoje.
A prisão de João cabanas e Caio Prado são expressões latentes de quanto são
respeitados, pelas policias de Armando Salles e Felinto Muller, os proceres da
aliança.
Os operários se movimentam levados pela ansia de obterem um pão menos duro,
de possuírem uma terra que seja sua e conquistarem, mesmo tingida de sangue,
uma liberdade. Liberdade que a todos atinja e dê proteção, sob o seu manto
augusto idolatrado.
É a alma nacional que se movimenta. [...] É uma nacionalidade inteira que tirita
pela hora sagrada das suas legitimas e verdadeiras reivindicações.
O povo está cansado de lançar os seus protestos platônicos a sua benedita
paciência se acha esgotada e ele, na retaguarda dos paladinos das suas
aspirações, quer lutar e vencer para que, de futuro, a fama de uma raça padrão se
alardeie em propaganda para efectivações de padrões de raças.
E é esse o papel da massa popular. E o começo do seu desempenho deve agradar
mesmo aos brasileiros que estão contra os seus irmãos. É a demonstração pratica
da vitalidade da nossa gente. É a repetição dos fatos que nos deram tradições.
São os espíritos de Beckman, Felipe dos Santos, Frei Caneca, Henrique Dias,
Camarão, Negreiros, Tiradentes, Benjamim Constant, Patrocínio, dos 18 do
forte, todos, indomitos representantes das três raças, dos três sangues puros, os
quaes representam a nossa mesclada nacionalidade, que bafejam sobre a
mentalidade presente exigindo acontecimentos importantes, para que a nossa
época não passe em brancas nuvens, silenciosa, sem emissão de um reflexo que
vai pairar no cérebro e no intimo da posteridade.
Uma era sem acontecimentos é uma pagina em branco da Historia. A nossa
Historia carece de fatos. E qual brasileiro que vai confiar na Historia do seu paiz,
feita em paginas em branco?
José Osvaldo
(TRIBUNA, 26/ 07/1935, p. 5)
100
aprisionava o camponês, dependendo sempre do proprietário. Mas todos estavam já
“cansados de lançar os seus protestos platônicos” e movimentam-se, então, para
“conquistarem, mesmo tingida de sangue, uma liberdade”. O nacionalismo é mais um
elemento, e também estava presente no discurso aliancista.
José Oswaldo aparece como secretário de propaganda do Diretório Municipal
da ANL em notícia publicada pela própria Tribuna (07/07/1935, pp. 1e 5). Nesta
oportunidade seu nome vem acompanhado do sobrenome: José Oswaldo de Carvalho.
Descobrimos que o articulista de Tribuna é estudante da Faculdade de Direito e sobrinho
do desembargador Constancio Clóvis de Carvalho, suplente de deputado pelo PSD
magalhãsista e ainda diretor do jornal Pacotilha.
Seus artigos constituem uma evidência de que era, ou melhor, havia sido
secretário da Aliança. No Catálogo histórico da imprensa maranhense, interessante
compilação de Quincas Vilaneto, encontramos o registro de um jornal intitulado Esquerda,
publicado em 1934 pela Sociedade Acadêmica Maranhense. Este jornal tem como diretor
Osvaldo de Carvalho. Não sabemos, ainda, se, neste último caso, realmente se tratava da
mesma pessoa, mas os indícios parecem coincidir bastante com o esboço do perfil desse
jovem jornalista e estudante de direito com boas ligações na política regional.
101
demonstre, na prática, que não seguirá ao que sustenta em teoria, não tenho
motivos para alterar estas conclusões. A tática comunista, hoje, é aliar-se aos
partidos burgueses, com a capa de defesa das liberdades democráticas na
campanha antifascista a fim de melhor introduzir-se na sociedade e apoderar-se
do poder. Se tal desgraça sucedesse no Brasil, poderíamos rezar a oração
fúnebre. Entre nós, a atitude dos católicos, diante do integralismo, deve ser de
inteira liberdade de ação.”
(O IMPARCIAL, 27 /11/1935, p.4)
53
Jornalista, fundador da revista A Ordem e do Centro Dom Vital que tinham o objetivo de reunir intelectuais
católicos visando constituir um núcleo para o fortalecimento e divulgação dos ideais católicos (GROPPO,
2007, p.10).
102
nossa pesquisa (1935-1937), nenhuma informação acerca da existência de filial do Centro
Dom Vital. Todavia, existiam alguns veículos impressos de orientação católica, geralmente
ligados a entidades católicas leigas, como a “União de Moços Católicos”. Esses jornais
eram geralmente de periodicidade semanal, a exemplo de O Correspondente, fundado em
julho de 1935, e também de O Maranhão, fundado no ano seguinte pela mesma à União de
Moços Católicos, ambos eram editados e publicados em São Luís54.
Não temos conhecimento da existência de pesquisas que tenham abordado,
especificamente, a imprensa católica ou as organizações de leigos que se colocavam sob a
orientação da Igreja no estado do Maranhão desse período. Portanto, não sabemos qual a
dimensão dos movimentos católicos no campo da produção dos bens culturais nesse
estado. Em nosso trabalho de pesquisa foi possível identificar sinais de uma movimentação
de católicos leigos na imprensa desse período. É possível afirmar que se tratavam de
indivíduos que possuíam uma formação escolar, ou seja, eram pessoas letradas, e que
estavam engajados na difusão dos ideais e valores da Igreja Católica. Percebe-se, ainda,
que sua presença não se restringia à imprensa católica.
Os sinais de que falamos podem ser vislumbrados a partir das publicações dos
veículos de imprensa que foram fundados nessa época, não apenas na capital do Estado. O
Legionário foi fundado em 1935 na cidade de São Bento, tinha como subtítulo “órgão do
Grêmio D. Luis de Britto55 e da União de Moços Católicos” e circulava por outras cidades
do Maranhão. Por outro lado, alguns jornais, mesmo não estando diretamente ligados à
Igreja nem às organizações católicas de leigos, concediam espaço para a publicação de
artigos assinados por clérigos ou por leigos católicos que defendiam os valores e
orientações da Igreja. Existia, portanto, uma presença católica na imprensa de São Luís na
década de 1930, talvez refletindo a movimentação nacional por parte da principal
instituição religiosa do país. Com efeito, desde a década de 1920, a Igreja Católica vinha
procurando, mais incisivamente, recuperar um papel de destaque no quadro político-social
do país, propondo inclusive “leis católicas” como a que tornava obrigatório o ensino
54
O Maranhão teve uma longevidade bem maior que os outros jornais católicos citados. Em nossa pesquisa
encontramos matérias desse veículo datadas de 1936 e 1937, todavia, segundo o Catálogo de Jornais
Maranhenses do Acervo da Biblioteca Pública Benedito Leite (1821-2007), consta que O Maranhão, em
uma primeira fase, existiu até 1941, depois voltou a ser produzido entre os anos de 1947 e 1953 e, por
último, retornou em 1957, último ano que foi editado, ainda no mesmo formato semanal e seguindo uma
orientação católica.
55
D. Luis da Silva Britto nasceu em São Bento e alcançou alto posto na hierarquia eclesiástica, chegando a
Arcebispo de Olinda. Ele é reverenciado pelo jornal como o “mais glorioso dos sambentuenses, o grande
orador sacro e preclaro Arcebispo de Olinda”.
103
religioso nas escolas públicas de todo o país56.
Um exemplo que ilustra a presença, em jornal não-católico de São Luís, do
que poderíamos chamar de pensamento católico, está na publicação da seguinte mensagem,
em letras garrafais, na primeira página da Pacotilha:
56
Proposta elaborada e defendida pelo Cardeal do Rio de Janeiro, D. Sebastião Leme, que contou com o
apoio dos intelectuais católicos reunidos em torno da liderança de Jackson de Figueiredo, já então
atuando à frente do Centro Dom Vital e da revista A ordem (GROPPO, 2007, pp.44-45).
57
Segundo Bourdieu a compreensão adequada da eficácia dos discursos de autoridade implica entender que o
seu poder não deriva da força ilucionária das palavras em si mesmas, mas das condições institucionais de
sua produção e de sua recepção, onde devem ser consideradas as relações entre as propriedades do
discurso, as propriedades do seu emissor e as da instituição que o autoriza a falar (BOURDIEU, 1996,
p.89 e 91).
104
representava (BOURDIEU, 1996, p.89).
Devido à sua notoriedade, as tomadas de posição de Tristão de Athayde eram
sempre noticiadas e comentadas pelos veículos da imprensa, como no caso em que ele
discordava das declarações do Arcebispo de Porto Alegre, D. João Becker, que
condenavam o integralismo. Segundo “o sr. Tristão de Athayde”, dizia a matéria publicada
na Pacotilha, “a doutrina integralista não contém princípios anti-cristãos podendo ser
integralista elementos de todos os credos teístas” e que desse modo ele, Tristão de
Athayde, só podia “ser contrário ao ponto de vista de D.Becker”58.
58
O integralismo. In: Pacotilha, 24/11/1935, p.6.
105
4. A “CIVILIZAÇÃO” AMEAÇADA PELO “PERIGO VERMELHO”
combate ao comunismo
106
diferentes propostas pedagógicas que se enfrentavam nesse processo de definição das
diretrizes da educação no Brasil59. Daí porque, nesse contexto, se falar no “momentoso
tema” da educação.
O que pretendiam homens como Alceu Amoroso Lima, um dos integrantes do
Conselho Nacional de Educação, órgão recém-criado e que estava encarregado de elaborar
o referido plano de educação, era convencer aqueles que duvidavam da “presença insidiosa
do comunismo nos mais diversos setores da sociedade brasileira” e que, para combatê-lo
eficazmente, urgente se fazia implantar uma pedagogia orientada para esse fim. Segundo
esse entendimento, a pedagogia comunista já estava difundida nas escolas brasileiras,
aproveitando-se da confusão proporcionada pelo predomínio de um ingênuo e “puro
liberalismo pedagógico”.
Alceu Amoroso Lima assumiria no contexto intelectual dos anos 1930 a
condição de notável guardião da ordem moral, pautada nos valores cristãos e,
consequentemente, defendia no plano educacional a tutela da Igreja sobre o ensino público
(PÉCAUT, 1990, p.28.). E assim como outros tantos intelectuais da corrente católica,
também ingressou no movimento integralista.
Os intelectuais se acreditavam elites dirigentes, e buscaram legitimar-se
enquanto detentores de uma vocação para a “organização social”. Desse modo
compartilhavam de uma visão elitista sobre qual seria o seu papel dentro do processo
histórico brasileiro. Eles seriam, segundo suas concepções, os responsáveis por indicar
qual o caminho que deveria seguir a nação diante dos desafios daqueles novos tempos. Isso
poderia ser observado quando falavam do comunismo e da necessidade de combatê-lo
(SILVA, p.55).
Por isso eles procuravam demonstrar que a diretriz educacional de uma nação
não deveria mais ser entregue ao “puro liberalismo pedagógico” como ainda tentavam
fazer alguns no bojo das discussões sobre o Plano Nacional de Educação. Era o que dizia,
59
O debate em torno da reforma educacional opunha, grosso modo, dois grupos de educadores: os liberais e
os católicos. Em 1932 o primeiro objetivou sua proposta através do que designou como “Manifesto dos
Pioneiros da Educação Nova”, onde aparece pela primeira vez a idéia de plano no âmbito da educação. Esses
educadores do movimento renovador concebiam o plano de educação como um instrumento que permitiria
introduzir uma racionalidade científica na política educacional. Essas idéias influenciaram sobremaneira o
debate nos anos 1930, sendo reapropriadas por Getúlio Vargas, Gustavo Capanema e por intelectuais
católicos, como Alceu Amoroso Lima, que converteram a idéia de plano de educação num “instrumento
destinado a revestir de racionalidade o controle político-ideológico exercido através da política educacional”
(SAVIANI, p.126). Ao mesmo tempo os educadores católicos passaram a atacar os defensores da educação
nova identificando no próprio manifesto elementos “comunizantes” (CURY, 1988, p. 23).
107
por exemplo, Alceu Amoroso Lima na matéria publicada por O Combate:
EDUCAÇÃO E COMUNISMO
A importante conferência que o sr. dr. Alceu de Amoroso Lima pronunciou
sobre o momentoso tema “Educação e Comunismo”, teve a assisti-la uma atenta
multidão que encheu, literalmente, todo o salão nobre do Instituto Nacional de
Musica. [...]
O Sr. Vicente Ráo60 encarece então a significação daquela conferencia, quando
os poderes públicos tornavam efetiva e implacável a campanha de repressão ao
extremismo. Ao lado das atividades policiais e do pronunciamento dos tribunais,
punindo os responsáveis pelos dias incertos da Pátria, a educação das massas na
repulsa ao credo vermelho, seria um grande passo para a estabilidade das
instituições políticas e sociais do Brasil.
Tem então a palavra o sr. Alceu de Amoroso Lima (...):
- “Foi para o Brasil a última e fugaz revolução de novembro um desses
acontecimentos que permitiram convencer muitos céticos da iminência de um
perigo social, que havia adotado com êxito, a tática da confusão para despistar os
incautos. E com isso pode ser fixado, com segurança ao menos um dos inimigos
em ação: - o comunismo”.
O orador prossegue a sua brilhante oração, enumerando os princípios da
pedagogia comunista. A escola soviética, conforme o depoimento de numerosos
autores russos, também lhe merece um minudente exame. Depois de por a nu os
meios de que lançam mão os comunistas para atrair as massas às suas escolas
afirma textualmente: “[...] também nos momentos históricos de transição, como
o nosso, não é tão difícil talvez combater os inimigos como desvendá-los. (...)
Basta um golpe de vista pelo mundo de hoje principalmente pelas nações
politicamente resolvidas como a Rússia, a Alemanha, a Itália, (...) para se ver que
o problema escolar se apresenta inteiramente ligado às condições políticas e ao
ambiente ideológico dominante. Em nenhum desses países se vê mais o domínio
do puro liberalismo pedagógico, como entre nós ainda se proclamava ou
proclama implícita ou explicitamente. Em toda parte o que se nota é o
reconhecimento de que o problema pedagógico está ligado às condições gerais
do Estado e da vida, de modo que não pode ser considerado apenas como um
problema puramente quantitativo, metodológico ou cognoscitivo. Quer dizer que
não basta apelar para a “educação” como uma panacéia; não basta apelar para a
“educação” moderna como resolvendo tudo; nem basta invocar a “curiosidade”
intelectual, o famoso culto da cultura, a febre do “saber”, seja o que for ou como
for. Tudo isso representa apenas uma outra face do problema. Mas não vai ao
ponto oculto ou patente, onde tudo, mais cedo ou mais tarde, termina – a
finalidade da educação. Por mais que queiram evitar esta sempre ao procenio
[sic], pois sendo a pedagogia um conhecimento normativo, exige por natureza
uma direção. A pedagogia ou é “dirigida” ou não é pedagogia”. [...]
- “Não basta para combater o comunismo pedagógico repelir a concepção
soviética da escola, seguindo os traços característicos que já hoje podemos
conhecer. É preciso restaurar primeiramente a concepção integral da educação,
fugindo das multidões parciais apontadas”. [...]
- “Se o Plano Nacional de Educação se inspirar em princípios pedagógicos
sadios, será um grande passo para esse ideal. Mas não basta pois a eficiência das
leis, depende do valor dos homens que as aplicam. E para impedir o domínio da
pedagogia comunista só um sistema educativo que possa, como ele, apoderar-se
do homem todo, mas orientando-o para o primado da verdade e da sabedoria não
60
Vicente Ráo foi Ministro da Justiça do governo Getúlio Vargas no período de 1934 a 1937. Ele era
advogado e jurista, em 1931 publicou um livro em que analisava as leis soviéticas relacionadas à família.
Este fato teria contribuído para torná-lo uma autoridade em relação ao tema do comunismo. Foi o relator,
em 1935, da Lei de Segurança Nacional. Era filiado ao Partido Democrático de São Paulo (SILVA, s/d,
p.126).
108
lhe servindo apenas para adornar a inteligência, para conquistar um diploma ou
para dominar a natureza.” (...)
(O COMBATE, 31/03/1936, p.4)
61
GRAVE, João (de Lisboa). Uma nova figura européia. Correio do Povo, p.3. apud: SILVA, s/d, p.71.
109
segundo o autor, encontrava-se ameaçada pelo comunismo. Este, desde que invadira o
nosso território, e já sabendo da importância da educação na luta pela conquista das
mentes, teria procurado desde cedo se infiltrar nas “nossas escolas”. O artigo é assinado
por Antonio Lopes, o redator-chefe do jornal. Como era comum na época, esta não era sua
única atividade profissional. Tratava-se de um intelectual que ocupava, ainda, o posto de
professor na Faculdade de Direito de São Luís62. Na verdade ele foi um dos fundadores
dessa instituição em 1918, juntamente com Fran Paxeco, Henrique Couto, Domingos
Perdigão e outros. Escreveu obras sobre vários temas: crítica literária, Direito, economia e
educação63.
A guerra contra o comunismo deveria ter, portanto, como cenário de uma das
suas mais importantes batalhas a arena da educação, conforme informa o jornal. Daí
porque se conclamar, como faz o autor do artigo abaixo, os professores e alunos das
escolas superiores para que se mobilizassem, organizando campanhas de esclarecimento
nas escolas secundárias e também entre o “proletariado”. Nessas ocasiões se deveria
mostrar, aos estudantes e trabalhadores, qual a verdadeira “realidade do regime dos
Sovietes na Europa”: “descrevendo-lhes as cenas do Terror Vermelho”, “a guerra à
tradição, ao Cristianismo”, “o sangue jorrando por todos os cantos do país, a espionagem, a
felonia, o crime, a miséria e o luto”.
O CREDO DE MOSCOU
Desde que, no Brasil, triumphou a revolução chefiada pelo Sr. Getulio Vargas, o
Comunismo invadiu nosso território. A propaganda vermelha, custeada pelo
dinheiro da Rússia, entrou a desenvolver-se no país quase de maneira sistemática
e corrompeu consciências, immiscuiu-se em diversas camadas sociaes, alliciou
agentes e fez proselytos um pouco por toda parte.
Nenhum obstáculo lhe foi oposto pelos homens do nosso regime. Eles olhavam
displicentemente para o presente e não cogitavam sequer do futuro.
Passaram-se os dias. A campanha insidiosa dos asseclas do credo vermelho foi
ganhando intensidade. E um belo dia começaram, aqui e ali, os motins
comunistas, até desfecharem no sanguinolento drama de 1935.
Aí foi que o governo brasileiro despertou da sua indiferença e tratou de reagir
contra o communismo.
A tempestade foi breve mas terrível, e passou. Entra o governo, de novo, naquela
atitude displicente. Nenhuma contra-propaganda se organiza contra a praga
moscovita. E em surdina esta recomeça seu trabalho dissolvente.
Ora, a democracia brasileira devia opor-lhe, sistematicamente, uma campanha de
62
O intelectual brasileiro dos anos 1920-1940 apresentava comumente três perfis, segundo Daniel Pécaut
(1990, p.34): 1º) o de bacharel em direito; 2º) o de engenheiro, frequentemente caracterizado pelo
positivismo e inclinado para uma visão técnica do poder; e 3º) o de homem de cultura.
63
Entres estas destacamos, por nos parecerem pertinentes para demonstrar a preocupação desse intelectual
com a educação, os seguintes títulos: O ensino da Geografia nas escolas primárias, Relatório sobre a
Educação Intelectual, Noções sobre ensino obrigatório, A Instrução Escolar, A Instrução Publica
Municipal de São Luis em 1919 – trabalho apresentado no Congresso Pedagógico reunido em São Luís,
em 1920.
110
idéias. Submeter o Comunismo, por todo o país a uma análise severa, feita por
pessoas competentes, levar esse trabalho e suas conclusões à escola, às
universidades, às massas, pela imprensa, pela conferência, pelo rádio, por todos
os meios modernos de divulgação das idéias, renová-la à luz de argumentos
sempre fortes, - esse, sim, seria o meio mais verdadeiramente capaz de combater
a expansão comunista no Brasil, com a cooperação de leis repressivas severas
para punir as atividades dos possessos da detestável ideologia.
Nas minhas aulas da Faculdade de Direito há bons cinco anos, não perco
oportunidade de mostrar à mocidade que o Comunismo, velharia filosófica
apresentada como novidade por uma súcia de vesgos e sistema político baseado
numa de série de preconceitos, a começar pelo de classe, somente podia medrar
na mentalidade européia e é de todo em todo contrário à índole mesma dos povos
da livre America, onde o homem, bem cedo, se libertou do aferro das gentes do
Velho Mundo a umas tantas idéias.
E concito os meus alunos a combaterem a praga vermelha. Penso que devíamos
ir com a mocidade acadêmica às escolas secundárias, fazer a campanha
anticomunista, tratando de defender contra o contágio da perigosa ideologia o
Brasil do futuro. E devíamos fazer a mesma campanha no seio do proletariado,
mostrando quais têm sido, na realidade as atividades do regime dos Sovietes na
Europa, descrevendo-lhe as cenas do Terror Vermelho, a compressão exercida
sobre a consciência popular, a destruição sistemática de todas as liberdades
políticas, a guerra à tradição, ao Cristianismo, a deformação do homem até a sua
completa despersonalização em benefício de um estatismo feroz, o sangue
jorrando por todos os cantos do país, a espionagem, a felonia, o crime, a miséria
e o luto.
Eis aí idéia que apresento aos professores maranhenses e aos alunos de nossas
escolas superiores. Articulemo-nos para essa campanha e teremos, com a sua
realização, fortalecido a nossa nacionalidade, prestando-lhe um serviço
valiosíssimo. E, na jornada que empreendermos, não nos esqueçamos de
propagar esta idéia fundamental: os povos americanos não precisam de formulas
européias para sua organização político-social, a sua civilização tem, hoje, um
sentido próprio, inconfundível. A sua mentalidade não pode ser, não será nunca a
mesma da Europa. (DIÁRIO DO NORTE, 15/09/1937, p.6)
111
bandeira de luta contra o inimigo. Mas não é qualquer pessoa que ele convoca, pois tratar-
se-ia de por em marcha uma “campanha de idéias”, cujo objetivo seria submeter o
comunismo a uma “análise severa”. Estes aspectos implicavam no recrutamento de
“pessoas competentes”, as quais são nomeadas e convocadas no último parágrafo do texto:
são os professores e alunos de “nossas escolas superiores”. Ou seja, são os intelectuais que
devem tomar a frente dessa campanha anticomunista, realizando conferências, difundindo
nas escolas secundárias e no meio operário a verdade acerca do comunismo, “mostrando” a
realidade desse regime na Europa: a destruição das liberdades políticas, a guerra à tradição
e ao Cristianismo, a espionagem e o crime, a miséria e o luto.
Essa missão que o autor atribui aos intelectuais esta alicerçada na defesa do
valor supremo que é a nacionalidade, segundo ele o êxito dessa campanha teria como
principal beneficio o fortalecimento da “nossa nacionalidade”. Com efeito, a ênfase na
construção da nacionalidade brasileira estava no centro do debate político e social levado a
cabo pelos intelectuais do período e se refletia na imprensa de todo país.
Segundo Carla Silva, essa discussão “levava em conta diversos elementos
provenientes dos pensadores autoritários, os quais permitiram que se defendesse, por
exemplo, que a sociedade humana era desigual por natureza e que essa desigualdade
deveria ser observada também nas relações sociais” (SILVA, s/d, p.52). Dentro desse
universo ideológico marcado pela defesa do nacionalismo, do Estado forte e do
autoritarismo encontravam-se todos os movimentos e correntes políticas surgidas nos anos
193065. O Imparcial também afirmava, em editorial de fevereiro de 1935, que o governo
de Getulio Vargas, mesmo dotado de “poderes discricionários, assistiu à expansão de tais
correntes políticas, sem tentar uma enérgica e sistemática ação contra as mesmas” (O
Imparcial 16/02/1935, p.1).
Chama nossa atenção o fato de se voltar exclusivamente para o comunismo. Ele não
fala em “extremismo” muito menos em integralismo, o que nos leva a considerar que tal
omissão não foi por acaso. Principalmente se considerarmos que naquele momento
histórico uma das principais disputas dizia respeito à que opunha, no quadro das forças
políticas, integralistas e comunistas.
O artigo de Antonio Lopes compartilha uma opinião presente em outras matérias
jornalísticas ao situar como data da provável “invasão” do comunismo, no território
65
SAES, Decio. Nome do artigo. In:FAUSTO, Boris. O Brasil republicano: sociedade e política (1930-
1964)/História Geral da Civilização Brasileira. Ano, p.516 517.
112
brasileiro, o período que se seguiu à revolução de 1930. De certa maneira, essas matérias
davam a entender que o movimento comandado por Vargas, sem querer, abrira as portas do
país aos vermelhos, permitindo que a propaganda comunista se desenvolvesse “quase de
maneira sistemática”, corrompendo consciências e fazendo “prosélitos” nas mais diversas
camadas sociais. Os “homens do regime” nada teriam feito para deter a “campanha
insidiosa dos asseclas do credo vermelho”66. O preço dessa indiferença por parte das
autoridades teria um alto custo para o regime político brasileiro: a intranqüilidade, a
desordem e a anarquia ilustrada pelos vários “motins comunistas”, que culminaram no
“sanguinolento drama de 1935”. Somente então teria o governo resolvido tomar uma
atitude “contra o comunismo”, despertando de sua apatia. Mas depois de passada a
“terrível tempestade”, ou seja, a frustrada tentativa comunista de tomar o poder em
novembro de 1935, o governo voltava a assumir, segundo o jornal, uma “atitude
displicente”.
Observamos, assim, que o jornal cobrava do governo de Getúlio Vargas uma
postura mais enérgica em relação aos comunistas. Essa atitude deveria se concretizar em
uma campanha de contra-propaganda à “praga moscovita”. Através dela o comunismo
seria submetido a uma análise severa, que consequentemente revelaria sua verdadeira face,
que, entre outras coisas, seria uma “velharia filosófica” marcada por uma série de
preconceitos, “a começar pelo de classe”. Esta campanha deveria ser conduzida por
“pessoas competentes” que utilizariam “os meios modernos de divulgação” para levá-la à
“escola”, às “universidades”, enfim, à “massa”.
A proposta de “campanha anticomunista” que é aqui defendida pelo professor da
Faculdade de Direito e redator-chefe do Diário do Norte, já estava, de certa forma, sendo
colocada em prática por ele em suas aulas, há pelo menos “bons cinco anos”. Nessas aulas,
ele não perdia a oportunidade de mostrar que o comunismo, fenômeno tipicamente
europeu, jamais poderia “medrar” na livre América, onde os povos já teriam encontrado
um sentido próprio para sua civilização, não necessitando, portanto, de “fórmulas
européias”.
Percebemos a presença de um ideário nacionalista típico das correntes
conservadoras no Brasil, cujo maior representante na década de 1930 era o integralismo.
66
O Imparcial também afirmava, em editorial de fevereiro de 1935, que o governo de Getulio Vargas,
mesmo dotado de “poderes discricionários, assistiu à expansão de tais correntes políticas, sem tentar uma
enérgica e sistemática ação contra as mesmas”. (O Imparcial 16/02/1935, p.1.)
113
Conforme Gilberto Vasconcellos (1979:74), a pretensão de forjar uma nova civilização
baseada na singularidade da “alma” ou do “espírito” do brasileiro, independente dos
influxos da Europa, não era apenas um “delírio nacionalista, ou mais ainda, xenófobo;
tratava-se, isto sim, de um mito narcisista”. Idéias como “índole” (ou “alma”),
“nacionalidade” e “mentalidade”, empregadas por Antonio Lopes em seu artigo, eram
categorias que caracterizavam o discurso integralista.
Intelectuais de todos os matizes procuravam, nesse momento, forjar a idéia de alma
ou de caráter nacional. No caso dos conservadores como o catedrático de direito Antonio
Lopes, bem como os intelectuais católicos e os integralistas, utilizavam-se dessa definição
dos valores nacionais para contrapor a “civilização” singular que surgia na “livre América”
aos ideais internacionalistas do comunismo que pretendiam aniquilar todas as formas de
sentimento nacional. O comunismo só poderia florescer na velha Europa, visto que aqui na
América, e mais ainda no Brasil, não existiam os preconceitos de classe em que se baseava
esse regime.
Na linha desse primeiro texto se encontra um outro que desenvolve seu argumento
em cima da questão da juventude, segundo seu autor, o alvo principal dos “agentes
moscovitas” que estariam agindo em todo o país, inclusive aqui no Maranhão. É
importante destacar a presença da idéia ou do princípio da nacionalidade. O que demonstra
o quanto estava difundido esse ideal; não eram apenas as elites militares, os próprios
intelectuais, laicos e católicos, também passaram a comungar do mesmo ideal.
114
infiltração comunista na sociedade brasileira. Por um lado, ela é considerada geralmente
como imprudente, não precavida, um “meio incauto”, por outro, os jornais a
caracterizavam como portadora de “sentimentos prontos” e “generosos”, qualidades que a
tornariam mais suscetível a tudo que se apresentava como “novo” ou “inédito”. Estes
aspectos teriam sido especialmente aproveitados pelos “profissionais da corrupção judaico-
ateística” para conquistá-la, garantindo assim a “posse” de um importante elemento para a
concretização do seu “ideal maldito”. Esta tática não poderia ser qualificada de outra
maneira: ela é “diabólica”, tendo mesmo o “inferno” se ocupado com esmero dessa
conquista porque sabia que à posse de “semelhante material humano” estaria ligado, de
ordinário, o êxito das causas difíceis.
Ainda nessa discussão relativa aos jovens ou “moços estudiosos” das novas
gerações tornou-se comum os jornais mostrarem comportamentos que consideravam
exemplares:
São Paulo, 28 – A mocidade estudiosa deste Estado após entendimento com o
general Parga Rodrigues e o governador Cardoso de Mello Netto, organizou o
plano de combate ao communismo, o qual constará de irradiações de discursos,
exibições de filmes, cartazes sugestivos, caravanas, etc.
(DIARIO DO NORTE, 29/10/1937, p.6)
115
Entre os temas que mais aparecem articulados à questão do comunismo, ou
mais especificamente ao combate dele, no conjunto do corpus analisado, a educação
ocupa, sem dúvida, um lugar destacado. Ela é apontada como desempenhando uma tarefa
de suma importância, porque seria responsável pela formação da própria mentalidade do
indivíduo e, por conseqüência, do “corpo social”. O ensino representou um dos campos
onde seria mais sistemático o esforço do regime para criar a mentalidade do “homem
novo”.
Constituem-se num elemento recorrente do material analisado as referências
ao sucesso particular que a propaganda comunista estaria obtendo no meio educacional
brasileiro. E para embasar tais afirmações algumas matérias jornalísticas citavam
passagens dos relatórios que teriam sido apresentados em reuniões da “Terceira
Internacional”, como neste caso da matéria intitulada “Como se pratica o comunismo”,
publicada por O Combate:
116
povo, os militares e os intelectuais.
Em outra matéria, intitulada “repulsa ao comunismo”, defende-se a
necessidade de se “educar o homem brasileiro numa diretriz nacionalista” reagindo-se
dessa maneira ao trabalho dos “técnicos da bolchevização”. Este trabalho, segundo o
articulista, estaria sendo desempenhado pelos “mestres” que têm se aprimorado em destruir
a idéia mais cara da nacionalidade, qual seja, a idéia de “Pátria”, substituída pela idéia
“vaga” e “imprecisa” de humanidade, cujo resultado seria uma mocidade de “mentalidade
deformada e corrompida”. Segundo o autor, estaria se constituindo, dessa forma, um
campo fértil para a disseminação do credo vermelho. Vejamos algumas partes desse artigo:
REPULSA AO COMUNISMO
[…] Já houve quem dissesse que os comunistas são dos que julgam a democracia
o regime que tem por obrigação, em homenagem ao liberalismo de seus
princípios, permitir até a organização de sua ruína pelos seus adversários. Eles
são partidários da força ao extremo, e invocam a liberdade quando ainda não se
apoderaram da máquina do Estado [...]. Isso demonstra que a pedagogia, por si
só, não é suficiente para anular os germes corrosivos da sociedade.
Que é necessário, todavia, educar o homem brasileiro numa diretriz nacionalista,
não há duvida e tão necessário, que as escolas vêm sendo de há muito
trabalhadas pelos técnicos da bolchevização. Eles sabem o valor dos frutos a
colher de uma mentalidade deformada e corrompida. O nosso país apresenta
nesse particular, um espetáculo edificante com numerosos mestres destruindo
nos discípulos a consciência cívica, e opondo à idéia de pátria a idéia de
humanidade, vaga, imprecisa, sutil como se fosse lícito um mundo, uma
humanidade, sem que estes se constituíssem de um conjunto de nacionalidade.
Da importância que os comunistas emprestam à escola temos um exemplo
expressivo do que ocorre nos Estados Unidos [...]. Lá o escândalo chegou ao
ponto de duzentos mil dólares [...] serem desviados para fins de propaganda
bolchevique [...].
É por esse processo, e é com essas armas que os comunistas combatem a
democracia. Entre nós, porém, eles têm sido repelidos na altura da sua audácia.
[...]
(O COMBATE, 24/11/1936, p.03)
117
que os comunistas combatem a democracia. Devemos combatê-los à altura, ou seja, se eles
dão ênfase ao trabalho pedagógico de disseminação das suas idéias dissolventes,
precisamos contrapô-los nessa arena, educando o homem brasileiro, restaurando nele a
consciência cívica e o amor pela Pátria. O que está expresso aqui, e em diversos outros
textos e matérias dos jornais, é a posição que, segundo seu autor, deveriam assumir os
intelectuais, as “pessoas competentes”, os “mestres”, “professores e estudantes de
academias”, frente ao que ele identificava como avanço da “propaganda bolchevista” no
Brasil. O papel desempenhado por eles consiste em esclarecer e revelar a realidade, a
verdade das coisas do Brasil. E mais do que isso, eles deveriam se engajar na luta. A
imprensa funciona como um dos veículos de difusão das suas idéias e propostas de
combate ao inimigo vermelho.
Desse modo, as propostas de contra-propaganda passam a ser discutidas e
cobradas pelos jornais, que afirmam, de maneira cada vez mais alarmista, a necessidade de
um plano de combate aos extremismos, sob pena de se colocar em dúvida o “futuro do
regime consagrado na Constituição”:
O REGIME E O EXTREMISMO
Sem a menor dúvida o combate aos extremismos é indispensável á conservação
do regime democrático ora vigente no pais. O Brasil precisa resolver: ou se
mantem fiel a esse regime ou dá cabo do extremismo, dentro do seu território,
onde elle penetrou – diga-se a verdade – em seguida á revolução de 1930, sob as
formas diversas que apresenta.
Vemos a cada momento reunirem-se ministros, generais e almirantes em
conciliábulos em que se trata de organizar um plano de defesa de nossa
democracia contra as machinações do extremismo. Mas na realidade esses
optimos propósitos não se objectivam numa campanha segura e efficiente.
As gerações novas estão se educando no culto ao communismo, ao facismo, ao
nazismo. A propaganda dessas ideologias, velada ou abertamente, visa, é claro, a
gente moça [...]. Enquanto isso, não se organiza, nas escolas, uma propaganda da
democracia liberal[;] e das vantagens dos regimes totalitários faz-se propagandas
por toda parte.
Fato bem mais grave é que se verifica frequentemente de atuarem prosélitos de
doutrinas extremistas no próprio ambiente oficial. E não menor dificuldade
decorre, para o combate ao extremismo, da compreensão que os governos teem
do que seja doutrina extremista.
Na Bahia, por exemplo, governadores atacam vivamente o Integralismo,
considerando-o manifestação extremista do pensamento político. Essa mesma
compreensão teem do credo que tem por symbolo o Sigma os srs. José Américo
e Armando de Salles.
Não acontece, porem, o mesmo em vários Estados, onde os governos encaram
como extremistas apenas o communismo.
No meio dessa desintelligencia, como combater os extremistas? Como fazer
campanha contra as doutrinas que pregam o anniquilamento da democracia
liberal, se nesta parte do Brasil, ellas vêem sendo tidas por perigosas e,
naquellas, por inoffensivas?
A continuar tanta balburdia, ninguém pode ter segurança no futuro do regime
118
consagrado na Constituição Federal. E para termos – é forçoso confessar – tal
segurança, indispensável se faz uma campanha cohesa, baseada nestes dois
pontos: primeiro – que doutrinas vão ser combatidas; segundo – de que meios
lançar mão, por todo o país, para esse combate.
(DIARIO DO NORTE, 08/09/1937, p.1).
119
A fundamentação católica de uma parte considerável dos enunciados
jornalísticos pode ser percebida em matérias que expunham a posição da própria Igreja
Católica, considerada exemplar para todas as sociedades ameaçadas pelo perigo vermelho.
Algumas dessas matérias eram produzidas por clérigos, outras são simplesmente a
transmissão de orientações católicas, porém, também demonstram a posição do jornal.
NO IMPERIO VERMELHO
Por Cônego Melo Lula
O comunismo tem sede de sangue humano. Na Rússia vermelha já não há noção
da própria dignidade humana.
“Le Matin”, jornal francês, publicou uma estatística referente ao número das
vitimas da hidra comunista.
Até o fim do ano de 1935 foram mortos na Rússia por ordem do governo
soviético: 228 arcebispos e bispos; 6.778 sacerdotes; 6.535 professoras; 54.858
oficiais; 260.000 operários e camponeses ou 11.816.961 criaturas humanas.
Além disso, de fome, mais de 10 milhões de pessoas. Sabe-se que na Criméia o
furioso Bela Kun fez fuzilar 70.000 pessoas.
[...]
Os emissários de Moscou têm sede de sangue, de muito sangue.
O ódio contra Deus e contra a Igreja e toda idéia religiosa é o mais horrível e
diabólico. [...]
Aí está, brasileiros do Centro, do Norte e Sul, a linguagem blasfema dos novos
bárbaros contra Deus e as coisas de Deus.
A “Frente do Ateísmo” continua, e titânica. Daí a necessidade de uma Frente
Comum contra o perigo vermelho.
Não se iludam os brasileiros.
Todos vigilantes e unidos contra os agentes de Moscou. Eles querem a destruição
da idéia de Deus, da Pátria, da Família e da civilização cristã.
(O COMBATE, 20/08/1936, p.4)
120
CATOLICISMO E COMUNISMO
Sob a direção do Arcebispo de Paris, funciona um Conselho de Vigilância, a
quem incumbe, entre outros encargos, o de, simples, clara e concisamente,
fornecer ao público instruções práticas sobre a religião e moral.
Recentemente, ante o desenvolvimento da propaganda comunista, julgou ele
necessário recordar aos católicos os pontos que vamos epitomar:
1º. A igreja, guarda de tudo o quanto interessa à vida espiritual, deu
ensinamentos preciosos para se organizar a atividade econômica e a existência
social, de conformidade com a justiça e a dignidade do homem.
Especialmente nas grandes encíclicas Rerum Novarum, Quadragesimo anno68
[...] estão expostas as verdades a manter e propagar sobre a justiça e a caridade
fraternal; sobre a família; sobre o fundamento, o bom uso e os limites do direito
de propriedade; sobre as instituições da Economia Política; sobre a iniciativa
particular; sobre o papel da autoridade na organização econômica.
A igreja definiu com precisão o que é o direito natural imutável, e, ao mesmo
tempo, indicou em que sentido a presente ordem social deve ser corrigida e
melhorada, para se tornar mais conforme as exigências do Direito e do bem
humano.
2º. Os católicos devem compenetrar-se dessa doutrina social da Igreja e
largamente difundi-la. Evitarão desse modo para si próprios o risco de admitir
teorias que podem ser generosas em algumas de suas tendências, mas que trazem
em si germes destrutivos da vida social.
Ao contrário, a doutrina católica, apresentada de modo verdadeiro e completo a
todos quantos procurem, no sacrifício, na dúvida, na agonia, mais justiça e mais
bem estar lhes ministra soluções que devem ser acolhidas, ao menos com
simpatias.
3º. Em face dos que se deixam arrastar pelo comunismo, lembre-se da distinção
capital que a Igreja sempre estabeleceu entre a caridade, ou amor das pessoas
particulares, e a manutenção da verdade, a qual é um bem universal necessário às
pessoas e à sociedade.
Entre aqueles que aderem ao comunismo, ou simpatizam com alguns dos seus
lemas, há, de certo, espíritos com intenções retas e generosas.
Mesmo os dominados pelo ódio não devem ser excluídos do nosso interesse
fraternal.
Mas o comunismo é doutrina essencialmente destruidora das verdades e valores
morais mais necessários à humanidade.
4º. Em particular, jamais se esqueça que o comunismo explicitamente substitui a
civilização hodierna por uma vida social atéia e materialista.
Com efeito, o comunismo, de maneira constante, se impregna da doutrina de
Karl Marx.
À luz do pensamento marxista, o ateísmo, o materialismo, a violência, o repúdio
da caridade não são somente, no regime preconizado por ele, excessos
provocados por oposições encontradas, ou por exageros muito habituais nas lutas
das revoluções, mas constituem aspectos essenciais da vida que o comunismo
quer para a humanidade.
Segundo o marxismo, não existe nenhum Deus, ordenador e juiz, o mundo
inteiro não passa de uma luta constante, em que tudo se muda e desaparece.
A religião consiste em um enfraquecimento e entrave nessa luta e transformação
do mundo.
Lenine proclamou: Toda idéia religiosa é uma abominação.
Consoante ainda ao marxismo, não há vida futura e deve predominar sempre a
procura dos gozos terrestres.
As mais sagradas das liberdades das pessoas devem ser subordinadas aquilo que
se julga o bem coletivo.
Essa filosofia da transformação total e contínua destrói, evidentemente, toda
68
A encíclica Quadragesimo anno pregava a necessidade de uma harmonia entre capital e trabalho.
121
estabilidade e toda obrigação na família, torna caducos os compromissos e os
contratos.
Não é apenas a propriedade particular o que se nega e combate, mas também o
conjunto dos valores morais fixos sobre os quais se alicerça toda verdadeira
civilização.
5º. Na sua propaganda atual, ao menos em França, o comunismo pensa
ocasionalmente útil não insistir na luta contra a religião e apresenta-se como
paladino da justiça.
Mas como até agora, nada foi eliminado na doutrina acima exposta, como as
brochuras e folhas volantes que disseminam essa doutrina subversiva continuam
a ser profusamente distribuídas, atacando não só a organização econômica, como
também a religião, a moral da família, etc, forçoso é concluir que na aparente
moderação às vezes manifestada, não há senão uma tática.
Tal tática, aliás, foi prevista e recomendada por Lenine que, pregando a
necessidade de extirpar as raízes sociais da religião, achava que, em certos casos,
a propaganda francamente atéia pode ser supérflua e prejudicial à causa, ao
ponto de vista do progresso da luta de classes.
Nas condições atuais da sociedade capitalista, os operários cristãos hão de chegar
ao ateísmo, não em virtude de discursos e sermões, mas de crises e injustiças
habilmente exploradas.
Assim, a propaganda anti-religiosa não deverá ser um meio para a luta de
classes, fomentará praticamente o ateísmo. [sic]
6º. Empenhem-se os católicos em impedir que, nas consciências, o interesse
parcial que possa oferecer tal ou tal realização comunista, ou a caridade quanto
às pessoas, não as leve a uma espécie de complacência para com erros dos mais
perniciosos na sua forma exterior.
Eis, em substância, as advertências do Conselho de Vigilância do Arcebispado
de Paris, advertências aplicáveis a todo o globo, onde o comunismo, como as
grandes epidemias, está, mais ou menos grassando, incutindo apreensões de
contaminação geral.
Houve quem ousasse comparar o movimento comunista com o dos cristãos
primitivos, há 20 séculos.
Irrisória, revoltante comparação!
(O COMBATE, 19/05/1936, p.4).
122
com os lemas do comunismo a enxergar a verdade dessa teoria, ou seja: apesar de generosa
em algumas de suas tendências, ela traz em si o germe destrutivo da vida social. Apesar
disso, é preciso não desistir dessas almas, pelo contrário, mesmo aqueles que estão
dominados pelo ódio devem ser objeto do interesse fraternal de todo católico verdadeiro.
A guerra do comunismo contra Deus precisaria, de acordo com os jornais, da
união de todos contra o inimigo comum, ou seja, católicos e protestantes são chamados a
participar ativamente dessa campanha.
PROTESTANTISMO
A ATTITUDE DOS EVANGELICOS
Em face dos perigos que ameaçam a ordem politico-social do Brasil – apesar de
alheios aos movimentos politicos, não podem os evangelicos ficar indiferentes
deante da sorte da Patria ora ameaçada pela onda revolucionaria do materialismo
bolchevista, diametralmente opposta ao espiritualismo christão mormente nesta
hora, em que o nosso governo, vendo periclitar a paz e a ordem politico-social da
Republica decreta o estado de guerra e conclama todas as forças espirituais da
nação para uma acção conjuncta ao terreno das idéas contra o inimigo comum.
As igrejas evangelicas, ramos da grande arvore do Cristianismo tão combatido
pelo communismo, precisam de estar em guarda contra o inimigo commum e
assentar planos para a obra ideologica de rebate ao atheismo arrogante que
alicerça a filosofia e sociologia communistas.
Nesta hora, sejam quaes forem as nossas diferenças, devemos unir-nos na obra
patriotica de colaboração com o poder publico para conjuração do grande perigo
que ameaça as nossas instituições, a nossa paz, a nossa liberdade, a nossa
propriedade, a nossa familia, a nossa actividade e sobretudo a religião cristã, cujo
vulto central – Jesus Christo – é o alvo da mofa e do combate do atheismo
communista.
Jeronimo Gueiros.
(DIÁRIO DO NORTE, 28/10/1937, p.5)
123
respeito à posição assumida perante o governo. “Devemos” colaborar com ele para a obra
de conjuração do grande inimigo.
Segundo a matéria o governo estaria “conclamando”, nesta hora premente,
“todas as forças espirituais da nação para uma acção conjuncta” contra o inimigo comum,
à qual não seria admissível, enquanto membros da grande árvore do cristianismo, ficar
indiferentes. Os evangélicos são interpelados a agir, junto com todas as outras igrejas
cristãs, nessa guerra em defesa da Pátria e de Deus.
Um artigo muito interessante para analisarmos a dimensão social que tomou o
chamado “combate ao comunismo” no Maranhão aborda especificamente o tema da
família frente ao comunismo. Nesse artigo, assinado por um certo “Cap. Teotimo Ribeiro”,
aparece também uma concepção acerca do que deveria ser o papel da mulher na sociedade.
Vejamos alguns trechos:
A FAMÍLIA E O COMUNISMO
O comunismo é a negação de tudo.
[…]
Todos que viajam a Rússia de hoje, os mais imparciais e neutros, atestam a
ineficácia de tal regime.
Um observador, recentemente, estudando a realidade do trabalho sob a ditadura
proletária, assim se expressa: “todos os ramos da vida econômica se acham
completamente socializados. […]
Toda a população de 165 milhões de habitantes não conta um único individuo
que trabalhe para um particular na produção de qualquer artigo; […] ”
Quanto custou semelhante desatino, que foi devastar um país outrora tão rico e
próspero?
[…]
Mas o nosso objetivo é autenticar como vive a família, no presente, sob o
domínio soviético, depois que as mulheres foram também socializadas.
“A ditadura russa legisla sobre todos os aspectos concebíveis da vida dos russos.
Ela tira e concede a vida. Destrói a Igreja e provê a educação. Muda o conceito
moral e altera o senso da justiça. Recompensa as crianças que denunciam os pais
e funda creches para os bebês”
Quanto ás ocupações das mulheres nas cidades, “é coisa comuníssima verem-se
nas multidões, mulheres vestidas de palitó, calças de lona e botas, a caminho dos
‘metros’, onde vão trabalhar cavando túneis.”
[…]
“Até as mulheres concorrem para aumentar a força do Exército. Já existem nove
regimentos de atiradoras”. O que não impede Vorochilov de achar pouco. Num
de seus últimos discursos […] o infatigável preparador da guerra, não receia
dizer: “as mulheres devem preparar-se como os homens para a luta. […] devem
elas aprender o uso do fuzil, pois a próxima guerra será uma guerra de morte das
classes […]”
Nós outros, latinos e principalmente brasileiros e […] que mantemos o amor á
família como um dogma, não nos envergonhamos, jamais, de proclamar o
conceito em que temos essa sagrada instituição.
Entendemos que o homem, para que consiga formar o seu caráter com as
virtudes peculiares a uma individualidade de escol, precisa que esses traços
essenciais de suas faculdades morais sejam fundados no cadinho da família. […]
124
Em conclusão, sendo a Pátria, a Família e a Religião, os fundamentos de todas as
sociedades que se regem pela moral cristã, o comunismo procura, a todo transe,
eliminar semelhante estorvo aos seus planos de terror e de aniquilamento.
(O COMBATE, 09\04\1936, p.4).
69
Correio do povo, 26 de março de 1931, p.12. apud SILVA, p.126.
125
intelectualidade do país. Pois como é possível perceber, as pessoas que escrevem essas
matérias são em grande parte os chamados profissionais liberais (notadamente advogados),
professores e estudantes, funcionários públicos.
Outro aspecto chocante tanto para a visão de mundo do observador, “imparcial
e neutro”, quanto para a do articulista, diz respeito à atividade laboral desempenhada pela
mulher para além do espaço doméstico. A descrição das “multidões” de mulheres vestidas
de “palitó, calça de lona e botas” a caminho do trabalho em grandes obras de construção,
bem como a declaração do “infatigável preparador de guerra” russo de que as mulheres
deveriam ser recrutadas para compor as forças armadas, eram provas de que o comunismo
queria destruir a família, essa “sagrada instituição”. O lugar da mulher deve ser em casa,
onde, junto da família, contribui para formar o caráter humano em suas virtudes peculiares
e faculdades morais.
No livro de Carla Luciana Silva, Onda vermelha – imaginários anticomunistas
brasileiros (1931-1934), onde a autora analisa jornais do Rio Grande do Sul e do Rio de
Janeiro, encontram-se também alguns desses elementos que parecem ser freqüentes nos
discursos que pretendem retratar a situação da mulher no regime comunista. Nesses jornais
o comunismo é apontado “como um flagelo para a mulher russa” e uma ameaça à liberdade
das mulheres dos outros países. Segundo muitos articulistas da época a mulher deveria
permanecer no lar, supervisionando a educação dos filhos(SILVA, s\d, p.94 e 150)70.
Para efeito de comparação podemos utilizar, mais uma vez, matéria publicada
no jornal Tribuna:
70
Silva cita um panfleto distribuído em 1918 às mulheres da Alemanha: “Mulheres alemãs! Sabem a ameaça
que o bolchevismo representa para vocês? O bolchevismo quer a socialização das mulheres: 1.O direito de
propriedade sobre as mulheres entre os 17 e os 32 anos é suprimido; 2. Todas as mulheres são propriedade do
povo; 3. Todo homem deve denunciar as mulheres que resistirem a eles […]” (SILVA, s\d, p.152.)
126
Esta matéria, apesar de ter sido produzida antes do período de maior repressão
e combate ao comunismo, constitui-se num contraponto a outras que se referem à situação
da mulher sob o regime soviético. Podemos destacar o fato do autor não assumir
explicitamente uma posição pró-soviética, mas, por outro lado, não deixa de emitir críticas
à maneira pouca científica, estranguladora dos “postulados sociológicos”, que difundiria
“cousas absurdas” e “disparates tremendos” sobre o regime em curso na Rússia, acerca do
qual “pouca gente” conheceria “a verdadeira situação”. O mesmo ocorrendo em relação
“às reivindicações femininas” sob a “dictadura proletaria” russa. O livro que então se
publicava, tinha como um de seus principais méritos contribuir para que cessassem as
“affirmativas levianas” sobre essas questões.
A importância da dimensão religiosa estava presente no discurso da imprensa,
apesar de reivindicar-se uma instituição de caráter laico. Quando procura combater o
florescimento da chamada “planta exótica” os jornais também vão utilizar o profundo
sentimento católico do povo brasileiro para argumentar e provar, segundo eles, que o
comunismo não serviria ao Brasil.
127
Não foi senão a bacanal da corte de São Petersburgo que gerou no espírito das
massas, o instinto de vingança, contra a sociedade constituída, e assim preparou
o terreno que os ideologistas de Lenine, aproveitaram para lançar a semente do
credo maldito.
É preciso combater o comunismo com a palavra divina, verdadeira, que é essa
que emana dos atos puros dos que governam com justiça.
É preciso resguardar o direito individual como garantia das nossas instituições
democráticas que são patrimônio da Nação. Combater o comunismo é dever de
todos nós, para resguardo da Família, que é uma obrigação imposta pelo criador
à criatura.
(O COMBATE, 10/11/1937, p.1)
128
deletério, cuja fonte principal residia no comunismo ateu que pregava dentre outras coisas
o “amor livre”.
Por “amor livre” o jornal entendia todo comportamento amoroso que não
estivesse assentado nos princípios cristãos, mais exatamente aqueles instituídos pela Igreja
Católica. A relação amorosa somente deveria ocorrer dentro das normas referendadas por
ela, ou seja, as pessoas tinham primeiro que se casar e assim, consoante as leis de Deus,
elas poderiam manter relações amorosas (leia-se sexuais), sempre com o fim de procriação.
Tudo passa a ser sinal das maquinações comunistas ou exemplo da corrupção
dos valores morais patrocinada pela propaganda bolchevista. A notícia de que algumas
noivas estavam comparecendo ao casamento em trajes diferentes do tradicional era logo
entendida como uma afronta que só poderia encontrar explicação na intenção comunista de
desmoralizar as instituições e os valores mais sagrados da cristandade.
SEM VÉU
Escreve um jornal carioca:
“Está-se tentando entre nós a introdução de um péssimo costume: algumas
noivas pretendem apresentar-se perante o altar sem o belo e simbólico traje
tradicional, branco, com véu e grinalda.
Trata-se de uma manhosa propaganda bolchevista para desprestigiar o
casamento.
Nenhuma virgem cristã se deve apresentar perante o altar em coustume de
viagem e outros, com que se pretende desmoralizar o sacramento do matrimonio.
Quem não quiser conformar-se com as tradições e praxes respeitáveis da Igreja
não procure os templos religiosos.”
(DIÁRIO DO NORTE, 04/08/1937, p.4)
129
comprovada pelo banho de sangue de inocentes (crianças, mulheres, idosos etc) que teriam
ocorrido em diversas cidades da Espanha, patrocinados sempre pelos “vermelhos”, cuja
violência alcançaria requintes de crueldade. São estes alguns dos traços que supostamente
compunham a essência do comunismo, os quais estariam fortemente delineados pelo caso
espanhol, segundo o discurso produzido e reproduzido pelos jornais.
A destruição das igrejas é um dos elementos mais referenciados no discurso
dos jornais quando tratam da guerra civil espanhola. Essa destruição é empreendida pelos
comunistas porque constitui, segundo os veículos da imprensa buscam demonstrar, um
aspecto central e definidor da sua luta contra a civilização cristã; faz parte dos seus
objetivos, não se tratando, portanto, de uma mera conseqüência dos conflitos. Tanto seria
assim que eles, os comunistas espanhóis, procuravam sempre eliminar os representantes
religiosos: padres e freiras eram logo fuzilados.
Como procuravam fazer ver as matérias jornalísticas sobre a Guerra Civil
71
Espanhola , os comunistas seriam impiedosos, cruéis e desumanos, os exemplos que
comprovavam esta “realidade axiomática” eram muitos:
71
130
pessoas. Só no interior do quartel foram fuziladas 10 pessoas das que ali se
encontravam detidas. Em Dayma, queimaram vivos dois homens e fuzilaram 24.
Também incendiaram o asilo, em que estavam 21 anciãos, dos quais somente 9
se salvaram. Em Arabal, a crueldade chegou ao auge. A 20 de julho foram
detidas e conduzidas ao calabouço da prisão, onde apenas se podiam mover, 30
pessoas, entre elas a srª.Tereza Arias de Reina, o padre Antonio Ramos e 2
meninos que não quiseram abandonar seus pais. A cada momento, os
prisioneiros eram ameaçados com fuzilamento. Além disso, quase nenhuma
alimentação lhes era fornecida.
A 22 de julho, aproximava-se de Arabal uma coluna revolucionária, que vinha
para libertar a população. Em vista disso, ao amanhecer, um comunista auxiliado
por uma mulher, assomou à janela do calabouço e derramou sobre os detentos
uma lata de gasolina.
Sem compreender plenamente o que estava para suceder, os presos começaram a
pedir misericórdia aos seus algozes. Fechou-se a janela e, momentos depois
estavam todos envolvidos em chamas. O único que conseguiu se salvar, embora
com graves queimaduras no rosto, foi o sacerdote. Os demais se achavam
totalmente carbonizados quando as tropas revolucionárias entraram, vitoriosas,
na povoação.
(TRIBUNA, 16/08/1936, p.3)
ESPANHA EM SANGUE
Pe. J.J. DOURADO
Soares d’Azevedo [...] de volta de sua viagem á Europa [...] elle [...] promette um
livro [...]: “Espanha em sangue”.
Por este livro, diz elle, os nossos catholicos ficarão sabendo o que temos a
esperar do communismo e dos communistas. [...]
“Pois é claro que o perigo não passou. A serpente, quando ferida na tocaia, é que
alteia o colo com mais força para sortidas de morte.
A hydra vermelha não morreu. Procura talvez um instante de confusão para uma
arremettida trágica. A opressão que sofreu, aguçou-lhe mais o veneno cruel. Os
açoites afundaram ainda mais os instinctos de vingança truculenta. E vem d’ahi
nossa aprehensão.
O momento mais delicado é precisamente o que atravessamos. O menor
descuido dos timoneiros que nos governam, será sufficiente para um golpe fatal.
131
Plínio Salgado, do seu alto posto de signaleiro da Patria, já deu o grito de alarme:
“Inimigos mysteriosos andam nas trevas. A archanjo reprobo, o tenebroso gênio
da mentira, insinua-se, em todas as actividades brasileiras, estabelecendo a
confusão, em cujas nevoas fulguram os punhaes trahidores que abatem pelas
costas a nacionalidade”.
(MARANHÃO, 31/10/1936, p.1)
Vemos como o “caso espanhol” servia de base para que se refletisse sobre a
situação vivida pelo Brasil. Conforme relato do Padre J.J. Dourado, que assina a matéria, o
país atravessava um momento decisivo e, segundo ele, era imprescindível estarmos alerta
para uma possível investida da “hydra vermelha” que ainda se manteria viva, na verdade
agora ela se tornara mais perigosa, afirmava o clérigo, porque depois de ferida ela nutrira
seus instintos vingativos. Tolos seriam aqueles que pensavam que ela não representaria um
perigo para a nacionalidade.
132
(pode) duvida (r)72.
A linguagem empregada não deixava dúvida, os fatos bárbaros ocorridos na
Espanha são verdadeiros e “autenticados” por vários observadores imparciais que os
testemunharam: “Um inglez, Mr. Hayward viu...”; “Um suisso viu... ”.
Claro que não é possível separar certos aspectos da vida sobre os quais se
manifestaram os defensores da “sociedade cristã e democrática”, como eles mesmos se
identificavam. Fazemos isso apenas para efeito de análise numa tentativa de enxergar
72
Diga-se de passagem, foi a própria experiência nos campos de batalha da Espanha, da qual participou
ao lado dos republicanos que inspirou o autor de 1984, além é claro, das movimentações e alinhamentos
das grandes potências para e durante a Segunda Guerra Mundial.
133
melhor algumas nuances dentro do vasto repertório de referências simbólicas que são
mobilizadas para significar de um determinado modo o fenômeno do comunismo.
O caso espanhol é muito referenciado porque, dentre outras coisas, guardaria
para os sujeitos que escreviam e comentavam as matérias uma semelhança muito grande
com a própria sociedade brasileira, o que os levava a fazer uso desses relatos para
demonstrar o que poderia ocorrer no Brasil caso os comunistas alcançassem o controle do
país.
O destaque é sem duvida o aspecto religioso. A herança católica, a história desses
dois países (Espanha e Brasil) estaria inextricavelmente ligada à historia da Igreja Católica.
Como muitas vezes afirmavam os jornais: era a “própria nacionalidade” que estaria em
perigo nesse momento que os comunistas avançavam sobre a Espanha, saqueando e
destruindo igrejas, assassinando barbaramente padres e freiras, violando moças e acabando
com famílias inteiras.
134
5. CONCLUSÃO
135
tratavam de observadores imparciais que observavam in loco a Rússia. Mas por outro lado,
fica clara a sua posição de instituição defensora do status quo, invariavelmente ligada a
uma facção política do Maranhão, ao mesmo tempo procuravam sempre ligar-se ao
governo central do país, reclamando para si a condição de aliado incondicional no combate
aos inimigos do regime brasileiro. Até mesmo Tribuna se mostraria disposta a apoiar as
ações do governo no sentido de reprimir os extremismos.
O tema dos extremismos é um dos pretextos mais acionados, a exemplo da
ORDEM de Astolfo Serra que, defenestrado do jogo político por conta das pressões das
diversas facções, tentava ainda manter-se nesse concorrido espaço da política maranhense.
Ele mesmo ilustra ainda um dos principais usos do comunismo levado a cabo na
conjuntura política dos anos 1930, qual seja, a acusação de que se era comunista.
Frequente na esfera da política profissional, encontramos exemplos também de um cidadão
comum que buscava se precaver dessa acusação tornando público, através de nota na
imprensa, de que não eram comunista.
A disseminação de alarmes sociais servia para reforçar o controle sobre as
mobilizações ou organizações políticas consideradas extremistas, a exemplo da ANL, ou
mesmo para justificar a proibição legal delas, caso do próprio PCB.
As “instituições pátrias” são outro conjunto de questões muito acionadas
pelos jornais. O exemplo da Família poderia ser destacado. Segundo uma quantidade
considerável de matérias fica explícito que esta instituição seria inapelavelmente esmagada
sob o regime comunista, transformando-se a mulher em simples objeto que deveria ser
socializada entre os homens, devendo ainda participar como operária das grandes obras de
construção empreendidas pelo Estado comunista e também, se necessário, combater como
soldado nas guerras levadas a termo pelo “comunismo infernal”.
Seguindo esses apontamentos delineados pela pesquisa, nos arriscamos a
propor duas conclusões principais. Na primeira afirmamos que a imprensa de São Luís na
década de 1930 procurou se colocar enquanto elemento de mediação entre os leitores e o
que seria o comunismo, materializado em alguns exemplos que ela mesma fornecia: a
Rússia, que foi o principal referente mobilizado nas explicações acerca da “verdadeira
realidade” vivida sob o regime comunista; o caso espanhol, devido às supostas
semelhanças com a sociedade brasileira, ilustraria, segundo os jornais pesquisados, ainda
mais forte e vivamente as possíveis conseqüências que adviriam ao Brasil caso fossem
bem-sucedidas as inúmeras tentativas de subversão, complôs e insurreições que, segundo
136
os jornais, estariam sendo empreendidas pelos “impatrióticos” e “criminosos” comunistas
brasileiros. A comprovação definitiva dessa ameaça se daria com o que os veículos
impressos, usando entre outros qualificativos, denominavam de: “sangrenta”, “covarde”,
“sinistra”, “maldita” “intentona comunista” de novembro de 1935.
Em todos esses casos a imprensa, de maneira geral, vai se posicionar como
“fiel registradora” dos “acontecimentos”, dos “fatos”. Nesse processo ela produziu e
reproduziu diversas representações acerca do comunismo e do comunista. Em torno das
estratégias discursivas de que ela se utilizou para formular e disseminar essas
representações é que se encontra a segunda conclusão deste trabalho. Acreditamos que tais
estratégias estão pautadas pelo discurso de autoridade que a imprensa procurou mobilizar
em relação à questão do comunismo. Esse discurso foi sendo apresentado de formas
variadas. Algumas vezes se enfatizava o fato da imprensa expressar a “opinião pública”,
arvorando-se como defensora dos “mais nobres valores” da “nacionalidade”, reunidos
geralmente sob a forma de slogans e/ou palavras de ordem como “Deus, Pátria e família”,
a “defesa da ordem”, da “liberal-democracia”, da “educação das novas gerações”, etc.
Em outros casos são acionadas idéias como a de objetividade e cientificidade:
seja através da fala de certas autoridades da ciência ou da literatura (escritores e sociólogos
a quem a própria imprensa reconhecia entre “os mais respeitados” da época); seja por
intermédio de jornalistas correspondentes que teriam estado pessoalmente no palco dos
“acontecimentos” (Rússia e Espanha) e desse modo, tinham testemunhado os “fatos” e
seriam “imparciais” e “sinceros” em seus relatos; seja, ainda, nos próprios editoriais e
artigos que procuravam “provar” de maneira cabal que o comunismo não se adequaria à
realidade brasileira, em vista do que também se justificava a repressão policial.
Em todas essas situações se tornam recorrentes os apelos à idéia de que a
imprensa apenas mostrava a verdade dos fatos, ou seja, a realidade.
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