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Politica Educacional e Reproducao Do Racismo No Cotidiano Escolar PDF
Politica Educacional e Reproducao Do Racismo No Cotidiano Escolar PDF
1. INTRODUÇÃO
O trabalho apresentado é fruto de uma pesquisa desenvolvida pelo Núcleo de
Ensino de Marília, por um grupo de pesquisadores (professores e alunos) da Faculdade de
Filosofia e Ciências (FFC) da Unesp, Campus de Marília.
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de ensino e aprendizagem, contribuiu para a manutenção ou superação dos mecanismos
racistas. Tomamos como ponto de partida as relações sociais e pedagógicas de uma escola
estadual, localizada na cidade de Marília.
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Denominaremos de negra a parcela da população considerada preta e parda.
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dialogarem com o senso comum diferenciadamente, inclusive na percepção de serem, muitas
vezes, vítimas do racismo, e em outras, os próprios algozes.
Os últimos debates sobre a questão racial têm sido pontuados por questões
importantes, tendo destaque o melhor entendimento das políticas segregacionistas em curso
na sociedade contemporânea brasileiro. Alguns autores chegam a classificar esta nova fase de
neo-racismo, em que está sendo possível rearticular sofisticadamente, e com a marca da
democracia, as bases da exclusão e da dominação.
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Os termos afro-brasileiro e afro-descendente têm sido utilizados pelos diferentes intelectuais brasileiros e
estrangeiros para designar a população brasileira de origem racial negra. As citações colocadas nos textos ficaram
com os termos originalmente escritos pelos pesquisadores, porém estou ainda utilizando o termo negro para
designar o mesmo conjunto da população. Entendo não ser o momento oportuno para substituir o termo, tendo em
vista a construção político-ideológica que envolveu sua elaboração e a falta de discussão que tem envolvido essa
substituição.
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2000, p.123). Estes dois elementos, a cada tempo histórico, têm sido revisitados e
reorganizados na consolidação e manutenção dos mecanismos de dominação.
3. EXCLUSÃO E ESCOLARIDADE
O debate em torno da inclusão e exclusão na escola pública tem oportunizado
inserir como questão central a possibilidade de ultrapassar os limites da defesa da escola
pública para todos, como bandeira e letra morta da lei, que projetam direitos sociais de
cidadania, para indagar o papel e os limites do processo pedagógico de ensino e
aprendizagem.
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momento, em que a sociedade brasileira buscava constituir-se como sociedade capitalista e
republicana, vislumbrar um patamar de desenvolvimento educacional para um espectro maior
da sociedade, saindo do âmbito da elite, se colocava como condição necessária e fundamental
de construção da nova ordem econômica e social.
De outra forma, essa proposta não teve o eco necessário para implementar
grandes mudanças; no entanto, o problema da repetência persistiu e, na década de 1950,
surge, pela primeira vez, a expressão promoção automática, como alternativa às denúncias dos
educadores que comprovavam que a repetência não exercia nenhum aspecto positivo nos
educandos, resultando, muitas vezes, em abandono da escola e expulsão pura e simples do
processo formal de aprendizado.
O debate tinha como pano de fundo a constatação de que não bastava apenas
eliminar a repetência; era necessário, também, implementar uma série de mudanças na
organização escolar, na concepção de avaliação, no material didático, e, principalmente, na
concepção e papel da escola no processo formativo dos alunos.
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Nos anos 80, em alguns estados, como Minas Gerais, São Paulo e Paraná,
foram instituídos o Ciclo Básico de Alfabetização com o objetivo de diminuir os índices de
reprovação das séries iniciais do ensino fundamental e assegurar a permanência das crianças
na escola. Essa iniciativa eliminava a avaliação para efeito de aprovação da 1ª para a 2ª série
e previa uma maior flexibilização no conteúdo ministrado para os alunos na fase da
alfabetização em consonância com o grau de desenvolvimento de cada turma.
Para além dessas iniciativas, durante os anos 1990, outras foram sendo
implantadas e se destacam: o Projeto da Escola Plural desenvolvido em Belo Horizonte, em
1994, com a organização dos ciclos adequados a estágios de desenvolvimento psicossocial
das crianças e adolescentes, em três etapas de aprendizagem e de forma contínua. A primeira
fase abrangia a etapa da infância – crianças na faixa etária de seis a oito anos. A segunda, na
fase da pré-adolescência entre nove e onze anos. A última fase correspondia à adolescência
na faixa etária de 12 a 14 anos.
Atualmente, a LDB, ao tratar dos ciclos, inclui nos seus dispositivos diferentes
possibilidades de organização da educação básica podendo ser em ciclos ou outras formas
alternativas. “A educação poderá organizar-se em séries anuais, períodos semestrais, ciclos,
alternância regular de períodos de estudos, grupos não-seriados, com base na idade, na
competência e em outros critérios, ou por forma diversa de organização sempre que o
interesse do processo de aprendizagem assim recomendar” (Art. 23, da Lei 9.394/96).
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Considerando as várias opções apresentadas pela legislação, mesmo assim
ainda é possível constatar que a grande maioria dos sistemas de ensino está ancorada na
forma tradicional de seriação. Todavia, mais recentemente, sob a égide da concepção
neoliberal, foi sendo reintroduzida a necessidade de reter as crianças no interior das escolas.
Porém, nessa nova conjuntura, a proposta assumiu um caráter, prioritariamente, quantitativista,
sendo que o fundamental é equacionar economia de investimento em políticas públicas com
aumento dos números de matrículas na educação básica. O próprio Conselho Estadual de
Educação – CEE considerava a retenção dos alunos um grande desperdício de recurso
financeiro.
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Os índices de desempenho do sistema mostram claramente o quanto ele é
ineficaz. Em 1992, no ensino fundamental e médio, as perdas por evasão e
repetência alcançaram 1.476.000 alunos, o que representa cerca de 25% do
total de alunos matriculados na rede. Se lembrarmos que cada aluno custa em
média US$ 220 para o Estado, o número acima representa um desperdício da
ordem de US$ 324.720.000.
Por detrás da repetência e mais grave do que o desperdício material de
recursos advindos do trabalho duro da população, está a desilusão de milhares
de famílias que valorizam uma escola que expulsa seus filhos, a destruição do
sentimento de competência de um sem número de crianças e adolescentes, a
formação de gerações e gerações que incorporam, com sofrimento e sem
necessidade, a certeza de que são incompetentes. Este é o preço que
pagamos pela ineficácia do ensino: deixamos de formar, para este Estado, uma
população bem informada e apta intelectualmente a analisar criticamente sua
situação de vida e buscar soluções para seus problemas.
Mas a ineficiência do sistema não se manifesta apenas nas elevadas taxas de
repetência e evasão. Há de se considerar, ainda, a precária qualidade do
ensino recebido por aqueles que conseguem permanecer no sistema de ensino
público (SEE, 1995, p. 301).
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municipalização do Ensino Fundamental de 1ª a 4ª séries, antes mesmo dainstitucionalização
do FUNDEF.
No caso da opção por mais de um ciclo, devem ser adotadas providências para
que a transição de um ciclo para o outro se faça de forma a garantir a
progressão continuada. O regime de progressão continuada deve garantir a
avaliação de processo de ensino-aprendizagem, o qual deve ser objeto de
recuperação continuada e paralela a partir de resultados periódicos parciais e,
se necessário, no final de cada período letivo (CEE 09/97, p. 148).
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avaliação externa, pois não se considera a aprendizagem enquanto processo e sim como
resultados terminais. Os exames realizados pelo SARESP operam dentro dessa lógica.
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Os agentes educativos devem construir mecanismo de acesso e permanência
das crianças na escola, mas deve vir acompanhada da apropriação de um saber que deveria
permitir estabelecer um diálogo crítico com o senso comum, possibilitando estabelecer uma
mediação com a realidade social. Ter como meta a superação da incapacidade dessas
crianças de aprender a ler e compreender o mundo, com suas vicissitudes, torna-se um dos
grandes desafios da educação.
5. CONSIDERAÇÕES FINAIS
Considerando que a pesquisa pretendia apreender como se desdobra, no
interior da escola, as diretrizes de uma política educacional, com um grupo de crianças
consideradas incapazes pelos parâmetros estabelecidos pela própria escola, buscou-se
perceber e aprofundar a compreensão das diversas dimensões da política educacional
desenvolvida no estado de São Paulo na gestão Mário Covas/Alckmin, e o cotidiano das
relações sociais e raciais dentro de um determinado espaço educacional.
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considerar que a permanência das crianças na escola já significa um avanço, mas o salto
precisa ser, sobretudo qualitativo.
6. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
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