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Estatuto dos Portadores de Deficiência
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relativamente a certos atos, ou à maneira de os Esta nova teoria das incapacidades que
exercer: I – os maiores de dezesseis e menores passa a vigorar com o Estatuto da Pessoa com
de dezoito anos; II – os ébrios habituais, os Deficiência requer cautela destacada por parte
viciados em tóxicos; III – aqueles que, por dos notários e registradores quando da prática
causa transitória ou permanente, não puderem dos atos de sua competência. Nesse ponto, os
exprimir sua vontade; IV – os pródigos”. atos, fatos ou negócios jurídicos que são levados
às serventias notariais e de registro devem
Mencione-se, a propósito, que as
passam por cautelosa qualificação jurídica, haja
alterações trazidas pelo Estatuto no que toca
vista os inúmeros efeitos jurídicos decorrentes
o regime das incapacidades rompeu uma
das modificações promovidas pelo Estatuto.
tradição, vez que, historicamente, no direito
brasileiro,o portador de transtorno mental Averiguando-se alguns reflexos imediatos
sempre foi tratado como incapaz. É verdade do novo regime jurídico das incapacidades, de
que com algumas variações de termos e grau, pronto, pode-se inferir que todas as pessoas que
mas assim o foi nas Ordenações Filipinas, no foram interditadas em razão de enfermidade ou
Código Civil de 1916 e também no atual Código deficiência mental passam, com a entrada em
Civil de 2002, sob o argumento de proteção, em vigor do Estatuto, a serem consideradas, ope
prejuízo da sua autonomia e, por vezes, dasua legis, plenamente capazes. Vale dizer, tratando-
dignidade. se de lei que versa sobre o estado da pessoa
natural, a disposição normativatem eficácia e
Comentando a boa iniciativa do Estatuto
aplicabilidade imediata.
em conferir capacidade para a pessoa com
deficiência psíquica ou intelectual o professor Em outras palavras, será desnecessária
Nelson Rosenvalddestaca que “Não se pode qualquer medida judicial tendente ao
mais admitir uma incapacidade legal absoluta levantamento da interdição decretada com
que resulte em morte civil da pessoa, com arrimo na legislação civil moribunda. Todavia,
a transferência compulsória das decisões providência fundamental a ser promovida será
e escolhas existenciais para o curador. Por a averbação do levantamento da interdição no
mais grave que se pronuncie a patologia, é “Livro E” do Registro Civil das Pessoas Naturais
fundamental que as faculdades residuais da em que esta foi inscrita. Apesar de não ter este
pessoa sejam preservadas, sobremaneira às atonatureza desconstitutiva – vez que a cessação
que digam respeito as suas crenças, valores da incapacidade dar-se-á, automaticamente,
e afetos, num âmbito condizente com o seu com a entrada em vigor da Lei nº 13.146/2015
real e concreto quadro psicofísico. Ou seja, – tal averbação garante, além da primazia da
na qualidade de valor, o status personae não realidade nos registros públicos, a adequada
se reduz à capacidade intelectiva da pessoa, publicidade da cessação da incapacidade
posto funcionalizada à satisfação das suas daquela pessoa, evitando-se, assim, possíveis
necessidades existenciais, que transcendem prejuízos ao próprio registrado e a terceiros.
o plano puramente objetivo do trânsito das Somente com esta averbação permitir-se-á que
titularidades”.2 terceiros tenham efetivo conhecimento de que
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Notadamente, quanto à nova regra que Neste dispositivo andou mal o legislador.
deixa de considerar como nulo o casamento Sem falar do equívoco com a língua portuguesa
do enfermo mental sem o necessário (já que o termo correto seria “idade núbil”),
discernimento para os atos da vida civil, é de permitiu-se que a vontade de casar seja
importante observação para os registradores manifestada pelo curador do deficiente. Ora,
civis das pessoas naturais a questão de direito a vontade é elemento essencial ao casamento
intertemporal que envolve os casamentos e ninguém se casa senão por sponte propria.
ocorridos antes e depois da entrada em vigor Admitir a manifestação da vontade pelo curador
do Estatuto. Assim, caso tenha ocorrido um carece de lógica jurídica e contraria a natureza
casamento de uma pessoa deficiente, sem personalíssima do casamento. A escorregada
discernimento para os atos da vida civil, antes legislativa aqui foi tamanha que houve ululante
da vigência do Estatuto, este casamento nasceu contradiçãocom o próprio art. 85 do Estatuto,
nulo por afronta ao inciso I do artigo 1.548 que determina a atuação do curador do
do CC e não se torna “válido” pela alteração deficiente apenas e tão somente para os atos
legislativa. Prevalece, pois, a lei do momento de natureza patrimonial e negocial.
da celebração do casamento. Destarte, os
Por último, mas não menos importante,
enfermos mentais sem o discernimento para os
convém analisar o instituto da curatela,
atos da vida civil estarão aptos ao matrimônio
redesenhadopelo Estatuto da Pessoa com
a partir da entrada em vigor do Estatuto da
Deficiência.Em razãodo seu artigo 84, § 1º, o
Pessoa com Deficiência, em janeiro de 2016.
Estatuto possibilita que “Quando necessário,
De outro lado, ressalta-se, ainda, que o a pessoa com deficiência será submetida à
Estatuto não alterou a redação do artigo 1.550 curatela, conforme a lei”. Traz, assim, situação
do Código Civil que trata da anulabilidade do jurídica inovadora no direito brasileiro: a
casamento. Rememore-se, aliás,que em seu curatela de pessoa capaz. A orientação do
inciso IV, o dispositivo prevê que “é anulável o Estatuto é clarividente no sentido de que
casamentodo incapaz de consentir ou manifestar, mesmo com a curatela, não temos uma pessoa
de modo inequívoco, o consentimento”. Assim, incapaz, isto é,a pessoa com deficiência é
pode-se concluir que o casamento do deficiente dotada de capacidade legal, ainda que se valha
que for incapaz de consentir ou manifestar de de institutos assistenciais para a condução da
modo inequívoco o seu consentimento pode sua própria vida.
ser anulável, mas não nulo.
No sistema atual, o curador representa
Quadra anotar, por oportuno, que o os absolutamente incapazes e assiste os
Estatuto acrescenta um § 2º ao art. 1.550, relativamente incapazes.Com a vigência do
admitindo que “A pessoa com deficiência mental Estatuto, haverá a categoria de pessoas capazes
ou intelectual em idade núbia (sic) poderá sob curatela. Apesar de elogiosa a previsão
contrair matrimônio, expressando sua vontade legislativa, há um desafio a ser enfrentado:
diretamente ou por meio de seu responsável ou qual seria a função do curador do deficiente,
curador”. representá-lo ou assisti-lo?
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Como se trata de pessoa capaz, não há no prática de um ato pelo deficiente que, por
sistema uma resposta a essa indagação. Parece decisão judicial, deveria ser representado ou
razoável responder à pergunta com o art. 85, assistido?
§ 2º, do Estatuto que sentencia: “A curatela
A princípio, como o deficiente é pessoa
constitui medida extraordinária, devendo
capaz o ato é plenamente válido. Todavia, em
constar da sentença as razões e motivações
nosso sentir, essa resposta torna a curatela
de sua definição, preservados os interesses do
do deficiente absolutamente inútil e não
curatelado”. Assim, depreende-se que caberá
lhe garante a proteção jurídica que visa o
ao juiz definir se o curador do deficiente, que
Estatuto. Assim, a vontade do deficiente capaz
prossegue sendo capaz, deverá representá-lo
sob curatela, manifestada de per si, não será
ou assisti-lo. De todo modo, deve ser observada
suficiente para a prática dos atos da vida civil,
a limitação da curatela prevista no caput do
devendo o operador do direito socorrer-se da
artigo 85, ou seja, “a curatela afetará tão
aplicação analógica das disposições dos artigos
somente os atos relacionados aos direitos de
166, I e 171, I, ambos do Código Civil. Nesse
natureza patrimonial e negocial”.
peculiar, o contrato assinado exclusivamente
Gize-se que a questão proposta é de por deficiente capaz, mas sob curatela, será
grande relevância para o tabelionato de nulo se o juiz fixar em sentença que o curador
notas, no âmbito de instrumentalização pelos o representa (aplicação do art. 166, I do CC
notários da vontade das partes, mormente na por analogia) ou anulável se fixar que o assiste
qualificação notarial do ato a ser confeccionado. (aplicação do art. 171, I do CC por analogia).
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