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UNIDADE II – COSMOLOGIA

AULA 5 – COSMOLOGIA: DAS ORIGENS A NEWTON

OBJETIVOS:

Ao final desta aula, o aluno deverá:


 ter noções do desenvolvimento histórico das teorias cosmológicas até a
revolução científica do século XVII.

1 INTRODUÇÃO

A cosmologia é a área do conhecimento humano voltada para a


compreensão das propriedades do universo como um todo. A natureza fundamental
e abrangente da cosmologia implica que este tenha sido um campo fértil para
análise em diferentes povos e culturas e em diferentes períodos. E é, também,
devido à sua complexidade e abrangência, que a cosmologia foi capaz de atrair a
atenção e a investigação de tantos pensadores e cientistas, que produziram
trabalhos tão diversos entre si e com tantas ênfases distintas.
Questões de cunho cosmológico já aparecem nas mais antigas inscrições que
sobreviveram até nossa época, ou seja, povoam todo o curso da história. Podemos
imaginar que a humanidade pré-histórica também se questionasse sobre a
estrutura e a origem do universo. De forma geral, as cosmologias mais primitivas
são formadas pelas observações de como o mundo funciona em pequena (objetos
do dia a dia, animais e seres humanos) e em grande (Sol, Lua e demais objetos
celestes) escala, acoplados por mitos de criação. A evolução dos conceitos
relacionados à cosmologia conta, de certa forma, a evolução tanto da mecânica
celeste, ou seja, dos modelos físicos e matemáticos que permitem descrever e
prever o comportamento dos astros no céu, quanto da ciência em geral e da
própria cultura, tanto religiosa como secular, das civilizações nas quais se
desenvolveu.

2 COSMOLOGIA MESOPOTÂMICA E EGÍPCIA

As mais antigas fontes escritas das quais podemos falar em cosmologia são
provenientes da Mesopotâmia e do Egito. As cosmologias dos diferentes povos
mesopotâmicos são semelhantes entre si, e guardam semelhanças também com a
cosmologia egípcia.

2.1 Mesopotâmia

A Mesopotâmia compreende a região do Oriente Médio entre os rios Tigre e


Eufrates, grosseiramente correspondendo ao moderno estado do Iraque. Nessa
região, floresceram diversos povos, desde os Sumérios em torno de 5000 a.C.,
passando pelos Amoritas, ou babilônicos, em torno de 2000 a.C., até os Caldeus,
ou neobabilônicos, cujo império encerrou-se em 539 a.C. com sua incorporação ao
império Persa. Diferentes povos, diferentes culturas, mas uma estrutura
cosmológica semelhante em todos eles: o universo é um lugar habitado por deuses
antropomórficos, conforme os mitos de criação atestam, dentre cujas realizações
está a criação do homem, para servir aos deuses e livrá-los do trabalho pesado. A
história dos deuses em si envolve e explica, em parte, os fenômenos celestes.

Figura 5.1: Mapa da região da Mesopotâmia, berço da civilização


babilônica.
Fonte: http://pt.wikipedia.org/wiki/Ficheiro:Mesopotamia.PNG

Um item de importância fundamental para a cosmologia mesopotâmica era a


água. O universo inteiro e todos os escalões de deuses e deusas eram resultado
direto ou indireto de um oceano primordial, que existiu por todo o sempre. A
porção seca que surgiu a partir desse oceano primordial consistia no céu e na terra,
originalmente unidos. Posteriormente, segundo a mitologia suméria, os deuses do
céu e do ar teriam separado entre si o céu e a terra, surgindo uma atmosfera entre
ambos (o que, por si só, correspondia a uma divindade); para os babilônicos, céu e
terra foram formados a partir do corpo morto de uma divindade. A água do oceano
primordial circunda todo o universo: é a abóbada celeste, sólida, que impede as
águas desse oceano de cair sobre a terra. A abóbada celeste, por sua vez,
repousava sobre a terra, que tinha o formato de um disco de uma certa espessura.
Os corpos celestes correspondem a regiões mais brilhantes da atmosfera – com
exceção do Sol e da Lua, que são associados a deuses antropomórficos. Um
aspecto interessante da “mecânica celeste” babilônica é que dia e noite precedem a
criação do Sol, o que mostra que os babilônicos entendiam dia e noite como
manifestações intrínsecas de um aspecto do universo, não como causados
diretamente pela posição do Sol em relação ao horizonte. Essa característica é
compartilhada por mitologias oriundas de áreas próximas à Mesopotâmia, como a
judaico-cristã, conforme mostram os primeiros capítulos do Gênesis bíblico.
O aspecto “final” da cosmologia mesopotâmica era um conjunto de terras e
de céus envolvendo a região que viria a ser habitada pelos humanos. O movimento
dos astros no céu, em última análise, representa o movimento físico das diferentes
divindades.

2.2 Egito

A cosmologia egípcia também compreendia uma espécie de oceano


primordial, associado a um total estado de desordem amorfa, no interior da qual
havia a porção seca. A porção seca era mantida por uma figura divina feminina,
que se curvava por sobre a terra, protegendo-a. Separando o céu e a terra, ambos
personificados por deuses, havia a atmosfera, personificada por uma terceira
divindade, de forma semelhante à mitologia mesopotâmica. O deus associado ao
Sol teria surgido do oceano primordial por um ato de sua própria vontade, dando
origem ao mundo e a todos os demais deuses e criando uma ordenação no caos
primordial. A manutenção da ordem no mundo, acreditavam os egípcios, era uma
tarefa tanto dos seres divinos quanto dos humanos.
O ciclo de dias e noites, segundo a mitologia egípcia, consiste no movimento
do deus-Sol, acima do horizonte durante o dia, e no mundo subterrâneo, abaixo da
porção seca, à noite, formando um ciclo de morte e renascimento diários. A
perpetuação do ciclo diurno era sinal da manutenção da ordem no mundo, assim
como o ciclo das fases da lua e o ciclo das enchentes do rio Nilo.

Figura 5.2: Mapa da região do Egito.


Fonte: http://pt.wikipedia.org/wiki/Ficheiro:Egypt-CIA_WFB_Map.png

3 DA GRÉCIA ANTIGA À ERA MEDIEVAL

Os gregos tinham seus próprios mitos de criação, envolvendo divindades que


criaram pela sua vontade o mundo visível. Alguns aspectos da mitologia grega
encontram correspondência com os egípcios e babilônicos, e a cosmologia grega
mais antiga era baseada nesses mitos. Porém, a postura investigativa dos
pensadores gregos produziu modelos cosmológicos que resultaram em grandes
avanços na compreensão do mundo. A ciência grega, mais do que qualquer outra
na época, baseava-se na análise sistemática dos eventos visando, através do
raciocínio dedutivo e indutivo, determinar regras simples e universais para explicar
os fenômenos naturais. Para isso, os pensadores gregos utilizavam a lógica e a
matemática, em conjunção com informações empíricas sobre os fenômenos que
pretendiam analisar. A ciência grega era, portanto, racionalista e secular (não se
baseava diretamente em mitos de criação ou influência divina).

3.1 A filosofia pré-socrática


Os primeiros filósofos gregos dedicaram-se a compreender a natureza física
do mundo. O filósofo Tales de Mileto propunha que a natureza fundamental de
todas as coisas era composta por um único “princípio”: a água. O mundo se origina
da água, e pela sua própria natureza assume diferentes qualidades em diferentes
circunstâncias, produzindo a variedade de substâncias observadas. A Terra teria
sido formada a partir da condensação de uma vasta porção de água, sobre a qual
viria a flutuar. A elaboração de uma cosmologia na qual nenhuma entidade divina
era invocada marca um contraste com as cosmologias mais antigas.
Anaximandro e
Anaxímenes de Mileto, ambos Tales de Mileto: filósofo grego,
sucessores de Tales, também que viveu entre os séculos VII e
defendiam a ideia de um VI a.C. Foi um dos mais
elemento fundamental, que importantes filósofos da
seriam o ar, para antiguidade, tendo se dedicado
Anaxímenes, e um elemento não apenas a questões éticas e
de origem indefinida, eterno à metafísica, mas também à
e infinito, para Anaximandro. geometria e à astronomia.
Para Anaxímenes, os Figura 5.3: Tales de Mileto.
Fonte: http://en.wikipedia.org/wiki/File:Thales-04.jpg
elementos água, terra e fogo
eram produzidos por diferentes graus de rarefação do ar; a Terra consistia num
disco que flutuava no ar, enquanto as estrelas eram rarefações de ar (fogo) que se
ergueram da superfície da Terra. Entre os pensadores contrários à teoria de que o
ar era o elemento fundamental estava Demócrito (segunda metade do século V
a.C.), que propunha que toda a matéria no universo consistia em infinitos
elementos muito pequenos e indivisíveis, separados entre si pelo vazio, os átomos.
Anaximandro produziu um modelo mecânico para o universo no qual a
Terra, em vez de flutuar sobre uma superfície de água (como propunha Tales),
estaria em repouso no centro do universo, não sendo necessário nenhum suporte.
Além disso, a Terra seria um cilindro, e o mundo habitável estaria situado sobre
uma de suas bases.
Pitágoras de Samos enfatizou o ordenamento aparente do universo e
considerou que esse ordenamento se enraizava na natureza dos números. Pitágoras
elaborou, assim, uma teoria de que os objetos celestes se moviam de acordo com
um ordenamento numérico que produzia uma harmonia de movimentos, como uma
espécie de sinfonia. A Terra seria uma esfera perfeita, assim como todos os corpos
celestes, e tanto a Terra como a Lua, o Sol e os demais planetas girariam em torno
de um fogo invisível, presos em esferas ocas e concêntricas. Os sons musicais
provenientes dessa harmonia das esferas seria inaudível aos ouvidos humanos,
mas acessível através da razão e da matemática. A ideia de utilizar elementos da
matemática para representar o mundo seria aprofundada por filósofos
subsequentes.
É importante perceber que os
Pitágoras de Samos: filósofo grego, viveu na
modelos cosmológicos pré-socráticos
segunda metade do século VI a.C. Defensor da
sempre visam explicar a origem das
hipótese da reencarnação, criou uma filosofia
coisas e também seu
permeada por conceitos matemáticos; hoje em
comportamento observado. A ideia
dia é mais conhecido pelas suas contribuições
de Tales, por exemplo, de que a
para a matemática, como o teorema que leva seu
Terra flutua sobre uma superfície de
nome.
água, explica a ocorrência dos
terremotos como resultado de ondas que se propagam por essa superfície.
Anaximandro, com seu modelo de Terra cilíndrica, não apenas resolvia a aparente
falha da teoria de Tales (o que retém a porção de água sobre a qual a Terra
flutua?), mas também permitia explicar o movimento do Sol e da Lua e a mudança
nas suas posições no céu em diferentes estações do ano. Ou seja, os filósofos pré-
socráticos já acreditavam que o mundo era regido por leis naturais, em princípio
acessíveis aos seres humanos pela observação e pelo raciocínio e, possivelmente,
interpretáveis em termos matemáticos.

3.2 Platão e Aristóteles

O filósofo Sócrates viveu em Atenas durante o século V a.C. Embora nenhum


trabalho de Sócrates tenha sobrevivido, outros filósofos foram profundamente
influenciados por ele, em especial devido ao seu método de explorar ideias
complexas mediante o questionamento sucessivo. As maiores referências a
Sócrates são oriundas dos trabalhos de seu discípulo, Platão.
A cosmologia de Platão era fortemente influenciada pela ideia de que o
mundo acessível aos sentidos humanos era apenas uma representação nebulosa da
realidade fundamental. Sendo assim, Platão dava mais ênfase ao raciocínio do que
à observação direta dos fenômenos físicos. Para Platão, o universo era perfeito e
imutável, e a Terra estava situada em seu centro. Tendo especial apego ao conceito
de perfeição geométrica, Platão defendia que todos os corpos celestes se moviam
em órbitas perfeitamente circulares em torno da Terra. Enquanto que o mundo
terrestre era formado pelos elementos terra, água, fogo e ar, os corpos celestes
eram formados por uma substância diferente e especial, a quintessência.
Verificando a correspondência do número de “elementos” com o número de sólidos
regulares (que também são cinco), Platão propôs que cada elemento era formado
por partículas cuja forma correspondia a um sólido regular.
Aristóteles produziu um
Platão: filósofo grego, viveu entre 428 e 448
modelo astronômico e cosmológico
a.C. Considerado o pai da filosofia ocidental, foi o
que dominaria o pensamento
fundador da primeira instituição de ensino
ocidental até o Renascimento. Dando
superior, a Academia. É autor de diversos
mais ênfase do que Platão às
rabalhos sobre questões políticas, de organização
informações provenientes dos
social e de metafísica.
sentidos humanos, preocupou-se não
apenas em tecer teorias sustentadas na razão, mas também parcialmente baseadas
em observações dos fenômenos físicos. A partir das observações dos eclipses
lunares, por exemplo, Aristóteles defendeu que a Terra era esférica, já que a
sombra produzida na superfície da Lua era sempre circular. Aristóteles concebeu
um universo perfeito e imutável, separado em dois domínios, um superior e um
inferior. No domínio inferior estava a Terra, imóvel e localizada no centro do
universo. Esse domínio era
Aristóteles: filósofo grego, viveu entre 384 e
constituído dos elementos ar, água,
322 a.C. Além de dedicar-se à poesia e à música,
terra e fogo, que obedecem a um
produziu uma vasta obra abordando questões
certo conjunto de leis físicas, e,
lógicas e sobre os fenômenos físicos e
nesse domínio, os movimentos
astronômicos, que viria a fundamentar grande
“naturais” se davam em linha reta. O
parte da tradição religiosa cristã durante a idade
domínio superior consistia no mundo
média.
celeste, ocupado pelas estrelas,
planetas, o Sol e a Lua. Os corpos do mundo celeste eram constituídos pela
quintessência, que obedecia a um conjunto de leis físicas próprias e diferentes
daquelas aplicáveis aos corpos na Terra. O movimento “natural” da quintessência,
para Aristóteles, era o movimento circular, e, por isso, todos os corpos celestes se
moviam em torno da Terra em trajetórias circulares.

3.3 Ptolomeu

O astrônomo Cláudio Ptolomeu utilizou-se da cosmologia de Aristóteles e a


enriqueceu matematicamente, permitindo com isso prever o movimento dos
planetas com uma precisão até então sem igual. A cosmologia aristotélica,
associada à geometria utilizada por Ptolomeu, tornou-se a base da cosmologia
ocidental.

Início de boxe
Fim de boxe

Já sabemos, pelas leis de Kepler, que a Terra gira em torno do seu eixo e
que os planetas possuem órbitas elípticas em torno do Sol. Do ponto de vista de
um observador situado na Terra, os planetas Marte e Vênus nunca se afastam
muito do Sol, pois mantêm-se em órbita em torno dele a uma menor distância do
que a Terra. Além disso, o planeta Marte está mais distante do Sol do que a Terra;
isso faz com que o movimento de Marte, por vezes, pareça estar se dando no
sentido contrário ao usual, num fenômeno conhecido como movimento retrógrado.
Como conciliar essa característica (e outras) do movimento dos astros com a ideia
de que cada planeta se move em um círculo em torno da Terra? Ptolomeu utilizou-
se de um conjunto de ferramentas geométricas para minimizar esses problemas: os
conceitos de epiciclos, equantes e
Cláudio Ptolomeu: filósofo natural, viveu na
deferentes.
cidade de Alexandria, no Egito, no século II d.C.
Para Ptolomeu, cada planeta
Além de astrônomo, era também astrólogo,
gira em torno de um ponto próximo
matemático e geógrafo. Seu trabalho mais
de si, numa órbita bastante pequena,
importante é o Almagesto, um tratado de dados
chamada epiciclo. E é esse ponto, no
observacionais dos planetas.
centro de cada epiciclo, que gira em
torno da Terra, numa órbita chamada deferente. Cada planeta gira de tal forma que
percorre um certo ângulo em sua órbita num certo intervalo de tempo; o ponto em
torno do qual esse ângulo percorrido por unidade de tempo é constante é o
equante. Esse sistema complexo (e nada econômico em termos matemáticos, pois
envolvia quase uma centena de círculos diferentes) resolvia em grande parte os
problemas dos quais o modelo aristotélico sofria, embora retirasse grande parte do
seu apelo estético associado à “perfeição” do movimento circular centralizado na
Terra.

3.4 Copérnico e Kepler

Nicolau Copérnico elaborou uma nova cosmologia a partir daquilo que via
como “defeitos” da cosmologia de Ptolomeu. Em primeiro lugar, o modelo de
Ptolomeu não se ajustava perfeitamente às observações da posição dos planetas ao
longo das décadas. Em segundo lugar, Ptolomeu questionou-se sobre a natureza e
validade dos epiciclos e equantes: se é necessária toda uma parafernália
geométrica envolvendo um conjunto de círculos de movimento, e se os equantes
nunca coincidem com a posição da Terra, não haveria uma forma mais econômica
de organizar esses círculos de forma a diminuir o número de parâmetros e tornar a
teoria mais “limpa”?

Início de boxe

Fim de boxe

Copérnico propôs, então, um modelo no qual a Terra não estaria imóvel no


centro do universo. Para Copérnico, não havia razão para se acreditar que a Terra
esteja em uma posição
especial e favorecida no Nicolau Copérnico: foi um
universo. Essa ideia, de astrônomo polonês, que viveu
que a Terra não ocupa entre os séculos XV e XVI d.C. É
uma posição considerado o pai da astronomia
privilegiada, é chamada moderna, tendo defendido no livo
princípio de Copérnico. De Revolutionibus Orbium
Posteriormente, essa Coelestium o modelo heliocêntrico
ideia foi tornada mais para o universo, no qual o Sol é o
abrangente, implicando centro do universo.
em que a distribuição
Figura 5.4: Nicolau Copérnico.
de matéria no universo Fonte:
http://upload.wikimedia.org/wikipedia/commons/thumb/f/f2/Ni
é homogênea em
kolaus_Kopernikus.jpg/220px-Nikolaus_Kopernikus.jpg
grande escala.
Copérnico percebeu que, pelo menos do ponto de vista qualitativo, é mais simples
conceber um universo no qual o Sol ocupe o centro, e a Terra e os demais planetas
orbitem em torno dele. No modelo de Copérnico, a Terra é uma esfera que gira em
torno do seu eixo, e o movimento diurno dos astros no céu é um movimento
apenas aparente. Nesse modelo, os movimentos retrógrados são mais facilmente
compreensíveis e, além disso, o conceito de equante pode ser totalmente
abandonado.
Um dos problemas da teoria de Copérnico é que, se a Terra gira em torno do
Sol, então deveríamos observar as estrelas mudando de posição relativa entre si,
um fenômeno chamado paralaxe; porém, não havia nenhuma paralaxe detectável
na época. Copérnico argumentou que a indetectabilidade de uma paralaxe estelar
era devida à enorme distância que separa as estrelas da Terra.
Apesar da aparente melhoria na interpretação qualitativa do movimento dos
planetas usando um modelo heliocêntrico, Copérnico não conseguiu melhorar de
forma sensível a previsão dos movimentos dos planetas, pois mantinha-se fiel à
ideia de que as órbitas dos planetas eram circulares. O uso de órbitas circulares
obrigou Copérnico a utilizar-se de epiciclos e de outras ferramentas geométricas,
tornando seu modelo matematicamente tão complexo quanto o de Ptolomeu.
Finalmente, no início do século XVII, o conceito de órbita circular foi
abandonado. Já vimos, na aula 3, as contribuições de Johannes Kepler para a
compreensão dos movimentos planetários e a introdução das órbitas elípticas.
Graças ao seu trabalho, o movimento dos corpos celestes no céu foi totalmente
compreendido. Além disso, Kepler estendeu as ideias de Pitágoras sobre a
“harmonia” do movimento dos planetas, utilizando os sólidos regulares de Platão.

4 GALILEU E DESCARTES

O francês René Descartes, filósofo natural e matemático, viveu na primeira


metade do século XVII. Descartes elaborou um modelo cosmológico no qual o Sol
não era o centro do universo. Para Decartes, as estrelas eram semelhantes ao sol,
e o sistema solar (o Sol e os planetas) seria apenas mais um entre diversos
sistemas semelhantes. Além disso, Descartes concebeu a primeira teoria de
formação de planetas, sem levar em conta argumentos teológicos ou de
intervenção divina. Para Descartes, todo o movimento em grande escala no
universo era devido a vórtices (“redemoinhos”) de matéria. Assim, estrelas e
planetas se originam da condensação de matéria dispersa em torno desses vórtices.
A manutenção do movimento circular dos
planetas era devida, também, ao
movimento de matéria nesse vórtice.
Sendo assim, o universo de Descartes era
vasto, permeado por vórtices que
conduzem à formação dos corpos celestes
e à produção do seu movimento.
O filósofo e cientista italiano
Galileu Galilei, contemporâneo de René
Descartes, fez inúmeras contribuições à
física, à astronomia e à cosmologia. Em
particular, a enorme valorização da Figura 5.1: Galileu Galilei.
Fonte:
observação e da experimentação http://pt.wikipedia.org/wiki/Ficheiro:Galil
separam em definitivo as ciências pré- eo.arp.300pix.jpg
Galileu e pós-Galileu. Galileu foi o primeiro cientista a utilizar o telescópio para fins
astronômicos. Suas observações fortaleceram sua convicção de que o modelo
copernicano era fundamentalmente correto, e forneceram argumentos que
contrariavam frontalmente a cosmologia aristotélica.
Quando Galileu apontou seu telescópio para regiões do céu onde
aparentemente não havia nada de marcante, percebeu que essas regiões, na
verdade, continham estrelas de brilho muito baixo. Assim, havia muito mais
estrelas no céu do que se podia enxergar a olho nu. Ao apontar o telescópio para
uma região da Via Láctea – uma faixa esbranquiçada e tênue que cruza os céus –
Galileu pôde observar que sua aparência nebulosa desaparecia, sendo substituída
por um número muito grande de estrelas. Considerando que quanto menos
brilhante mais distante a estrela está, Galileu percebeu que o universo era muito
mais vasto do que imaginado.
Galileu, observando a Lua com seu telescópio, percebeu que esta não era
perfeitamente esférica: era possível perceber irregularidades em sua superfície,
semelhantes a montanhas. Com essas observações, Galileu mostrou não apenas
que a Lua não tem a forma “perfeita” associada a um círculo, mas também que,
possuindo uma estrutura superficial que lembrava a estrutura da própria terra, a
Lua deveria ser constituída do mesmo tipo de matéria presente na Terra. Com isso,
Galileu acabou com a separação entre o mundo celeste e o mundo terrestre. Galileu
também observou o Sol, projetando a luz recebida pelo telescópio em um anteparo,
e confirmou observações de outros cientistas de que havia manchas na superfície
do Sol, que se moviam como se o Sol girasse em torno de seu eixo.
Galileu observou, também, as fases do planeta Vênus. Assim como a Lua
mostra “fases” diferentes ao longo do mês, Vênus também muda de fase. Esse
fenômeno era incompatível com modelos cosmológicos no qual todos os corpos
celestes giravam em torno da Terra, mas seria esperado se os planetas girassem
em torno do Sol. E, finalmente, ao observar o planeta Júpiter através do telescópio,

Figura 5.3: Os quatro satélites de


Figura 5.2: As fases de Vênus como Júpiter observados por Galileu.
observadas por Galileu Fonte:
Fonte: http://www.ccvalg.pt/astronomia/histor
http://ircamera.as.arizona.edu/NatSc ia/galileu_galilei/luas_jupiter.gif
i102/NatSci102/lectures/galileo.htm
Galileu percebeu que um conjunto de estrelas estava sempre próximo de Júpiter,
todas alinhadas entre si, e a cada dia as posições dessas estrelas minúsculas se
alteravam. Galileu mostrou matematicamente que o movimento aparente dessas
estrelas era compatível com a ideia de que essas estrelas orbitavam o planeta
Júpiter, assim como a Lua orbita a Terra. Assim, Galileu mostrou que havia corpos
no universo que orbitavam outros corpos que não a Terra, contrapondo-se
fortemente ao modelo aristotélico.
As ideias de Galileu entraram em choque com os fundamentos da Igreja
Católica. Galileu foi acusado de heresia e acabou condenado à prisão domiciliar
perpétua, tendo sido forçado a reconhecer que suas teorias estavam erradas.

4.1 Relatividade Galileana

Uma das contribuições importantes de Galileu foi ter postulado o seu


princípio da relatividade: quaisquer dois observadores que se movem com
velocidade constante entre si irão obter os mesmos resultados para todos os
experimentos mecânicos. Galileu ilustrou seu postulado com a seguinte situação:
imagine que uma pessoa está realizando um experimento mecânico – com um
pêndulo, por exemplo – no interior de um navio. Se o navio está se movendo com
velocidade constante, tudo no interior do navio irá parecer em repouso do ponto de
vista dessa pessoa: as cadeiras, as mesas, os passageiros que estiverem sentados
às mesas. Essa pessoa, se não puder olhar para fora do navio, não terá como
perceber se o navio está em movimento ou parado. Assim, quando essa pessoa
fizer experimentos utilizando o pêndulo, não pode perceber diferença nenhuma se o
navio estiver parado ou estiver em movimento.
Uma das consequências do seu princípio da relatividade é que não existe
velocidade absoluta. A velocidade de um corpo sempre irá se referir a um
referencial. Se observarmos uma pessoa parada na superfície de um navio, diremos
que essa pessoa está parada (velocidade nula) em relação ao navio, mas em
movimento, com certa velocidade, em relação à superfície do mar, se o navio
estiver em movimento – essas duas velocidades são igualmente “verdadeiras” e
nenhuma delas tem mais validade do que a outra.
Outra consequência do princípio da relatividade de Galileu é que sempre
precisamos definir um referencial com relação ao qual vamos nos referir às
grandezas relevantes de um sistema físico. É a partir desse referencial que
podemos definir posições, velocidades, instantes de tempo etc. Grande parte das
grandezas físicas perde sentido se não for associado a um referencial específico.
5 COSMOLOGIA NEWTONIANA

Isaac Newton (cuja teoria da gravitação já conhecemos da aula 1) disse, em


certa ocasião, que, se havia sido capaz de enxergar mais longe que os cientistas
que o precederam, era por “estar de pé sobre ombros de gigantes”. Com essa
frase, Newton reconhecia o quanto a sua teoria da gravitação e as suas leis do
movimento dos corpos deviam aos trabalhos de Copérnico, Galileu, Kepler e outros.
Até Newton enunciar sua lei da gravitação universal, os modelos cosmológicos eram
basicamente qualitativos, como o modelo de Descartes. A lei da gravitação
universal permitiu, pela primeira vez, uma análise quantitativa, matemática das
condições globais do universo. Combinando sua lei da gravitação universal, suas
leis do movimento e princípios gerais e qualitativos já defendidos por seus
predecessores – incluindo o princípio de Copérnico e o princípio da relatividade de
Galileu –, Newton, ao lado de outros cientistas, elaborou um novo e abrangente
modelo cosmológico. Vejamos algumas de suas propriedades.

5.1 Espaço e tempo newtonianos

O movimento de um corpo resulta da alteração de sua posição no espaço.


Essa alteração precisa de um certo intervalo de tempo para ser realizada. Sendo
assim, os movimentos dos corpos envolvem os conceitos fundamentais de tempo e
de espaço. Para Newton, o tempo é uma variável característica do universo com um
todo, e que transcorre uniformemente e da mesma forma em todos os pontos, para
qualquer observador. Assim, de acordo com Newton, quando dois eventos são
simultâneos (ocorrem no mesmo instante) para um observador, eles serão
simultâneos para qualquer outro observador.
Da mesma forma, Newton defendia um conceito de espaço absoluto, uma
arena imperturbável ocupada pelos corpos e pelas partículas no universo. O espaço
newtoniano não era modificado pela presença ou ausência de matéria, e mantinha
suas características indefinidamente. Sendo assim, podemos pensar que o espaço
newtoniano é uma espécie de “malha” fixa que permeia o universo, em relação à
qual os objetos estão posicionados. Isso implica, entre outras coisas, que quaisquer
dois observadores situados em dois pontos dessa mesma “malha” (ou mesmo
movendo-se com velocidade constante) serão capazes de, realizando medições,
obter exatamente a mesma posição para um certo objeto no espaço. Além disso, o
espaço é independente da (e precede a) existência material do universo.

5.2 O universo newtoniano


Tendo como pano de fundo seu conceito de espaço, Newton concebeu uma
força criativa que criou a matéria, em suas diferentes formas, e as distribuiu pelo
universo. Além disso, essa força criativa criou todo um conjunto de forças com as
quais diferentes porções de matéria podem interagir entre si. Newton associou o
conceito judaico-cristão de divindade absoluta – Deus – a essa força criativa.
Uma vez que sua teoria do movimento dos corpos e da gravitação era capaz
de descrever com precisão tanto o movimento dos corpos celestes quanto o dos
corpos na Terra, foi possível conceber o universo como uma máquina, que funciona
segundo uma sequência de mecanismos que produz movimentos previsíveis. Assim,
a Deus caberia a criação do universo e a sua manutenção, garantindo o
funcionamento adequado dessa máquina. Esse é o conceito de universo-relógio em
uma de suas formas: para Newton, o universo havia sido criado por uma força
divina, mas era governado pelas leis da física (em si imutáveis) com o auxílio de
Deus.
Invocando o princípio de Copérnico, Newton imaginou um universo que, em
grande escala, fosse homogêneo (apresentasse mais ou menos a mesma densidade
de matéria em qualquer região), e que, em pequena escala, fosse heterogêneo (o
que certamente é, como podemos perceber a nossa volta). Do ponto de vista
astronômico, duas regiões diferentes, mas com o mesmo volume, vastas o
suficiente para envolver um número bastante grande de estrelas, possuem mais ou
menos o mesmo número de estrelas. Por outro lado, Newton demonstrou que a
força gravitacional era a interação mais importante entre os corpos celestes.
Considerando que o universo tivesse um limite físico – “terminasse” em algum
lugar –, corpos celestes que estivessem distribuídos na periferia do universo
estariam sujeitos a uma força gravitacional que os impeliria na direção do centro
dessa distribuição. Assim, o universo inteiro entraria em colapso e toda a matéria
do universo seria compactada em um único ponto. Newton resolveu esse problema
postulando que o universo é infinito – não apresenta fronteiras. Livre de “bordas”, o
universo newtoniano poderia ser gravitacionalmente estável.
A total estabilidade do universo é uma exigência parcialmente baseada na
nossa experiência diária. Noite após noite, podemos observar o céu noturno e
observar as estrelas em suas mesmas posições relativas. Isso nos dá a forte
sensação de que o universo em grande escala não muda com o passar do tempo.
Associada a essa percepção individual do céu noturno, a estabilidade costuma ser
vinculada com uma ideia de perfeição universal: um universo instável, em vias de
colapsar ou de se expandir, para muitos soa como um universo defeituoso,
desprovido da beleza que a imutabilidade fornece. Esse conceito de imutabilidade,
como vimos anteriormente, já fazia parte da visão aristotélica dos corpos celestes.

5.3 Paradoxos na cosmologia newtoniana

A infinitude do universo newtoniano, embora resolva o problema da


estabilidade, cria novos problemas. Dois desses problemas são o paradoxo de
Olbers e o paradoxo gravitacional.
O paradoxo de Olbers, descrito por Heinrich Olbers em 1823, mas já
conhecido por astrônomos anteriores, se refere ao brilho do céu noturno: se o
universo é infinito, e as infinitas estrelas que o compõem emitem luz que podemos
observar da Terra, então em cada direção do céu que olharmos deveríamos
encontrar uma estrela, e assim o céu noturno deveria brilhar tanto quanto,
digamos, a superfície do Sol. O que faz com que o céu noturno seja escuro, apesar
de o universo ser infinito? Esse paradoxo pode ser resolvido, no contexto da
cosmologia newtoniana, se considerarmos que o universo não é infinitamente
antigo, e que a luz leva um certo tempo para se deslocar de um ponto a outro no
universo: a luz emitida por estrelas muito distantes da Terra ainda não teve tempo
de chegar à Terra.
O paradoxo gravitacional consiste no fato de que uma distribuição infinita de
massa produz, num ponto qualquer, uma força gravitacional de intensidade
indeterminada. Se pretendemos manter um corpo estático (em equilíbrio) no
universo, e cada vez mais adicionarmos outros corpos com os quais ele pode
interagir, mais facilmente esse equilíbrio é rompido por pequenas não-
uniformidades na distribuição de massa. Distribuições não-homogêneas em grande
escala dificilmente poderiam produzir uma força gravitacional nula em qualquer
ponto do espaço. Newton tentou resolver o problema postulando que a massa no
universo está perfeitamente organizada de tal forma que, em grande escala, a força
gravitacional que atua em qualquer ponto é nula, proposta que parece, de
imediato, muito pouco provável.

ATIVIDADES

Revise o conteúdo da aula de hoje, que é bastante longo e cheio de detalhes


históricos.

RESUMO
Nesta aula, você viu:
 O que é o objeto de estudo da cosmologia.
 Os fundamentos da cosmologia das primeiras civilizações.
 A evolução das ideias cosmológicas desde a Grécia antiga até a era
medieval.
 Noções sobre as contribuições de Galileu e Descartes à astronomia e
à cosmologia.
 Os fundamentos da cosmologia newtoniana.

REFERÊNCIAS

BASSALO, José Maria Filardo. Nascimentos da Física (3500 a.C. – 1900 a.D.).
Belém: EDUFPA, 1996.

FERRIS, Timothy. Coming of age in the Milky Way. perennial ed. New York:
HarperCollins, 2003.

MORAIS, Antônio Manuel Alves. Gravitação e cosmologia. São Paulo: Livraria da


Física, 2009.

RIDPATH, Ian. Guia ilustrado Zahar Astronomia. 2.ed. Rio de Janeiro: Jorge
Zahar, 2008.
AULA 6 – A TEORIA DA RELATIVIDADE GERAL

OBJETIVOS:

Ao final desta aula, o aluno deverá:


 conhecer os fundamentos da Teoria da Relatividade Geral;
 conhecer os principais testes experimentais dessa teoria.

1 INTRODUÇÃO

O século XX assistiu a uma mudança significativa na forma como o tempo e


o espaço são encarados pela ciência. Até então, a mecânica newtoniana, com seus
conceitos de tempo e espaço absolutos, dominava o pensamento científico, e sua lei
da gravitação acumulava sucessos na descrição dos corpos celestes.
No entanto, limitações aparentes da física de Newton começaram a aparecer
e a se acumular. Uma dessas limitações foi observada quando da tentativa de
descrever o movimento do planeta Mercúrio. O fato é que as previsões da
gravitação newtoniana para o movimento de Mercúrio apresentavam um desvio
pequeno, mas persistente, em relação às observações: é como se Mercúrio se
“adiantasse” levemente em relação ao movimento previsto pela lei da gravitação
universal. Uma explicação possível para essa discrepância seria a existência de um
planeta ainda não detectado, com órbita
próxima à do Sol, cuja atração
gravitacional atuando sobre Mercúrio
alteraria as características de sua órbita.
Porém, esse planeta hipotético jamais foi
encontrado.
A solução desse enigma viria no
início século XX com o trabalho do físico
Albert Einstein, que desenvolveu uma
nova teoria para a gravitação, baseado
em parte no trabalho de cientistas que o
sucederam e que já prenunciavam, de Figura 6.1: Albert Einstein.
Fonte:
certa forma, o surgimento dessa “nova
http://www.brasilescola.com/fisica/po
física”. stulados-einstein.htm

2 A TEORIA DA RELATIVIDADE ESPECIAL


As contribuições de Einstein à gravitação têm início no ano de 1905, quando
é publicado seu trabalho “Sobre a Eletrodinâmica dos Corpos em Movimento”. Nele,
Einstein dá as bases da sua teoria da relatividade especial, que, posteriormente, ele
próprio irá generalizar em uma teoria geral da relatividade. Para que possamos
compreender a teoria da relatividade especial, é preciso que, primeiramente,
abordemos uma teoria física que descreve a propagação da luz e o resultado de um
experimento aparentemente conflitante com essa teoria.

2.1 O eletromagnetismo de Maxwell

O físico James Clerk Maxwell, no ano de 1865, publicou o trabalho “Uma


Teoria Dinâmica do Campo Eletromagnético”, no qual resume todo o conhecimento
disponível, até aquela época, sobre os fenômenos elétricos e magnéticos. Nesse
trabalho, Maxwell mostrou que o comportamento dos campos elétricos e
magnéticos, bem como a interação de um com outro, podem ser totalmente
descritos com um conjunto de apenas quatro equações. Físicos posteriores viriam a
reconhecer que o trabalho de Maxwell é um dos mais importantes da história da
física.
Para nossos
James Clerk Maxwell:
propósitos neste curso, o
físico britânico, viveu
que mais nos importa é a
entre 1831 e 1879. Foi
descoberta de Maxwell de
um dos maiores físicos
que campos
de todos os tempos,
eletromagnéticos podem se
tendo desenvolvido a
propagar no espaço na
primeira teoria física
forma de uma onda.
“completa” para o
Manipulando suas
eletromagnetismo.
equações, Maxwell mostrou
que uma onda dessa
Figura 6.2: Maxwell.
natureza – uma onda
Fonte:
eletromagnética – se http://pt.wikipedia.org/wiki/Ficheiro:James_Clerk_Maxw
ell_big.jpg
propaga no espaço com
uma velocidade de aproximadamente 3 × 10଼ m/s. Esse valor é quase idêntico ao
valor obtido experimentalmente para a velocidade da propagação da luz, o que
sugere que a luz corresponda justamente a uma onda eletromagnética prevista por
Maxwell. O físico Heinrich Hertz, em 1886, confirmou, através de experimentos, a
existência das ondas eletromagnéticas.
A velocidade obtida por Maxwell para as ondas eletromagnéticas – 3 ×
10 m/s – aparece de uma forma “absoluta” nas equações, ou seja, essa velocidade

não é associada a nenhum referencial específico. Mas já vimos, na seção 4.1 da


aula 5, que posições e velocidades só fazem sentido quando relacionadas a alguma
referência. Por exemplo, a distância ‫ ݎ‬que aparece na lei da gravitação universal de
Newton é uma distância entre dois pontos no espaço, e não um valor absoluto de
posição. Da mesma forma, quando um automóvel está se movendo sobre uma
rodovia, como sua “velocidade” nos referimos à velocidade com a qual ele se
desloca em relação à pista da rodovia; não é uma velocidade “absoluta” ou
intrínseca ao automóvel. Como é possível, então, que as equações de Maxwell
prevejam a existência de algo que se propaga com uma certa velocidade mas que
aparentemente não especifica o referencial na qual essa velocidade é medida?
A solução mais óbvia para o problema, na época, foi propor a existência de
um meio material no qual as ondas eletromagnéticas se propagam. Esse meio
material – chamado éter – permeia o universo inteiro, e é em relação a esse éter
que as ondas eletromagnéticas se propagam com a velocidade de 3 × 10଼ m/s
encontrada por Maxwell. Essa hipótese podia ser submetida a um teste
experimental, da seguinte forma: se a Terra se move em torno do Sol, está se
deslocando em relação ao éter. Sendo assim, se um raio de luz atinge a Terra em
sentido contrário ao que a Terra se move, deveríamos medir uma velocidade maior
para a luz do que mediríamos se a Terra estivesse parada. Da mesma forma,
quando estamos caminhando e cruzamos por uma pessoa que caminha no sentido
contrário ao nosso, essa pessoa se aproxima e se afasta mais rapidamente do que
se estivéssemos parados vendo-a passar. Por outro lado, se um raio de luz atinge a
Terra no mesmo sentido ao que a Terra se move, deveríamos medir uma
velocidade menor. Da mesma forma, demoramos mais a nos afastar de uma
pessoa que caminha no mesmo sentido que nós do que no sentido contrário.
Esse experimento foi realizado em 1887, por Albert Michelson e Edward
Morley. O resultado do experimento é surpreendente: Michelson e Morley
mostraram que a velocidade medida para a luz é a mesma em qualquer um dos
casos. Para que possamos perceber como esse resultado é surpreendente, compare
com o exemplo que utilizamos acima: é como se nos afastássemos de uma pessoa
sempre com a mesma rapidez, não importa se caminhamos em sentido contrário ou
no mesmo sentido que ela.

2.2 Os postulados da relatividade especial


Baseando-se nas equações de Maxwell e do resultado desse experimento,
Einstein criou sua teoria da relatividade geral, fundamentada em dois postulados:

Primeiro postulado (o “postulado da relatividade”): as leis da física


mantêm sua forma em todos os referenciais inerciais.
Segundo postulado (o “postulado da constância da velocidade da
luz”): a velocidade da luz tem o mesmo valor para todos os referenciais
inerciais.

O primeiro postulado é uma generalização do postulado da relatividade de


Galileu, que vimos na seção 4.1 da aula 5, mas agora abrangendo todas as leis da
física e não somente os resultados de medidas mecânicas, como o postulado
original de Galileu. O segundo
Referencial inercial: qualquer referencial que se mova
postulado diz que quaisquer
com velocidade constante em relação a outro – ou seja,
dois observadores que se
um referencial não acelerado. As leis de Newton da
movem com velocidade
mecânica, que mencionamos ligeiramente na aula 5, são
constante um em relação ao
válidas para referenciais inerciais.
outro irão medir a mesma
velocidade para a luz.
Esses dois postulados têm profundas implicações na forma como dois
observadores irão perceber eventos externos. Entre essas implicações, estão:
A relatividade da simultaneidade: se dois eventos são
simultâneos para um certo observador situado em um referencial S, não
necessariamente esses eventos serão simultâneos para um segundo
observador, situado num segundo referencial, S’, inercial em relação a S.
Isso significa que dois eventos nunca são simultâneos num sentido absoluto:
a percepção de dois eventos como simultâneos depende do referencial pelo
qual observamos esses eventos.
A contração do comprimento: considere que um certo objeto
possui um comprimento ‫ ܮ‬medido por um observador parado em relação a
esse objeto (referencial S); se um segundo observador, situado num
referencial S’ que se move com velocidade constante ‫ ݒ‬na mesma direção do
comprimento do corpo, fizer uma medida do comprimento desse objeto, irá
encontrar um valor menor do que ‫ܮ‬. Esse valor será tanto menor do que ‫ܮ‬
quanto mais rápido estiver se deslocando o segundo observador. Isso
significa que o corpo irá se mostrar mais “curto” para o segundo observador
do que para o primeiro, como se tivesse sido contraído – daí porque nos
referimos a esse efeito como contração do comprimento. O comprimento
observado em S’ será menor do que em S por um fator multiplicativo ߛ,
chamado fator de Lorentz, que vale:
1
ߛ=
6.1

ට1 − ቀ‫ݒ‬ቁ

ܿ

A dilatação do tempo: considere que um relógio está situado em


um certo ponto do espaço. Um observador, parado em relação ao relógio,
observa o relógio e infere, a partir dessa observação, que o tempo passa em
um certo ritmo. Um segundo observador, situado num referencial que se
move com velocidade constante em relação ao relógio, irá inferir, ao
observar o relógio, que o tempo passa num ritmo mais lento do que o
observado pelo primeiro observador: cada segundo se mostra mais “longo”
para o segundo observador do que para o primeiro, como se tivesse dilatado
– daí porque nos referimos a esse efeito como dilatação do tempo. O tempo
observado em S’ será maior do que em S por um fator multiplicativo, o
mesmo fator de Lorentz ߛ que aparece na contração do comprimento.

Dessas e de outras implicações, percebemos que os conceitos de tempo


absoluto e de espaço absoluto, tão importantes na física newtoniana, perdem seu
sentido na relatividade especial de Einstein. Na relatividade, tempo e espaço se
“fundem” naquilo que chamamos espaço-tempo, cujas propriedades dependem do
referencial no qual realizamos uma medida.

3 O PRINCÍPIO DA EQUIVALÊNCIA

A relatividade especial é voltada para referenciais inerciais. Ela nos diz como
podemos comparar medidas físicas realizadas entre dois referenciais inerciais
distintos. Porém, existem referenciais não inerciais entre si. Por exemplo, um
observador realizando um movimento circular em torno de um segundo observador
está num referencial não-inercial em relação a ele. Como se relacionam as leis da
física entre esses dois referenciais? Outro exemplo: um corpo próximo à superfície
da Terra está sujeito a uma aceleração devida à força gravitacional que atua sobre
ele. Sendo assim, como se comparam as observações realizadas por um observador
situado no mesmo referencial do corpo com as observações realizadas por um
observador livre da ação gravitacional terrestre? Da resposta a esta pergunta
dependia a elaboração de uma nova teoria da gravidade, que corrigisse as falhas da
teoria de Newton.
Para resolver essa questão, Einstein, em 1907, raciocinou de forma
semelhante à seguinte: se uma pessoa está em queda livre na Terra, no interior de
uma caixa (de forma que não veja o que de fato está acontecendo com ela), essa
pessoa não tem como saber se está em queda livre em uma região onde há um
campo gravitacional, ou se está em um referencial inercial a esse (movendo-se com
velocidade constante) na ausência de um campo gravitacional. Ou seja, para quem
está em queda livre, é como se o campo gravitacional “deixasse de existir”.
Einstein, então, propôs o princípio da equivalência: um campo gravitacional
atuando em um corpo e uma aceleração do referencial no qual o corpo está em
repouso são fisicamente equivalentes.
Pelo primeiro postulado da relatividade especial, sabemos que as leis da
física mantêm sua forma em quaisquer dois referenciais inerciais entre si. Se um
observador estiver situado em um referencial não-inercial, as leis da física sofrerão
“deformações”: mudam sua
Força fictícia: uma força que precisamos definir para
forma funcional. Um exemplo
tornar as observações realizadas em um referencial não-
dessas deformações é o
inercial coerentes com as observações situadas em um
surgimento de forças
referencial inercial. Um exemplo de força fictícia é a força
fictícias, quando analisamos
centrífuga: somente um observador situado num
um fenômeno físico em um
referencial não-inercial percebe essas forças. Você vai
referencial não-inercial em
aprender mais sobre forças fictícias na disciplina Física I.
relação ao fenômeno. Sendo
assim, a aceleração de um referencial produz deformações nas leis da física como
percebidas por um observador nesse referencial. A partir do princípio da
equivalência, podemos compreender a gravitação também como uma deformação –
mas uma deformação do espaço-tempo. O princípio da equivalência nos diz que a
presença de matéria no universo perturba as características do espaço-tempo no
seu entorno. Isso é a base da teoria da relatividade geral de Einstein: a gravitação
é o efeito da deformação do espaço-tempo produzida por uma distribuição de
matéria. Sendo assim, a matéria influencia na curvatura do espaço-tempo, e o
espaço-tempo influencia o movimento da matéria no universo.

4 AS EQUAÇÕES DE EINSTEIN DA RELATIVIDADE GERAL

A matemática envolvida na teoria da relatividade geral de Einstein é


formidável – não se pode expressar sua teoria como uma expressão simples, como
a lei da gravitação universal de Newton. Isso acontece porque a lei de Newton da
gravitação é uma lei de força entre dois corpos individualmente, e só depende das
características desses corpos e de sua distância. Já a teoria da relatividade geral diz
que o movimento de um corpo devido à gravitação é afetado pela curvatura do
espaço-tempo; porém essa curvatura também é afetada pela distribuição de massa
no universo.
O princípio da relatividade geral pode ser expresso como um conjunto de 10
equações da forma:

1 8ߨ‫ܩ‬
ܴఓఔ − ܴ݃ఓఔ = − ଶ ܶఓఔ
6.2

2 ܿ

O lado esquerdo dessa equação descreve a geometria do espaço-tempo. O


lado direito nos diz como a matéria está distribuída no espaço-tempo. Essa equação
mostra que, de fato, a distribuição de matéria determina a curvatura do espaço-
tempo, e o espaço-tempo determina como a matéria irá se deslocar no tempo e no
espaço. Resolver essas equações não é fácil: é preciso conhecer a geometria do
espaço-tempo e expressar como a matéria está distribuída. Na aula 7, vamos
mostrar uma aplicação das equações de Einstein; na verdade, a aplicação mais
ousada de todas – a análise da geometria do universo como um todo.
Quando Einstein aplicou sua teoria da relatividade geral para o universo em
grande escala, percebeu que, na forma mostrada nas equações 6.2, sua teoria era
incapaz de produzir soluções estáticas, ou seja, soluções nas quais o universo
permaneceria estável, sem alterar suas propriedades em grande escala. Porém, a
estabilidade do Universo e sua aparência estática em grande escala convenceram
Einstein de que suas equações estavam erradas, e que careciam de algum termo
extra que o permitisse chegar a soluções estáticas. Para solucionar esse aparente
problema com as equações, Einstein introduziu um termo aditivo ߉ nas suas
equações:

1 8ߨ‫ܩ‬
ܴఓఔ − ܴ݃ఓఔ + ߉g ఓఔ = − ଶ ܶఓఔ
6.3

2 ܿ

O termo aditivo ߉ é chamado constante cosmológica. A constante


cosmológica fornece uma energia que se contrapõe à força gravitacional: conforme
a gravidade tenta colapsar o universo, a constante gravitacional tende a deformar o
universo de forma inversa à ação da gravidade, permitindo, assim, que o universo
seja estático.

5 TESTES EXPERIMENTAIS DA RELATIVIDADE GERAL


A teoria da relatividade geral foi submetida a diversos testes experimentais
e, até agora, nenhuma incompatibilidade com as observações foi constatada. Os
principais sucessos da teoria da relatividade geral são:
A órbita de Mercúrio: Einstein, utilizando suas equações da
relatividade geral, re-calculou a órbita de Mercúrio e demonstrou que sua
teoria se ajusta muito bem às observações. A órbita “anômala” de Mercúrio
é, portanto, resultado da deformação do espaço-tempo produzida pelo Sol.
A deflexão da luz estelar: a relatividade geral prevê que corpos
muito massivos, por produzirem uma deformação intensa do espaço-tempo
em sua volta, produzirão deflexão dos raios de luz que passarem por perto.
Se uma estrela for observada, no céu, próximo ao Sol, seus raios de luz
devem sofrer uma curvatura, alterando a posição observada da estrela no
céu. Observações astronômicas foram conduzidas em diversas partes do
globo (inclusive no Brasil) visando identificar essa deflexão da luz das
estrelas produzidas pelo Sol. Esse efeito foi observado e seu valor foi
exatamente aquele previsto pela teoria da relatividade geral.
O redshift gravitacional: uma das previsões da relatividade geral é
a de que um campo gravitacional afeta o comprimento de onda da luz de um
feixe que passa por ele. Se um feixe de luz é emitido do solo, verticalmente
para cima, devido à curvatura do espaço-tempo produzida pela Terra, essa
luz será captada, mais acima, com um comprimento de onda ligeiramente
maior do que aquele com o qual foi emitida. Quanto maior o comprimento
de onda de um raio de luz, mais vermelho ele parece – por isso, o feixe de
luz irá parecer mais vermelho quando for captado. Esse desvio para o
vermelho (em inglês, redshift) devido à ação do campo gravitacional
terrestre pode ser medido experimentalmente. Experimentos visando
detectá-lo e medido foram conduzidos pela primeira vez em 1925, e
demonstraram que a intensidade observada do redshift gravitacional é
totalmente compatível com o valor esperado pela relatividade geral.

ATIVIDADES

Revise o conteúdo da aula de hoje, que é bastante longo e cheio de detalhes


históricos. Você vai precisar dominar seus fundamentos para a aula 7.

RESUMO

Nesta aula, você viu:


 Os fundamentos da Teoria da Relatividade Geral.
 Os principais testes experimentais dessa teoria.

REFERÊNCIAS

FERRIS, Timothy. Coming of age in the Milky Way. perennial ed. New York:
HarperCollins, 2003.

LIDDLE, Andrew. An introduction to modern cosmology. 2.ed. Wiley:


Chichester, 2003.

LONGAIR, Malcolm S. Galaxy Formation. 2.ed. Berlim: Springer-Verlag, 2008.

MORAIS, Antônio Manuel Alves. Gravitação e cosmologia. São Paulo: Livraria da


Física, 2009.

PAIS, Abraham. “Sutil é o Senhor...”: a ciência e a vida de Albert Einstein.


Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1995.
AULA 7 – TEORIAS COSMOLÓGICAS MODERNAS

OBJETIVOS:

Ao final desta aula, o aluno deverá:


 conhecer os principais parâmetros cosmológicos observáveis;
 ter noções sobre os fundamentos matemáticos das teorias cosmológicas e
suas implicações astronômicas.

1 INTRODUÇÃO

O que torna a Teoria da Relatividade Geral de Einstein tão relevante para a


cosmologia? Assim como Newton havia utilizado sua lei da gravitação universal
para analisar as propriedades do universo em grande escala, podemos utilizar a
relatividade geral para fazer o mesmo: aplicá-la para o universo em grande escala
e verificar o que resulta disso. Toda a cosmologia moderna é baseada justamente
na aplicação da teoria da relatividade geral de Einstein a um modelamento do
universo em grande escala, e em suas consequências. A seguir, vamos analisar
como podemos resolver as equações de Einstein quando aplicadas especificamente
para a cosmologia, as informações que essa teoria nos dá e suas consequências.

2 A MÉTRICA DE MINKOWSKI

A equação fundamental da relatividade geral, equação 6.2,

1 8ߨ‫ܩ‬
ܴఓఔ − ܴ݃ఓఔ = − ଶ ܶఓఔ ,
2 ܿ

envolve o termo ݃ఓఔ . Esse termo é chamado tensor métrico do espaço-tempo. Ele
regula como as coordenadas espaciais (x,y,z) e a coordenada temporal (o tempo, t)
se relacionam (lembre-se de que, na relatividade geral, o tempo e o espaço perdem
seu caráter absoluto e passam a formar um espaço-tempo coerente).

Início de boxe
Fim de boxe
Para compreendermos o que significa o tensor métrico ݃ఓఔ , pensemos no
exemplo que segue.
Tensor: objeto matemático que generaliza os conceitos
de escalar e vetor. Um escalar é uma grandeza
Imagine dois objetos, A
totalmente determinada por apenas um número: isso
e B, situados em dois pontos
corresponde a um tensor de ordem zero. Um vetor é
sobre uma superfície
uma grandeza determinada por um módulo, uma direção
euclidiana. Por superfície
e um sentido, podendo ser representado por uma
euclidiana, queremos dizer
sequência de n elementos alinhados, correspondendo à
uma superfície plana nas quais
dimensão do vetor: isso corresponde a um tensor de
a geometria de Euclides é
ordem 1. Uma matriz é coleção de (m x n) elementos
aplicável (uma superfície, por
alinhados em m linhas e n colunas: isso corresponde a
exemplo, na qual os ângulos
um tensor de ordem 2. O tensor métrico ݃ఓఔ é um tensor
internos de um triângulo
de ordem 2, ou seja, pode ser representado por uma
somam 180 graus). Digamos
matriz com ߤ linhas e ߥ colunas.
que suas posições nessa
superfície sejam ሺ‫ݔ‬ଵ , ‫ݕ‬ଵ ሻ e ሺ‫ݔ‬ଶ , ‫ݕ‬ଶ ሻ. A distância ‫ ݏ‬entre esses dois pontos pode ser
calculada, pelo teorema de Pitágoras, como:

‫ ݏ‬ଶ = ሺ‫ݔ‬ଵ − ‫ݔ‬ଶ ሻଶ + ሺ‫ݕ‬ଵ − ‫ݕ‬ଶ ሻଶ

Definindo ݀‫ݔ = ݔ‬ଶ − ‫ݔ‬ଵ e ݀‫ݕ = ݕ‬ଶ − ‫ݕ‬ଵ e ݀‫ݏ = ݏ‬,

݀‫ ݏ‬ଶ = ݀‫ ݔ‬ଶ + ݀‫ ݕ‬ଶ

O elemento ݀‫ ݏ‬é a métrica dessa superfície euclidiana. Generalizando para


um espaço euclidiano tridimensional, a métrica ݀‫ ݏ‬ficaria

݀‫ ݏ‬ଶ = ݀‫ ݔ‬ଶ + ݀‫ ݕ‬ଶ + ݀‫ ݖ‬ଶ 7.1

A métrica, portanto, é um elemento que nos permite medir distâncias no


espaço. O tensor métrico é definido a partir da métrica da seguinte forma. Se
representarmos as coordenadas espaciais ‫ݔ‬, ‫ݕ‬, ‫ ݖ‬por ‫ ݔ‬ଵ , ‫ ݔ‬ଶ e ‫ ݔ‬ଷ (onde os expoentes
são índices e não potências), então a métrica do espaço euclidiano tridimensional
pode ser expressa por:

݀‫ ݏ‬ଶ = ݃ఓఔ ݀‫ ݔ‬ఓ ݀‫ ݔ‬ఔ 7.2


Pela equação 7.1, sabemos que não existem termos cruzados entre as
coordenadas ‫ݔ‬, ‫ ݕ‬e ‫ ݖ‬em um universo euclidiano. Assim, os elementos do tensor
métrico serão nulos sempre que ߤ ≠ ߥ. Além disso, também notamos que, pela
equação 7.1, sempre que ߤ = ߥ teremos ݃ఓఔ = 1.
No contexto da relatividade geral, já sabemos que o espaço e o tempo são
vistos como uma unidade, o espaço-tempo. Assim, o tensor métrico ݃ఓఔ que
aparece nas equações de Einstein é mais complicado do que o obtido na equação
7.1. Se o universo for isotrópico, ou seja, se as propriedades do universo forem
muito semelhantes em qualquer direção que o observemos, então, como
demonstrado pelo matemático Hermann Minkowski, a métrica de um espaço-tempo
tridimensional pode ser expressa como:

݀‫ ݏ‬ଶ = ܿ ଶ ݀‫ ݐ‬ଶ − ሺ݀‫ ݔ‬ଶ + ݀‫ ݕ‬ଶ + ݀‫ ݖ‬ଶ ሻ 7.3

Perceba que a expressão 7.3 é muito semelhante à 7.1, exceto por esses
dois aspectos: a presença do termo dependente do tempo, ݀‫ݐ‬, e a constante ܿ que
aparece dividindo os termos dependentes do espaço. A constante ܿ é a velocidade
da luz no vácuo. A presença do termo ݀‫ ݐ‬é um aspecto do fato de que, na
relatividade geral, tempo e espaço são aspectos de uma mesma entidade física. A
métrica da equação 7.3 é chamada métrica de Minkowski, e é aplicável a um
universo tridimensional isotrópico no contexto da relatividade especial – isto é,
onde as interações gravitacionais são desprezíveis.

3 O PRINCÍPIO COSMOLÓGICO

Na seção 3.4 da aula 5, abordamos o princípio de Copérnico, que dizia que a


Terra não ocupa uma posição privilegiada no Universo. Quando interpretado da
forma mais ingênua, o princípio de Copérnico nos fala de posição: a Terra não se
situa no centro do Universo. Porém, o princípio de Copérnico pode ser interpretado
de uma forma mais profunda e gerando importantes implicações cosmológicas.
Quando observamos o Universo ao nosso redor, vemos que ele é fortemente
não-isotrópico. Do nosso ponto de vista, a cada direção em que observamos o
universo, ele aparenta possuir propriedades bastante distintas: acima do horizonte,
vemos uma atmosfera em rápida transformação, nuvens de vapor d’água se
condensando, um astro extremamente brilhante (o Sol) e, em sua ausência, uma
miríade de estrelas espalhadas por uma abóbada negra; abaixo do horizonte,
vemos uma densa e contínua distribuição de matéria, constituída de rochas e
coberta em partes por porções líquidas. Mas isso é percebido, por nós, somente em
escalas relativamente pequenas – a distância até as estrelas mais próximas de nós.
Se pudermos observar o universo em grande escala (a distâncias muito maiores do
que as que nos separam das estrelas mais próximas), como o universo se parece?
Podemos ter uma ideia a esse respeito utilizando telescópios, fazendo varreduras
dos corpos celestes que podem ser encontrados em regiões distintas do céu e
comparando os resultados. Na aula 29, vamos ver com mais detalhes os resultados
dessas observações, que nos dizem como a matéria se distribui em grande escala
no universo. Por ora, vamos apenas dizer que, nas maiores escalas de distância já
observadas, o universo é isotrópico, com muito boa aproximação: observamos
características muito semelhantes, não importa a direção em que o observemos.
O que essas observações nos mostram, em conjunto com o princípio de
Copérnico? Se o Universo só se mostrasse isotrópico do nosso ponto de vista,
quando situados na Terra, então a Terra estaria, sim, situada em uma posição
privilegiada e única no Universo. Para ser compatível com o princípio de Copérnico,
a aparente isotropia do Universo deve ser resultado do fato de que o Universo tem
aproximadamente as mesmas propriedades em cada ponto: assim, qualquer
observador, situado em qualquer ponto do Universo, irá percebê-lo como isotrópico,
da mesma forma como o observamos a partir da Terra. A isotropia aparente do
Universo, em conjunção com o princípio de Copérnico, implica, portanto, que o
Universo é homogêneo em grande escala. A ideia de que o universo é homogêneo é
uma generalização do princípio de Copérnico, e recebe o nome de princípio
cosmológico. A cosmologia moderna é fundamentada no princípio cosmológico.

4 A MÉTRICA DE ROBERTSON-WALKER

Se admitimos que o Universo é homogêneo em grande escala, então


podemos ser mais específicos em relação à sua métrica do que fomos quando
definimos a métrica de Minkowski, que vale para um universo isotrópico:

݀‫ ݏ‬ଶ = ሺ݀‫ ݔ‬ଶ + ݀‫ ݕ‬ଶ + ݀‫ ݖ‬ଶ ሻ − ܿ ଶ ݀‫ ݐ‬ଶ

Aplicando essa métrica na equação fundamental da relatividade geral, 6.1,


iremos obter o comportamento do espaço-tempo do universo como um todo.
Porém, a métrica de Minkowski vale para um universo isotrópico, mas não
necessariamente homogêneo. Se o universo é homogêneo, pode-se demonstrar
que sua métrica é dada pela expressão:
݀‫ݎ‬ଶ
݀‫ ݏ‬ଶ = ܿ ଶ ݀‫ ݐ‬ଶ − ܽଶ ሺ‫ݐ‬ሻ ቆ + ‫ ݎ‬ଶ ሺ݀ߠ ଶ + senଶ ߠ ݀߶ ଶ ሻቇ
7.4

1 − ݇‫ ݎ‬ଶ

Essa é a métrica de Robertson-Walker. Quando aplicada para descrever o


comportamento global do espaço-tempo, nos fornece a evolução da forma do
espaço-tempo devido à presença de massa, e o movimento da massa devido à
deformação do espaço-tempo. Os elementos que aparecem na sua métrica são:
O tempo cósmico, ࢚: considere que, em algum instante no passado,
um conjunto de observadores sincronizou seus relógios. O tempo cósmico
será o tempo como medido por cada um desses observadores conforme se
desloca no espaço-tempo.
As coordenadas co-móveis ࢘, ࣂ e ࣘ: especificam uma posição (em
coordenadas esféricas) no espaço em relação a uma origem qualquer,
normalizada pelas deformações na geometria do espaço que possam
acontecer ao longo do tempo cósmico. Se, por exemplo, o universo estiver
se expandindo ou contraindo devido à distribuição de matéria que contém,
as coordenadas co-móveis de um ponto não serão sensíveis a essa
expansão/contração. Já se duas partículas estiverem em movimento uma
em relação a outra, suas coordenadas co-móveis irão variar.
O fator de escala, ࢇሺ࢚ሻ: é uma função que informa como a distância
relativa entre quaisquer dois pontos varia com o tempo universal ‫ݐ‬. Esse
fator aparece na métrica porque, como já vimos, a presença de matéria no
universo deforma o espaço-tempo, o que significa que a própria escala de
tamanho do universo pode ser afetada pela matéria e, portanto, se alterar
com o tempo.
A curvatura, ࢑: é uma constante que fornece o tipo de geometria
global do espaço-tempo do Universo. A constante ݇ só pode assumir 3
valores possíveis: +1, 0 ou -1. Se ݇ = +1, o universo é dito esférico ou
fechado; se ݇ = −1, o universo é aberto ou hiperbólico; finalmente, se ݇ = 0,
o universo é plano ou euclidiano.

Não é fácil visualizar o significado de um universo tridimensional “fechado”,


“aberto” ou plano. A melhor maneira de ilustrarmos o significado da curvatura ݇ é
considerarmos um universo bidimensional. Se vivêssemos em um universo
bidimensional, estaríamos limitados a movimentos em duas dimensões. Se, além
de bidimensional, nosso universo fosse plano, ou seja, se ݇ = 0, então ele seria um
universo euclidiano. Num universo euclidiano, a geometria euclidiana é válida.
Assim, um triângulo traçado em nosso universo bidimensional hipotético seria um
triângulo “euclidiano”, no qual a soma dos ângulos internos resulta em 180∘ , como
pode ser visto na figura 7.1:

Figura 7.1: Ilustração de um triângulo em um universo bidimensional


euclidiano. A soma dos ângulos internos desse triângulo é igual a 180º.

Se, por outro lado, nosso universo hipotético for fechado, ou seja, se ݇ = +1,
então esse universo será encurvado sobre si mesmo, formando uma esfera – daí
chamarmos um universo desse tipo de universo esférico. Um universo
bidimensional desse tipo está mostrado na figura 7.2. Nesse universo não-
euclidiano, os ângulos internos de um triângulo não somam 180∘ .

Figura 7.2: Ilustração de um triângulo em um universo bidimensional


fechado (݇ = +1). A soma dos ângulos internos desse triângulo é maior do
que 180º.

Se o raio de curvatura desse universo for grande (ou seja, se a esfera


formada pelo universo bidimensional tiver um raio grande), um habitante desse
universo não perceberá uma diferença evidente entre seu universo e um universo
plano (com ݇ = 0), já que, localmente, terá a impressão de que vive num universo
plano. Compare dois triângulos traçados por moradores de um universo com ݇ = +1
com diferentes raios de curvatura, como mostrado na figura 7.3. No universo com
maior raio de curvatura, embora a soma dos ângulos internos do triângulo ainda
seja superior a 180º, essa soma é mais próxima de 180º do que em um universo
com pequeno raio de curvatura, e essa diferença é tanto menor quanto maior for o
raio de curvatura do universo em questão.

Figura 7.3: Ilustração de um mesmo triângulo em dois universos


bidimensionais fechados (݇ = +1), mas com raios de curvatura distintos (o
universo com menor raio de curvatura é mostrado acima, à esquerda). A
soma dos ângulos internos desse triângulo em ambos universos é maior
do que 180º, mas a diferença é menor no universo de maior raio de
curvatura.

Note que um habitante desse universo pode, em teoria, partir de um ponto


qualquer, andar em “linha reta” (do seu ponto de vista) e acabar retornando ao
ponto de partida. Isso acontece justamente porque seu universo é “fechado”, sem
limites físicos nas suas duas dimensões.
Já se esse universo bidimensional tiver ݇ = −1, ele será curvado
contrariamente a um universo esférico. Esse universo formará uma hipérbole
bidimensional, como mostra a figura 7.4. Nesse universo, também não-euclidiano,
os ângulos internos de um triângulo não somam 180∘ .
Figura 7.4: Ilustração de um triângulo em um universo bidimensional
aberto (݇ = −1). A soma dos ângulos internos desse triângulo é menor do
que 180º.

Também nesse caso, se o raio de curvatura do universo for grande, um


habitante desse universo não irá distinguir, localmente, se está num universo com
݇ = 0 ou ݇ = −1, como mostra a figura 7.5.

Figura 7.5: Ilustração de um mesmo triângulo em dois universos


bidimensionais abertos (݇ = −1), mas com raios de curvatura distintos (o
universo com menor raio de curvatura é mostrado acima, à esquerda). A
soma dos ângulos internos desse triângulo em ambos universos é menor
do que 180º, mas a diferença é menor no universo de maior raio de
curvatura.
Com base nesses exemplos, podemos entender a curvatura ݇ como um
parâmetro que indica se as três dimensões espaciais formam uma esfera
quadridimensional (uma hiperesfera), um plano tridimensional ou uma hipérbole
quadridimensional.
Finalmente, uma propriedade importante do parâmetro ݇ é que ele não varia
com o tempo. Se nosso o universo “nasceu” fechado, ele irá permanecer fechado.
Se nosso universo for plano, permanecerá plano, e assim por diante.

5 MODELOS DE UNIVERSOS DE FRIEDMANN

De posse da métrica de Robertson-Walker, podemos determinar as


propriedades geométricas do espaço-tempo e, portanto, conhecemos a geometria
do universo exceto pelos valores de ݇ e ܽሺ‫ݐ‬ሻ. A partir dessa métrica, podemos
determinar, via equação 7.2, o tensor métrico, e, com isso, o lado esquerdo das
equações de Einstein da relatividade geral, aplicadas para o universo como um
todo, fica determinado (equação 6.2):

1 8ߨ‫ܩ‬
ܴఓఔ − ܴ݃ఓఔ = − ଶ ܶఓఔ
2 ܿ

Usando as equações de Einstein com uma constante cosmológica (equação


6.3), o lado esquerdo fica definido a menos do valor ߉:

1 8ߨ‫ܩ‬
ܴఓఔ − ܴ݃ఓఔ + ߉݃ఓఔ = − ଶ ܶఓఔ
2 ܿ

O lado direito da equação contém toda a informação de como a matéria está


distribuída no universo. O termo ܶఓఔ é o tensor momentum-energia. Podemos
determinar esse tensor se conhecemos como a massa e a energia se distribuem.
Como a métrica de Robertson-Walker implica em um universo homogêneo e
isotrópico, então ܶఓఔ deve corresponder ao tensor momentum-energia de uma
distribuição de massa e energia homogênea e isotrópica. Podemos modelar um
universo desse tipo como preenchido por um pó homogêneo, com uma densidade
ߩ଴ e uma pressão ‫݌‬. Para uma distribuição de massa e energia dessa forma, o
tensor momentum-energia fica:

ߩ
ܶఓఔ = ෍ ݃ఓఈ ݃ఔఉ ൬ ଶ + ‫݌‬൰ ‫ݔ‬ሶ ఈ ‫ݔ‬ሶ ఉ − ‫݃݌‬ఓఔ
7.5
ߛ
ఈ,ఉ
Como conhecemos os dois lados da equação, podemos resolver as equações
de Einstein para o fator de escala ܽሺ‫ݐ‬ሻ em termos da curvatura ݇ do universo. A
solução das equações de Einstein, para um universo homogêneo e isotrópico, e
utilizando a métrica de Robertson-Walker, conduz às equações de Friedmann:

4ߨ‫ܩ‬ 3‫݌‬ 1
ܽሷ ሺ‫ݐ‬ሻ = − ܽሺ‫ݐ‬ሻ ൬ߩ + ଶ ൰ + ߉ܽሺ‫ݐ‬ሻ
7.6

3 ܿ 3
8ߨ‫ ߩܩ‬ଶ 1
ܽሶ ଶ ሺ‫ݐ‬ሻ = ܽ ሺ‫ݐ‬ሻ − ݇ܿ ଶ + ߉ܽଶ ሺ‫ݐ‬ሻ
7.7

3 3

Essas equações nos fornecem a evolução temporal do fator de escala do


Universo, ou seja, nos dizem como a escala física do espaço muda com o passar do
tempo. A equação 7.6, por exemplo, pode ser interpretada da seguinte forma. A
segunda derivada temporal do fator de escala (ou a “aceleração” sofrida pelo
tamanho físico do universo) corresponde à soma de dois termos.
O primeiro termo à direita da equação 7.6 é um termo negativo e contém os
efeitos da matéria sobre a geometria do universo (tanto pela densidade ߩ como
pela pressão a que ela está submetida, ‫)݌‬. Já que esse termo é negativo, a matéria
produz sempre uma aceleração negativa no fator de escala, ou seja, trabalha no
sentido de diminuir o fator de escala do universo. Assim, a presença de matéria no
universo sempre trabalha no sentido de colapsar o universo.
O segundo termo do lado direito da equação 7.6 é um termo que depende
exclusivamente da constante cosmológica ߉. Se ߉ > 0, então o efeito desse termo é
de acelerar a expansão do universo, comportando-se de forma contrária à matéria.
A constante cosmológica é interpretada como uma espécie de “energia de vácuo”,
ou energia escura, que não está associada à matéria.

6 PARÂMETROS COSMOLÓGICOS

A partir das equações 7.6 e 7.7, podemos definir um conjunto de


parâmetros associados à geometria do espaço-tempo que facilitam a interpretação
dessas soluções e que podem ser medidas diretamente a partir de observações
astronômicas.
A constante de Hubble, ‫ܪ‬ሺ‫ݐ‬ሻ, é definida como:

ܽሶ ሺ‫ݐ‬ሻ
‫ܪ‬ሺ‫ݐ‬ሻ =
7.8

ܽሺ‫ݐ‬ሻ
Essa constante pode ser definida para cada instante de tempo e mede a taxa
com que o universo está mudando seu fator de escala para um dado tempo
cósmico ‫( ݐ‬portanto, na verdade, a “constante” de Hubble não é uma constante).
Se realizarmos uma medição da constante de Hubble no presente (‫ݐ‬଴ ), estaremos
medindo o valor no presente da constante de Hubble, ‫ܪ‬଴ . A constante de Hubble
reduzida, ℎ, é uma normalização da constante ‫ܪ‬଴ :

‫ܪ‬଴
ℎ=
7.9

100

A constante de Hubble desempenha um papel extremamente importante na


cosmologia, como veremos na seção 8.
A densidade crítica, ߩ௖ , é definida como:

3‫ ܪ‬ଶ
ߩ௖ =
7.9

8ߨ‫ܩ‬

Como a densidade crítica depende somente da constante de Hubble ‫ܪ‬, e a


constante de Hubble depende do tempo, a densidade crítica também é uma função
do tempo. Num universo cujo fator de escala pode variar no tempo, é natural
pensarmos que a densidade desse universo também possa fazê-lo. Se formos
capazes de medir a densidade do Universo no presente (tanto a densidade de
matéria como de energia), podemos nos referir a essa densidade em termos da
densidade crítica, definindo o parâmetro de densidade, Ω଴ :

ߩ଴ 8ߨ‫ߩܩ‬଴
Ω଴ = =
7.10

ߩ௖ 3‫ܪ‬଴ଶ

Associada à constante cosmológica e à energia de vácuo, podemos definir


um parâmetro que mede a densidade de energia associada ao vácuo, ߩ௸ :

߉
ߩ௸ =
7.11

8ߨ‫ܩ‬

Assim como definimos um parâmetro de densidade em termos da densidade


crítica, podemos definir o parâmetro de densidade do vácuo, Ωஃ :
ߩ௸ 8ߨ‫௸ߩܩ‬
Ωஃ = =
7.12

ߩ௖ 3‫ܪ‬଴ଶ

Com essas definições, podemos re-escrever as equações 7.5 e 7.6 como


segue:

Ω଴ ‫ܪ‬଴ଶ
ܽሷ ሺ‫ݐ‬ሻ = − + Ωஃ ‫ܪ‬଴ଶ ܽሺ‫ݐ‬ሻ
7.13

2ܽଶ ሺ‫ݐ‬ሻ

ଶ ሺ‫ݐ‬ሻ
Ω଴ ‫ܪ‬଴ଶ
ܽሶ = − ݇ܿ ଶ + Ωஃ ‫ܪ‬଴ଶ ܽଶ ሺ‫ݐ‬ሻ
7.14

ܽሺ‫ݐ‬ሻ

Se realizamos uma medida no instante presente ‫ݐ‬଴ , podemos definir ܽሺ‫ݐ‬଴ ሻ =


1. Como ‫ܪ‬଴ = ܽሶ ሺ‫ݐ‬଴ ሻ/ܽሺ‫ݐ‬଴ ሻ, então ܽሶ ሺ‫ݐ‬଴ ሻ = ‫ܪ‬଴ e, com isso, obtemos da equação 7.14:

‫ܪ‬଴ଶ = Ω଴ ‫ܪ‬଴ଶ − ݇ܿ ଶ + Ωஃ ‫ܪ‬଴ଶ 7.15

‫ܪ‬଴ଶ
݇ = ൫ሺΩ଴ + Ωஃ ሻ − 1൯ ଶ
7.16

Da equação 7.16, podemos notar que um universo plano (݇ = 0) só ocorre se


Ω଴ + Ωஃ = 1; se Ω଴ + Ωஃ > 1, o universo é fechado, e se Ω଴ + Ωஃ < 1, ele é aberto. Com
isso, se for possível medir diretamente os parâmetros ‫ܪ‬଴ , Ωஃ e Ω଴ , podemos inferir
qual o tipo de geometria do nosso universo.

7 INFERÊNCIAS COSMOLÓGICAS A PARTIR DE OBSERVAÇÕES


ASTRONÔMICAS

As propriedades geométricas do espaço-tempo deixam assinaturas na


aparência do universo, quando vistas por um observador qualquer. Essas
assinaturas, quando convertidas nos parâmetros cosmológicos mostrados na seção
6, nos permitem identificar as propriedades geométricas do universo. Vejamos
algumas dessas assinaturas.

7.1 Redshifts cosmológicos

Na seção 5 da aula 6, abordamos o fenômeno do redshift gravitacional. Ele


ocorre, como vimos, devido à propagação de raios luminosos numa região onde
existe um campo gravitacional não homogêneo: o comprimento de onda da luz
captada é diferente do comprimento de onda com que essa luz é emitida.
Um outro tipo de redshift, produzido por um efeito totalmente diferente, é o
redshift cosmológico. Considere que uma fonte A, em um dado instante cósmico ‫ݐ‬ଵ ,
emitiu um feixe de luz visível de comprimento de onda ߣ em direção a um detector
B. As equações de Friedmann nos mostram que a presença de matéria e de energia
escura no universo produzem alterações no fator de escala do universo, ܽሺ‫ݐ‬ሻ.
Se, durante o tempo em que o feixe está se deslocando entre a fonte e o
detector, tiver ocorrido um aumento no fator de escala, quais serão as
características do feixe luminoso quando atingir o detector B? Ora, se o fator de
escala aumentou, então o comprimento de onda do feixe (uma medida de
comprimento, assim como o fator de escala) terá aumentado pelo mesmo fator.
Como o comprimento de onda captado, ߣ′, será maior do que o emitido, o detector
B receberá um feixe de luz deslocado em direção aos maiores comprimentos de
onda, ou seja, uma luz mais avermelhada, deslocada para o vermelho. Esse
fenômeno é chamado redshift cosmológico porque sua ocorrência é um efeito
puramente cosmológico devido à variação no fator de escala do universo. Podemos
definir um parâmetro que fornece a intensidade desse desvio para o vermelho, o
redshift ‫ݖ‬:

ߣᇱ − ߣ
‫=ݖ‬
7.17

Como ߣᇱ > ߣ, então ‫ > ݖ‬0. Já se o fator de escala está diminuindo com o
tempo, o detector B
Efeito Doppler: sempre que uma fonte que emite uma onda
irá captar um feixe
qualquer (luminosa, mecânica etc.) estiver em movimento
luminoso com
relativamente a um detector, o comprimento de onda captado
comprimento de
pelo detector será diferente do emitido pela fonte. Podemos
onda menor do que
perceber esse efeito quando um veículo sonoro (dotado de uma
o emitido. Assim,
sirene, com caixas de som etc.) passa por nós: nossos ouvidos
teremos um desvio
notam a mudança de comprimento de onda da onda sonora
do comprimento de
emitida. Um exemplo notável do efeito Doppler é o sistema de
onda da luz emitida
voo dos morcegos: para se localizarem no espaço enquanto
em direção ao azul,
voam, os morcegos emitem ondas sonoras de alta frequência e
e não ao vermelho –
captam novamente essa onda após sofrer reflexão contra
fenômeno que
eventuais obstáculos. O morcego consegue avaliar a velocidade
chamamos de
com que o obstáculo se move a partir das variações percebidas
blueshift, ou “desvio
no comprimento da onda sonora que seus ouvidos captam devido
para o azul”. Nesse
ao efeito Doppler. Você vai conhecer mais sobre esse efeito na
caso, a equação 7.17
disciplina Física II.
fornece ‫ < ݖ‬0.
Assim, podemos diferenciar facilmente um universo que esteja em expansão
de um universo que esteja contraindo: se for observado o fenômeno do redshift
cosmológico, então o fator de escala está aumentando e, com isso, o universo está
em expansão; do contrário, se for observado um blueshift cosmológico, então o
fator de escala está diminuindo e o universo está se contraindo.
Um outro fenômeno, de origem não-cosmológica, é o do redshift devido ao
efeito Doppler. Se uma fonte de luz está se afastando de um detector, então o
detector irá captar uma luz cujo comprimento de onda está deslocado para o
vermelho. Esse fenômeno acontece devido apenas ao movimento relativo entre
fonte e detector e nada tem a ver com cosmologia. Se observamos um redshift da
luz de um corpo celeste, precisamos determinar qual a natureza desse redshift
antes de associá-lo a um efeito cosmológico.

7.2 A lei de Hubble

Nas primeiras décadas do século XX, o astrônomo Edwin Hubble dedicava-se


a realizar levantamentos da distância que separa as galáxias, enormes enxames de
estrelas ligadas entre si pelo efeito gravitacional mútuo, da Terra. Além disso,
Hubble realizou estimativas da velocidade relativa dessas galáxias. No ano de 1929,
Hubble demonstrou a existência de uma relação aproximadamente linear entre a
distância estimada de uma galáxia em relação à Terra e sua velocidade aparente.
Em linhas
Edwin Hubble: astrônomo estadunidense,
gerais, Hubble
viveu entre 1889 e 1953. É um dos pais da
percebeu que as
cosmologia observacional, tendo
galáxias parecem
demonstrado não apenas a existência das
sistematicamente se
galáxias como objetos independentes
afastar da Terra e
(como veremos nas aulas 26 a 28) mas
que, quanto mais
também que o universo está em expansão.
distante uma galáxia
O primeiro e mais famoso telescópio em
se encontra, maior
órbita da Terra foi batizado com seu nome.
sua velocidade
aparente de Figura 7.1: Edwin Powell Hubble.
Fonte: http://pt.wikipedia.org/wiki/Ficheiro:Edwin_Hubble.jpg
afastamento, ou de
recessão. Se ‫ ܦ‬representa a distância estimada da galáxia e ‫ ݒ‬sua velocidade de
recessão estimada, a relação encontrada por Hubble, chamada lei de Hubble, pode
ser escrita na forma ‫ܦߙ = ݒ‬, onde ߙ é uma constante de proporcionalidade. O fato é
que essa constante de proporcionalidade é exatamente igual à constante ‫ܪ‬଴
definida pela equação 7.8, a constante de Hubble. Assim, a lei de Hubble pode ser
expressa como:

‫ܪ = ݒ‬଴ ‫ܦ‬ 7.18

O que Hubble não sabia, na época, é que as velocidades que ele atribuía às
galáxias observadas não são velocidades de deslocamento intrínsecas a essas
galáxias, e sim uma velocidade aparente devido ao fato de que o fator de escala do
universo está aumentando. Assim, a lei de Hubble expressa o fato de que o
universo está em expansão. As galáxias da amostra de Hubble apresentavam
sistematicamente um redshift de origem cosmológica, uma assinatura da evolução
da geometria do espaço em função do tempo cósmico. O redshift cosmológico
dessas galáxias pode ser obtido a partir de sua velocidade de recessão por:

‫ݒ‬
‫=ݖ‬
7.19
ܿ

A partir das definições de redshift cosmológico e da constante de Hubble,


podemos mostrar que o fator de escala do universo em um dado tempo cósmico ‫ݐ‬
no qual uma galáxia distante emitiu radiação se relaciona com o redshift ‫ ݖ‬que
mediremos para essa mesma galáxia no presente (‫ݐ‬଴ ) pela expressão:

1
ܽሺ‫ݐ‬ሻ =
7.20

1+‫ݖ‬

Sendo assim, quando observamos a luz emitida por uma galáxia a um


redshift cosmológico ‫ݖ‬, estamos captando a luz emitida por um objeto quando o
universo tinha um fator de escala ܽሺ‫ݐ‬ሻ. Se observamos uma galáxia a ‫ = ݖ‬0,1,
estamos observando a luz emitida por uma galáxia quando o universo tinha 91%
do seu fator de escala atual; se observamos uma galáxia a ‫ = ݖ‬1,0, essa luz foi
emitida quando o universo tinha somente metade do seu raio de escala atual!
Atualmente, as melhores estimativas experimentais para a constante de
Hubble fornecem ‫ܪ‬଴ = 72 km s ିଵ Mpc ିଵ . A unidade Mpc é uma unidade astronômica de
distância, como veremos na aula 13.

7.3 A radiação cósmica de fundo


Em meados dos anos 60, dois cientistas, Arno Penzias (físico) e Robert
Wilson (astrônomo), trabalhavam na implementação de uma antena de rádio
(ondas eletromagnéticas com comprimentos de onda entre 1 cm e 10 m,
aproximadamente), para uso em radioastronomia e em comunicações com
satélites. Uma de suas tarefas era garantir o isolamento da antena de qualquer
fator de interferência, que pudesse gerar sinais espúrios captados na antena.
Basicamente, isso implica em garantir que, quando a antena não está apontada
para nenhum emissor de rádio, o sinal indicado pela antena seja, de fato, zero. Se
uma antena qualquer indica algum sinal mesmo na ausência de uma fonte
emissora, existe algum problema de isolamento da recepção.
O problema enfrentado por Penzias e Wilson era que, não importa o quanto
tentassem resolver problemas de recepção, a antena sempre indicava uma certa
leitura, muito pequena mas constante. Não importa a direção no céu para a qual
apontassem: mesmo apontando para o espaço vazio, sempre havia um fluxo
aparente de ondas de rádio atingindo a antena. Em 1964, finalmente Penzias e
Wilson reconheceram que esse sinal não era fruto de uma falha de isolamento, mas
que essas ondas de rádio realmente atingiam a antena. A partir da intensidade da
radiação recebia em diferentes comprimentos de onda de rádio, Penzias e Wilson
mostraram que essa radiação era compatível com a emissão de um corpo negro
com uma temperatura
Corpo negro: um corpo idealizado (inexistente na prática) capaz
de aproximadamente
de absorver completamente qualquer radiação recebida por ele.
2,7 Kelvin (-270,3ºC).
Um corpo desse tipo emite radiação seguindo uma distribuição
A radiação
característica, que depende da temperatura desse corpo. Alguns
detectada por Penzias
corpos reais possuem um espectro de radiação bastante
e Wilson não é
semelhante com o de um corpo negro.
proveniente de
nenhum objeto em particular: ela preenche o universo inteiro, sendo proveniente
de todas as direções. Como veremos mais adiante, a natureza dessa radiação é
cosmológica, tendo surgido a partir das condições físicas do universo em um certo
momento de sua história, razão pela qual chamamos essa radiação de radiação
cósmica de fundo. As implicações da descoberta da radiação cósmica de fundo são
tão importantes, como veremos na seção a seguir, que Penzias e Wilson viriam a
receber o prêmio Nobel de Física pela sua descoberta.

8 O BIG BANG

Os modelos de universo de Friedmann e as observações realizadas por


Hubble foram, pela primeira vez, reunidas em um único corpo de conhecimento
cosmológico pelo matemático e padre Georges Lemaître. Foi Lemaître quem propôs
que os redshifts das galáxias observadas por Hubble eram de origem cosmológica,
e não desvios Doppler devido ao movimento desses objetos. Em 1927, Lemaître
publicou um artigo contendo suas ideias, que envolviam não apenas uma conexão
das observações de Hubble com a relatividade geral, mas também uma possível
conexão com o passado do universo.
Lemaître raciocinou da seguinte forma. O universo, no presente, se encontra
em expansão, como mostra a lei de Hubble. Com o passar do tempo, espera-se que
o fator de escala do universo aumente. Da mesma forma, se “voltarmos atrás” no
tempo, espera-se que o fator de escala do universo diminua: o universo, quanto
mais “jovem”, deve ser fisicamente menor. Se continuarmos realizando essa “volta
ao passado” mental, veremos o universo inteiro diminuindo seu raio de escala,
fazendo com que objetos distantes entre si no presente estejam cada vez mais
próximos uns dos outros no passado. O universo, assim, parece cada vez mais
denso, conforme voltamos no tempo. Podemos, hipoteticamente, até falar de um
começo para o universo: um instante no qual seu raio de escala era
infinitesimalmente pequeno e toda a massa estava concentrada em um único ponto
de densidade infinita. Neste instante, o universo iniciou um processo pelo qual
passou a expandir a partir desse ponto de densidade infinita. Esse processo foi
posteriormente chamado de Big Bang pelo astrônomo Fred Hoyle – em português,
“Grande Estouro”.
A ideia de um Big Bang inicialmente não foi seriamente considerada, mas
sua capacidade explicativa e seu conjunto de previsões foram posteriormente
reconhecidos. O Big Bang não é simplesmente a expansão de uma porção de
matéria no interior do universo: é a expansão do próprio universo a partir de uma
singularidade, uma condição de densidade infinita. Como o tempo em si é uma das
dimensões do universo segundo a relatividade geral, não existe um instante
“anterior” ao Big Bang: o tempo, o espaço, o universo inteiro têm início nesse
processo.
A hipótese do Big Bang explica a lei de Hubble, associando a expansão
presente do universo ao prolongamento da expansão primordial. Mas ela fornece
ainda mais informações. O universo está em expansão; a velocidade dessa
expansão pode ser inferida a partir da lei de Hubble,

‫ܪ = ݒ‬଴ ‫ܦ‬.

A partir da lei de Hubble, podemos inferir quanto tempo foi necessário para
que duas galáxias se separassem de uma distância ‫ ܦ‬a partir do Big Bang, se a
velocidade de expansão foi constante ao longo da história do universo. Pela
definição de velocidade, ‫ܦ = ݒ‬/‫ݐ‬, e assim:

1
‫=ݐ‬
7.20

‫ܪ‬଴

Assim, a hipótese do Big Bang, em conjunto com a lei de Hubble, permite


estimar a idade do universo – o tempo transcorrido desde o Big Bang. Com a
melhor estimativa atual do valor de ‫ܪ‬଴ , obtemos ‫ ∼ ݐ‬14 × 10ଽ anos, ou cerca de
quatorze bilhões de anos. Essa seria a idade aproximada do universo, estimativa
essa também condizente com as idades das estrelas mais velhas conhecidas.
Finalmente, a hipótese do Big Bang está de acordo com a radiação cósmica
de fundo. O universo primordial (imediatamente após o Big Bang) deveria ser, além
de extremamente denso, também extremamente quente. Conforme o universo
expandiu, a radiação que permeava o universo nos seus primórdios, propagando-se
pelo espaço, sofreu um efeito semelhante ao redshift cosmológico. Sendo assim,
um observador que detecte essa radiação no presente irá percebê-la como uma
radiação proveniente de todas as direções e associada a um corpo negro bastante
frio, embora sua emissão tenha ocorrido nos primórdios superaquecidos do
universo. A temperatura com a qual deveríamos observar essa radiação primordial
pode ser calculada a partir de um modelo cosmológico (como os de Friedmann), e
os cálculos conduzem exatamente aos 2,7 K de temperatura associada à radiação
cósmica de fundo descoberta por Penzias e Wilson.

9 COSMOLOGIA CONTEMPORÂNEA

As últimas décadas produziram um enorme fluxo de dados cosmológicos


provenientes de observações com equipamentos extremamente precisos e de
técnicas avançadas de análise. Esses dados conduziram à chamada cosmologia de
concordância: um conjunto de parâmetros que descrevem a estrutura do universo e
sua geometria que melhor se ajustam a todo o conjunto de observações disponível.
Os dados que estabeleceram a base para a cosmologia de concordância
atual são, entre outros:
Flutuações na radiação cósmica de fundo: a radiação cósmica de
fundo, como vimos, pode ser captada em todas as direções e é sempre
compatível com uma temperatura de 2,7 K. Porém, ela apresenta pequenas
flutuações: em algumas direções a temperatura medida é maior e em
outras, menor. As características dessas flutuações estão diretamente
ligadas com as propriedades do universo quando do período em que a
radiação se “desacoplou” da matéria (antes disso, o universo era permeado
por partículas que absorviam totalmente a radiação). Como, hoje em dia, a
matéria no universo não está homogeneamente distribuída (formando os
corpos celestes), então a radiação, ao “desacoplar” da matéria, carregando
em si um pouco da informação sobre como essa matéria estava distribuída,
deve revelar as flutuações de densidade que mais tarde dariam origem aos
corpos celestes. Essas flutuações podem ser diretamente comparadas com
os modelos cosmológicos. A figura 7.6 mostra o mapa de flutuações da
radiação cósmica de fundo obtido pelo satélite WMAP (Wilkinson Microwave
Anisotropy Probe).

Figura 7.6: Mapa de flutuações da radiação cósmica de fundo obtido pelo WMAP.
Fonte: http://map.gsfc.nasa.gov/.

Nucleossíntese primordial: quando o universo era ainda muito


jovem (menos de 1 segundo após o Big Bang), a temperatura era tão alta
que prótons e nêutrons eram incapazes de se unir formando os núcleos
atômicos. Além disso, reações de decaimento constantemente convertiam
nêutrons e elétrons em prótons e vice-versa. Como conhecemos a eficiência
desses processos, podemos estimar a frequência relativa de prótons e
nêutrons produzidos nessa época. Mais ainda, conhecendo como os
diferentes núcleos atômicos se formam e como interagem uns com os outros
formando novos núcleos, podemos prever qual será a constituição química
do universo em qualquer instante posterior. Essa área de pesquisa
cosmológica, chamada nucleossíntese primordial, foi aberta por Ralph
Alpher, George Gamow e Hans Bethe, nos anos 40. As proporções relativas
dos diferentes núcleos atômicos observados no universo podem ser
comparados com as previsões da nucleossíntese primordial (cujos
parâmetros dependem da cosmologia do universo).
A estrutura em grande escala do universo: assim como as
flutuações de densidade primordiais (reveladas pelas flutuações na radiação
cósmica de fundo) dependem dos parâmetros cosmológicos do universo,
também as flutuações de densidade observadas no universo dependem
desses parâmetros. Se formos capazes de mapear com precisão a forma
como a matéria se distribui em grande escala no universo, podemos
comparar essa distribuição com diferentes modelos cosmológicos. A figura
7.7 mostra uma projeção da distribuição de galáxias em uma fração do
universo obtida pelo levantamento de galáxias 2dF. A partir dessa
distribuição, podemos estimar o valor de parâmetros cosmológicos e,
conseqüentemente, informações sobre a geometria do universo.

Figura 7.7: Distribuição de uma fração de galáxias no universo obtida pelo


levantamento 2dF.
Fonte: http://www2.aao.gov.au/2dFGRS/.

Idades das estrelas: como veremos na unidade IV, hoje em dia já


se sabe o suficiente sobre o ciclo de vida das estrelas para que possamos
inferir não somente as idades de estrelas individuais, mas especialmente a
de conjuntos de estrelas ligadas gravitacionalmente. Podemos, portanto,
utilizar a idade das estrelas mais velhas observadas para estimar a idade do
universo.
Supernovas Ia: algumas estrelas encerram sua vida em uma
explosão que libera enormes quantidades de matéria no espaço. Durante
essa explosão, chamada supernova, a luminosidade da estrela aumenta
milhares de vezes. Todas as supernovas Ia são extremamente semelhantes
entre si; elas atingem um pico de luminosidade muito semelhante, e todas
apresentam distribuições de luz semelhantes. Portanto, a medida da
luminosidade de pico de uma supernova é uma medida indireta de sua
distância. Assim, podemos construir um diagrama com a distância e o
redshift de um conjunto de supernovas observadas a diferentes distâncias.
Esse diagrama pode ser comparado diretamente com as previsões de
diferentes modelos cosmológicos. A figura 7.8 mostra um diagrama desse
tipo obtido pelo Supernova Cosmology Project.

Figura 7.8: Diagrama de luminosidade aparente (magnitude ߤ) em função do


redshift ‫ ݖ‬para supernovas tipo Ia, do Supernova Cosmology Project.
Fonte: http://supernova.lbl.gov/Union/.

A cosmologia de concordância, baseada nos dados acima e em outros,


conduz a um modelo de universo com uma geometria global plana, ou seja,
Ω଴ + Ωஃ = 1 e ݇ = 0. Sendo assim, o universo globalmente é semelhante a um
universo euclidiano. Além disso, o universo possui uma constante cosmológica
diferente de zero.
De fato, o valor mais aceito hoje em dia para o parâmetro de densidade
associado à constante cosmológica é Ωஃ = 0,73, ou seja, a constante cosmológica
responde por 73% da densidade crítica do universo. Fisicamente, atribui-se a
constante cosmológica a uma espécie de “energia escura” que tende a expandir o
universo. Na cosmologia de concordância, a energia escura produz uma aceleração
da taxa de expansão do universo, ou seja, devido à energia escura, o universo se
expande indefinidamente e cada vez mais depressa. A constante de Hubble é
estimada como 70,5 ± 1,3 km s ିଵ Mpc ିଵ , e a idade do universo é de 13,72 ± 0,12 × 10ଽ
anos.

ATIVIDADES

Revise o conteúdo da aula de hoje, que é bastante longo e repleto de


conceitos novos. A aula 8 requer o conhecimento de conceitos abordados na aula
de hoje.

RESUMO

Nesta aula, você viu:


 Os fundamentos dos modelos cosmológicos modernos.
 A lei de Hubble.
 O significado da radiação cósmica de fundo.
 O conceito de Big Bang.

REFERÊNCIAS

FERRIS, Timothy. Coming of age in the Milky Way. perennial ed. New York:
HarperCollins, 2003.

LIDDLE, Andrew. An introduction to modern cosmology. 2.ed. Wiley:


Chichester, 2003.

LONGAIR, Malcolm S. Galaxy Formation. 2.ed. Berlim: Springer-Verlag, 2008.

PAIS, Abraham. “Sutil é o Senhor...”: a ciência e a vida de Albert Einstein.


Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1995.
AULA 8 – VERIFICANDO A LEI DE HUBBLE

OBJETIVOS:

Ao final desta aula, o aluno deverá:


 compreender o significado cosmológico da lei de Hubble;
 ser capaz de verificar o caráter linear da lei de Hubble para um conjunto de
observações astronômicas.

1 INTRODUÇÃO

Na aula 7, vimos que existe uma relação linear entre a distância que nos
separa de uma galáxia e a velocidade com que essa galáxia se afasta de nós,
relação essa chamada lei de Hubble e dada pela equação 7.18:

‫ܪ = ݒ‬଴ ‫ܦ‬

Nesta aula prática, iremos estimar a velocidade de recessão e a distância de


um pequeno conjunto de galáxias e demonstrar que essas grandezas são
aproximadamente proporcionais. Vamos, também, realizar uma estimativa do valor
da constante de Hubble, ‫ܪ‬଴ .

2 METODOLOGIA

As figuras 8.1 a 8.5 mostram imagens obtidas para 10 galáxias, todas com
morfologias semelhantes. Essas galáxias estão localizadas a diferentes distâncias
em relação à nossa galáxia. As imagens foram todas obtidas com a mesma escala
espacial, ou seja, compreendem a mesma seção do céu. Sobreposta à imagem de
cada galáxia, há uma grade quadrada, cuja função vamos discutir mais abaixo.
Como você pode perceber, as galáxias parecem ter tamanhos variados. Isso
pode ser devido a dois fatores: ou as galáxias possuem realmente tamanhos físicos
diferentes em qualquer distância, ou elas aparentam ser de tamanhos diversos
simplesmente porque se situam em diferentes distâncias, o que faz com que as
galáxias mais distantes pareçam menores e as mais próximas, menores. No nosso
experimento, vamos considerar que as galáxias, por terem morfologias
semelhantes, possuem tamanhos intrínsecos semelhantes e, assim, quaisquer
diferenças entre seus tamanhos aparentes é devida principalmente às diferentes
distâncias ocupadas por elas.
Figura 8.1: Imagem das galáxias ESO 409 G 012 (acima) e IC 708
(abaixo).
Fonte: Skyview Virtual Observatory – http://skyview.gsfc.nasa.gov/.
Figura 8.2: Imagem das galáxias NGC 315 (acima) e NGC 1298 (abaixo).
Fonte: Skyview Virtual Observatory – http://skyview.gsfc.nasa.gov/.
Figura 8.3: Imagem das galáxias NGC 2768 (acima) e NGC 3379 (abaixo).
Fonte: Skyview Virtual Observatory – http://skyview.gsfc.nasa.gov/.
Figura 8.4: Imagem das galáxias NGC 4841B (acima) e NGC 6020
(abaixo).
Fonte: Skyview Virtual Observatory – http://skyview.gsfc.nasa.gov/.
Figura 8.5: Imagem das galáxias NGC 7194 (acima) e NGC 7436B
(abaixo).
Fonte: Skyview Virtual Observatory – http://skyview.gsfc.nasa.gov/.
A partir das imagens das galáxias mostradas nas figuras 8.1 a 8.5, você vai
medir o tamanho aparente de cada uma delas e, a partir dessa medida, estimar a
distância em que cada galáxia se encontra. Para isso, siga os seguintes passos:
1) Com o auxílio da grade e usando o teorema de Pitágoras, faça
uma estimativa do diâmetro aparente de cada galáxia. Isso será
uma tarefa relativamente simples para as galáxias cujo formato
aparente é o de um disco. Algumas galáxias possuem formatos
aparentes semelhantes a elipses. Nesse caso, meça o eixo maior
da galáxia.
2) As medidas de diâmetro que você obteve no item acima estão em
unidades arbitrárias. Para transformar esse diâmetro aparente em
alguma escala física, use o fato de que cada quadrado da grade
compreende um ângulo de 7,12 × 10ିହ radianos no céu. Com isso,
você pode expressar as medidas de diâmetro aparente das
galáxias em um ângulo ߠ, expresso em radianos.
3) Os ângulos ߠ compreendidos pelas galáxias e obtidos acima estão
relacionados à distância ‫ ܦ‬em que a galáxia se encontra e com
seu diâmetro físico ݀. Com um pouco de trigonometria, é fácil
mostrar que:
݀
‫=ܦ‬
8.1
ߠ
2 tan ቀ2ቁ
Assim, se conhecermos o tamanho físico ݀ de uma galáxia,
podemos calcular sua distância ‫ܦ‬. Porém, o valor de ݀ não é, em
princípio, conhecido para cada galáxia individual. Para calcular a
distância ‫ ܦ‬de cada galáxia, você vai utilizar uma estimativa
independente do diâmetro físico da galáxia NGC 315, utilizando
ferramentas astrofísicas diversas, que é de 0,036 Mpc. Como já
explicado anteriormente, vamos considerar que todas as galáxias
da nossa amostra possuem tamanhos físicos semelhantes; assim,
vamos usar a estimativa de ݀ = 0,036 Mpc para todas as galáxias
da amostra.

Agora já possuímos estimativas da distância ‫ ܦ‬de cada uma dessas galáxias,


na unidade Mpc. Para construirmos um diagrama de Hubble, precisamos, agora, de
uma estimativa de sua velocidade de recessão. Para isso, siga os seguintes passos:
1) Como vimos na aula 7, quando uma galáxia está se afastando de
nós, a radiação que captamos proveniente dessa galáxia sofre um
desvio para o vermelho, ou redshift. Devido a esse efeito, toda a
luz emitida originalmente pela galáxia com um certo comprimento
de onda ߣ é captada por nós com um comprimento de onda ߣ′
maior do que ߣ. A tabela 8.1 fornece a freqüência ߣ′ com que um
determinado tipo de radiação eletromagnética, oriunda de uma
transição eletrônica conhecida de uma dada molécula e que
ocorre no comprimento de onda ߣ = 517,5 nm nos laboratórios na
Terra, foi detectada para cada uma das galáxias da amostra. Com
os dados dessa tabela, calcule o redshift de cada uma das
galáxias da amostra, usando a equação 7.17:

ߣᇱ − ߣ
‫=ݖ‬
ߣ

2) De posse dos valores do redshift de cada galáxia, é simples


calcular sua velocidade de recessão, usando a equação 7.19:

‫ݒ‬
‫=ݖ‬
ܿ

Use, na equação 7.19, ܿ ∼ 3,0 × 10ହ km/s. Com isso, você vai obter
uma velocidade de recessão em quilômetros por segundo.

Galáxia ࣅ′ (para ࣅ = ૞૚ૠ, ૞ ‫)ܕܖ‬


ESO 409 G 012 531,3 nm
IC 708 533,9 nm
NGC 315 526,0 nm
NGC 1298 528,8 nm
NGC 2768 519,9 nm
NGC 3379 519,1 nm
NGC 4841B 528,4 nm
NGC 6020 524,9 nm
NGC 7194 531,4 nm
NGC 7436B 530,2 nm

Tabela 8.1: Comprimento de onda medido ߣ′ para a


radiação originalmente emitida no comprimento de
onda ߣ = 517,5 nm para as 10 galáxias da amostra.
3 ANÁLISE DOS RESULTADOS

De posse dos valores de ‫ ݒ‬e ‫ ܦ‬obtidos na seção 2 para cada uma das
galáxias, você pode construir o diagrama de Hubble. Faça esse diagrama,
colocando ‫ ܦ‬no eixo horizontal e ‫ ݒ‬no eixo vertical, utilizando programas para
criação de gráficos, planilhas eletrônicas ou papel milimetrado.
Verifique, no diagrama construído, que as galáxias da amostra tendem a se
afastar de nós tanto mais rapidamente quanto mais distantes elas se encontram.
Analisando esse diagrama, faça uma estimativa da constante de proporcionalidade
entre ‫ ݒ‬e ‫ܦ‬. Compare esse valor com a melhor estimativa moderna, ‫ܪ‬଴ = 70,5 ±
1,3 km s ିଵ Mpc ିଵ .

RESUMO

Nesta aula, você viu:


 Uma aplicação prática de conceitos associados à cosmologia.
 A construção de um diagrama de Hubble a partir de estimativas
observacionais.

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