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“Doença mental materna ainda é associada a ser ‘uma mãe ruim”

Psicólogos apontam para riscos dos preconceitos em torno dos transtornos como depressão pós-
parto.

Uma em cada cinco mulheres experimenta transtorno do estado de ânimo na gravidez ou


maternidade

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Dia das Mães 2018

Muitas mães escondem os sintomas de tristeza por falta de apoio do seu entorno social. GETTY

ADRIÁN CORDELLAT

11 MAI 2018 - 11:39 BRT

Associações e organizações de países de todo o mundo estão se mobilizando para que a primeira
quarta-feira de maio de todos os anos seja considerada o Dia Mundial da Saúde Mental
Materna. Uma reivindicação organizada em torno da Global Alliance for Maternal Mental Health
e que busca pôr em primeiro plano um aspecto importantíssimo da maternidade que muitas
vezes fica invisível e é minimizado pela sociedade. Os transtornos mentais relacionados à
maternidade são também muitas vezes diretamente escondido pelas próprias mães, submetidas
à crença de que a maternidade só pode trazer consigo sentimentos relacionados com a
felicidade. Daí a importância de enfatizar o problema neste Dia das Mães, celebrado no Brasil
próximo domingo, 13 de maio.

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Qualquer mulher, independentemente de sua cultura, idade, nível de renda e etnia, está exposta
a desenvolver transtornos do humor e de ansiedade perinatal que podem aparecer a qualquer
momento da gravidez ou durante o ano seguinte ao parto. Não por acaso, segundo dados da
própria Global Alliance, estima-se que em muitos países até uma de cada cinco novas mães
experimenta algum tipo de transtorno do estado de ânimo e ansiedade perinatal (PMAD), uma
cifra que aumenta no caso de perdas perinatais.

“É necessário estabelecer o Dia Mundial da Saúde Mental Materna por muitos motivos, bem
mais do que acreditamos, já que a saúde mental materna afeta diretamente a mulher, mas
também o bebê, o casal e a família. Na realidade, a saúde mental das mães é um pilar necessário
para o desenvolvimento e o crescimento saudável dos filhos. Apesar disso, na sociedade existe
uma idealização da maternidade junto com um estigma da doença mental materna, associado
com ser uma mãe ruim, o que chega a impedir as mulheres que se sentem angustiadas,
incapazes, tristes, culpadas ou com medo de comentar isso com sua família ou profissionais de
referência”, reflete Isabel Echevarría, psicóloga perinatal e membro do grupo de trabalho de
Psicologia da Ordem Oficial de Psicólogos de Madri (COP, na sigla em espanhol), que aderiu a
essa iniciativa mundial.

Um tema oculto e minimizado

Para a psicóloga, a problemática da saúde mental materna se ampliou nos últimos anos. Um
aumento para o qual, segundo ela, confluem vários motivos: “Cada vez se tem mais consciência
de sua existência, o que torna mais fácil para os profissionais detectar o problema, elevando
assim o número de diagnósticos. Mas é preciso acrescentar que a sociedade em que vivemos
dificilmente é compatível com o ritmo biológico da gravidez e da lactância, existindo pouca rede
de apoio para as mulheres, que na maioria dos casos se encontram sem um grupo no qual se
apoiar e com o qual compartilhar, o que aumenta o nível de estresse e mal-estar”.

"A sociedade em que vivemos dificilmente é compatível com o ritmo biológico da gravidez e da
lactância, existindo pouca rede de apoio para as mulheres"

Esse aumento dos casos oculta, porém, outra realidade preocupante. Segundo estimativas, 70%
das mulheres escondem ou minimizam seus sintomas, algo que, de acordo com Gabriela
González, psicóloga perinatal e coordenadora do grupo de trabalho de Psicologia Perinatal da
COP de Madri, poderia ser comparado com a relação que muitas mulheres têm com seu corpo,
condicionada pelos modelos e as expectativas sociais: “Neste contexto e nesta etapa da vida,
pensar a saúde mental leva a uma fratura que não pode ser contida no social, mas tampouco em
nível subjetivo, que se evidencia no sofrimento de cada mãe que vê a si mesma como imperfeita,
não suficientemente boa ou sem a capacidade necessária para exercer sua função materna de
acordo com seus próprios modelos idealizados e, em particular, no que diz respeito a seus
desejos, ansiedades e temores”.

O entorno das mães é mais uma circunstância que não contribui com a prevenção e o
tratamento do problema. De modo geral, a sociedade ainda está pouco acostumada a lidar com
sintomas de tristeza nas mães, quando se espera delas alegria, e demonstra ser incapaz, em
muitas ocasiões, de lhe dar o apoio necessário, sendo sempre mais propensa a minimizar os
problemas e não lhes dar importância. Para a psicóloga perinatal Gabriela González, as
conotações negativas e as atitudes do entorno social e familiar diante do estigma da saúde
mental “constituem uma barreira pouco permeável no que diz respeito a gerar espaços
saudáveis que permitam incorporar essa problemática”. Daí que em muitas ocasiões problemas
como a depressão pós-parto sejam vivenciados pelas mães em uma clandestinidade social e
cultural, marcada pelo “traçado de uma cenografia subjetiva caracterizada pelo segredo, a culpa,
a insegurança, a condenação moral, o medo e a solidão”.

Estima-se que cerca de 70% das mulheres escondem ou minimizam seus sintomas por medo do
estigma social em torno de ser mãe

Para Cristina Castaño, psicóloga perinatal e membro também do grupo de trabalho da COP de
Madri, o fato de as mães não terem a possibilidade de falar sobre o que estão passando e
optarem por ocultar “não faz com que o problema desapareça”. Isso sempre contribui para
enraizá-lo e agravá-lo, sobretudo quando se fala de um verdadeiro problema de saúde mental
que interfere na vida normal da mulher, em sua capacidade para desenvolver o novo papel de
mãe e no estabelecimento do vínculo com seu bebê: “Se o problema está aí, é importante
nomeá-lo para poder intervir quanto antes. Deixar passar o tempo não o fará desaparecer. Pelo
contrário, dará origem a mais dificuldades e tornará mais complexa a intervenção”.

Nesse sentido, Castaño destaca a importância de “dar um espaço à mulher, acompanhá-la e


apoiá-la” para que possa levar adiante seu papel de mãe do melhor modo possível, já que as
consequências de não intervir adequadamente ou de não receber os apoios necessários acabam
repercutindo em toda a família. “Repercute tanto na saúde mental de seus membros como no
estabelecimento de um vínculo saudável com o bebê, o que pode afetar o desenvolvimento de
sua capacidade cognitiva e até dar lugar a problemas de saúde mental”, explica.

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