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Perda da Graduação das Praças

PAULO TADEU RODRIGUES ROSA

Advogado em Ribeirão Preto, membro titular da Academia Ribeirão Pretana de Letras Jurídicas e
Membro Correspondente da Academia Brasileira de Letras Jurídicas, mestrando pela Unesp-Campus de
Franca.

Com o advento da Constituição Federal de 1988, às Instituições Militares e nelas incluídas as Polícias
Militares e seus Corpos de Bombeiros Militares dos vários Estados da Federação, que por disposição
do art. 144, parágrafo 6.o da C. F são forças auxiliares e reserva do Exército Nacional, vêm passando
por várias modificações no aspecto estrutural e no relativo a legislação referente aos seus regulamentos.

As Polícias Militares em cumprimento ao art. 144, "caput" da Constituição são as responsáveis ao lado
dos outros órgãos disciplinados no dispositivo mencionado pela segurança pública, que é um dever do
Estado e responsabilidade de todos. Deve-se observar que segurança púbica não é uma questão militar
como muitos a vêm tratando, mas uma questão de atribuição civil.

Devido às suas origens, como ocorre com a Milícia Paulista que surgiu no período Regencial em 15 de
dezembro de 1831 por ato do Padre Feijó, as Polícias acabaram recebendo um tramento e incorporando
toda a estrutura militar, com postos e graduações iguais a do Exército, exceção feita apenas com
relação aos postos de oficiais generais (General-de-Brigada, Divisão e Exército), que nestas Instituições
não existem.

As praças das corporações policiais militares ao praticarem uma transgressão disciplinar, que para
efeitos didáticos de estudo pode ser comparada a uma contravenção penal, quando esta for de natureza
grave ficam sujeitos se contarem com mais de 10 anos de efetivos serviços prestados a um
procedimento administrativo denominado Conselho de Disciplina, e as que tenham menos tempo a um
procedimento denominado de Sumário.

O Conselho de Disciplina conforme preceitua o artigo 137 da I-16 PM, instruções que regulamentam
este processo no Estado de São Paulo, é o processo administrativo disciplinar destinado a apurar e
julgar a transgressão disciplinar grave, passível de reforma administrativa, demissão ou expulsão,
praticada pela praça estável.

A praça submetida a Conselho será julgada por três oficiais, sendo que a patente, ou seja, o posto
ocupado por esses oficiais, dependerá da graduação do acusado. Neste sentido, se o acusado for um
soldado PM este será julgado por um capitão, que será o presidente do feito e por mais dois tenentes
que serão respectivamente o vogal interrogante e o vogal mudo. No caso da praça ser um sargento esta
deverá ser julgada pelo Subcomandante da Unidade que em regra é um Major, e por mais dois capitães.

Ao final da instrução probatória, onde é assegurado ao acusado a ampla defesa e o contraditório em


atendimento aos dispositivos constitucionais, o Conselho deverá oferecer um parecer no qual decidirá
se a acusação é procedente ou improcedente, e sendo esta procedente os julgadores pedirão a exclusão
das praças dos quadros da PM.
A autoridade policial militar que pediu a instauração do Conselho dará uma solução ao feito, acatando
ou não a decisão daquele Colegiado. Entendendo a autoridade pela procedência da acusação, esta
remeterá os autos ao Comandante Geral da Corporação para que este se assim o entender pratique o ato
demissionário da praça.

É importante se observar que este era o procedimento legal e adotado nas Polícias Militares até a
vigência do novo Texto Constitucional que retirou do Comandante Geral esta atribuição. Esta
modificação de competência para a demissão da praças dos quadros da PM ocorreu por força de
disposição do artigo 125, parágrafo 4.o da Constituição Federal que prescreve, "Compete a Justiça
Militar estadual processar e julgar os policiais militares e os bombeiros militares nos crimes militares,
definidos em lei, cabendo ao tribunal competente decidir sobre a perda do posto e da patente dos
oficiais e da graduação das praças".

Alguns intérpretes que desconhecem a estrutura policial militar afirmam que caberá ao Tribunal
competente, que no caso do Estado de São Paulo é o Tribunal de Justiça Militar, decidir sobre a perda
da graduação somente nos casos relativos aos crimes militares, sendo que esta interpretação não é a
pretendida pela Constituição Federal.

A garantia da perda da graduação das praças somente por meio de decisão transitada em julgado de
Tribunal competente, com relação a prática de transgressões disciplinares é apenas e tão somente a
correição de uma distorção que existe em termos de Corporação.

Quando um oficial da Polícia Militar de qualquer Estado da Federação pratica uma transgressão
disciplinar de natureza grave, este será submetido a um processo administrativo denominado Conselho
de Justificação. Este Conselho a exemplo do que ocorre com o Conselho de Disciplina é composto por
três oficiais mais o escrivão de patentes superiores a do justificante.

Após a instrução probatória e o oferecimento das alegações de defesa o Conselho emitirá um parecer e
se este entender pela indignidade do justificante, ao contrário do que ocorre no Conselho de Disciplina
deverá propor a submissão do acusado a julgamento pelo Tribunal competente para que este decida por
meio de decisão transitada em julgado sobre a perda do posto daquele miliciano.

O Comandante que pediu a instauração do Conselho de Justificação se homologar o parecer do


Conselho remeterá os autos ao Comandante Geral da PM, que se concordar com àquela decisão
remeterá os autos para o Tribunal competente, que no Estado de São Paulo é o Tribunal de Justiça
Militar, para que o acusado seja processado e julgamento perante àquele Sodalício.

Percebe-se pelo exposto, que cabe ao Tribunal competente decidir sobre a perda do posto e a patente
dos oficiais e graduação das praças não apenas nos casos de crimes militares, mas também no referente
as transgressões disciplinares de natureza grave.

A respeito do assunto encontramos o acordão proferido na apelação cível n.o 202.087-1/2 (v. u) pela
Colenda 1. a Câmara Cível do Egrégio Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo que teve como
relator o Desembargador Álvaro Lazarini, onde este observa que a igualdade buscada pelo artigo 125,
parágrafo 4.o da C.F teve origem na Emenda 2P01407-1 de 13 de janeiro de 1988 de autoria do
Deputado Constituinte Paulo Ramos, Major da Reserva da Polícia Militar do Rio de Janeiro, que
buscava com este projeto colocar um término a desigualdade existente entre membros de uma mesma
Corporação.
Alváro Lazarini com fundamento no precedente do Supremo Tribunal Federal Recurso Especial n.o
121.533-0, que teve como relator o eminente Ministro Sepúlveda Pertence e que declarou por
unanimidade a vitaliciedade das praças, reconhece que o Comandante Geral das Polícias Militares não
mais possui competência para demitir as praças de suas Corporações, cabendo ao Tribunal competente,
decidir sobre esta questão após procedimento onde será assegurado ao acusado a ampla defesa e o
contraditório com todos os recursos a ela inerentes.

Nos embargos declaratórios n.o 202.087-1/4-01, julgados em 14.06.94 a Colenda 1.a Câmara Cível do
Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo decidiu que, "POLICIAL MILITAR - Perda da Graduação
de praça e demissão-Competência - Ato do Tribunal de Justiça Militar do Estado de São Paulo e não do
Comandante Geral da Polícia Militar - Inteligência do art. 125, parágrafo 4.o da CF".

O Tribunal de Justiça Militar do Estado de São Paulo para dar cumprimento a disposto ao art. 125,
parágrafo 4.o da C. F enquanto não existe lei regulamentando a matéria, ao contrário do que ocorre no
Estado de Mato Grosso do Sul onde existe norma ordinária e constitucional prevendo o procedimento,
resolveu por meio da sessão administrativa datada de 17 de agosto de 1994 e publicada no Diário
Oficial do Estado, regulamentar o procedimento para a perda da graduação das praças junto àquele
Pretório.

Pode-se afirmar, como observa Eliezer Pereira Martins que a Constituição Federal restringiu a
possibilidade da autoridade administrativa militar aplicar a pena demissionária as praças integrantes de
seus quadros, sendo que neste sentido caminhou bem, dando ao acusado a possibilidade de exercer suas
defesa junto aos Tribunais livre de qualquer juízo de parcialidade.

Em nosso entender, esta prerrogativa concedida as praças não se aplica somente àquelas que possuem
mais de 10 anos de efetivo serviços prestados a Corporação e que ficam sujeitos ao Conselho de
Disciplina, mas também as praças que possuem tempo inferior a este e que ficam sujeitos ao
Procedimento Sumário, como reconheceu a própria Polícia Militar no Boletim Geral n.o 117.

Por fim, é importante se observar que esta prerrogativa assegurada as praças das Polícias Militares e
seus Corpos de Bombeiros Militares não se aplica as praças da Forças Armadas, tendo em vista que a
Consituição Federal foi bem clara quando tratou do assunto. As praças destas Instituições continuam
sujeitas a demissão por ato exclusivo da autoridade militar competente.

Com relação ao assunto o eminente Jorge Alberto Romeiro que foi Ministro do Egrégio Superior
Tribunal de Justiça Militar ao discorrer sobre a norma esculpida no Constituição Federal, preceitua
que , "Encerramos este tópico sobre ‘Perda da graduação das praças’ lamentando a grande injustiça,
que necessita ser reparada, dos constituintes de 1988 para com as Forças Armadas, cujas praças não
tiveram garantidas suas graduações, como as das polícias militares e dos corpos de bombeiros militares
dos Estados".

A norma do art. 125, parágrafo 4.o foi clara e precisa ao estabelecer que somente o Tribunal
competente poderá decidir sobre a perda da graduação das praças cabendo ao intérprete dar
cumprimento e efetividade a esta disposição, para que aos policiais militares e bombeiros militares seja
assegurado o devido processo legal, sob pena de se estar violado a mais fundamental das normas que é
a Constituição Federal.
O Supremo Tribunal Federal contrariando decisões anteriores ao julgar Recurso Extraordinário
proviniente de São Paulo entendeu que o Comandante Geral da PM possui competência para decidir
sobre a perda da graduação das praças, fato este que já vem ocorrendo no Estado de São Paulo.

Em decorrência deste fato, o Tribunal de Justiça Militar que até então avoca a competência a respeito
da matéria, enviou todos os efeitos relativos a perda de graduação para a Corregedoria da PM tomar as
providências cabíveis na espécie.

Apesar do acórdão da Suprema Corte, que merece todo acato e respeito, nos colocamos em posição
diversa a esse entendimento, uma vez que esta não foi a intenção do legislador constitucional, sendo
certo que o princípio de igualdade entre os integrantes de uma mesma Corporação foi violado.

Deve-se observar em atendimento ao acórdão do Supremo, que o Tribunal de Justiça Militar continua
competente para decidir a perda da graduação da praça quando esta for proveniente de processo crime,
uma vez que a vigente Constituição Federal afastou a pena acessória disciplina no Estatuto Substantivo
Penal Militar.

Revista dos Tribunais 708/78-80.

MARTINS, Eliezer Pereira. Direito Administrativo Disciplinar Militar. Leme : Editora de Direito,
1996. p.143.

Boletim Geral da Polícia Militar do Estado de São Paulo n.o 117 de 21 de junho de 1995.

ROMEIRO, Jorge Alberto. Curso de Direito Penal Militar - Parte Geral. São Paulo : Saraiva, 1994.
p.226.

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