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ARTIGO DE REVISÃO/REVIEW ARTICLE Bioética

Bioética e Saúde Pública

Bioethics and Public Health

Paulo Antonio de RESUMO


Carvalho Fortes* Os autores mostram as interfaces entre a bioética e a saúde pública, apontando que
Elma Lourdes Campos desde o final dos anos 90 a bioética vem ampliando seu escopo de abrangência, voltan-
do-se a questões afeitas à saúde pública.O artigo enfoca questões relacionadas à ética e
Pavone Zoboli** às políticas públicas de saúde, às ações coletivas de saúde e às pesquisas em Saúde
Pública.

* Professor Associado do
Departamento de Prática de DESCRITORES
Saúde Pública da Faculdade de Ética; Ética-Saúde Pública; Bioética
Saúde Pública da USP. Presidente
da Sociedade Bioética de São
Paulo (2005-2008).
ABSTRACT
The authors show the interfaces between bioethics and public health, pointing that since
** Professora Doutora
the end of the 1990s bioethics has been broadening its scope, and turning to questions
Departamento de Enfermagem em
linked to public health. The article focuses on questions related to ethics and public
Saúde Coletiva da Escola de health policies, collective health initiatives and research in Public Health.
Enfermagem da USP. Vice-
Presidente da Sociedade Brasileira
de Bioética (2005-2007). KEYWORDS
E-mail: elma@usp.br Ethics; Ethics-Public Health; Bioethics

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A BIOÉTICA EM INTERFACE ticais, autoritárias, com deveres e princípios
COM A SAÚDE PÚBLICA absolutos, foram pouco a pouco perdendo sua
força e sendo substituídas por orientações de
A fim de viabilizar a convivência, a socie- caráter mais horizontal e democrático, com res-
dade e/ou os grupos têm traçado, ao longo da ponsabilidades recíprocas e multilaterais dos di-
história da humanidade, diferentes balizamen- versos atores sociais envolvidos nesta área.
tos. A ética é um deles. A palavra ética procede Literalmente, o termo “bioética” significa
do grego ethos, que significava, originalmente, “ética da vida”. O vocábulo, de raiz grega, bios
“morada”, “lugar onde vivemos”, mas, depois, designa as ciências da vida, como a ecologia, a
passou a significar o “caráter”, o “modo de ser” biologia e a medicina, dentre outras, e ethos,
que uma pessoa ou grupo vai adquirindo ao também do grego, refere-se aos valores implica-
longo de sua existência. Refere-se aos costumes, dos nos fatos e conflitos da vida. Ao se juntar
à conduta de vida e às regras de comportamen- estes vocábulos em um único termo, não só se
to, ou ainda, ao modo de ser ou caráter adqui- criou uma nova palavra, mas também se provo-
rido como resultado de se por em prática deter- cou uma transformação na maneira de fazer ciên-
minados costumes ou hábitos considerados bons. cia e ética, aproximando-se estes dois campos
Circunscreve-se, assim, ao agir humano, aos com- do conhecimento humano. Cobra-se, dos que
portamentos cotidianos e às opções existenciais. estão voltados para o desenvolvimento científi-
A ética da saúde ocupa lugar de destaque co, sua responsabilidade social e ética com a
no conjunto das reflexões éticas, pois se preocu- consideração das conseqüências de ordem mo-
pa com questões relacionadas à manutenção e à ral das pesquisas e avanços tecnológicos alme-
qualidade de vida das pessoas. Assim, a ética da jados e/ou conquistados e dos que se dedicam
saúde pode ser vista como profundamente en- à ética são exigidas discussões e reflexões mais
raizada no terreno dos direitos humanos, já que próximas da realidade e capazes de dar conta
o direito à vida é o primeiro deles. Nas palavras da dinamicidade e velocidade com que as novi-
de Alkire e Chen (2004), inserir a saúde no âm- dades advindas da tecnociência se incorporam à
bito dos direitos humanos, levanta questões re- vida das pessoas e às práticas profissionais, sem
lativas aos deveres e obrigações individuais e perder de vista os dilemas e os conflitos das
institucionais para com a melhoria da qualidade situações que persistem ao longo dos anos, como
de vida e saúde dos seres humanos, pelo sim- a epidemiologia das desigualdades sociais e sua
ples fato de serem humanos e, portanto, fins interface com os perfis de saúde e doença.
merecedores de dignidade. Dessa forma, como Ao cunhar o neologismo “Bioética”, o onco-
destaca Leopoldo e Silva (1998), a ética na saú- logista norte-americano Van Ressenlaer Potter, da
de exige um “compromisso com a realização Universidade de Wiscousin, pretendia alertar para
histórica de valores que encarnem nas condi- a urgência de se balancear a orientação científica
ções determinadas de situações sociais e políti- da biologia com os valores humanos, com vistas
cas diferenciadas o direito de que todo ser hu- a garantir uma ponte para o futuro da humanida-
mano deveria primordialmente usufruir” (p. 35). de. Mais do que focar direitos individuais, enfa-
No seio do movimento social de afirmação tizava responsabilidades pessoais, defendendo a
e construção dos direitos humanos que marcou busca de uma sabedoria capaz de examinar as
os anos 70 do século passado, na saúde, se ins- possibilidades para promover a saúde, a sobrevi-
taurou a bioética como alternativa secular, inter, vência humana e a justiça social. Por sabedoria,
multi, transdisciplinar, prospectiva, global, entendia o discernimento de como usar o conhe-
multicultural, inter-religiosa e sistemática para cimento para o bem social (Whitehouse, 2003).
abordar, num contexto pluralista e com base no Em meio às polêmicas que cercam a pater-
diálogo inclusivo, os temas de ética desta área. nidade da bioética, os estudiosos do assunto
Dessa maneira, as antigas concepções éticas ver- também creditam ao pesquisador André Hel-

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lengers, do Instituto Kennedy de Bioética em populacionais e a responsabilidade social e co-
Washington (DC), a intuição pioneira. Holandês letiva sobre as condições de saúde. Tanto é as-
de nascimento, este obstetra, fisiologista fetal e sim, que o Programa Regional de Bioética para
demógrafo, usou o termo pela primeira vez para a América Latina e Caribe, desde seu estabeleci-
designar, em um contexto institucional, uma área mento pela Organização Pan-americana da Saú-
de pesquisa ou campo de aprendizagem, quan- de, em 1994, define dentre as prioridades temá-
do fundou “The Joseph and Rose Kennedy Ins- ticas em bioética para a região a ética em Saúde
titute for the Study of Human Reproduction and Pública (Pessini e Barchifontaine, 2000).
Bioethics”. Seu trabalho à frente do Instituto Ken- No final da década de 90, ampliando ainda
nedy contribuiu, fortemente, para imprimir à mais seu escopo de abrangência e girando de
bioética o significado que lhe é mais corrente, volta para as aspirações iniciais de Potter ao pro-
correlacionando-a a ética da medicina e das ciên- por o neologismo, inicia-se a chamada bioética
cias biomédicas. da saúde da população, entrando em cena com
Assim, nos anos setenta, década do século mais vigor os direitos humanos e as ciências so-
passado quando o termo bioética entrou no vo- ciais e humanas. Confere-se, dessa maneira,
cabulário cotidiano da saúde, a atenção voltou- maior destaque às questões da justiça social, da
se mais para as questões de caráter individual eqüidade e da alocação de recursos na saúde.
da relação clínica entre os profissionais de saú- Caracteriza este momento da bioética:
de, especialmente os médicos e os enfermos, • a perda do lugar central que vem sendo
enfocando primordialmente as situações limites, ocupado pela medicina de alta tecnologia,
como eutanásia, reprodução assistida, manipu- com desvio do enfoque central das ques-
lação genética, aborto, dentre outros (Pessini e tões relativas ao avanço biotecnológico em
Barchifontaine, 2000). direção aos determinantes da saúde, dentre
Neste momento, parece haver um distan- os quais figura o acesso aos serviços de
ciamento, uma quase incompatibilidade, da bioé- saúde e à tecnologia neles incorporada;
tica e da saúde pública, pois, como assinala Kass • a ênfase igualmente colocada na saúde e
(2004), esta se preocupa com as iniqüidades nos cuidados à saúde, com a preocupação
sociais e econômicas e suas expressões no per- voltada não apenas para quem tem acesso
fil de saúde das populações desde o século XIX, a determinados serviços sanitários, mas tam-
enquanto que aquela, em suas primeiras déca- bém para quem adoece ou não, e o quão
das, esteve mais visivelmente preocupada com eqüitativa mostra-se esta relação;
o bem do indivíduo. Além disso, como afirma a • a preocupação com as questões demográ-
autora, a excessiva ênfase e prioridade dada à ficas;
autonomia e ao direito individual de recusa, es- • a priorização dos excluídos nos países em
pecialmente nas produções da bioética norte- desenvolvimento;
americana deste período, mostra-se como um • a necessidade de um novo marco concei-
argumento insuficiente, e por que não dizer às tual que, se apropriando de conceitos e
vezes inadequado, para os profissionais de saú- teorias de outros campos do conhecimento
de pública que procuravam um balizamento ético humano, dê conta das demandas de refle-
para seus trabalhos e ações de base comunitária xão geradas por esta bioética da saúde das
ou populacional. populações. (Pessini e Barchifontaine, 2000)
A partir dos anos 80, a bioética começa a A agenda do VI Congresso Mundial de Bioé-
ampliar seu foco, situando a relação clínica no tica, promovido pela International Association
contexto de um sistema de saúde e incorporan- of Bioethics (IAB), em Brasília em 2002, pode
do a reflexão das questões relativas à estrutura, ser considerada como uma marca significativa
à gestão e ao financiamento deste sistema. Nes- da aproximação destes dois campos de conhe-
te período, a difusão da bioética em direção aos cimento: saúde pública e bioética. Sob o tema
países do hemisfério sul, especialmente à Amé- “Bioética: poder e injustiça”, discutiram-se ques-
rica Latina, onde convivem ilhas de excelência tões bem presentes na produção e estudos em
tecnológica em saúde ao lado da extrema po- saúde pública e coletiva, como vulnerabilidade
breza da maioria das populações, torna impera- individual e das nações, cidadania e participa-
tiva a inclusão dos problemas da coletividade ção popular, direitos humanos e saúde, aloca-
na agenda das discussões, com temas como o ção de recursos de saúde, exploração e priori-
acesso aos serviços de saúde, a alocação de re- dades na pesquisa em saúde, gênero, etnia e
cursos em saúde, as questões demográficas e saúde, entre outros. É claro que isto não levou

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à exclusão das questões e dilemas concernentes decisões são motivadas por valores e princípios
às biotecnologias e demais situações limites, e morais, apesar disto não ser claramente percebi-
isto nem deveria ocorrer, já que a vida e a saúde do ou revelado. Com isto, não afirmamos que
das pessoas dá-se na completude destas realida- se deva desconsiderar a importância e a presen-
des díspares, e a bioética propõe-se como uma ça marcante de interesses político-partidários,
abordagem prospectiva e global da ética das corporativos, econômicos e preferências pessoais
ciências da vida e da saúde. dos administradores e técnicos no processo de
E óbvio também é que não se pode fazer tomada decisória, porém é preciso ressaltar que
equivaler saúde pública e bioética, sob o risco mesmo as decisões de caráter político, para se-
de se incorrer na mesma falácia da confusão rem eficazes, têm que levar em conta os valores
usual de bioética com ética médica. Embora seja morais prevalentes na sociedade. (Fortes, 2000).
grande a interface da saúde pública com a bioé- E, se na elaboração e implementação das
tica, havendo, por vezes, até mesmo, uma con- políticas públicas escolhas têm de ser feitas, e se
fluência entre ambas, estas seguem sendo cam- não há como fugir de realizar escolhas, quais
pos distintos de conhecimento multidisciplinar, fundamentos éticos devem orientá-las?
teórico e prático. Como sugere Kass (2004), a Parece ser consensual que devam ser fun-
bioética pode contribuir para uma ética da saú- dadas no princípio ético da justiça distributiva.
de pública, por exemplo, com argumentações Contudo, se é certo que o conceito de justiça
acerca de se há e porque há um imperativo éti- distributiva se faz importante para as justificati-
co em reduzir injustiças globais e promover a vas das políticas econômicas e sociais em vigor
saúde global, ou, ainda, com articulações e de- nos estados contemporâneos, também é certo
finições de padrões para estruturas justas nas que, decorrente do pluralismo moral existente a
questões de relevância para a saúde pública. Co- partir do século XVII, torna-se difícil delinear um
mo argumenta a autora, a bioética tem um com- único caminho para se definir o que deve ser
promisso, desde sua gênese em Potter, com a considerado como sendo “justo”. (Fortes, 2002)
justiça social e diversos modelos e abordagens Foi bastante disseminado nas últimas déca-
existentes para estas questões precisam ser tes- das o pensamento ético liberal que entende que
tados com comunidades reais e com a diversi- são as leis do livre mercado as garantidoras de
dade cultural e de arranjos políticos em jogo, uma sociedade justa, adequando as necessida-
tendo em mente a saúde pública. des individuais e coletivas à demanda de servi-
ços. Esta orientação não considera que seja injusta
A ÉTICA E AS POLÍTICAS a existência de desigualdades sociais, se o prin-
PÚBLICAS DE SAÚDE cípio da liberdade individual for garantido.
Diferentemente, as teorias éticas que pro-
As políticas públicas de saúde são resultan- pugnam pela equidade entendem que a socie-
tes das condições econômicas e sociais de um dade organizada e o Estado, mediante a imple-
país, assim como das ideologias dominantes e mentação de políticas públicas, devam intervir
dos valores ético-sociais prevalentes em um dado para garantir a justiça distributiva e minimizar os
momento histórico. Têm como objetivos, entre efeitos das loterias biológica e social. Justas, en-
outros, proporcionar um ótimo nível de saúde tão, são as políticas de saúde orientadas pelas
às pessoas, proteger as pessoas dos riscos de necessidades individuais e coletivas de saúde,
adoecer e satisfazer as necessidades de saúde. aceitando a premissa da existência de diferenças
Sabemos que os níveis de saúde de uma e desigualdades entre as pessoas.
população não são de exclusividade das políti- Esta interpretação do princípio da justiça
cas de saúde, pois para eles contribuem fatores requer que a sociedade organizada e o Estado
biológicos/genéticos, condições do meio ambien- forneçam meios para atender as necessidades
te, incluindo o do trabalho, assim como os esti- individuais e coletivas, porém não se advoga
los de vida saudáveis e não saudáveis adotados que os recursos sejam distribuídos igualmente a
pelas pessoas. Todavia, principalmente em paí- todos. Ao contrário, compreendendo a existên-
ses em desenvolvimento, tais como o Brasil, cia de desigualdades e diferenças, os recursos
constituem-se em fator social de grande rele- devem ser proporcionados em virtude das
vância quando se pensa em justiça social, equi- diferentes necessidades. Contrapõe-se à aceita-
dade e inclusão social. ção acrítica de que todas desigualdades sociais
No cotidiano da implementação das políti- são inevitáveis ou toleráveis, compreendendo
cas públicas de saúde, boa parte das vezes as que podem ser minimizadas por meio de medi-

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das práticas fundamentadas na equidade e na ver, proteger e restaurar a saúde dos indivíduos
responsabilidade social. e da coletividade, e obter um ambiente saudá-
Entretanto, é certo que uma sociedade, em vel, por meio de ações e serviços resultantes de
um determinado momento histórico, pode não esforços organizados e sistematizados da socie-
apresentar condições para dar conta da integra- dade. Portanto, entre os fundamentos éticos que
lidade das necessidades de todas as pessoas, pois norteiam as ações coletivas de saúde estão os
as necessidades se modificam e se sofisticam, princípios da beneficência, da não maleficência,
tanto que países com situação econômica mais do respeito à autonomia individual, assim como
privilegiada do que a nossa também não dis- o princípio da justiça distributiva e da equidade,
põem de recursos suficientes para atender a to- discutidos anteriormente neste capítulo.
talidade das necessidades. Segundo Lecorps e Paturet (1999), as ações
Assim, poderíamos partir do pensamento de saúde pública se exercem em condições em
formulado pelo médico e bioeticista espanhol que não exista possibilidade de uma intervenção
Diego Gracia (1990): “A cada pessoa conforme eficaz por parte da ação individual, seja pela
suas necessidades até o limite que permitam os falta ou controle de informações necessárias que
bens disponíveis”. A seguir, baseado no princí- não dominam, seja pela carência de possibili-
pio da equidade, da maneira que foi exposto dade de intervenção individual sobre os fatores
pelo filósofo norte-americano John Rawls (1975), coletivos que produzem os riscos de adoecer.
as políticas públicas deveriam priorizar as cama- Visando proteger a coletividade, muitas
das sociais ou as pessoas mais desfavorecidas. vezes as ações de saúde pública restringem li-
Esta afirmação não significa que se restrinja a berdades e direitos individuais. É o caso, por
política à ação focalizadora do modo que foi exemplo, de parte das atividades de vigilância
proposto nas últimas décadas por organismos sanitária. Esta se caracteriza como ação de saú-
internacionais, incentivando os países latino-ame- de eminentemente preventiva, atuando sobre
ricanos a reduzirem a responsabilidade estatal fatores de riscos associados a produtos, insumos
no financiamento dos serviços de saúde. Enseja, e serviços relacionados à saúde, ao meio am-
sim, que a prioridade das políticas seja a melho- biente, ao ambiente do trabalho, assim como à
ria da situação sanitária das populações e gru- circulação internacional de transportes, cargas e
pos humanos mais desfavorecidos. pessoas. (Costa, 1998)
Cabe ressalvar que a responsabilidade ética As medidas de vigilância sanitária, tendo
das políticas públicas de saúde não se esgota no caráter antecipatório, devem ser orientadas para
tempo presente. Ações ou omissões do presente resultar em benefícios ou, ao menos, para evitar
sobre a inexistência de adequada organização de prejuízos às pessoas e à coletividade. Restrin-
atenção à saúde, a utilização desmesurada de pro- gem ou condicionam as liberdades ou a pro-
cedimentos tecnológicos e as transformações am- priedade individual, ajustando-as aos interesses
bientais danosas podem comprometer as futuras da coletividade, em nome da supremacia do in-
gerações. Entendemos, então, que as políticas pú- teresse público sobre o individual. A interven-
blicas de saúde devam se orientar para a concre- ção destas ações de saúde pública nas relações
tização dos princípios expostos no art. 3º de nossa entre produtores, fornecedores, consumidores e
carta constitucional, que afirma serem objetivos cidadãos, pode ser eticamente justificada pelos
fundamentais da República Federativa do Brasil: princípios de beneficência (fazer o bem) e de
I. construir uma sociedade livre, justa e não maleficência (não causar mal, não prejudi-
solidária; car), por evitar danos a outros, sobrepondo-se a
II. garantir o desenvolvimento nacional; outros princípios éticos, como o da autonomia
III. erradicar a pobreza e a marginalização individual.
e reduzir as desigualdades sociais e regionais; Exemplificando, quando um agente sanitá-
IV. promover o bem de todos, sem precon- rio interdita um estabelecimento comercial ou
ceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e quais- industrial, em nome da proteção da saúde da
quer outras formas de discriminação. coletividade, ele está restringindo o direito de
propriedade, que é fundamentado no princípio
OS FUNDAMENTOS ÉTICOS DAS da autonomia da pessoa de querer ou não que-
AÇÕES COLETIVAS DE SAÚDE rer possuir um determinado bem.
Em igual sentido podemos lembrar das
O objeto da saúde pública é o processo medidas de notificação compulsória de doen-
saúde-doença da coletividade visando promo- ças transmissíveis, instrumento importante da

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Vigilância Epidemiológica. Em nome dos inte- tônoma é responsável pelas conseqüências de
resses da coletividade, os profissionais de saúde suas atitudes e atos. Respeitar a autonomia é
podem romper o princípio ético da privacidade reconhecer que cada pessoa pode tomar decisões
das informações pessoais, que se refere ao pro- seguindo seu próprio plano de vida e ação,
cesso de comunicação de informações interpes- embasado em crenças, aspirações e valores pró-
soais do qual espera-se que o receptor das in- prios, mesmo que suas decisões contrariem as
formações não as divulgue para terceiros. Con- mais prevalentes na sociedade.
siste no conjunto de informações sobre uma As medidas de saúde pública adotam, fre-
pessoa que ela pode decidir manter sob seu ex- qüentemente, uma orientação ética do tipo uti-
clusivo controle, ou comunicar, decidindo quanto litarista, que tem como expoentes, entre outros,
e a quem, quando, onde e em que condições. os pensadores anglo-saxãos Jeremy Bentham e
Mas, no interesse de preservar o bem estar da John Stuart Mill. O utilitarismo tem como princí-
coletividade, a ética, nestes casos, valida a não- pio ético fundamental a utilidade social. Este
manutenção dos segredos pessoais para evitar a princípio afirma que as ações são eticamente
disseminação de doenças ou agravos à saúde, corretas quando tendam a promover a maior
facilitando o descobrimento de novos casos e soma de prazer (felicidade, bem estar) de todos
medidas profiláticas aos susceptíveis. (Sacardo e aqueles cujos interesses estão em jogo (Crisp,
Fortes, 2000) 1997; Mill, 2000).
Também situações de restrição da liberda- Seu paradigma é o alcance do “maior bem
de de locomoção no caso de doenças infecto- estar para o maior número possível de pessoas”,
contagiosas, tais como meningite meningocóci- ou seja, a maximização do bem estar.
ca, obrigando o indivíduo infectado a permane- Apesar das dificuldades de se conceituar o
cer em condições de isolamento obrigatório, ba- que é “bem estar”, isto pode significar que,
seiam-se nos interesses do coletivo, contrariando quando são defrontadas duas ou mais opções,
o direito pessoal à liberdade de locomoção. dever-se-ia pesar cada uma delas e escolher
O fundamento ético para essas atividades aquela que trouxesse mais benefícios e na qual
pode ser encontrado no pensamento do filósofo fossem eliminados, evitados, ou minimizados, o
inglês John Stuart Mill (1806–1873), autor do dano, o sofrimento, a dor, ou seja, tudo o que
clássico On Liberty, para quem o único fim para for considerado em oposição ao “bem”, à “feli-
o qual a sociedade poderia interferir com a cidade” do maior número de pessoas envolvi-
liberdade de qualquer um de seus membros se- das (Crisp, 1997).
ria o de prevenir danos a outros indivíduos ou Trazendo-se a reflexão do princípio utilita-
à própria coletividade. rista para as decisões em saúde pública obser-
É, ainda, neste sentido, que se compreende va-se que muitos critérios adotados pelos planeja-
a validade ética das medidas de vacinação com- dores do setor saúde são consoantes com o
pulsória para crianças previstas nas normas sa- princípio da utilidade social, entendendo como
nitárias e no Estatuto da Criança e do Adoles- sendo o correto, o justo, a ação que resulte em
cente (Lei n. 8069/90). Sabe-se que os objetivos mais saúde para o maior número de pessoas.
da vacinação compulsória não se esgotam na Isto pode ser exemplificado pela afirmação do
proteção individual, não pretendem somente pro- bioeticista espanhol Diego Gracia (1990), quan-
teger as crianças e os adolescentes, mas visam do enfatiza: “Dentro do âmbito sanitário os limi-
ao bem-estar do coletivo, pois a imunização indi- tados recursos com que se conta devem desti-
vidual diminui a freqüência de pessoas suscep- nar-se às atividades que com um menor custo
tíveis, controlando e impedindo a disseminação produzam um maior benefício em saúde. Por
das doenças. Contudo, ao ser medida imposi- exemplo, se há de se escolher entre uma cam-
tiva, envolve uma questão ética, pois restringe a panha de vacinação ou a realização de um trans-
autonomia dos pais ou dos responsáveis, mes- plante cardíaco, não há dúvida de que a relação
mo quando divirjam do uso de vacinas. custo-benefício exige conceder prioridade ao pri-
O princípio ético do respeito à autonomia meiro programa, por mais que este resulte como
afirma que é a pessoa que escolhe livremente conseqüência no prejuízo e até na morte de
entre as alternativas que lhe são apresentadas e algumas pessoas”. (p. 582)
decide o que é o “bom”, o “adequado” para ela, A visão utilitarista, presente no campo da
de acordo com seus valores, expectativas, ne- saúde pública, embasa a aceitação de riscos
cessidades, prioridades e crenças pessoais. Em causados por procedimentos tais como as campa-
decorrência de ser racional e livre, a pessoa au- nhas de imunização de massa. Os riscos poten-

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ciais das vacinas utilizadas, mesmo as mais fre- Mas nem sempre as medidas de saúde
qüentes como a antipoliomielite (Sabin) ou a pública trazem obrigações individuais orienta-
tetravalente, são conhecidos pelos profissionais das pelo predomínio do interesse da coletivida-
e administradores do sistema público de saúde. de. Há, em nosso cotidiano, ações públicas de
Porém os riscos de causarem efeitos colaterais caráter obrigatório, que podem contrariar a li-
individuais são cotejados com os benefícios para berdade pessoal de decidir e que não se funda-
a coletividade, advindos da eficácia dos proce- mentam no princípio da não maleficência da co-
dimentos. Ou seja, o que preside a decisão das letividade, mas sim, na existência de benefícios
políticas públicas, neste caso, é o princípio da diretos para o bem estar ou a saúde das pessoas
utilidade social, a maximização dos benefícios. que deverão ser submetidas a elas.
Estas considerações também são válidas para Este é o caso do uso obrigatório de cinto
o caso da fluoretação das águas para consumo de segurança nos veículos e de capacete para os
humano. Medida sabidamente eficaz em evitar a condutores de motocicletas. Essas medidas coer-
cárie dentária, conforme Kalamatianos e Narvai citivas da decisão individual são tomadas com o
(2003), a fluoretação das águas de abastecimen- intuito de proteger diretamente as pessoas en-
to público, apesar de efetiva, segura, equânime volvidas. Podem ser consideradas medidas pa-
e barata contra a cárie dentária, pode provocar ternalistas. Paternalismo, aqui entendido como
fluorose dentária em algumas pessoas. Todavia, uma ação de caráter beneficente, tomada con-
a saúde pública, em nome do bem da coleti- trariamente aos desejos de uma ou mais pessoas
vidade, em não dispondo tecnicamente de meios capazes de decidirem autonomamente. Essa
para se separar águas com flúor e águas sem orientação contraria o anteriormente exposto
flúor de acordo às opções individuais, impõe a pensamento de Stuart Mill, de que não seria mo-
primeira a todos, ponderando os benefícios para ralmente justificado que se impusesse a indiví-
muitos e os riscos de danos para alguns. duos autônomos restrições às suas ações em
Assim, apesar da existência de riscos de nome de supostos benefícios para si, benefícios
danos não excluir eticamente um determinado julgados segundo uma ótica externa.
procedimento, o que deverá ser feito é a im- Assim, tendo como objetivo a proteção das
plementação de ações no intuito de minimizá- pessoas individualmente e/ou da coletividade,
los e de estabelecer medidas de recuperação e e, em havendo orientações diversificadas, as
reabilitação da saúde, em caso da ocorrência de ações de saúde pública sempre necessitam ser
um efeito indesejável. Por exemplo, desde os analisadas quanto aos princípios éticos que lhes
anos 80, a França indeniza os pais ou responsá- fundamentam.
veis por seqüelas causadas por vacinações com-
pulsórias. ÉTICA E PESQUISA EM
Contudo, é preciso ser ressaltado que a SAÚDE PÚBLICA
saúde pública também realiza medidas que não
objetivam o cálculo maximizador de benefícios. Um dos campos mais candentes da bioética
São medidas que independem da magnitude dos é a ética em pesquisa. Desenvolvida a partir das
beneficiários, mas realizadas pela noção ética preocupações e abusos na experimentação clí-
do dever. Exemplificando, lembramos as medi- nica, urge voltar as atenções para a pesquisa em
das para diminuição da mortalidade materna. Po- saúde pública, enfocando se os requerimentos
der-se-ia alegar que o número de mulheres que para este tipo de pesquisa diferem ou não dos
morrem em decorrência da gestação não é alto. definidos para os demais e elaborando guias de
Porém, a saúde pública, em virtude dos conhe- ação compatíveis com as suas especificidades.
cimentos existentes sobre as causas e desenca- A primeira dificuldade que surge ao abor-
deantes dos riscos de morte materna, da exis- dar esta questão é distinguir e demarcar os limi-
tência de tecnologia disponível para minimizá- tes entre a pesquisa em saúde pública e a práti-
la, passa a ter um dever ético de evitar que uma ca nesta área. Seria o estudo de cobertura vacinal
só mulher venha a morrer de problemas evitá- que o serviço de vigilância epidemiológica de
veis no período gestacional. O mesmo raciocí- um determinado município desenvolve com o
nio vale para a lógica de erradicação, via imuni- objetivo de acompanhar esta atividade em seu
zação, tomada com relação a algumas moléstias território uma pesquisa? E os estudos descritivos
infecto-contagiosas, para as quais há tecnologia que este mesmo serviço pode desenvolver para
preventiva disponível — poliomielite, sarampo, seguir o comportamento de determinado agra-
rubéola etc. vo, por exemplo, a série histórica de uma doença

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de notificação compulsória? São estatísticas ofi- ticipantes e/ou para a população envolvida. A
ciais apenas, ou são pesquisas? Mas, não são invasão da privacidade individual pode ocorrer,
estes tipos de estudo que encontramos publica- por exemplo, quando se indaga a alguém parti-
dos nos periódicos ou nos anais dos congressos cularidades de sua vida sexual, se já foi vítima
de epidemiologia ou de saúde pública ou cole- de violência doméstica, se foi exposto a riscos
tiva? Seria o critério de publicação o definidor ou praticou atos considerados ilegais em nosso
do que é pesquisa? Isto parece difícil já que a País, como o uso de drogas ilícitas e aborto pro-
publicação dos resultados é uma das últimas vocado. O prejuízo aos grupos populacionais
etapas de uma pesquisa e é bem sabido que, ocorre pelas possíveis discriminações decorren-
apesar da vontade e empenho de muitos pes- tes da divulgação dos resultados do estudo, bas-
quisadores, muitas pesquisas não chegam a ser ta lembrarmos o exemplo da Aids. Assim, os
publicadas e não perdem seu caráter de pesqui- pesquisadores sempre têm de buscar minimizar
sa por esta razão. E o contrário também é ver- desconfortos, perturbações, inconveniências e
dadeiro, um relato de experiência não adquire riscos que podem ser causados aos sujeitos, bus-
status de pesquisa apenas porque foi publicado cando locais tão privativos quanto possível para
em algum periódico. a aplicação dos questionários e assegurando a
As diretrizes éticas para revisão de estudos liberdade da pessoa de se retirar da pesquisa ou
epidemiológicos do CIOMS (Council for Inter- de se recusar a responder as perguntas que lhe
national Organizations of Medical Sciences) aler- causarem constrangimento. Isto sem mencionar
ta que, na epidemiologia, a prática e a pesquisa o preparo não só técnico, como ético, dos en-
se sobrepõem. Tanto é assim que alguns auto- trevistadores e os cuidados com a forma da di-
res, como Coughlin e Beauchamp (1996), che- vulgação dos resultados para evitar estigmas e
gam a afirmar que todo estudo em epidemiolo- discriminações.
gia que envolva sujeitos humanos deveria ter um Mesmo que as pesquisas envolvam a utili-
protocolo escrito e ser aprovado por um comitê zação de dados secundários, constantes em pron-
de ética em pesquisa. Esta posição dos autores tuários, fichas de investigação epidemiológica,
precisa ser tomada com certa cautela, pois pode- atestados de óbito, declarações de nascido vivo,
ria inviabilizar e onerar o desenvolvimento des- entre outros, os profissionais têm de estar cons-
tas atividades em algumas ocasiões. Além do cientes de que junto com estes dados vai uma
mais, em situações de surtos, epidemias ou agra- promessa de não causar danos às pessoas, pois
vos inusitados requer-se ação imediata. as informações contidas em tais documentos fo-
Entretanto, em meio a toda essa polêmica, ram obtidas por meio de uma relação marcada
parece consensual que as pesquisas em saúde pela confiança, a prática clínica ou a atenção à
pública têm de considerar, especialmente, os se- saúde da coletividade.
guintes aspectos éticos: os benefícios para a po- As pesquisas que visarem o diagnóstico de
pulação em geral ou em estudo; a distribuição agravos têm de prever a assistência necessária
de riscos e benefícios pela população e o grau aos sujeitos, ou seja, é eticamente inconcebível
de restrição dos direitos individuais que será recrutar pessoas para programas de screenings
necessário para alcançar o benefício previsto. sem lhes assegurar acompanhamento e/ou trata-
Assim, merecem destaque, dentre outros: o ba- mento das anormalidades que venham a ser de-
lanço risco-benefício, o processo de consenti- tectadas. Por exemplo, os protocolos que propu-
mento livre e esclarecido dos sujeitos de pes- serem a identificação de sintomáticos respiratóri-
quisa, a privacidade e a confidencialidade das os para tuberculose ou de verificação dos índi-
informações manuseadas e obtidas, o conflito de ces de cárie dentária têm de contar com um
interesses, a divulgação dos resultados, a forma- serviço para onde encaminhar os positivos para
ção e utilização de banco de dados e/ou de ma- o atendimento necessário. Neste sentido, os es-
teriais biológicos. tudos genéticos merecem especial atenção, pois
O fato de muitas das pesquisas em saúde para muitas doenças é possível a identificação
pública basearem-se, primordialmente, na ob- do gene ligado à possível manifestação fenotípica
servação e requererem intervenções como ques- do agravo, mas não há tratamento ou prevenção.
tionários e exames de rotina que, aparentemente, Com relação ao retorno dos resultados aos
não são tão invasivas ou de risco quanto os pro- sujeitos, quanto investir de recursos para
cedimentos para um ensaio clínico, não se pode encontrá-los e notificá-los dos achados? Tome-
cair na falácia de crer que este tipo de pesquisa mos como exemplo a questão do retorno dos
não oferece risco algum para os sujeitos par- resultados aos sobreviventes de um estudo de

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coorte retrospectivo para avaliar mortalidade em esforço conjunto dos comitês de ética em pes-
exposição ocupacional. Usualmente, este tipo de quisa e dos pesquisadores da área de saúde pú-
estudo envolve a utilização de registros sem blica, as formas adequadas para salvaguardar os
nenhum contato direto do pesquisador com os direitos dos sujeitos de pesquisa, sem compro-
sujeitos. O respeito pela autonomia das pessoas meter a realização dos estudos e evitando-se
requer a notificação individual dos sobreviven- posições extremas que defendem a inexistência
tes, não bastando as publicações da totalidade de risco para os sujeitos neste tipo de pesquisa
dos dados que também são de extrema impor- ou que consideram tudo justificável em nome
tância por provocarem alterações nas políticas do bem comum e do interesse público.
públicas. Entretanto, é mister ponderar benefi-
cência e não maleficência, pois para muitas doen-
FINALIZANDO
ças não há métodos preventivos disponíveis. Por
outro lado, a justiça requer que os prejudicados Entendendo que as ações de saúde pública
pela exposição tóxica possam requisitar repara- sempre requerem uma avaliação ética, apontan-
ção, indenização. Assim sendo, não prover in- do por um caminho justo na promoção da saú-
formação representaria cumplicidade na nega- de das populações e na redução das iniqüida-
ção de um direito. des injustas e evitáveis, cuidando e zelando pela
Cabe também ser lembrado que algumas pes- dignidade e qualidade da vida humana.
quisas em saúde pública ficariam inviabilizadas
se não houvesse como justificar que não se deva
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
obter o termo de consentimento livre e esclareci-
do por escrito, por exemplo, no acesso a dados ALKIRE, S.; CHEN, L. Global health and moral
de prontuários ou materiais biológicos armazena- values. The Lancet, v. 364, p. 1069-74, Sep. 18
dos. Entretanto, esta é situação de exceção e não 2004.
de regra, na qual não se dispensa a autorização
da instituição guardiã da informação ou do mate- BRASIL. Conselho Nacional de Saúde. Ministério
rial, nem a aprovação do projeto por comitê de da Saúde. Resolução CNS/MS 196/96. Brasília;
ética em pesquisa, devendo o pesquisador deixar (s.n.), 1996.
claro porque se configura a excepcionalidade em COSTA, E.A. Vigilância sanitária: defesa e pro-
relação ao termo de consentimento. teção da saúde. 1998. Tese (Doutorado) – Facul-
A obrigação de não causar danos é precípua dade de Saúde Pública USP, São Paulo, 1998.
na divulgação dos resultados, que deve, então,
ser feita de maneira mais precisa possível, evi- COUNCIL for International Organizations of
tando enfatizar ou exagerar riscos existentes ou Medical Sciences. International guidelines for
sugerir inexistentes, o que poderá provocar pâ- ethical review of epidemiological studies.
nico na comunidade. Da mesma forma, a omis- Geneva; (s.n.), 1991.
são da existência de riscos ou a distorção das COUGHLIN, S.S.; BEAUCHAMP, T.L. (Ed.). Ethics
informações por interesse de uma das partes en- and epidemiology. New York: Oxford; 1996.
volvidas, é potencialmente maleficente às popu-
lações. Lembra-se que toda comunicação deve- CRISP, R. Mill – on utilitarism. London:
rá respeitar o padrão cultural e de compreensão Routldge Philosophy Guidebook, 1997.
da população para a qual se dirige, a fim de que FORTES, P.A.C. Bioética, equidade e políticas
ocorra em linguagem acessível e esclarecedora. públicas. O mundo da saúde, v. 26, n. 1, p.
A prática da apreciação dos aspectos éticos 143-147, 2002.
das pesquisas com sujeitos humanos e da revi-
são de protocolos por comitês de ética em pes- ______. O dilema bioética de selecionar
quem deve viver: um estudo de microalocação
quisa vem se disseminando rapidamente, no
de recursos escassos em saúde. 2000. Tese (Li-
Brasil, após a edição da Resolução CNS/MS 196/
vre Docência) – Faculdade de Saúde Pública USP,
96, que regulamenta esta questão. Porém, como
São Paulo, 2000
tradicionalmente as diretrizes para a ética em
pesquisa têm por base e foco principal os en- GRACIA, D. La bioética médica. In: SCHOLLE
saios clínicos, é necessário avançar na discussão Connor S.; FUENZALIDA-PUELMA, H.L. (Orgs.).
dos aspectos éticos das pesquisas em saúde pú- Bioética: temas y perspectivas. Washington, DC:
blica. Portanto, considerando as peculiaridades Organización Panamericana de la Salud; 1990.
deste tipo de estudo, é mister encontrar, num p. 3-7 (Publicación científica n. 527).

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Recebido em 10 de janeiro de 2006


Aprovado em 21 de fevereiro de 2006

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