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Resenha

LESSA, Sergio. (2007), Trabalho


e Proletariado_ no capitalismo
~contemporâneo. São Paulo, Cortez

Pedro Em Trabalho e Proletariado no Capitalismo de sujeito revolucionário ao proletariado baseia-


Henrique Contemporâneo, Sergio Lessa defende a tese se em critérios qualitativos, não quantitativos.
Santos da permanência dos conceitos marxianos fun- Em outras palavras, tal status é definido pelo
Queiroz damentais de trabalho e classes sociais para a papel que o proletariado desempenha na re-
explicação de aspectos importantes da contem- produção da vida social e não por uma eventual
Graduando em poraneidade. É perceptível nessa obra a adesão qualidade de maioria.
Ciências Sociais I por parte dó autor a uma concepção de ciên- No entanto, por não conceder demasiada
UFPE cia que aspira à objetividade na construção do atenção em sua análise à questão da não real-
conhecimento sem, no entanto, pretender sua ização desse potencial revolucionário do prole-
neutralidade. Assim, Les.sa busca extrair dos tàriado, Lessa deixa descoberto um dos princi-
resultados a que chega implicações políticas pais pontos utilizados para a crítica à tradição
bastante claras. tais como. para ficarmos ape- marxista. Afinal, a recorrente "recusa" do pro-
nas no exemplo mais importante, a reafirmação letariado em assumir a identidade de sujeito de
do proletariado enquanto sujeito revolucionário sua própria revolução tem sido apontada como
por excelência. forte indicativo de uma necessidade de revisão
Já no prefácio vemos a explicitação cui- da própria noção de proletariado e de suas pos-
dadosa dos pressupostos sobre os quais a obra sibilidades históricas.
baseia-se. Lessa busca rejeitar o dogmatismo Na primeira parte do livro, Lessa agru-
e o ecletismo, posturas que são entendidas por pa sob a expressão "adeus ao proletariado", to-
ele como igualmente empobrecedoras do es- mada de empréstimo de um título de livro do
pírito crítico e características de um período filósofo André Gorz, o conjunto de teorias que
histórico marcado pela perda de vitalidade dos afirmavam - e _5lfirmam - a obsolescência e a
movimentos sociais de esquerda e pela hegemo- necessidade de reformulação dos conceitos de
nia ideológica neoliberal. É preciso reconhecer trabalho e classes sociais diante das transfor-
que esta é uma questão mais complexa do que mações estruturais na forma de produção capi-
sugere o autor, mas limitaremo-nos aqui a apon- talista.
tá-las como escolhas metodológicas. Lessa demonstra aqui grande familiaridade
A- confusão acerca de conceitos básicos da com as discussões acerca da centralidade do
obra de Marx explicaria em parte a debilidade de trabalho, movimentando-se com desenvoltura
um grande número de teorias que propuseram a entre uma extensa lista de autores. Apenas
superação do trabalho como categoria fundante para mencionarmos um entre muitos impor-
do ser social. É para superar essa confusão e tantes embates teóricos trazidos pelo livro,
embasar suas críticas a essas correntes que fiquemos com a crítica dirigida a Ricardo An-
Lessa propõe-se a realizar uma leitura imanente tunes - nome que logo vem à mente quando se
da obra de Marx, dando ênfase a O Capital. O fala em sociologia do trabalho no Brasil. Lessa
roteiro do que seria tal leitura imanente no en- rejeita a noção expandida de classe-que-vive-do-
tendimento do autor é exposto em detalhes no trabalho proposta por Antunes, argumentando
prefácio e serve como guia para a apreciação do que o assalariamento é um critério fraco e de
argumento central do livro. difícil operacionalização para a determinação da
A definição dos conceitos marxianos a que classe trabalhadora. Para Lessa a distinção en-
chega Lessa pode ser. de maneira excessiva- tre as diversas classes sociais tem seu funda-
mente abreviada, expresso dessa forma: trab- mento ontológico na função social que elas de-
alho é toda forma de interação orgânica com a sempenham no processo de reprodução da vida
natureza para a produção dos meios materiais social.
de existência: trabalho abstrato é o trabalho O movimento de "adeus ao proletari-
que serve à valorização do capital - o trabalho ado" é dividido por Lessa em dois momentos
abstrato só é trabalho, ou seja, só realiza inter- entre os quais se percebe maior distância tem-
câmbio orgânico com a natureza, se considera- poral do que de conteúdo. O primeiro, no qual
do de maneira coletiva: o proletariado é a classe estão incluídos autores como Mallet, Belleville,
social responsável, dentro do sistema capital- Braverman e Gorz, insere-se no contexto do es-
ista, pela produção - é aquela classe envolvida tabelecimento e crise do sistema baseado no
diretamente na transformação da natureza. binômio taylorismo-fordismo/estado de bem es-
Seguindo essa linha, o autor, embasando-se tar social.
em Marx. argumenta que a atribuição do status Já o segundo adeus ao proletariado será in-
REVISTA TRÊS (e e e) PONTOS
6.2

fluenciado pela crise dos anos 70, a débâcle dos Ao se debruçar sobre as configurações
estados socialistas e o progressivo abandono do do capitalismo contemporâneo, Lessa identifica
estado de bem estar social em favor do mod- que entre o "novo" modelo de produção flexível
elo de estado neoliberal, além de pelo ganho em e o "velho" taylorismo-fordismo há mais pontos
relevância no plano cultural das concepções de de continuidade do que de ruptura. O avanço
mundo pós-modernas. Nesse segundo momen- técnico-científico e o desenvolvimento de no-
to estão incluídos autores como Piore e Sabe! vas formas gerenciais não são entendidos como
e Lojkine. São características desse segundo neutros, mas inseridos nos vários processos de
"adeus" uma menor elaboração e uma menor so- reprodução do capital. Dessa forma, o conjunto
fisticação metodológica - há muita repetição e de teorias que, em sua ânsia por superar a her-
reaproveitamento da produção teórica anterior. ança marxista, decretaram prematuramente o
Não é vazio de significado o fato de fim do "mundo do trabalho" em favor das "novas
ter sido necessária uma reiteração das teses realidades sociais" adquirem ares de irrespon-
de superação do trabalho. Tal necessidade se- sabilidade intelectual.
ria indício da vitalidade dos movimentos e lutas Em um momento crucial em que a es-
característicos do "mundo do trabalho". Dito de querda passa por um processo de reconsidera-
maneira mais prosaica: cachorro morto não pre- ção de seus valores e concepções de mundo,
cisa ser chutado. buscando inclusive contemplar grupos e reivin-
É possível, de acordo com Lessa, iden- dicações antes negligenciados, a obra de Lessa
tificar uma série de traços comuns entre as cumpre um papel interessante, qual seja o de
diversas teses de "adeus ao trabalho". Dentre afirmar a validade de um clássico como Marx,
esses traços, podemos citar: apresentam con- mostrando como somos devedores de suas con-
struções teóricas frágeis, contando com baixa tribuições, além de lembrar-nos do quanto o
coerência interna; conferem em suas análises novo debate que está surgindo não pode se de-
prioridade à evolução técnico-científica no de- spreocupar do tratamento das velhas questões
senvolvimento histórico (fetichismo da técnica); que ainda não foram superadas,
realizam uma avaliação equivocada das mudan- Pelo rigor com que conduz sua análise e a na-
ças estruturais do sistema produtivo. Por essas tureza polêmica de suas proposições, Trabalho
razões, o conjunto de teses compreendidas nos e Proletariado é um livro que vale a pena ser
dois "adeuses" ao proletariado não teria logrado lido por todos aqueles que, concordando ou não
refletir adequadamente a realidade, produzindo com as conclusões do autor, se interessem pelo
de forma sintomática um grande número de pre- debate sobre a centralidade do trabalho como
visões que jamais se confirmaram. categoria explicativa da vida em sociedade .

. Submetido em setembro de 2009


Aprovado em novembro de 2009

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