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Esta

é a mais completa biografia do homem que unificou a Alemanha e dominou, durante quase três
décadas, o cenário político mundial. Otto von Bismarck— qual Pedro o Grande, Napoleão e Churchill
- tornou-se lendário em vida; no ápice da sua glória, Bismarck era considerado mais como uma
instituição do que como um ser humano. É precisamente neste ponto que se destaca a obra de Alan
Palmer, revelando o homem que se escondia atrás da máscara de "Chanceler de Ferro" e
descobrindo a complexa personalidade de Bismarck. Este livro é o resultado de uma pesquisa
exaustiva e revela detalhes inéditos sobre a infância e a adolescência de Bismarck, mostrando como
ele se transformou no mais poderoso conselheiro de um monarca desde Richelieu.

A Editora Universidade de Brasília apresenta esta obra inédita que vem preencher uma importante
lacuna para o público brasileiro.

Alan Palmer estudou na Bancroft's School, em Woodford Green e no Oriel College, Oxford. Dirigiu o
Departamento de História da Highgate School, de 1953 a 1969, quando o deixou a fim de dedicar-se
à pesquisa e a obras históricas. Seus livros, em grande número, incluem A Dictionary of Modem
History; Napoleon in Rússia; The Lands Between; Metternich: Councillor of Europe; e Alexander I;
Tsar of War and Peace. Em 1976 iniciou uma biografia do Kaiser Guilherme II.


FUNDAÇÃO UNIVERSIDADE DE BRASÍLIA CONSELHO DIRETOR

Abílio Machado Filho

Amadeu Cury

Aristides Azevedo Pacheco Leão

Isaac Kerstenetzky

José Carlos de Almeida Azevedo

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Reitor: José Carlos de Almeida Azevedo Vice-Reitor: Luiz Octávio Moraes de Sousa Carmo

EDITORA UNIVERSIDADE DE BRASÍLIA CONSELHO EDITORIAL

Afonso Arinos de Melo Franco

Arnaldo Machado Camargo Filho

Cândido Mendes de Almeida

Carlos Castelo Branco

Geraldo Severo de Souza Ávila

Heitor Aquino Ferreira

Hélio Jaguaribe

Josaphat Marinho

José Francisco Paes Landim

José Honório Rodrigues

Luiz Viana Filho Miguel Reale

Octaciano Nogueira Tércio Sampaio Ferraz Júnior

Vamireh Chacon de Albuquerque Nascimento

Vicente de Paulo Barreto

Presidente: Carlos Henrique Cardim


Alan Palmer

BISMARCK

Tradução de Heitor Aquino Ferreira

Editora Universidade de Brasília

Com o apoio

FUNDAÇÃO ROBERTO MARINHO


Este livro ou parte dele não pode ser reproduzido sob nenhuma forma, por mimeógrafo ou outro
meio qualquer, sem autorização por escrito do Editor

Impresso no Brasil

Editora Universidade de Brasília Campus Universitário - Asa Norte 70910 Brasília - Distrito Federal

Bismarcky

de Alan Palmer

Copyright © 1976 by Alan Palmer Edição original de Weidenfeld and Nicolson 11 St. John’s Hill,
London, SW 11

EQUIPE TÉCNICA

Editores:

Lúcio Remer, Manuel Montenegro da Cruz, Maria Rizza Baptista Dutra, Maria Rosa Magalhães.

Supervisor Gráfico:

Elmano Rodrigues Pinheiro.

Supervisor de Revisão:

José Reis.

Controladores de Texto:

Antônio Carlos Ayres Maranhão, Carla Patrícia Frade Nogueira Lopes, Clarice Santos, Lais Bátor,
Maria dei Puy Diez de Uré Helinger, Maria Helena Miranda, Monica Fernandes Guimarães, Patrícia
Maria Silva de Assis, Thelma Rosane Pereira de Souza, Wilma G. Rosas Saltarelli.

Ficha Catalogràfica

Elaborada pela Biblioteca Central da Universidade de Brasília

Palmer, Alan Warwick

B622p Bismarck. Trad. de Heitor Aquino Ferreira.

Brasília, Editora Universidade de Brasília, 1982, cl976. 303 p. (Coleção Itinerários)

929 B622p 943.074/.084


Bismarck, Otto von, 1815-1898. t

série


PREFÁCIO

Otto von Bismarck - qual Pedro o Grande, Napoleão, Churchill - tomou-se lendário em vida. Os
contemporâneos reverenciavam-lhe a personalidade, admirados com o refinamento de sua ação de
estadista. O primeiro livro em inglês sobre a vida de Bismarck (tradução da biografia de Hesekiel,
em alemão) foi lançado em Londres já em 1870, em fevereiro, meses antes de eclodir a Guerra
Franco- Prussiana, e o interesse pelo criador do Segundo Reich não diminuiu, absolutamente,
passado mais de um século. A cada mês vêm à luz estudos de especialistas e publicações periódicas,
com novidades em material documentário referente a sua política e à sua vida particular. Cerca de
uma quarta parte dos livros e artigos citados na bibliografia altamente selecionada do presente
trabalho foi publicada nos últimos dez anos, daí não constarem dos 6138 itens da excelente
Bismarck Bibliographie, de Hertel e Born, editada em 1966. Figura histórica de tamanha
importância pode ser retratada de muitas maneiras; ao escrever esta biografia concentrei-me no
homem em si, o indivíduo, o estadista, não tanto no contexto econômico e social de sua Alemanha,
analisado com a maior proficiência acadêmica, faz poucos anos, pelos professores Hamerow e
Pflanze. O que Bismarck disse, fez e escreveu, permanece fascinante e, no entanto, pareceu-me
sempre, tem significados diferentes para cada um que busca compreendê-lo. Tentei, então, até onde
possível, preservar a continuidade de sua vida em ação, e não sucumbir às paixões candentes que
têm levado tantos historiadores a se colocarem “pró” ou “contra” o Chanceler de Ferro.

Meu interesse em Bismarck tem mais de trinta anos, mas devo a Christopher Falkus e a Andrew
Wheatcroft o estímulo a ordenar minhas idéias e entusiasmos e, por fim, escrever esta biografia.
Ainda uma vez sou grato a Verônica, minha esposa, pela ajuda que me prestou, discutindo o livro
comigo, capítulo por capítulo, compilando o índice e auxiliando-me a identificar a moça inglesa de
quem Bismarck considerou-se noivo em 1887. Reconheço um débito muito especial para com a Srta.
Katherine Bevan, neta daquela moça inglesa, por me haver permitido reproduzir um retrato de sua
avó e por muitas informações interessantes sobre a família. Gostaria também de agradecer aos
funcionários da London juibrary e da Bodleian Library, de Oxford; e sou especialmente grato ao
pessoal da Sala Superior de Leitura, desta última, por tanta cortesia e paciência. Registro com
prazer minha gratidão à Sra. Peggy Broadbent, que datilografou o livro com perfeição e rapidez. Por
fim, desejo louvar o Sr. Peter Janson-Smith, cujas sugestões profissionais, a par de amistoso
estímulo, têm sido de inestimável valor para mim, como escritor, nestes últimos doze anos.

A.W.P.

Woodstock, agosto de 1975


1. O CALOURO RABENMARCK

Numa tarde de sábado, 19 de abril de 1815, Wilhelmine von Bismarck, senhora de vinte e cinco
anos de idade, esposa de um proprietário rural prussiano, deu à luz um filho, na mansão da família
em Schönhausen, cem quilômetros a oeste de Berlim. O marido, Ferdinand, ficou felicíssimo. Os
nove anos que durava o casamento haviam sido difíceis: o lar formara-se em meio às incertezas da
guerra; haviam conhecido a desgraça de uma ocupação estrangeira e perdido os dois primeiros
filhos ainda pequenos. Um terceiro filho, Bernard, sobreviveu, porém não gozava de boa saúde e a
chegada de um segundo filho, aos quarenta e três anos de idade, restituía confiança a Ferdinand.
No domingo, o pai redigiu uma nota para os jornais berlinenses, nota muito simples: “tenho a honra
de participar aos amigos que ontem minha esposa teve um filho e que tudo correu bem. Peço a
todos que não se preocupem em enviar congratulações”.

Schönhausen situava-se no centro da Velha Marca (Altmark) de Brandenburgo, região


profundamente enraizada na história de uma Alemanha de outros tempos. A menos de oito
quilômetros da propriedade, para o lado do poente, corria o Elba, artéria da Alemanha setentrional,
e do outro lado do rio estava Stendal, com sua catedral do século XII. A família Bismarck morava na
região de Stendal havia mais de quinhentos anos, detendo a herdade feudal de Schönhausen sem
interrupções desde 15621. Sucessivas gerações haviam servido aos soberanos de Brandenburgo, na
paz e na guerra, sem, no entanto, merecerem distinções especiais. Em 1700, Augustus von
Bismarck mandou demolir a casa do século XII e construiu, no mesmo local, uma residência
senhorial no barroco da moda, e em 1775 o pai de Ferdinand ampliou-a de uma biblioteca e uma
sala de música, não fossem os Bismarcks parecer menos civilizados que seu rei; mas o tempo correu
e não modificou muito o status da família, senhores feudais no século XIV e pequena nobreza rural
ao iniciar-se o século XIX.

Estritamente, os Bismarcks podiam considerar-se junkers, os descendentes dos cavaleiros


conquistadores que haviam criado os primeiros povoamentos germânicos naqueles ermos eslavos a
leste do rio Elba, no início da Idade Média. Os junkers eram uma classe da nobreza, porém jamais
tiveram a riqueza, a influência e a posição social que corresponde à aristocracia da Europa
ocidental ou à dos domínios Habsburgos. Magnatas territoriais os Bismarcks certamente não eram;
aprazia-lhes proclamar uma ascendência nobre — o quadro de uma árvore genealógica levando-lhes
a linhagem, otimisticamente, até o reinado de Carlos Magno enfeitou as paredes de Schönhausen
durante alguns anos, antes de Otto nascer - mas não exageravam na idéia de grandeur como coisa
herdada. Muitas vezes iam supervisionar pessoalmente, em Stendal, a venda da lã de suas ovelhas.
Em suas próprias terras eram ao mesmo tempo donos, executivos e magistrados, e tal soberania
era-lhes mais que suficiente. Séculos haviam passado desde a última vez que um Bismarck-
Schönhausen buscara proeminência social fora dos limites da Altmark.

Como todas as demais famílias junkers, os Bismarcks cumpriam com exação seus deveres militares.
Nunca, porém, ao excesso. Com doze anos, Ferdinand teve permissão para entrar na escola de
cadetes em Berlim, via natural de ingresso no corpo de oficiais prussianos. Teve, para o resto da
vida, o orgulho de poder dizer que seu soberano, o septuagenário Frederico, o Grande, uma vez
dignou-se a falar com ele; e gostou de haver lutado contra os franceses sob o comando do sobrinho
de Frederico, o príncipe Louis Ferdinand, um cavalariano um tanto desinteressado. Uma campanha
sem grande empenho nos Países Baixos não despertou em Ferdinand ambições militares: havia,
além do mais, poucas esperanças de promoção, de vez que o alto comando apresentava uma
predominância desproporcional de veteranos de muitas batalhas.

Sendo assim, o capitão von Bismarck, com apenas vinte e três anos passou para a reserva e,
finalmente, três anos depois, pediu demissão. Com isso, não compareceu à derrota de Iena, em
1806, e tampouco fez a guerra de libertação de 1813-14, na qual um de seus irmãos chegou a
general. Durante os vinte anos que precederam o nascimento de Otto o pai concentrou suas
energias em cuidar da propriedade de Schönhausen, embora tivesse, em abril de 1813, quando
houve ordem de recrutamento em massa, envergado o uniforme e organizado os parcos recursos
dos vilarejos vizinhos.

Naturalmente, tinha muito com que se ocupar na administração de bens, sobretudo entre 1807 e
1812, quando tardias reformas começaram a mudar a situação de seus servos, os quais passavam a
lavradores livres com direito a arrendamentos. Com proficiente economia agrícola salvou a família
da falência a que foram tantos pequenos junkers ao tentarem modernizar suas quintas sem capital
suficiente. É evidente que a ausência do pai na campanha “pela Pátria alemã” não deve ter ajudado
muito, quando Otto, anos depois, tentava marcar suas credenciais ante os colegas. Na década de
1820, sem dúvida, causava boa impressão ter um pai a quem o Velho Fritz havia, certa ocasião,
dirigido algumas palavras amáveis; mas os companheiros de Otto eram filhos de homens mais
novos, muitos dos quais tinham vencido obstáculos ao lado de Blücher e de Gneisenau até a capital
francesa. Tratando-se de tais heróis era melhor não mencionar o grande feito de Ferdinand, que
constara de montar uma “Guarda Territorial" em Schönhausen. Não é de admirar que Otto se
tomasse um escolar brigão, um agressivo intruso que não se sentia parte do grupo, desconcertado
pela luz do crepúsculo patriótico da época. Suas memórias demonstram-no menos sensível que os
companheiros às ondas de sentimento “nacional alemão”. Anos mais tarde, conveio a Bismarck
apreciar de maneira diversa a carreira militar do pai: “Eu devera ter nascido em 1795, a fim de
poder estar presente em 1813”, comentou. “Durante gerações nem um só dos meus antepassados
deixou de empunhar a espada contra a França, meu pai e três de seus irmãos contra o primeiro
Napoleão, meu avô em Rossbach, seus ancestrais contra Luiz XIV2”. Era a maneira de ver do
Chanceler Federal em janeiro de 1871; para o menino estudante fora mais difícil considerar o
desempenho da família com tanta ufania.

A mãe de Otto, Wilhelmine, não provinha de um ambiente junker. Ludwig Mencken, seu pai, alto
funcionário da administração civil nos reinados de Frederico, o Grande, e de Frederico Guilherme
II, fora durante algum tempo, embaixador em Estocolmo, depois, virtualmente, Ministro do Interior.
Os Menckens não eram de origem prussiana; vieram de Leipzig e aperfeiçoaram, ao longo de
gerações, seu conhecimento das complexidades da jurisprudência alemã, ora como professores, ora
como advogados. Ludwig Mencken morreu de tuberculose em 1801, quando sua filha tinha apenas
doze anos. A bondosa rainha Louise compadeceu-se da menina e permitiu que viesse ao palácio
fazer amizade com as reais crianças, “Fritz”, de seis anos, e Guilherme, dezessete meses mais moço.
Fritz - o futuro Frederico Guilherme IV - gostava da companhia de “Meine Mine Mencken" como a
chamava. Porém, ao tornar-se adolescente, Wilhelmine perdeu o interesse pelo papel de meio-
coleguinha-meio-dama-de-companhia dos jovens príncipes. Ao que se diz, era bonita e inteligente -
qualidades que ninguém assinalaria no junker brandenburguês com quem, surpreendentemente,
casou-se aos dezesseis anos. Sem dúvida, fora vivo seu pai, ela encontraria muito melhor partido.
Da forma como as coisas se passaram, tomou-se a senhora de uma herdade à margem do Elba, que
nunca vira antes. Sua inteligência, já que não a boa aparência, transmitiu-a ao segundo filho
sobrevivente: ele haveria de ter o cérebro de um Mencken na constituição física de um Bismarck.

Quando Otto fez um ano, a família deixou Schönhausen aos cuidados de um intendente e mudou-se
para Kniephof, na Pomerânia, onde Ferdinand havia herdado três pequenas propriedades: Kniephof,
Külz e Jarchelin. Era solo de trato mais difícil, numa região mais bravia. Kniephof situava-se a
cinqüenta quilômetros a nordeste de Stettin, distando um pouco menos do litoral do mar Báltico.
Berlim estava a mais de cento e cinqüenta quilômetros, sendo que para Wilhelmine ainda parecia
mais longínqua. No entanto, com os bosques, os lagos, o ar marinho soprando solto pelos capinzais,
Kniephof era um lar excitante para um menino, e uma escola de primeira para um gentil-homem do
campo. Mas Wilhelmine - cujas relações com o marido andavam tensas - não fazia o menor gosto em
que um neto de Ludwig Mencken passasse os dias em diversões rústicas. Não havia por que
Bernard e Otto não tivessem aulas com um professor particular em Kniephof mesmo, antes de
entrarem para uma escola de cadetes. Sua mãe, porém, era mais ambiciosa. Insistiu em mandar
ambos os meninos para o Instituto Plamann, em Berlim, uma escola preparatória fiel às idéias de
Pestalozzi, com sua ênfase no desenvolvimento da personalidade. Semelhante educação era um
rompimento na tradição da família Bismarck ainda maior que a mudança para a Pomerânia.

Otto estudou no Instituto Plamann, na Wilhelmstrasse 139, de 1822 a 1827. O colégio fora fundado
dez anos antes do seu nascimento, por um pastor evangélico. Gozava de grande prestígio entre a
nobreza menor e os funcionários públicos, porque Plamann seguia as idéias sociais em voga.
Buscava pôr em execução o programa educacional do idealista patriótico Ludwig Jahn (que em
determinada época lecionara no Instituto sob a direção de Plamann). Jahn considerava essencial
regenerar o corpo político de um Estado pelo cultivo físico e o desenvolvimento dos corpos de seus
cidadãos: a cadência de uma energia corporal disciplinada, considerava ele, levaria a mente a
ocupar-se de coisas mais elevadas. Aquilo impressionou Wilhelmine von Bismarck, como a muita
gente de sua geração.

Mas não impressionou seu filho mais moço. Ele dispunha de inteligência natural em demasia para
aceitar tal filosofia sem crítica. O rapaz aprendeu a nadar, aprendeu esgrima; executava os
exercícios de ginástica prescritos por Jahn para fortalecer os músculos e a alma; e cultivava os
canteiros de horta e jardim, como todos os demais alunos do Instituto. Porém não era feliz. As
cartas que se conservaram denotam que seu pai achava difícil compreender qualquer dos filhos,
enquanto a mãe, embora paciente com Otto, mal disfarçava seu favoritismo por Bernard3. Otto
começou bem. O relatório do primeiro período dizia, a seu respeito: “Ele é muito popular com todos,
devido a suas maneiras cativantes, bom humor e vivacidade”. Quatro anos mais tarde, no entanto,
às vésperas dos onze de idade, o tom já era mais severo: “precisa ter cuidado para que seus
entusiasmos não o ponham a perder, e encontrar lugar para um pouco mais de sisudez no trabalho e
de animação na vida social4”. Como a maioria dos conceitos de estudantes, este comentário é mais
revelador sobre a escola que sobre o aluno.

“No sistema educacional de Plamann”, escreveu Bismarck, mais tarde, “o von que me precedia o
nome era uma desvantagem... no trato, assim dos colegas como dos professores5”. A verdade é que
suas desventuras se deviam a algo mais que a um conflito de hierarquia. O menino que nas férias
adorava percorrer em seu pônei os terrenos que circundavam Kniephof, detestava Berlim e a vida
urbana que esta simbolizava para ele. “Eu contava cada hora e cada minuto que me faltavam para
chegarem os feriados e o trem postal de Stettin”, recordou, ao rever a escola, em 18516. Todavia,
seu caráter era forte demais para entregar-se à autocomiseração. O retrato dele, por Franz Krüger,
em seu último ano no Instituto Plamann, mostra um rapazinho de rosto redondo, cabelos rebeldes,
narizinho arrebitado, queixo bem marcado, ar zombeteiro. Não está sorrindo, nota-se; e se há
travessura naquele olhar vivo, há também malevolência. Na velhice, ele se descrevia como um pato
selvagem dos brejos pomeranos, de asas cortadas por aldeões desumanos. O retrato de Krüger não
lembra tanto um pato selvagem, mas sim uma raposa enjaulada, certa de que vai fugir.

Aos doze anos, Otto deixou o Instituto Plamann, embora continuasse estudando em Berlim. Passou
três anos no Ginásio “Friederich Wilhelm”, na Friedrichstrasse, sendo transferido, pouco depois dos
quinze anos para o Gymnasium zur Grauen Kloster, onde se deu melhor que nas escolas anteriores.
Hospedou-se com a família de um dos mestres-escolas, o Dr. Bonnel, o qual foi bem melhor sucedido
que Plamann em estimular seus interesses intelectuais. Teoricamente, os Ginásios prussianos - que
estavam no auge da influência -ofereciam um extenso currículo humanístico, o qual, especialmente
nas séries mais elevadas, se concentrava no estudo da herança grega e latina, em matemática e na
cultura mais recente, especificamente germânica, dos últimos cinqüenta anos. Mas nem todos
cumpriam sua função e, assim, Otto von Bismarck não foi além de estudante competente em dois
colégios cautelosamente convencionais. Não formou uma visão da Hélade e pouca compreensão
adquiriu do mundo de Roma. Os professores não o tinham, tampouco, na conta de um matemático.
Gostava de ler Goethe e Schiller e era muito bom em francês, embora a história recente houvesse
acabado com a tradicional influência da erudição francesa no pensar alemão. Preferia escritores
ingleses - notadamente Shakespeare - a qualquer dos autores franceses. Interessava-se, sobretudo,
o que não é de surpreender, pela política do passado, pelas porfias da guerra e da paz através dos
séculos.

Tudo isso causava grande desgosto a Wilhelmine. Estando seus filhos em Berlim, ela conseguia
passar mais e mais de seu tempo na capital ou em Potsdam, queixando-se muito, achando a vida em
Kniephof horrivelmente tediosa. Tinha esperanças de que um dos dois, Bernard ou Otto, “penetraria
mais profundamente no mundo das idéias do que foi possível para mim, uma simples mulher”.
Porém nenhum dos filhos deu-lhe essa satisfação intelectual indireta. Ocasiões havia em que Otto
mostrava-se tão importuno e grosseiro no convívio social que a deixava a cogitar se ele teria
qualquer idéia na cabeça.
A religião constituía um problema para mãe e filho. As opiniões dela oscilavam entre um inflexível
agnosticismo, quando estava no campo, e um espiritualismo diletante, coisa da moda, quando na
cidade; o marido mantinha-se fiel àquela descomplicada fé em Deus de Martinho Lutero, crença que
a ele jamais ocorreu debater com os filhos. De pequenino, Otto se acostumara a rezar cada noite ao
Todo-Poderoso. As convenções sociais determinavam-lhe preparar-se para a crisma aos dezesseis
anos; assim, no outono, sua mãe insistiu para que ele tomasse lições de religião com o Dr. Friedrich
Schleiermacher, o mais destacado teólogo de Berlim. Schleiermacher era a inteligência mais
impressionante que o rapaz já havia encontrado. Por mais de um terço de século ele buscara uma
síntese intelectual que conciliasse a filosofia do racionalismo com a prática religiosa. Ensino desse
calibre seria, sem dúvida, estimulante para Wilhelmine, mas era forte demais para seu filho.
Somente a mensagem mais simples teve efeito: “Tudo que fizer, faça-o como coisa de Deus e com
todo o empenho de seu coração”, pregava o pastor, e pelo menos essa exortação gravou-se na
memória de Bismarck7. Crismou-se devidamente, porém suas idéias continuaram confusas. Logo
abandonou as preces noturnas: entendera, do Dr. Schleiermacher, que orações em favor do que
quer que fosse não tinham o poder de modificar os desígnios de Deus. Aos dezesseis anos, a
conformidade espiritual, em essência, continuava incompatível com ele; e não arquitetou sua
própria fé religiosa até outra década e meia após a crisma.

“Terminei os estudos na Páscoa de 1832, produto normal de nosso sistema educacional do Estado”,
escreveu, no primeiro capítulo de suas memórias, e prosseguiu afirmando que na época era “um
panteísta e, se não um republicano, pelo menos um persuadido de que a República era a mais
racional das formas de Governo8”. Mas não constituiam opiniões aprofundadas: ele não teve
convicções mais fortes sobre qualquer assunto sério até uma idade bem mais avançada. Foi sua
mãe, uma vez mais, quem resolveu qual seria a etapa seguinte de sua educação: até então,
freqüentara estabelecimentos de ensino padrão; seguiría, agora, para a Universidade hanoveriana
de Gottingen, intelectualmente o mais livre centro acadêmico da Alemanha. Wilhelmine alimentava
esperanças de que ele estudasse Direito e entrasse para o serviço diplomático: isso, pelo menos, era
o que faria um Mencken. Mas Otto sofreu um ataque de revolta adolescente. Conferências e bancas
de exames não eram para ele: havia outro lado da vida de Gottingen que tencionava viver
intensamente. Compareceu para matrícula no dia 10 de maio de 1832; essa foi a única cerimônia
acadêmica na qual deu um ar de sua graça como aluno.

Os colegas mais chegados a Bismarck, na universidade, eram fidalgos alemães, nem todos da
Prússia. Mas um dos primeiros amigos foi um americano, um ano mais velho, John Lothrop Modey,
recém-chegado à Europa vindo de Harvard. Um quarto de século depois, Motley ficou célebre por
seus estudos históricos dos Países Baixos, mas antes de lançar-se a esse projeto, escreveu um
romance autobiográfico, Morton of Mortons Hope, editado em Nova York e Londres em 1839. Nada
de mais notável em Mortons Hope como trabalho literário, exceto a assustadora escala em que foi
concebido - duzentos e cinqüenta mil palavras - e o cenário das melodramáticas aventuras do herói,
pois Morton, qual Motley, atravessava o Atlântico e entrava nas universidades de Gottingen e de
Berlim: onde conhecia e se tomava amigo de um turbulento e destemido estudante junker de nome
Otto von Rabenmark.

“Gottingen é uma bela cidade, estilizada, com sensível ar medieval”, escreve Modey, meio por alto,
contando a chegada de Morton à universidade.

“Ao longo da ma, ao olhar para cima, via cabeças e ombros de estudantes em cada janela. Ataviados
em espalhafatosos barretes de fumar e becas da maior heterogeneidade, os longos cachimbos,
ornados de lianas e borlas coloridas, dependurados na boca [sic!]. Junto ao dono, debruçado à
mesma janela, aqui e ali, um poodle de aspecto sisudo e filosófico, com uma bigodeira igualmente
horrível e a cabeça contemplativamente pousada sobre as patas dianteiras, parecia, como o dono,
deitar olhares amorosos sobre as empregadas pesado nas que buscavam água na bomba da rua.”

De repente, Morton divisava uma esquisitíssima figura que descia a rua: era, segundo soube, um
estudante conhecido por “Calouro Rabenmarck”, ou “Raposo Rabenmarck”, sendo “raposo” (Fuchs)
a denominação dos calouros nas universidades alemãs.

“Poucas vezes na vida vi pessoa tão antipática... embora, ao conhecê-lo melhor... tenha passado a
achá-lo bem interessante. Tinha o cabelo hirsuto de vassoura velha, de cor indefinida, mais ou
menos entre ruivo e castanho esbranquiçado, o rosto sardento e os olhos descorados no centro,
rodeados de um círculo arroxeado... O paletó era o caos, sem gola, sem botões, sem cor e sem
forma; calças largas, botas com salto de ferro e esporas enormes... O cabelo caía, despenteado,
sobre as orelhas e o pescoço [e carregava] um sabre enorme no cinto.”

Seguiam-lhe os passos, não o socialmente aceitável poodle, mas dois ou três terriers. Os estudantes
zombavam dele - pela aparência e pela escolha do cão e o Raposo revidava, desafiando os ofensores
para um duelo9.

Claro, essa descrição não passa de caricatura; nem mesmo o Bismarck de dezessete anos tomaria
Gottingen de assalto com tamanha imprudência. No entanto, outros relatos mencionam sua singular
aparência. Muito magro, mais de um metro e oitenta, cabeleira ruiva chegando aos ombros. Como o
Rabenmarck fictício, vestia-se de maneira bizarra, envolto no que parece ter sido uma pelerine
comprida e desbotada, e esmerava-se em “girar entre os dedos uma bengala de ferro”. Sua raça
preferida de cão era um sabujo castanho amarelado, não o terrier. No entanto, Motley apanhou com
fidelidade a arrogância de seu amigo. Na escola secundária Bismarck se misturara à classe média,
mas em Gottingen decidiu que ninguém mais devia esquecer o “von” de seu nome. Foi iniciado no
mais seleto grêmio de estudantes, o Corpo Hanover, na primeira semana de julho de 1832. Um mês
mais tarde, em 9 de agosto, duelou pela primeira vez. Nos nove meses seguintes enfrentou mais
vinte e quatro “soluções de questão de honra”. Uma vez, e apenas uma vez, foi ferido - e o incidente
a tal ponto lhe envenenou o espírito que mesmo como primeiro ministro da Prússia estava sempre
pronto a contar como fora contrário às regras o golpe do adversário. Bebia, andava com prostitutas,
preferia ler Byron e Walter Scott aos livros de Direito, sempre endividado. As autoridades
universitárias não viam com bons olhos esse comportamento: deram-lhe três dias de punição em
cela, mas ele não mostrou qualquer indício de contrição. Pouca coisa o diferenciava dos mandriões
dourados das outras universidades, exceto sua rudeza agressiva.

Seria tudo pantomima? Deve ter havido uma inteligência atraente e um encanto especial por detrás
dessa extravagância toda, ou ele não teria jamais conquistado e conservado a amizade de Modey e
dos Keyserlings, cultivados membros da aristocracia báltica[1]. Em Morton's Hope, Motley faz o
Raposo Rabenmarck declarar, inesperadamente: “Eu poderia pôr de lado, uns momentos, toda esta
minha palhaçada e mostrar-me bem sensato”; é bem provável que tenha ouvido o Otto real dizer
algo parecido. Ele se comprazia em desconsiderar os eruditos convencionais em geral, um vezo que
manteve ao longo de sua vida pública; mas como estudante, pelo menos mostrava disposição em
ouvir aqueles que compartilhassem de seus pressupostos. Tratava, então, com o maior respeito o
professor bremeniano Arnold Heeren, autor de um estudo do mercantilismo e do sistema de estados
europeu do século XVIII. Já por outro lado ignorava as aulas de Friedrich Dahlmann, o mais
destacado historiador de Gottingen, que justamente nessa época estava a fazer notáveis
conferências sobre a evolução histórica do governo constitucional inglês. Uma geração inteira de
estudantes - alguns dos quais vieram a ser oponentes de Bismarck no parlamento - foi influenciada
pelo arrebatamento nacional-liberal de Dahlmann. Não o futuro chanceler: membros do Corpo
Hanover jamais freqüentavam professores que lhes eram social e politicamente inaceitáveis.

Bismarck não terminou seus estudos em Gottingen: a vida social pesava-lhe no bolso; e ele se foi,
debaixo de uma ameaça de prisão por parte das enfurecidas autoridades universitárias. Viver em
Berlim não era tão caro. Durante um ano, estudou na nova universidade da capital. Para ser mais
preciso, matriculou-se na universidade e seguiu um curso particular, decorando às pressas. Em
maio de 1835 passou na primeira parte dos exames de Direito, obtendo a prerrogativa de intitular-
se Auskultatur. Um ano depois apresentou dissertações sobre filosofia e economia política, o que, no
estado magnificentemente acadêmico do sistema judiciário alemão, dava-lhe a denominação de
Referendar, ou assessor forense. Sua formação universitária estava concluída. Não chegara aos
píncaros pela mãe sonhados para o neto de seu pai; mas, pelo menos, podia aspirar à admissão no
serviço diplomático, como ela tanto queria.
O Rabenmarck da ficção de Morton’s Hope teve seus planos de carreira diplomática frustrados por
um ardente caso de amor com uma condessa, uma luta na qual matou dois homens e um grand final,
cena em pleno tribunal, quando apunhalou a principal testemunha de acusação e driblou o patíbulo
tomando veneno. O Bismarck da vida real viu-se apartado de suas mais imediatas ambições
diplomáticas de maneira bem menos dramática. Teve uma entrevista com o ministro do exterior
prussiano, Johann von Ancillon, o qual aconselhou-o a procurar um emprego público dentro da
Alemanha ao invés de entrar na diplomacia européia Essa foi a primeira decepção que Bismarck
teve, e o deixou, além de desapontado, surpreso. “O ministro achava que o traquejo social simples
da classe de proprietários rurais prussiana não lhe fornecia o material que desejava para nossa
diplomacia’, escreveu ele, sessenta anos depois, para completar com o comentário de que “não
deixava de estar certo nessa opinião”. A porção maior do corpo diplomático prussiano ainda
provinha de fora das fronteiras do reino, porém as origens de Bismarck tornavam-no melhor
qualificado para a diplomacia que “a maioria dos candidatos da fidalguia rural”, que “encontrava
dificuldade em escapar dos restritos horizontes que limitavam os berlinenses daqueles tempos"10.
Afinal de contas, era neto de um ex-embaixador; e sua mãe agia no sentido de que tal ascendência
não fosse esquecida, cultivando assiduamente seus contactos em Berlim. Fica dúvida se o
verdadeiro motivo da rejeição de Bismarck não seria outro. Não estariam os registros de sua
tumultuada vida estudantil a indicar que ele ainda não conseguira “passar uma demão de verniz
europeu” (empregando sua própria metáfora) por sobre seu sistema de vida exageradamente
junker? Ancillon não podia vibrar com a idéia de enviar a Londres ou Viena um arruaceiro que por
qualquer coisa puxava do sabre.

Em vez disso, Bismarck foi para Aachen. A cidade - denominada Aix-la-Chapelle na maior parte dos
mapas - fora incorporada à Renânia Prussiana pelo tratado de Viena no ano de seu nascimento.
Persistia a influência francesa e Bismarck verificou que sua responsabilidade administrativa ainda
se pautava pelo Código Napoleônico, adotado em 1804, quando a cidade era parte da França
metropolitana. Tecnicamente, Bismarck estava ligado à Junta de Governo Renana e devia haver-se
com os problemas de assimilação dessa área fronteiriça a Zollverein, a união aduaneira de
predomínio prussiano, que em meados de 1830 ia consolidando o recém-alcançado poderio da
Prússia. Mas, como Bismarck escreveu depois, “o trabalho diário era leve”; sobravam-lhe horas para
ler, cavalgar, divertir-se. Às vezes atravessava para a Bélgica e ia caçar nas Ardenas. Era uma bela
região.

Havia também outros atrativos. Aachen transformava-se em prestigiosa estação de águas, muito
apreciada pela nobreza inglesa como local de descanso, entre os rigores sociais de Bruxelas e as
delícias paisagísticas do Reno. Em pouco tempo o “Barão von Bismarck”, de vinte e um anos de
idade - e que gostava de ler Scott e Byron, além da “velha obra de Shakespeare” - estava
popularíssimo na colônia inglesa da cidade. Chegou a Aachen dia 20 de junho de 1836; por volta de
10 de agosto já se sentia o suficiente seguro para descrever com sabor a especiosa sociedade em
que se movimentava. “O grupo de minha mesa, no momento compreende dezessete pessoas da
Inglaterra, duas da França e, humildemente, eu próprio”, informava ele à família, que permanecia
em Kniephof. “Na aristocrática cabeceira da mesa temos Suas Graças o Duque e a Duquesa de C.,
além da sobrinha, Miss R. (encantadoramente bela)."11 Dias depois escreveu, “Hoje à noite vou
ouvir Massaniello, para cujo recital recebi uma entrada de my friend the Duchess”; e usou inglês
nas quatro últimas palavras como a chamar atenção dos provincianos pomeranos para o à vontade
com que seu filho era aceito em tão excelsos círculos.

A origem social da duquesa de Cleveland, na realidade, era menos aristocrática que a dos
Bismarcks. Era filha de um hortelão de Yorkshire e passara a freqüentar a sociedade da Regência
como “a amiguinha” de Coutts, o banqueiro. Para Creevey, malévolo diarista que a conhecera por
mais de quarto de século, ela era simplesmente “a marafona”; porém o jovem Bismarck olhava
qualquer representante da Inglaterra aristocrática com admiração e respeito, exatamente como o
fazia outro romântico outsider Tory, Benjamin Disraeli. Bismarck estava impressionado com a
duquesa; mais impressionado ainda com a sobrinha, Laura Russell. O duque permaneceu algumas
semanas em Aachen, tratando de negócios, e Bismarck teve oportunidade de fazer companhia às
damas em teatros, concertos, passeios de carruagem pelos arredores da cidade. Durante meses
suas cartas davam indícios, ainda que obscuros, de planos de casamento; mas a probabilidade maior
é que estivesse, mais que nada, a divertir-se num mundo de fantasia; e que o “romance com Miss
R.” tenha constituído interessante derivativo para o tédio de um posto em que nada havia a ser
feito. Outros “romances” entretiveram-no durante o inverno, inclusive envolvendo uma coquette
casada, de trinta e seis anos.

A estação seguinte - que foi o verão da ascensão da Rainha Vitória ao trono - ainda encontrou
Bismarck em Aachen. Doze meses de aventura social não lhe haviam diminuído a queda por damas
inglesas de boa estirpe. Uma, em particular, o empolgou especialmente: Isabella Loraine-Smith, a
filha de dezessete anos de um ministro da igreja anglicana, o prior de Passenham, paróquia
confinante com Northamptonshire e Buckinghamshire12. Por duas semanas Bismarck acordou de
madrugada para ter certeza de encontrar-se com Isabella; os costumes médicos recomendavam a
“inhalação” das águas de manhã cedo, e o vigário tinha opinião formada, muito forte, sobre os
efeitos curativos da medicina natural (e sobre outras tantas coisas mais). Em meados de julho,
Bismarck sabia ter encontrado um novo amor, alguém por quem sentia ainda maior atração fisica
que pela “deliciosa Miss R.” do verão anterior. Uma carta de 19 de julho ao seu irmão continha o
conhecido sinal de alerta: a filha do vigário, asseverava ele a Bernard, era “o arquétipo acabado da
beleza inglesa”. Estava tão fascinado que imediatamente pediu uma licença de duas semanas e
acompanhou os Loraine-Smiths para o outro lado do Reno, a Frankfurt e Wiesbaden, onde podiam
experimentar uma mudança de fontes termais. “A jovem e loura donzela inglesa, de excepcional
graça”, como ele descrevia Isabella noutra carta, trouxe à tona o Byron manqué do caráter de
Bismarck: ela “faz-me ferver como vapor o sangue abrasado”, escreveu, numa ebulição de metáfora
que lhe subiu à cabeça. Em Wiesbaden, gastou dinheiro a rodo: da água de fonte antes do café da
manhã até jantares com champanha, ao luar; e ao cabo de uma semana já se considerava noivo de
Isabella. Falou-se em casamento na Inglaterra na primavera seguinte13.

Anos depois, Bismarck recordava essa semana em Wiesbaden como uma extravagância, leviandade
da juventude. Saiu cara, sem dúvida. Em setembro contou a um amigo que, só em Wiesbaden, havia
liqüidado 1700 táleres, antiga moeda alemã de prata, quase duzentas libras. A tentativa de
recompletar a bolsa no jogo foi um desastre. Mas ele estava decidido a ficar ao lado de sua “donzela
inglesa” e tornar-se aceitável aos pais dela como futuro genro. Na época, achou que era para valer.
Os encantos da presença de Isabella levaram-no a ultrapassar sua licença em mais de três meses.
Os Loraine-Smiths viajaram para Strasburgo e foram até a Suíça, com Bismarck presente a dar
assistência; chegaram a pretender atravessar os Alpes e visitar a Lombardia antes de retomarem
para a estação de caça inglesa. Bismarck escreveu a Kniephof, solicitando um empréstimo e
esboçando seus planos de voltar até Londres via Paris. De Berna, no fim de setembro, enfim,
escreveu ao Conde von Arnim-Boitzenburg, seu chefe de departamento em Aachen, pedindo
desculpas pela duração de sua ausência. Não podia abandonar agora seus companheiros de viagem
(que, nas cartas, denominava, prolepticamente, “minha família”). Arnim não se comoveu e
suspendeu-o do serviço, cortando-lhe o pagamento.

Kniephof entrou em consternação com a insensatez de Otto. Isabella, confessara ele numa das
cartas, “não entende mais que umas poucas palavras em alemão”14; não era fácil imaginá-la esposa
de um proprietário de terras prussiano com esperança de uma carreira diplomática. Em posição
social, os Loraine-Smiths diferiam pouco dos Bismarcks. Os Loraines pertenciam à pequena nobreza
rural, originários da Northumberland e acrescentaram o nome “Smith” ao herdarem um baronato e
terras de família em Enderby, Leicestershire[2]. Os homens haviam estudado, por várias gerações,
no Christis College de Cambridge e, em geral, passavam por Eton antes de seguirem para a
Universidade; e eram famosos cavaleiros, participando dos melhores grupos de caçadores da
Inglaterra. O reverendo Loraine Loraine-Smith, pai de Isabella, talvez não fosse muito
empreendedor, socialmente falando; permaneceu prior de Passenham de 1814 até sua morte,
quarenta e três anos mais tarde; e quando buscou uma esposa não foi além da paróquia vizinha de
Milton Keynes (onde o tio era vigário) e casou com sua prima. Mas era indubitavelmente um homem
de caráter, descrito no Gentleman Magazine como “refinado e imponente” que “se orgulha do
comparecimento que atrai, quer no campo quer na estrada principal”, o tipo de figura clerical “que
hoje já não se encontra tanto”. Mas o pai de Bismarck não quis saber de nada disso; a simples idéia
de um Bismarck-Schönhausen casar-se com a filha de um eclesiástico inglês do interior causou
horror em Kniephof. No dia 1° de novembro Otto apareceu inesperadamente em casa para enfrentar
a família chocada com seu comportamento, sobretudo pela maneira como havia abandonado suas
funções em Aachen. Já então eram menores as perspectivas de sair o casamento.
Não ficou esclarecido se o noivado rompeu-se do lado Loraine-Smith ou do lado Bismarck. A
separação demonstrou que Otto e Isabella pouco tinham em comum de “mente e espírito”. Seja
como for, em meados de dezembro Otto já escrevia, lastimando-se a um amigo, que “meu projeto de
casamento está absoluta e terminantemente liqüidado, nada deixando além das lembranças de
quatro meses felizes, cheios de doçura - sem mencionar dívidas consideráveis ainda sem
solução”15.[3]

O romântico episódio deve ter prejudicado bastante a reputação de Bismarck como servidor
público, pois o funcionalismo civil prussiano, imbuído, como era, de um senso marcial de dever e
obediência, considerava a falta ao trabalho algo muito grave. Mas a família ainda mantinha
influentes contactos na Corte e na capital, e as altas autoridades de Potsdam (que controlavam a
administração das províncias) desculparam-lhe a “deserção” com indulgência paternal. Arranjaram-
lhe até trabalho por três meses, em Potsdam mesmo. A questão de seu futuro ficava em aberto: ele
não queria amarrar-se a uma mesa burocrática, mas ganhou tempo e não enviou o pedido de
demissão. Um homem de pouca idade, fortemente endividado, necessita de grande confiança em
seu destino para tomar essa atitude; e as sacudidas que levara no ano anterior haviam destruído
boa parte daquela autoconfiança de Gottingen.

Pelo momento, o assunto não era urgente. Enquanto estivera na administração provincial, Bismarck
conseguira adiar o serviço militar. Porém ao cair em desgraça no caso de Aachen já não podia
furtar-se à obrigação de se apresentar como “voluntário”. Na primavera de 1838, alistou-se no
Batalhão de Caçadores, da Guarda. “Sinto umas dores toda vez que levanto o braço direito”,
queixou-se ele à chefia médica16. Evidentemente, estória que ouviam de outros recrutas; um
homem da compleição física de Bismarck tinha razoável possibilidade de sobreviver aos doze meses
do serviço militar de tempo de paz. Foi metido num uniforme e destinado à guarnição de Berlim.

De fato, sobreviveu; mas com um enfado ligeiramente menor que o causado pela administração
civil. Quando concluiu o período de serviço em Berlim, seu batalhão foi transferido para Greifswald,
no litoral do Báltico, ao norte de Stralsund. Greifswald, qual Gottingen, ainda mantinha traços de
seu passado medieval, e havia até uma universidade, com poucas centenas de estudantes. Mas com
a exceção de ocasionais embates entre impetuosos liberais e a polícia, nada quebrava o silêncio das
ruas. A vida era mais tediosa- ainda bem que mais barata -que na Renânia.

Dar sentinela no promontório arenoso de um estuário fluvial, em pleno inverno, nada tinha de
romântico. Em pouco tempo, ele estava a contar as semanas que faltavam para o fim de março,
quando devia voltar à vida civil como oficial da reserva17.

Na verdade, aflições em casa encurtaram o tempo de serviço. Em fins de outono de 1838 soube-se
que Wilhelmine estava gravemente enferma, e seu filho mais novo obteve longos períodos de
licenciamento por condescendência. Mas pouco podia, ele ou quem quer que fosse, fazer por sua
mãe. Durante anos ela exigira demais de si mesma: não era fácil incitar atividade em seu marido,
que envelhecia rapidamente; e esgotara-se com os problemas da criação da única filha, Malwine,
que dera à luz em 1827, quando já tinha trinta e sete anos e os dois filhos homens já estudavam em
Berlim. Mais tarde, teve até que assumir a responsabilidade da administração das terras da família,
já demasiada para Ferdinand desempenhar eficientemente. Nos primeiros anos, ela ambicionara
fazer um Mencken de, pelo menos, um membro que fosse da família rural em que se havia casado:
resultou, no fim, ela mesma prisioneira do patrimônio legado aos Bismarcks. Não fora para esse
estilo de vida que ela havia mandado o filho mais moço estudar sob a direção de Plamann, depois
para a universidade em Gottingen. Morreu no primeiro dia do ano de 1839, uma mulher
decepcionada.

Bismarck não foi mui profundamente afetado pela morte da mãe: só mais tarde veio a apreciar-lhe
as qualidades. Quando muito, ficou resolvido o problema imediato do que deveria fazer, concluído o
serviço militar. Ajudaria Bernard a gerir as propriedades da Pomerânia, enquanto o pai regressava a
Schönhausen, onde os métodos de agricultura eram tão padronizados que ele poderia viver numa
virtual aposentadoria. Depois de passar o verão de 1839 em adaptação e aprendizado dos
problemas de gerência agrícola, Bismarck enviou pedido formal de demissão às autoridades de
Potsdam, em outubro. Em particular, Bismarck dava a explicação de achar que seu temperamento
não se coadunava com o exercício de postos subordinados: “Meu orgulho convida-me muito mais
a comandar que a obedecer”, dizia, num lampejo da antiga arrogância de Gottingen18. Seu pai
abandonara o exército aos vinte e três anos, e desde então satisfazia-se com a idéia de "viver e
morrer no campo”. Agora, um ano mais velho, Otto fazia uma opção semelhante. Seu futuro parecia
limitado às charnecas e pradarias dos horizontes a leste de Elba.

[1] Bismarck teve grande aproximação com o Conde Hermann von Keyserling, em Gottingen; e na
Universidade de Berlim fez uma amizade que durou a vida toda, com o irmão do Conde Hermann,
Aiexander von Keyserling, mais tarde eminente naturalista. Tudo indica que foi dos Keyserlings que
Bismarck absorveu o gosto pela música de Beethoven.

[2] Bismarck, depois, a chamava “Isabella Loraine” em vez de Isabella Loraine-Smith. Esse
tratamento devia parecer normal para quem somente se intitulava “Bismarck-Schönhausen” quando
desejava estabelecer sua diferença de outros membros do clã Bismarck.

[3] Segundo Bismarck, Isabella Loraine-Smith foi “a presa capturada” por um cavaleiro inglês,
descrito por ele, sardonicamente, como “um coronel maneta, cinqüentão, com quatro cavalos e
cinco mil anuais de renda”. Mas a ser verdadeira essa versão, ela cansou-se logo do “captor” e não
chegou a casar-se com ele. Em setembro de 1840 tornou-se esposa de um banqueiro de vinte e nove
anos, ex-aluno de Harrow, Richard Lee Bevan, e continuou a caçar, feliz, em Northamptonshire,
enquanto o “junker” cujo sangue havia feito “ferver” em Wiesbaden perseguia presas diferentes nos
campos bem mais temíveis de Sadowa e Sedan. Ao que tudo indica, jamais tomaram a se encontrar.
Isabella faleceu em janeiro de 1885; o marido, embora quatro anos mais velho que Bismarck,
sobreviveu a ele uns vinte meses.
2. O LOUCO

“A estampagem que recebi na meninice não correspondia à que devia fazer de mim um gentil-
homem da campanha”, declara Bismarck em suas memórias19. Estritamente falando, tinha razão:
nada de sua formação escolar o preparou para a prática científica da agricultura, nem para
classificar receita e despesa num livro de contabilidade. Mas foi levado, no retrospecto, a exagerar
suas deficiências. Antes de terminar o serviço militar, leu livros e artigos sobre economia agrária
num instituto agrícola vizinho a Greifswald, onde também tirou um curso de química dos solos.
Estabelecido na Pomerânia, começou a estudar maneiras de aumentar o rendimento das lavouras e
garantir bom preço para a lã e outros produtos no mercado. Embora rezingasse por ser obrigado a
se ocupar de “contabilidade de partidas dobradas e de química”, agora era muito mais metódico que
no colégio ou na universidade. Bernard quase não participava da administração da fazenda -Otto,
depois, queixou-se de que toda vez que o irmão mais velho ficava a cargo de Kniephof, acumulava
“um saco de lã cheio de notícias irritantes” para sua volta e “enquanto eu não demonstrasse
surpresa ele sempre tinha uma ainda pior para contar”. Mas Otto em seguida conquistou o respeito
dos vizinhos, tanto por seus conhecimentos de agricultura quanto pelos resultados práticos como
produtor. O valor das propriedades aumentou em mais de um terço nos nove anos durante os quais
ele foi responsável pela gerência- e em três desses anos houve uma recessão agrícola generalizada.
Não resta dúvida de que foi um fazendeiro capaz» engenhoso. Anos mais tarde dizia que criou seu
estilo diplomático nas exposições agropecuárias da Pomerânia: os mercadores compartilham dos
mesmos interesses, falam a mesma língua.

Entretanto, foi sempre uma figura exagerada. Às vezes, gostava de escandalizar os vizinhos junkers,
galopando como um doido, em seu enorme cavalo castanho, Caleb, pelos campos e bosques,
demonstrando pouco respeito pelas propriedades deles, ou mesmo pelas filhas de seus lavradores.
O amigo Keyserling reclamou que ele parecia “seguir livremente seus instintos naturais, sem
escrúpulos de ordem moral”20. Mais tarde, em atmosfera de remorso, Bismarck confessou que
naqueles tempos “não deixou pecado por fazer e andava em toda espécie de má companhia”.
Provavelmente, exagerava; mas não há dúvida de que levou uma vida mais dissipada que em
Aachen. Houve noites em que malbaratou no jogo dinheiro ganho com a dura economia que
praticava na fazenda. Fazia coisas incríveis; como anunciar a chegada à casa de um amigo dando
um tiro no teto; certa ocasião levou uma aterrorizada raposa, como se fosse um cachorro, até a sala
de estar de um vizinho e aí soltou-a dando gritos de caça. Havia nesse comportamento um toque
daquela anarquia dos fidalgos do campo ingleses do século XVIII, mas também uma insolência
provocante que só podia derivar de um espírito frustrado, aflito. Referiam-se a ele, dando de
ombros, como der tolle Bismarck (“o louco Bismarck”)21.

Outros aspectos de seu caráter eram menos desenfreadamente desabusados. Tratava com bondade
os trabalhadores de Kniephof e das duas dependências, mostrando um senso patriarcal de
responsabilidade que contrastava com o desdém que ostentava em público. Embora como tenente
da Reserva da Landwehr gostasse de representar o cavaleiro de cabeça oca, durante o inverno lia
muito e criteriosamente. O escopo de seu interesse histórico se ampliara muito, comparado ao de
Gottingen. A Inglaterra e os temas ingleses o fascinavam acima de qualquer outro país;
acompanhava com a maior atenção a maneira como Peel ia transformando os Tories em
conservadores; e aumentava sua familiaridade com a literatura inglesa. Era natural que lesse
Tristam Shandy e Tom Jones em Kniephof; já outras seleções são surpreendentes. De sua predileção
pela poesia de Byron, saltou para a leitura de Irish Melodies, de Thomas Moore, íntimo amigo de
Byron. Nessa época, leu bem mais em alemão: a metafísica de Hegel pela qual - até onde a entendia
- não tinha grande gosto; a nova crítica bíblica de David Friedrich Strauss; e a “clareza quase
matemática” de Spinoza, em tradução. Intelectualmente, o “louco” estava bem acima de seus
vizinhos junkers. Durante esses primeiros anos como senhor rural, ele aprendia, pouco a pouco, a
correlacionar o pensamento com a experiência. “A consciência se fazia ouvir melhor na solidão (de
Kniephof) e começava a dizer que estavam erradas muitas coisas que eu antes achava normais",
escreveu em 1846; mas muito tempo ainda devia passar até que pudesse fazer esquecer as lendas
que ele próprio havia se empenhado tanto em criar22.
No verão de 1841 Bismarck outra vez pensou em casar-se. Ottoline von Puttkamer era filha de um
abastado junker. O namoro já durava seis meses num estilo decorosamente formal; nada dos vinhos
inebriantes daquela semana de Wiesbaden. Mas na primavera ficou evidente que Frau von
Puttkamer, formidável matriarca, não tinha intenção de permitir que sua filha fosse desperdiçada -
junto com boa parte da fortuna da família - com um homem da reputação de Bismarck. Este jamais
estivera tão romanticamente enamorado de Ottoline quanto de Isabella Loraine-Smith quatro anos
antes, mas seu orgulho feriu-se com a recusa do pedido. Até Ferdinand von Bismarck, em
Schönhausen, tomou-se de preocupação com a melancolia profunda do filho mais novo. As
propriedades progrediam; havia dinheiro disponível; o pai e o irmão insistiram com Otto para que
tomasse umas férias. O país que ele mais desejava ver era a Inglaterra. No início de julho de 1842,
viajou da Pomerânia para Hamburgo: o vapor de carreira fazia a linha regular para Hull, e alguns
navios tocavam em Leith, permitindo ao viajante visitar também Edinburgo.

Bismarck nunca escreveu um diário de suas viagens, e tampouco se correspondia sistematicamente


com a família. Fica difícil reconstituir seu itinerário; mas as cartas que ficaram e comentários feitos
em conversas mostram claramente os aspectos da vida inglesa a que seu espírito foi mais receptivo.
Ele chegou num domingo, provavelmente 10 de julho, maravilhado por achar-se numa terra cuja
literatura tão avidamente consumira; assoviava despreocupado pelas ruas - e foi logo admoestado
por quebrar a quietude dominical. O incidente o impressionou tanto que ele ainda o recordava mais
de quarenta anos depois. Mas onde teve lugar o episódio? O próprio Bismarck diz ter desembarcado
em Hull e, de tão aborrecido pela reprimenda, ter pegado o navio para Edinburgo. É mais provável
que o paquete haja rumado primeiro para Leith e que seu desaire tenha ofendido a disciplina férrea
do calvinismo escocês. Em carta ao pai comenta uma viagem pelo interior, de Hull a York; com
certeza não teria viajado, zangado como estava, de Hull a Leith, ida e volta, antes de tomar coragem
para enfrentar o interior inglês23.

Ainda bem, havia outros costumes mais a seu gosto que domingos puritanos; o extremo cuidado que
os ingleses dispensavam a seus cavalos, por exemplo; e o tratamento que os cozinheiros davam às
carnes, mesmo que já não o agradassem tanto outros pratos ingleses, particularmente “as adoradas
tortas de frutas e os pastelões”. Ficou impressionado com York Minster, o mosteiro de York, e
encantado com a hospitalidade com que foi recebido no 11.° de Hussardos, o regimento que estava
aquartelado em Yorkshire naquele verão. De York passou por Manchester, que era, em 1842, uma
central geradora de agitação Cartista. Bismarck nada diz do radicalismo político inglês, e muito
pouco das oficinas, minas e fábricas que via à sua volta, mas notou o avanço das ferrovias da
Inglaterra, “que atravessavam túneis de seis ou sete quilômetros de comprimento”. Gostou da
campanha com seus pequenos gramados e cercas vivas; e quando chegou à capital, admirou-se com
a equilibrada mistura de cerimônia e informalidade que encontrou, numa visita à Câmara dos
Lordes. Ao todo, permaneceu umas poucas semanas em Londres, depois desceu para Portsmouth e
fez a travessia para Dieppe, provavelmente saindo de Brighton[1]. Passou algum tempo em Paris e
chegou em casa na segunda semana de outubro.

Essas férias, de fato, quebraram a estagnante rotina da vida na Pomerânia. Tomaram-no pessoa
mais sociável. Desde seu tempo de escola no Gymnasium zur Grauen Kloster ele conhecia e dava- se
bem com Moritz von Blanckenburg, filho de um dos junkers vizinhos de seu pai; mas só em 1842
começou a ter Moritz como companheiro chegado. Essa amizade trouxe para Bismarck um círculo
bem mais amplo de relações: era primo de Moritz o major Albrecht von Roon, então oficial do
Estado-Maior Geral com trinta e nove anos de idade; e, ainda mais importante, Moritz ficara noivo,
em março de 1842, de Marie von Thadden, filha de vinte anos de uma notável família, os Thaddens
de Trieglaf 24. Bismarck passou dias e dias, cada vez mais, no verão de 1843 e no ano seguinte,
com os Blanckenburgs e os Thaddens. Encontrou-os interessados em problemas muito mais
profundos que os do interesse normal da fidalguia rural. Os Thaddens eram luteranos devotos,
prontos a fazer-lhe frente ao racionalismo superficial com uma fé inquebrantável no Deus cristão e
na verdade de Sua palavra, tal como revelada nas escrituras. Mas os Thaddens não eram simples
fundamentalistas emocionais: bem verdade que não blasfemavam, não se embebedavam e
praticavam a meditação tranqüila; mas reconheciam conscientemente os feitos de outras
inteligências cujos agentes não haviam renunciado às futilidades da vida mundana. Marie von
Thadden freqüentava o teatro e concertos, galerias de arte, lia Goethe e Heine e nem todas as suas
conversações com o noivo e com os amigos dele relacionavam-se a assuntos espirituais. Várias vezes
Bismarck participou de um grupo de leitura de Shakespeare que Marie havia formado. Infelizmente,
não se sabe quais as peças, nem os papéis que ela lhe destinava, mas ele era muito requisitado
devido a seus conhecimentos de inglês. Significativamente, seu personagem shakespeareano
preferido era Coriolanus.

Já agora uma segunda influência feminina ajudava a domar o selvagem de Kniephof. Até a idade de
dezesseis anos sua irmã Malwine passava a maior parte do ano em Berlim, a receber a educação
adequada a uma dama prussiana; Otto mal a conhecia, embora quando pequena ela o houvesse
compulsado a ajudá-la a colecionar lagartas. Mas logo após a Páscoa de 1843 a educação formal de
Malwine estava concluída e ela voltou a morar com o pai, em Schönhausen. Quando entrou o
inverno, o velho insistiu com sua filha para que o levasse a Kniephof, agora o lar de Otto, apenas,
uma vez que Bernard estava em funções administrativas na cidade de Naugard. Otto encantou-se
com a companhia de Malwine: era uma moça realista, com uma visão da vida ligeiramente cínica e
um gosto de diversão impetuoso. Irmão e irmã compartilhavam de uma afinidade espiritual, de uma
simpatia mútua ainda maior que a de marido e mulher. Como tantas figuras públicas daquele
período, na Alemanha e na Rússia, Bismarck tornou-se extremamente ligado à irmã, dedicação que
durou toda a sua vida. Mas Malwine era bem a filha de sua mãe e desejava uma vida dela própria.
Otto apresentou-a a um companheiro de juventude, homem enorme, barbudo, o Conde Oscar von
Arnim (dos tempos do Gymnasium da Friedrichstrasse, desta vez). Ao fazer dezessete anos ela
estava comprometida com Arnim, que era dono de nada menos de sete propriedades rurais; e no dia
30 de outubro de 1844 estavam casados. “Sentei-me junto à lareira... na poltrona de couro verde
onde você costumava ficar de beijos e cochichos com Oscar”, escreveu Bismarck a Malwine, pouco
tempo depois do casamento, "... e refleti tristemente sobre a conduta desnaturada e egoísta de uma
jovem senhorita que tem irmãos - sobretudo irmãos solteiros, aliás - e no entanto atira-se,
indiferente, ao matrimônio”. Era um toque gentilmente irônico numa carta cheia de interesse pela
felicidade de sua irmã caçula, mas a tristeza bem verdadeira. “Sinto, mais que nunca, minha solidão
no mundo”, dizia25.

Seu estado de desconsolo piorava devido a outro acontecimento de quatro semanas antes: Moritz
von Blanckenburg e Marie von Thadden haviam casado no dia 4 de outubro. Não há a menor dúvida
de que Bismarck admirava Marie mais do que qualquer outra mulher que conhecera. Confusa
relação pessoal, a deles: Marie - e, na verdade, Moritz também - julgava missão espiritual acordar a
adormecida fé religiosa de Bismarck, tentativa a que ele pelo menos correspondia emocionalmente,
se não intelectualmente. Era inevitável que a atmosfera espiritualizada de seus encontros
contivesse ressaibos de tensão: Bismarck tentava ocultar seus sentimentos; Marie deixava
transparecer os dela. Certa ocasião, num passeio pelos jardins de Trieglaf, ela apanhou uma flor
azul, que deu a Moritz, e uma rosa vermelha para Otto, visível gesto de flerte de parte de uma
criatura cuja nobreza de pensamentos parecia transcender a sentimentos românticos. Duas vezes,
em 1844, Bismarck buscou escapar do conflito de dúvidas que lhe dominava a cabeça; em maio,
surpreendeu a todos que o conheciam, reingressando no serviço público em Potsdam, embora o
tédio das obrigações ligadas a uma escrivaninha o levasse a pedir demissão antes de um mês; e no
fim de agosto tirou umas férias, sozinho, na ilha de Nordeney, isolada possessão hanoveriana no
estuário do rio Emms26. Lá, deixou crescer a barba, como que incerto de sua identidade. A lealdade
a Moritz levou-o a renunciar a Marie fisicamente, a despeito do muito que a pudesse amar; não é de
surpreender que naquele outono de 1844 sua vitalidade parecesse em maré baixa.

Mas o casamento de Blanckenburg não desatou os laços entre Bismarck e seus amigos. O circulo
social que antes tinha seu centro em Trieglaf agora reunia-se em Kardemin, a moradia dos
Blanckenburg. Continuavam a conversar sobre os problemas da fé religiosa; continuavam a ler
Shakespeare nos piqueniques de verão; Bismarck continuava a achar “que os membros deste grupo
constituem, em sua vida exterior, modelos quase perfeitos do que eu gostaria de ser”27. Em
Kardemin Bismarck conheceu os irmãos Leopold e Ludwig von Gerlach, respeitadíssimos tóris,
conselheiros do Rei Frederico Guilherme IV. Embora Marie e Moritz inclinassem a mente de
Bismarck no sentido da religião, os amigos interessavam-no pelos assuntos políticos e davam
atenção a seus pontos de vista a respeito. Havia um estranho idealismo de direita nas convicções
deles: o Estado prussiano podia ser salvo do jacobinismo pela regeneração individual das almas.
Semelhante filosofia pousava com dificuldade sobre um Bismarck tão cético, mas, por algum tempo,
ele estava disposto a aceitá-la.
No casamento de Moritz ele encontrou, pela primeira vez, uma amiga da noiva, do “fundo mais
fundo da Pomerânia” (para empregar a expressão da Marie): Joana von Puttkamer, quase nove anos
mais jovem que ele e parente afastada da moça a quem ele havia feito a corte em 1841. Os retratos
de Joana não dão idéia de uma mulher bela. Mostram-na alta e esbelta, espesso cabelo negro
penteado para trás num coque; olhos escuros de ar grave, nariz longo e um traço firme na boca e no
queixo. Talvez os retratos não lhe captassem as qualidades. Gostava de música, de peças de teatro e
de poesia, embora se confundisse com os trechos de Moore e de Byron que Bismarck lhe escrevia
nas cartas. Como todo mundo, no círculo de Trieglaf, era religiosa convicta, mas não se interessava
por política, do passado ou do presente; havia em seu estilo uma certa gaucherie provinciana que a
deixava pouco à vontade em companhias sofisticadas. Quase desnecessário dizer que admirava
Marie von Thadden, a quem tomava por modelo. O resultado era uma silhueta de mangas justas e
busto apertado, obscura em substância e desenho, mas semelhança suficiente para atrair Bismarck,
ainda que não lhe incendiasse o espírito. Dizia ele ao irmão que ela “seria de fácil convívio... mais
fácil do que jamais vi numa mulher”28. A apreciação não é muito romântica. Uma vez ele havia
escrito a Bernard em termos incandescentes sobre a perfeição da condição de mulher; mas dez anos
já se haviam passado desde as deliciosas loucuras de Wiesbaden, e ele agora era um pretendente
bem mais sóbrio.

Remanescia, porém, um forte traço de sentimentalismo godo em sua constituição. Em fins de julho
de 1846, juntou-se a Moritz e Marie para umas férias nos montes Harz. Estavam acompanhados de
Joana von Puttkamer e de outra amiga de Marie, ao mesmo tempo em que a excursão recebia o selo
de inquestionável respeitabilidade com a presença de um pastor luterano. Mas o romântico vale do
Ilse, suas cachoeiras, as encostas de florestas, hospedarias de madeira, quebraram a reserva
pietista. O pastor cantou as melodias de Mendelssohn para a poesia de Heine, Joana tocou cravo e
Bismarck juntou sua voz de tenor a um quarteto que desfilou um repertório de canções estudantis.
Foram em duas carruagens até Kastenklippe e fizeram outros passeios ao luar. Bismarck organizava
a parte de suprimentos e acomodações, e o grupo sentia-se agradavelmente abalado ao encontrar,
noite após noite, “champanha fluindo como um rio”. “Ninguém imaginaria que éramos pietistas em
férias”, escreveu, satisfeita, uma das amigas de Marie para casa. Bismarck guardou como
preciosidade, na memória, cada minuto das “férias de Harz” para o resto de seus dias29.

Seguiu-se, rápida, a tragédia. Em nove semanas, Marie falecia, vítima de estranho virus que ceifou
a Pomerânia naquele outono e que já lhe levara a mãe e o irmão mais moço. Bismarck ficou
arrasado com essa morte, de uma forma tal como não lhe ocorreu outra vez. Chorava em público e a
sós. Já havia recomeçado a ler as escrituras: agora voltou-se, de novo, para a oração, aceitando,
debaixo desse choque emocional, a fé que Moritz e a própria Marie haviam professado durante
anos. Embora com o tempo as convicções ficassem cada vez mais submetidas ao seu senso de
missão, nunca mais deixou de considerar-se um crente no Deus de Martinho Lutero. Toda manhã lia
trechos do “Refrigêrio Diário dos Cristãos”; toda noite voltava-se para um compêndio de “Máximas
e Preceitos"; era o que Marie sempre fizera.

Bismarck sabia ser esperança dela que se casasse com Joana von Puttkamer. Materialmente, tinha
bastante a oferecer, pois seu pai havia falecido em 1845 e ele, agora, era o dono de Schönhausen,
além de ter uma parte da herança pomerana, Joana desejava aceitá-lo como esposo, mas insistia em
que ele devia firmar sua conversão religiosa e obter o consentimento do pai dela, um portentoso
protestante temente de Deus. Ao findar-se o ano de 1846, Bismarck escreveu, devidamente, a Herr
von Puttkamer uma carta habilidosa, traçando a evolução de suas crenças religiosas, desde o
panteísmo dos dias universitários até “a primeira prece ardente do meu coração”, que rezara ao ter
notícias da doença fatal de Marie30. Durante dias o pai de Joana hesitou: Bismarck tinha certeza de
que sua fé estava “firmemente enraizada”? Teve de atravessar a Pomerânia, com a prontidão que
permitia o inverno - uma viagem de quarenta horas - e asseverar a confirmação ao possível sogro
em Reinfeld, a propriedade dos Puttkamer. Em 12 de janeiro de 1847, Bismarck enviou, de Reinfeld
um bilhete lacônico à irmã, Malwine. Consistia de apenas duas palavras em inglês: All right; foi
como deu a notícia de seu noivado.

Duas semanas depois, voltou a Schönhausen. Agora, exercia uma função oficial de responsabilidade:
era Superintendente dos Diques do Elba, encarregado de proteger as pastagens a leste do rio das
inundações, ameaça constante em fevereiro e março. Suas primeiras cartas a Joana denotavam
grande preocupação com esse perigo. “Você já assistiu ao degelo de um grande rio?”, perguntava
em 17 de fevereiro. “É um dos mais impressionantes espetáculos da natureza.”31 Mas houve outro
tópico, levemente abordado no início de fevereiro, posto de lado, como sem importância, quinze dias
mais tarde e, repentinamente, uma realidade na primeira semana de maio - a possibilidade de
ingressar na política como deputado à recém-criada Dieta Unida (Vereinigter Landtag) do Reino da
Prússia.

A perspectiva não excitava Bismarck. Por três décadas a vida política em Berlim fora estéril. A
Prússia emergirá das Guerras Napoleônicas como uma das cinco grandes potências da Europa e,
malgrado muitas vezes tratada pela Áustria de Metternich como o parente pobre a ser
alternadamente tratado com superioridade ou levado com artimanhas, mantivera seu status durante
a juventude e os primeiros anos da idade viril de Bismarck. Na realidade, quando ele terminava os
estudos, o reino atravessava notáveis transformações. Os territórios conquistados em 1815 mais do
que dobravam a população da Prússia e dotaram-na de valiosos novos centros industriais, na
Vestfália, na Renânia e na “Saxônia Prussiana”; e o crescimento da Zollverein patrocinada pela
Prússia entre 1819 e 1833 resultou em que quase toda a Alemanha exterior ao Império Habsburgo
estivesse compreendida numa união aduaneira, numa associação de livre comércio, dirigida de
Berlim. Mas embora as novas províncias e as novas instituições estivessem mudando o caráter da
economia prussiana, não houve modernização do governo. O rei Frederico Guilherme III prometera
a seus povos uma constituição em cinco ocasiões entre 1810 e 1820, mas morreu em 1840 sem
cumprir a promessa. Seu filho e sucessor, Frederico Guilherme IV empregava termos tais como
“nação”, “constituição” e “liberdade”, porém queria dizer algo totalmente diferente das idéias
modernas: ele era, por ordenação divina, pai de seus súditos, a quem podia consultar, mas a cuja
vontade jamais tinha de curvar-se. Não se considerava responsável pelas promessas de seu pai,
porém aceitou a validade de um édito real que exigia o consentimento dos estados do reino antes
que o soberano pudesse levantar um empréstimo público. No inverno de 1846-7 o estado prussiano
precisou de dinheiro para uma ferrovia ligando Berlim à Prússia Oriental; a fim de encontrar os
meios, o rei convocou uma “Dieta Unida” composta das oito assembléias provinciais da Prússia. A
Dieta devia reunir-se em Berlim, em abril de 1847.

Os liberais da Prússia ocidental estavam decididos a valer-se da Dieta Unida para fazerem pressão
em favor de um parlamento eleito pelo povo. Mas não Bismarck. Este considerava um erro a decisão
de convocar a Dieta Unida. Ocasionalmente, o rei, numa confusa disposição de nostalgia medieval,
sonhava com um novo Império Germânico, no qual contentar-se-ia com servir de eleitor principal; já
Bismarck, tal como seus amigos do grupo de Trieglaf, via como verdadeira Pátria a Prússia
protestante, apenas. Não havia, achava ele, necessidade de o rei incentivar representantes das
classes médias a reunirem-se em sua capital e discutirem o levantamento de um empréstimo; a
sanção do Todo-Poderoso bastava para que o chefe de estado da Prússia agisse como bem
entendesse. Temia Bismarck que a Dieta Unida de 1847 pudesse vir a ser para os Hohenzollerns o
que os Estados Gerais de 1789 haviam sido para os Bourbons da França; e para a fidalguia rural do
Elba oriental nada havia a ganhar - mas tudo a perder - com uma revolução. Os Junkers desejavam
uma estrada de ferro até Konigsberg, mas não ao preço do estabelecimento de uma assembléia
eleita pelo voto popular.

Para Bismarck havia ainda um problema pessoal. Ele jamais se sentira à vontade em Berlim;
abominava a idéia de passar a primavera e o início do verão a ouvir a “violência barulhenta” e as
“frases importadas” de entusiasmados liberais; além disso não o atraía ter de passar as últimas
semanas antes de seu casamento nessa existência tão desagradável. Pelo menos era o que dava a
entender a Joana32. Na realidade, bem o sabia, quase não tinha escolha. Já fazia dois anos que
vinha viajando com a maior freqüência possível, descendo o Elba, até Magdeburgo, onde Ludwig
von Gerlach exercia o mais alto posto judiciário provincial. Ambos, Ludwig von Gerlach e seu irmão,
o general Leopold von Gerlach (assistente pessoal de Frederico Guilherme), estavam
impressionados com a atitude desassombrada de Bismarck. Os conservadores prussianos, na
opinião deles, necessitavam de um homem de tal calibre. Quando caiu doente Brauchitsch, um dos
representantes de Magdeburgo na Dieta Unida, eles instaram Bismarck a ir a Berlim, na qualidade
de seu suplente, e falar como representante da nobreza da Saxônia prussiana (da qual,
tecnicamente, não era membro, de vez que suas propriedades ficavam na Altmark e na Pomerânia).
O convite era lisonjeiro. “Perdoa-me aceitar o negócio”, escreveu a Joana em 8 de maio, “mas eu
não poderia declinar do chamado sem ofender, certamente, as classes políticas de Magdeburgo, e
sem destruir todas as boas perspectivas que tenho, baseadas nas minhas relações com elas”33.
Joana concordou: seu pai, Adolf von Puttkamer, era representante da Pomerânia e ela sabia da
importância da assembléia para o mundo junker que lhe havia formado as esperanças e os
preconceitos. Bismarck assumiu sua cadeira na terça-feira, 11 de maio de 1847. A Dieta Unida já
estava em sessões havia quatro semanas, e uma Oposição Liberal muito bem organizada, sob a
liderança do vestfaliano Vincke estava transformando cada sessão num debate sobre a estrutura
fundamental do Estado prussiano. Por que motivo, chegou a clamar Vincke, havia o rei congregado
uma instituição de Estados nomeados, ao invés da assembléia parlamentar prometida por seu pai?
O espírito da Guerra de Libertação parecia impregnar o plenário da Dieta. Aquele fora um período
da história recente sobre o qual Bismarck havia meditado desde os tempos do Instituto Plamann; e
achou intolerável ouvir em silêncio o que lhe parecia ser a apropriação, por parte dos liberais, de
uma glória nacional.

Sua oportunidade apareceu na segunda-feira seguinte. Um idoso liberal, que havia lutado contra
Napoleão na Rússia, na Alemanha e na França fez um discurso no qual asseverava que o povo
prussiano só se levantara contra os franceses em 1813 porque seu rei havia prometido uma
constituição, assim que a Alemanha se libertasse do inimigo. Tal assertiva trouxe Bismarck à
tribuna. O argumento do deputado liberal, afirmou, “era um desserviço ao nosso sentimento de
honra nacional”: o que sucedera em 1813 foi que os prussianos, depois de surrados pelos franceses,
volveram e defenderam-se, arrebatando da derrota uma vitória; portanto, a Guerra de Libertação
não tinha o menor significado constitucional., “Minha intervenção causou uma tempestade”,
comentou, satisfeito, mais de quarenta anos mais tarde, lembrando que pegou um jornal e ficou a
folheá-lo até que o tumulto amainasse e ele pudesse concluir seu discurso34.

Na época, entretanto, não estava assim seguro de si. Na terça de manhã, escreveu a Joana: “Ontem
levantei uma tempestade de reação sem precedentes... Abordando o caráter do levante popular de
1813, feri a vaidade malposta de muita gente do meu próprio partido, e, evidentemente, vi cair
sobre mim toda gritaria da oposição. O ressentimento foi grande, talvez pela simples razão de que
eu disse verdade... fui ironizado por minha pouca idade e admoestado por outras coisas mais". As
sessões da Dieta Unida tinham completa cobertura de imprensa - grande novidade num país onde o
censor, até então, gozava de considerável autoridade. Da noite para o dia Bismarck ficou famoso; o
louco de Kniephof virará o maluco da Dieta de Berlim. “Fui mexer em casa de marimbondo”, disse
ele a Joana no fim de semana, “e os marimbondos desceram sobre mim”35. Deliciou-se em espantar
os marimbondos; queixava-se, porém, de ter, às vezes, que esperar seis horas, a ouvir os disparates
de vinte oradores, antes de ser chamado à tribuna. Difícil para um homem de seu temperamento,
ser um bom parlamentar.

Em menos de um mês estava alcunhado de “o Tormento de Vincke”, denominação obtida por seus
ataques ao ídolo liberal, Georg von Vincke, este próprio um aristocrata de temperamento forte,
dotado de raro poder de oratória. Os aguerridos discursos de Bismarck recobraram-lhe o apoio
junker perdido pelas imprudentes referências à Guerra de Libertação. Outros governantes alemães
haviam mandado observadores às deliberações da Dieta Unida e um, pelo menos, comentou o
crescente prestígio do porta-voz dos nobres da Saxônia prussiana: “Entre os raros oradores que
apoiavam a posição do governo e representavam a vontade do rei”, escreveu o enviado do Grão-
Duque de Hesse em 6 de junho, “um jovem de nome von Bismarck destacou-se sobremaneira e
passou a ser visto como provável figura dominante em futuros congressos. Seu estilo firme e
vigoroso de debater ofendeu gravemente, entre outros, a Herr von Vincke, do que resultou, aliás,
um desafio a duelo, mas nada aconteceu e o caso resolveu-se por mediação”36. Entretanto ainda
que observadores pudessem supor que Bismarck representava a vontade do rei, Frederico
Guilherme hesitava em admiti-lo como seu paladino. Houve bailes e recepções na Corte, naquele
verão, e um grandioso carnaval aquático no rio Havei, em Potsdam; mas em todas as ocasiões o rei
conseguiu evitar Bismarck. “Após dirigir-se a cada pessoa por sua vez, ele parava imediatamente
antes de chegar a mim, voltava as costas e caminhava para o outro lado do salão”, recorda Bismarck
em suas memórias37. Considerava seu soberano um enigma; e não era o único a pensar assim.

“Por que deu-se o rei o trabalho de inventar a coisa, afinal?”, perguntava Metternich, em Viena. “Da
forma como está, a convocação da Dieta mais parece brincadeira de mau gosto.”38 Os modos da
Oposição Liberal tomaram-se intratáveis. A despeito da proficiência de Bismarck nos debates, os
tóris perdiam sempre nas manobras e nas votações. Na última semana de junho a Dieta rejeitou o
pedido real de meios financeiros para a construção da ferrovia na Prússia oriental. A Oposição
aferrou-se em só aprovar o empréstimo quando o rei honrasse o compromisso de seu pai e desse ao
povo uma constituição. A resposta de Frederico Guilherme foi dissolver a Dieta e mandar seus
membros tratarem da vida. Sobre o episódio pareciam ressoar estranhos ecos de conflitos
parlamentares da Inglaterra do século XVII, o empréstimo da ferrovia estando para Vincke e seus
liberais como o imposto de tonnage and poundage para Eliot e Holles em 1629. Alguns
observadores já viam “o jovem von Bismarck” destinado ao papel de Thomas Wentworth. Mas o
próprio Bismarck jamais aderiu à obsessão corrente com a Guerra Civil Inglesa. Inclinava-se mais a
ver um paralelo com a história da França; e desde havia muito admirava a carreira política de
Mirabeau.

Mas, por enquanto, não tinha tempo para imitar Wentworth, Mirabeau, ou qualquer outro. “Na
próxima caçada de perdiz estarei casado”, escreveu alegremente a seu irmão, em abril, antes da
doença de Brauchitsch39. Desde então a vida pública pusera de lado seus assuntos particulares,
mas continuava na intenção de casar-se em fins de julho e manteve a palavra. Por vezes, isso
significou uma agenda cheia e agitada A semana seguinte à dissolução da Dieta Unida foi
especialmente pesada: quinta-feira (1.° de julho) em Magdeburgo até as seis da tarde, discutindo
com Ludwig von Gerlach o lançamento de um jornal conservador; sexta-feira, em Schönhausen,
tratando dos proclamas, ainda que embaraçado pela incapacidade de lembrar mais de dois dos seis
nomes de batismo de Joana; sábado, a Berlim para conversas sobre o projeto do jornal; segunda-
feira, na mansão de Malwine, em Angermünde; terça e quarta em Kniephof, tratando do
arrendamento de suas propriedades na Pomerânia; quinta, para Reinfeld, completar as providências
para o casamento. Felizmente haviam acertado que a cerimônia devia ser simples e casaram-se na
igreja de uma pequena localidade, Kolziglow, perto de Reinfeld, em 28 de julho de 184740.

Os Gerlachs haviam sugerido uma lua-de-mel na Baviera e na Suíça, onde seria possível terem
encontros para discutirem o projetado jornal. Essa proposta não despertou entusiasmo em Reinfeld
e os recém-casados partiram para Berlim e para nove semanas de férias, totalmente passadas nos
domínios dos Habsburgos. Primeiro, foram a Praga, dali a Viena, subiram o Danúbio de vapor, meio
de transporte novo e relativamente caro, até Linz, e depois a Salzburgo. “Quanto a mim”, Bismarck
escreveu a Malwine, “já estou muito velho para impressionar-me com novidades, e meu maior
prazer está em corresponder aos de Joana.”41 Subiram juntos o Schafberg e o Capuchinerberg,
embora o tempo nublado restringisse a vista do topo das montanhas. Atravessaram para o Tirol,
passaram alguns dias em Merano, onde Joana adorou as uvas, e rumaram sul, para Veneza. Só
chegaram de volta a Schönhausen na primeira semana de outubro. Bismarck tencionava ser
econômico e separou 400 táleres para a viagem, mas no fim, como disse ao irmão, “a jornada toda
custou por volta de 750 táleres” [cerca de 155 libras] e Joana cedeu-lhe “quase 200 táleres, que
estava guardando para comprar uma baixela de prata.”42 Poucos noivos, entre os fidalgos do
campo, saem para uma lua-de-mel com tão pouca bagagem: “uso uma roupa, a outra está na mala
grande”. E o fato de descobrir, ao chegar em casa, que havia “perdido seis vacas e um touro, de
carbúnculo’,’ foi para ele um golpe tão triste como para qualquer fazendeiro. “O melhor do
rebanho” estava perdido, queixou-se a Bernard.

Nem toda lua-de-mel foi de espairecimento. Em Merano, encontraram 0 major von Roon,
preocupado com o crescente desassossego na Alemanha, e houve conversas sérias sobre política
nos passeios sob os choupos, com vista para os Montes Ádiges. E quando os Bismarcks foram ao
teatro, em Veneza, viram-se reconhecidos pelo rei Frederico Guilherme, ele próprio em férias, e
convidados a jantar. “Em conseqüência de minha pouca bagagem e da incapacidade do alfaiaite
local”, a hospitalidade do rei causou a Bismarck um problema indumentário. Mas Frederico
Guilherme logo pôs seus convidados à vontade; e Bismarck ficou convencido de que, malgrado a
frieza anterior, o rei dispunha- se a apoiar o filho de “Mine Mencken” se a Prússia se visse
ameaçada de uma grave crise política.

À medida em que o inverno avançava em Schönhausen, tal crise parecia bem próxima. Já no abril
anterior, regimentos de guarda e de cavalaria haviam sido postos na rua, em Berlim, quando houve
desordens devido ao preço dos alimentos. Menos mal que a safra de 1847 fora melhor que as dos
anos anteriores, mas Bismarck continuava inquieto. Toda vez que ia à capital notava que o ambiente
entre os trabalhadores urbanos era sombrio. Para o fim do ano, Frederico Guilherme atenuou a
legislação de censura à imprensa, na esperança de estimular “discussão proveitosa”. Bismarck ficou
consternado: os lavradores à sua volta, em Schönhausen, eram inteiramente leais, mas não lhe
agradava a disposição do pessoal da cidade. Até mesmo em Jerichow e em Tangermünde, vilarejos
que enxergava de seus terrenos, havia agitação. Ele percebia que bastava uma fagulha para atear o
fogo da revolução43.

[1] A carta ao pai (Gesammelten Werke XIV, n.° 30) diz que pretendia cruzar de Portsmouth para
Boulogne. Curiosa viagem, seria essa. Em carta posterior à irmã (ibid, n45) diz que nadou cm
Dieppe e a travessia Brighton-Dieppe era especialmente da moda no início da década de 1840.


3. 1848 E OS ANOS SEGUINTES

Menos de seis meses depois da volta de Bismarck da Itália, a Europa estava mergulhada na
revolução. A forma que tomaram e o alcance dos levantes de 1848 impressionaram-no
profundamente. Ele havia assinalado, pessoalmente, as tensões políticas e econômicas dentro da
Alemanha, mas não acompanhara com maior atenção os acontecimentos além-fronteira. A revolução
de fevereiro, em Paris, que outra vez tornou a França república, foi uma “ocorrência totalmente
inesperada”, escreveu. Taciturnamente, começou a falar de outra guerra revolucionária. Suas
previsões alarmaram o lar de Schönhausen: em 1° de março ele contava ao irmão que Joana -
grávida de quatro meses - contorcia as mãos, perturbada, devido ao que estava acontecendo44. Os
jornais falavam de agitações estudantis em Bonn e Heidelberg, desordens e manifestações por todo
o norte da Itália, e de venda em pânico na bolsa de valores de Viena. Os Bismarck! aguardavam com
ansiedade notícias de Berlim. Em 11 de janeiro Otto jantava, pela primeira vez no Schloss de Berlim
e, embora regressasse lisonjeado pelas gentilezas do rei, sabia que Frederico Guilherme não era um
homem dotado de vontade de ferro. Preocupava-o a reação do rei ante um desafio partido das ruas.

Na verdade, o mesmo pensavam os assessores militares de Frederico Guilherme. Quando, na


segunda semana de março, as manifestações e os comícios começaram a ocorrer todos os dias, os
generais insistiram com seu chefe para aprovar planos de emergência para conflitos nas ruas e para
que deixasse o confinado e vulnerável Palácio Real e fosse residir em Potsdam, a vinte e cinco
quilômetros de distância. Mas Frederico Guilherme não deu ouvido aos conselhos. Não simpatizava,
absolutamente, com o liberalismo e jamais permitiria que seu direito divino fosse contestado por um
parlamento eleito. Mas, emocionalmente, estava atiçado pelo fervor nacionalistico interno da
Alemanha, pelo romantismo estonteante que inflamava o patriotismo de tantos súditos seus. Desde
sua acessão, Frederico Guilherme desejava modificar a estrutura da Confederação Germânica, uma
tênue associação de trinta e nove governos, criada após o Congresso de Viena como válvula de
segurança para o nacionalismo alemão. O rei era suficientemente perspicaz para ver a
Confederação por demais submissa a Metternich e aos austríacos. Mandou que o general von
Radowitz preparasse um plano de reforço da Confederação Germânica, com a participação dos
príncipes alemães; Radowitz levou o detalhamento desse plano a Metternich em Viena, no começo
de março. O chanceler austríaco e o general ainda discutiam o plano na manhã de segunda-feira, 13
de março: naquela mesma noite a revolução triunfou em Viena e Metternich foi obrigado a
renunciar, após trinta e nove anos no cargo.

A notícia da queda de Metternich alcançou Berlim na quinta-feira, 16 de março, e aumentou a


tensão nas ruas. À tardinha de sexta-feira, Frederico Guilherme anunciou que convocaria a Dieta
Unida para 2 de abril, que a seguir lhe aumentaria os poderes enquanto se preparasse uma
constituição prussiana e que estava disposto a promover uma reformulação completa da
Confederação Germânica. Essas concessões foram tomadas públicas de manhã cedo, no sábado (18
de março). O clima estava ameno como o de maio e os berlinenses preparavam-se para festejar sua
vitória com uma demonstração em larga escala, ao ar livre, naquela tarde. Mas a cidade estava
tomada de tropas trazidas das províncias. Houve um choque entre manifestantes e soldados, em
frente ao Palácio Real, e logo surgiram barricadas nas ruas e nas praças. Militarmente, teria sido
possível restaurar a ordem naquele fim de semana mesmo, mas o custo chegaria à destruição do
centro de Berlim. O rei titubeou: consultou Vincke; e a seu conselho fez um apelo aos seus
“queridos berlinenses,, para que ficassem ao seu lado e mandou as tropas saírem da cidade. Antes
do pôr-do-sol de domingo, 19 de março, transferia a responsabilidade pela ordem interna a uma
milícia civil (Burgerwehr) e concordou em postar-se de cabeça descoberta ante os corpos dos
manifestantes mortos por suas tropas nas barricadas. A seus generais equivaleu a que o rei
houvesse capitulado à ralé armada.

Bismarck não soube detalhes dos acontecimentos de Berlim. Naquele fim de semana visitava o
Conde Wartensleben, em Carow, vinte e cinco quilômetros ao sul de Schönhausen. Os primeiros
boatos do que estava ocorrendo na capital chegaram através do filho do conde, no sábado, e
bastavam para assustar. No dia seguinte chegou a Carow um grupo de refugiados em pânico, com a
notícia de que estourara uma revolução na véspera, à tarde, e que o rei era prisioneiro da multidão.
Bismarck regressou de pronto a Schönhausen, alarmado com as versões de um neojacobinismo em
pleno coração do reino. Encontrou tudo calmo em casa, mas na manhã de segunda-feira soube que
uma deputação de gente da cidade de Tangermünde havia chegado à vila de Schönhausen e exigia
que uma bandeira vermelha, negra e ouro - símbolo de uma Alemanha unida e liberal - fosse
hasteada na torre da igreja. Bismarck, furioso com a intromissão política em seus próprios
domínios, mandou que os aldeões expulsassem a delegação de volta para Tangermünde. Armou seus
lavradores de escopetas de caça, pediu às mulheres que costurassem uma improvisada bandeira
patriótica para a torre da igreja (uma Cruz de Ferro negra sobre fundo branco) e preparou-se para
resistir a outras incursões de atacantes liberais. Depois percorreu as aldeias vizinhas onde afirma
ter encontrado os moradores na disposição de marcharem sobre Berlim para libertarem o rei.
Quando um vizinho junker queixou-se de que ele estava “arremessando um archote ao campo” e
quis falar aos lavradores para dissuadi-los de qualquer ação violenta, Bismarck replicou: “Você sabe
que eu sou um homem pacato, mas se você fizer isso dou-lhe um tiro”. Ele estava tão violentamente
excitado com o que lhe parecia ser uma situação perigosa e revolucionária que quase certamente
cumpriría a ameaça45.

Uma vez certo de que Schönhausen estava adequadamente defendida, partiu para Potsdam, com um
revólver e quatro cargas de munição no bolso. No palácio da cidade encontrou seu amigo major von
Roon, que servia como ajudante-de-ordens do jovem sobrinho do rei, o Príncipe Frederico Carlos.
Roon deixou claro que, malgrado os oficiais estivessem aborrecidos com o comportamento do rei,
não desejavam a ajuda de campônios armados. Tudo que o general comandante pediría a Bismarck
(e aos demais proprietários junkers) era um abastecimento regular de milho e batata, prevenindo a
possibilidade de novas autoridades em Berlim lhes cortarem o suprimento da guarnição.

Bismarck não se via como simples fornecedor de comida e forragem. Estava destinado, achava ele, a
um papel mais dramático na contra-revolução. No início da tarde de terça-feira, 21 de março,
obteve uma carta do irmão de Frederico Guilherme, Carlos, que estava residindo em Potsdam.
Bismarck tinha esperança de que a carta serviría de salvo-conduto, permitindo-lhe chegar à
presença do rei, em Berlim. Em suma, estava certo de que persuadiría Frederico Guilherme a dar
carta branca ao exército para recuperar a capital, destruir as barricadas e caçar os revolucionários.
Depois de aparar a barba e colocar na cabeça um chapéu de aba larga ataviado com as cores
liberal-patrióticas, Bismarck pegou o trem da tarde para a capital. Como, porém, pretendia ter uma
audiência particular com seu soberano, estava vestido formalmente, o que, numa cidade entregue
às modas radicais, o tornava distintamente visível. Tampouco o novo tipo de barba era um bom
disfarce. “Santo Deus, Bismarck, você está incrível!”, comentou um conhecido tão logo ele saiu da
estação. Mau começo para sua missão. O par de horas seguintes não foi melhor. Quando chegou ao
palácio a guarda da milícia não o deixou entrar, embora ele conte que conseguiu infiltrar uma
mensagem de solidariedade e uma promessa de apoio ao rei. Voltou, então, para a estação, já
perseguido e ameaçado por radicais que o reconheceram. À noitinha estava de volta a Potsdam. É
difícil não chegar-se à conclusão de que fez um papel ridículo46.

Não podia crer que o rei estivesse disposto a abrir caminho para os democratas. No entanto, era
esse, exatamente, o caso. Na mesma terça-feira Frederico Guilherme identificou-se publicamente
com a causa nacional alemã. Foi em passeata do palácio à universidade, usando na manga uma faixa
com as cores preta, vermelha e dourada. Pronunciou dois breves discursos, dando ênfase a seu
patriotismo alemão, e à noite emitiu uma proclamação “Ao meu povo e à Nação Alemã”, no qual
declarava seu desejo de salvaguardar toda a Alemanha dos perigos do futuro próximo. “De ora em
diante”, declarava o rei, sem meias palavras, “a Prússia incorpora-se à Alemanha” (Preussen geht
fortan in Deutschland auf).

Esse episódio deveria ter dissuadido conservadores românticos pressurosos em resgatar Frederico
Guilherme de si mesmo. Mas Bismarck não era de desistir. Se Frederico Guilherme estava preso na
armadilha dos revolucionários, outros membros da casa real haveria capazes de manter a tradição
Hohenzollern. O primeiro, dentre eles, era Guilherme, Príncipe da Prússia, o mais velho dos irmãos
do rei e herdeiro do trono. Bismarck sabia que o príncipe era um firme adepto da autocracia O
âmbito mental de Guilherme se formara no maior evento de sua juventude - sua entrada em Paris
com os Exércitos Aliados, na primeira queda de Napoleão, em 1814, uma semana depois que o
príncipe fez dezessete anos. Agora, aos olhos de Bismarck, cabia-lhe um claro dever, o de entrar em
Berlim e salvar da revolução a monarquia junker. O príncipe, porém, via as coisas de maneira
diversa. Sabia que era tido como reacionário pelos liberais e não queria pôr à prova sua
impopularidade. Além disso, como oficial, estava preso a um juramento de lealdade e não se
dispunha a dar ordem ao exército para uma ação contrária ao mando do rei. Quando começaram os
distúrbios revolucionários, buscou refúgio na Ilha de Pfauen, no rio Havei, a poucos quilômetros de
Potsdam. Mais para o fim do mês, escapuliu para a Inglaterra Não havia a menor possibilidade,
naqueles dias incertos, de que fosse dar ouvidos ao ousado conselho de junker que lhe dava Otto
von Bismarck

Mas Carlos, o segundo irmão do rei, aos quarenta e sete anos ainda era suficientemente fogoso para
escutar Bismarck com sintonia Carlos achou que, desde o momento em que o rei não era mais uma
vontade livre, devia-se estabelecer uma regência em nome do filho do Príncipe da Prússia,
Frederico Guilherme (“Fritz”), então com dezesseis anos. Era uma sugestão estapafúrdia, como
Bismarck deveria ter compreendido, por impossível sem a colaboração da mãe de Fritz, a Princesa
Augusta da Prússia, que desprezava Carlos e tinha-o na conta de um maquinador nocivo. Na quinta-
feira, 23 de março, Bismarck teve uma audiência com Augusta, em Potsdam. A avó de Augusta fora
neta de Catarina, a Grande, e ela própria - sobrinha dos Czares Alexandre I e Nicolau I - era uma
personalidade imponente[1]. Além disso, parecia ter alguma prevenção contra Bismarck, pois
recebeu-o numa dependência de serviço e não nos próprios aposentos. Politicamente, simpatizava
com o liberalismo moderado de Vincke e não se podia esperar que tivesse opinião favorável sobre o
acalorado junker que granjeara a reputação de “Tormento de Vincke”. Não se sabe até que ponto
Bismarck lhe revelou os planos: a narrativa dele é tendenciosa e chega ao ponto de deixar
transparecer que a proposta da regência surgiu inicialmente dela. 0 encontro confirmou a
hostilidade de Augusta para com o Príncipe Carlos e seu emissário. Pelo resto de sua vida ela teve
Bismarck na conta de um intrigante perigoso e inescrupuloso, seu Todfeind (inimigo de morte),
convicção que passou para o filho, que era príncipe herdeiro e foi (brevemente) imperador durante
os anos do primado de Bismarck. As repercussões da natimorta conspiração palaciana perduraram
por quatro décadas de história prussiana.

Dois dias após sua gélida audiência com Augusta, Bismarck verificou por si mesmo até que ponto
Frederico Guilherme abraçara a revolução, pois no sábado, 25 de março, o rei fez o percurso até
Potsdam e, na Galeria de Mármore do Palácio da cidade, agradeceu a seus oficiais por lhe haverem
cumprido lealmente as ordens durante as lutas de rua do fim de semana anterior. Mas Frederico
Guilherme também aproveitou a ocasião para enfatizar à oficialidade a confiança que tinha em seus
“bons berlinenses”. “Ouviu-se, então”, escreveu Bismarck, anos depois, “um tal murmúrio de
irritação e um ruído de sabres nas bainhas como jamais um Rei da Prússia escutou no meio dos seus
oficiais, e espero que jamais venha a escutar de novo”47. O General Prittwitz, comandante das
tropas em Berlim no 18 de março, descreveu como seus oficiais voltaram aos quartéis, pelo
Lustgarten, “sentindo-se como um poodle que tomou purgante”. Perdiam a esperança no monarca a
quem juraram vassalagem; mas, por ora, tinham de adaptar-se a esse estranho ânimo de euforia
cívica.

Bismarck voltou a Schönhausen. Uma carta pesarosa, escrita ao irmão no meio da semana, continha
sombrias referências ao fanatismo de Paris durante o Terror e ao vulto da guilhotina48. Mas já no
sábado, seu aniversário - trinta e três anos estava de volta em Berlim para a sessão da Dieta Unida,
cuja principal tarefa era fixar as providências para a eleição de uma assembléia constituinte.
Bismarck podia ver com bons olhos essa marcha dos acontecimentos. Quando foi proposta moção de
agradecimento ao rei por suas concessões políticas, Bismarck fez questão de ir à tribuna. “O
passado morreu”, disse ele, “e muito mais que a grande maioria de vós eu lamento que seja
impossível ressuscitá-lo, agora que a própria Coroa lançou terra sobre o esquife”. Bem disposto
estaria, continuou, a dar graças ao criador de uma nova ordem “se esta significasse o surgimento de
uma Pátria Germânica unida” mas “ainda não me parece possível fazê-lo”49. Nesse ponto de seu
discurso — que durava pouco mais de cinco minutos — Bismarck foi tomado de emoção. Embargado
em soluços, deixou o púlpito sem ter chegado à peroração. “Meu discurso”, explicou no dia seguinte
a Joana, “não tinha outra importância senão a de mostrar que não me agrada ser classificado junto
àqueles burocratas venais que viram a casaca com desprezível falta de vergonha para
acompanharam os ventos”50. A melodramática cena, admitia ele, causou péssima impressão em
seus colegas deputados; mas pelo menos estava de consciência limpa. Sentiu-se aliviado quando a
Dieta concluiu seu trabalho, e pôde voltar aos campos da Altmark.
Não havia a menor possibilidade de ele ser eleito para a nova Assembléia Nacional Prussiana. Suas
posições filosóficas eram por demais arrogantemente conservadoras. A assembléia, eleita por
sufrágio universal masculino, era de maioria esmagadora da classe média; metade de seus membros
advogados ou funcionários públicos, e muitos outros provenientes da pequena empresa de negócios
- “mascates vendendo a retalho vinho do Reno”, comentou Bismarck com típico exagero. No
entanto, embora continuasse a lamentar-se de que a assembléia era uma ameaça aos tradicionais
privilégios dos junkers, em breve se acalmou. No início de junho já chegava a admitir, em particular,
que a revolução era bem menos radical do que temera. “Fomos salvos pelas virtudes
intrinsecamente prussianas”, comentou com o eminente diarista Hermann Wagener, em 9 de junho.
“Os velhos conceitos prussianos de honra, lealdade e coragem inspiram o exército, este admirável
representante do povo, desde o esteio central do corpo de oficiais até o mais jovem recruta. Somos
prussianos e prussianos seremos sempre”51. Alarmava-o menos a Assembléia de Berlim que o bem
mais democrático “Parlamento do Povo Alemão” que se instalara na Paulskirche, em Frankfurt-
sobre-o-Meno, a 18 de maio[2]. “Nunca devemos permitir que a monarquia prussiana venha a
perder seu cunho no fermento indolente da Gemütlichkeit [comodidade] Sul-Alemã”, Bismarck
alertou Wagener. Quatro semanas mais tarde o longamente planejado jornal conservador, o Neue
Preussiche Zeitung, aparecia como jornal diário, tendo Wagener na posição de editor. Bismarck era
colaborador freqüente do jornal, que logo ficou popularmente conhecido por Kreuzzeitung, porque
na primeira página trazia o símbolo da cruz de ferro negra. O Kreuzzeitung inspirava-se no
idealismo direitista dos amigos de Bismarck em Trieglaf, em sua crença na salvação dos valores
morais da nação prussiana pela regeneração do cidadão individualmente e seu desprezo pelas
reivindicações políticas baseadas em necessidades econômicas. Bismarck, por temperamento, era
mais pragmático que os fundadores-patrocinadores do Kreuzzeitung. Até certo ponto, conseguiu
induzi-los a temperar a rigidez austera de seu ultraconservadorismo; mas várias vezes foi preciso
que se desculpasse com seus amigos pelo que consideravam excessiva moderação de seus pontos de
vista52.

Os planos constitucionais de Frederico Guilherme permaneciam duvidosos. Embora desde fins de


março houvesse feito tentativas com uma série de ministros liberais, o rei se recusava
terminantemente a aceitar um sistema parlamentar segundo o modelo inglês. Tão logo os liberais
começaram a questionar sua interpretação das prerrogativas reais, Frederico Guilherme voltou-se
para 0 aconselhamento dos velhos conservadores da Corte, homens como os generais Gerlach,
Rauch e Manteufell. Leopold von Gerlach referia-se a esse grupo de conselheiros como um
ministère occulte (o “shadow cabinet” dos ingleses), mas outros membros do grupo (e Bismarck,
também) preferiam usar a expressão espanhola para um secreto Grupo da Corte e chamavam-se de
a “Camarilla”53. No início da segunda semana de junho sua posição fortaleceu-se com o retomo, da
Inglaterra, do Príncipe da Prússia, que suspeitava de todo ato do governo liberal e de toda proposta
votada na assembléia.

Bismarck conseguiu manter uma breve conversação com o príncipe quando seu trem parou em
Genthin, na viagem de volta da Inglaterra (e antes que ele se encontrasse com Augusta ou seu
filho). O príncipe disse a Bismarck que era grato por seu apoio e que jamais o esqueceria.
Posteriormente os dois encontraram-se de novo em Babelsberg, o castelo pseudogótico na outra
margem do rio, em Potsdam, que servia de residência oficial do Príncipe da Prússia. Havia grande
apoio ao príncipe no exército, mas ele, repetidamente, afirmava não admitir qualquer cabala contra
o rei. A “Camarilla” mantinha a fé no soberano, convicta de que, mais cedo ou mais tarde, ele se
libertaria do embaraço de um ministério parlamentar, e os irmãos Gerlach instavam Bismarck a que
vencesse sua antipatia. Em 23 de junho ele aceitou um convite real para jantar no Palácio de
Frederico, o Grande, em Sans Souci. Naquela noite, Frederico Guilherme afastou-se com Bismarck
e, enquanto caminhavam por entre as cercas vivas dos terraços de seu tio-bisavô, explicou
pacientemente o conflito de lealdades e seu drama de consciência de março. “A gentileza com que
falou comigo foi devastadora”, recordou Bismarck quarenta e cinco anos depois. “Eu chegara com o
espírito crítico de um frondeur, que não se importaria de ser mandado embora, mas parti
completamente conquistado, ausente qualquer desejo de criticá-lo.”54

Esse humor não durou muito. Seis semanas mais tarde Bismarck estava tão preocupado com o
ataque do ministério liberal aos privilégios dos junkers que preparou uma violenta carta e a fez
circular para assinatura entre seus companheiros proprietários rurais. A carta alertava o rei contra
autorizar qualquer “confisco de propriedade particular”, injustiça social pela qual, declarava, “a
grande massa do povo prussiano responsabilizará Vossa Majestade perante Deus e a Eternidade”55.
Os junkers formaram um “parlamento” próprio em Berlim para decidir da melhor maneira de
proteger seus interesses e direitos. Bismarck participou dessa assembléia junker e voltou às pressas
para Schönhausen, onde Joana deu à luz pela primeira vez, na manhã de 21 de agosto. Ele declarou-
se “imensamente feliz” por ser pai de uma filha - que foi batizada com o nome de Marie, em
memória da amiga que tanto desejara o casamento deles -, mas a despeito do quanto pudesse
escrever sentimentalmente sobre seu orgulho de ser pai, para ele seu primeiro dever, naquele
instante, era para com seu rei e sua ascendência junker. Uma vez certo de que mãe e filha estavam
perfeitamente bem, voltou à contenda da vida política, ao ir e vir entre Berlim e Potsdam e as
cidades ao longo do médio Elba56. Começava a criar gosto pelos esquemas políticos.

“Um ajudante muito inteligente e eficiente no quartel-general de nossa Camarilla”, escreveu Ludwig
von Gerlach a respeito de Bismarck naquelas semanas57. A descrição pinta com exatidão seu papel.
Bom assistente para um comandante, mas arrebatado demais para liderar ele mesmo uma contra-
revolução. Já então, porém, começava a parecer que a contra-revolução não precisaria que chefe
nenhum tomasse atitude direta. Surgiu um desentendimento entre a Assembléia Prussiana de
Berlim e o Parlamento “germânico” de Frankfurt, cujos líderes pretendiam colocar os exércitos de
cada estado alemão sob um comando único, designado por eles. Semelhante proposta causou
preocupação ao rei, no tocante a suas prerrogativas militares, e selou seu desencanto com os
liberais, tanto em sua própria assembléia como em Frankfurt. Posteriores exigências dos radicais
em Berlim, de um expurgo no quadro de oficiais vieram intensificar sua convicção de que era
necessário acabar com a charada parlamentarista.

Uma vez mais, Viena tocou a música e Berlim acompanhou. No fim de outubro, o general
Windischgraetz restaurou a autoridade imperial em Viena, avançando metodicamente dos subúrbios
para o centro da cidade. Enquanto essa operação se desenrolava, os radicais da Assembléia
Prussiana pediram ajuda militar para o povo de Viena, projeto rejeitado pelos deputados, em meio a
crescente tensão em Berlim. Os generais Gerlach e Rauch recomendaram a Frederico Guilherme
que permitisse às tropas prussianas concentradas ao redor da capital dispersarem a assembléia, e
Bismarck foi um mensageiro constante entre os vários acampamentos militares e comandantes de
guarnições. Mas Frederico Guilherme manteve o domínio. Não desejava um derramamento de
sangue como o do contragolpe de Windischgraetz. No dia 9 de novembro o rei suspendeu as sessões
da assembléia, com a proposta de que deveria voltar a se reunir no fim do mês, na atmosfera mais
calma de uma cidade do interior. “Ao contrário das expectativas, permaneceu tudo em calma”
rabiscou Bismarck num bilhete a Joana, na manhã seguinte58. Naquela tarde, a tropa do general
Wrangel reocupou o centro de Berlim e dispersou a milícia, sem sangue. O rei convidou o Conde
Brandenburgo (filho de um casamento morganático de Frederico Guilherme II) para formar um
“Ministério de Servos Leais”. Por um momento, pareceu que Bismarck poderia fazer parte do novo
governo. O Conde Brandenburgo contentava-se em ser figura decorativa, deixando que todas as
decisões fossem tomadas pela “Camarilla” e pelo rei. Já antes da reocupação de Berlim, Ludwig von
Gerlach havia sugerido que a dedicada eficiência de Bismarck merecia a designação para um
ministério. Mas Frederico Guilherme, com todos os seus defeitos, sabia julgar o caráter dos outros:
pôs de lado a proposta com um enigmático comentário marginal, “Reacionário vermelho - recende a
sangue - para ser usado mais tarde”59.[3] No entanto, em 15 de novembro o rei novamente
convidou Bismarck para jantar, e transparece nas cartas a Joana que não se surpreenderia com o
oferecimento de um posto. Mas, evidentemente, ainda não era hora de “usá-lo”. No fim do mês,
voltou para a esposa e a filha em Schönhausen.

O rei não pretendia dar asas aos reacionários. No dia 5 de dezembro outorgou uma constituição que
“combinaria as novas liberdades... com a autoridade da Coroa e da Lei”. Ela reafirmava o princípio
de uma monarquia com base no direito divino mas criava um Parlamento Bicameral, com uma
Câmara Alta (Herrenhaus) escolhida pelos governos provinciais, e uma Câmara Baixa, Câmara dos
Deputados (o Landtag), eleita por um complicado sistema de colégios eleitorais, cujos membros
eram, por sua vez, eleitos por sufrágio universal masculino. Retendo a Coroa um poder absoluto de
veto sobre a legislação, juntamente com o direito de governar por decretos de emergência, a
constituição estava bem aquém do ideal parlamentar dos liberais. Era novidade demais para
Bismarck, mas conseguiu dar-lhe apoio, ainda que de má vontade. Na verdade ele estava decidido a
eleger-se para o Landtag, pois seus princípios não impunham um voto de abnegação à ambição
pessoal. Garantir a entrada na chapa era difícil: os votantes da Altmark podiam ser, no fundo, mais
conservadores que liberais, mas era querer demasiado, esperar que se fossem entusiasmar pelo
Senhor Junker de Schönhausen. Por fim, com o auxílio de uma das primas de Joana e do marido (que
era judeu), ele foi indicado pela própria cidade de Brandenburgo. Mas ainda faltava ganhar uma
eleição.

Escrevendo para o irmão, pouco depois da campanha, Bismarck resmungava por “ter tido que fazer
este esforço para conquistar votos por afabilidade pessoal”60. Porém suas cartas a Joana denotam
que gostou da luta; há referências tipo “o cheiro e o barulho de quatrocentas pessoas”, e o lamento
de sempre por ter de “passar a vida sem paz de espírito” se for eleito, mas achou a competição
excitante. Seu adversário era o Oberburgermeister (Prefeito) de Brandenburgo, Franz Ziegler, um
liberal moderado; e Bismarck viu-se, então, frente ao problema do forasteiro em contenda com uma
personalidade local. O furor da atividade de uma campanha fazia-o vibrar: “Hoje necessito travar
conhecimento com mais eleitores”, escreveu a Joana em 2 de fevereiro. “Inúmeros mensageiros
saíram em todas as direções... Parece que se está num QG militar, estafetas e mensagens saindo a
cada quinze minutos.”61 A eleição teve lugar no domingo e na segunda, 4 e 5 de fevereiro de 1849.
Na apuração de domingo ele teve uma vantagem de doze votos. Tudo dependia dos membros mais
distantes do Colégio Eleitoral, que votaram na segunda-feira. Como provinham mais do campo que
da cidade, Bismarck estava confiante. Tinha razão: a apuração final deu-lhe a vitória por 154 votos a
129, com sete nulos. Na noite de segunda-feira houve um banquete de comemoração para
quatrocentas pessoas, com muitos brindes e muitos hinos cantados em louvor do Todo-Poderoso, de
Martinho Lutero e da Prússia “Tive uma dor de cabeça no dia seguinte”, disse o novo deputado a
seu irmão no fim de semana, “e doíam-me todos os músculos do braço direito de tanto aperto de
mão. No outro dia quebraram as vidraças de alguns dos meus correligionários e um que outro
sofreu violências, mas eu já estava a salvo, em casa, com Joana”. Brotou um vigor novo na vida
política da Prússia, não de todo sem atrativo para ele, embora simulasse desprezo pelo sistema em
si. Assumiu sua cadeira no Landtag em 26 de fevereiro de 1849, na abertura da sessão parlamentar
que durou menos de nove semanas.

Já agora o principal tópico de interesse político em Berlim era a questão da unidade germânica. Nos
nove meses anteriores os advogados e juristas que dominavam o Parlamento de Frankfurt haviam
preparado a constituição para um estado federal, quer fosse uma Grossdeutschland (a “grande
Alemanha”, que incluiría as partes alemãs do Império Austríaco), quer a Kleindeutschland
(“pequena Alemanha”, excluindo todas as terras austríacas). No início de março estava claro que o
Príncipe Schwarzenberg, primeiro-ministro do jovem Imperador austríaco Francisco José, rejeitaria
qualquer idéia de “grande Alemanha” que cortasse através da estrutura multinacional das
possessões dos Habsburgos; era, portanto, pouco provável que Francisco José pudesse aceitar a
chefia de um estado alemão. Não parecia haver outra alternativa se não oferecer a Coroa Alemã ao
Rei da Prússia, como soberano do principal estado da “pequena Alemanha”. Frederico Guilherme já
fizera constar que somente aceitaria uma Coroa Imperial se fosse escolhido por seus pares,
governantes alemães. A despeito disso, em 28 de março o Parlamento de Frankfurt aprovou que se
lhe oferecesse o título imperial (com abstenção de dois quintos dos membros, gesto final de protesto
contra uma proposta que tinha poucos reais defensores). Quatro dias depois, uma delegação de
trinta e dois representantes seguiu para Berlim, em busca do assentimento de Frederico Guilherme.

Bismarck, imutavelmente, menosprezava o Parlamento de Frankfurt, para ele um ajuntamento de


professores, juristas e causídicos. Mas a votação do dia 28 fê-lo titubear. Os junkers do Landtag
prussiano redigiram um apelo formal no qual “imploravam” a Frederico Guilherme “que não
ignorasse o rogo da Assembléia Nacional Alemã”; e entre os signatários estava Otto von Bismarck-
Schönhausen62. Pois não havia necessidade de ter cedido contra seus princípios, já que Frederico
Guilherme não tinha intenção de tornar-se imperador pela graça do povo. No dia 3 de abril, ele
respondeu tão ambiguamente à solicitação que o líder da delegação foi obrigado a pedir ao Príncipe
da Prússia que esclarecesse os comentários de seu irmão. Depois de três semanas, Frederico
Guilherme não deixou dúvida nos representantes de Frankfurt quanto a sua posição: recusou-se
categoricamente a passar a “Imperador dos Alemães”, frustrando de vez seus esforços.

A abortada constituição foi, não obstante, submetida ao Landtag prussiano para exame e discussão,
e em 21 de abril Bismarck pronunciou-se extensamente sobre a questão nacional. “A unidade
alemã”, admitiu, “é desejada por todos ... que falam alemão”; mas era da opinião de que a
Constituição de Frankfurt “solaparia e destruiría aquele edifício do estado erguido ao longo dos
séculos pela prosperidade e pelo ardor patriótico, no qual as marcas do tempo eram também
manchas do sangue de nossos antepassados”. “A Coroa de Frankfurt”, afirmava, “talvez reluza,
brilhante, mas o ouro que dará realidade ao brilho terá de ser obtido fundindo-se a Coroa da Prússia
no cadinho, e não creio que a remoldagem venha a dar bom resultado sob esta forma de
constituição”63. Suas palavras enfureceram os liberais, mas ele refestelou-se com a torrente de
agressão verbal que lhe foi dirigida. “O que chamam de meus pontos de vista antediluvianos”,
declarou, impenitente, “são para mim tão preciosos como um lugar na Arca de Noé”. Os liberais
radicais mandaram imprimir o discurso, dando-lhe o título de “Reveladas as Intenções
Reacionárias”. Circularam dez mil exemplares por toda a Alemanha Bismarck jamais havia recebido
tanta publicidade; e jamais fora tão impopular, nem mesmo na Altmark.

Em uma semana, o rei dissolveu o Landtag e convocou novas eleições. Bismarck achava que
perdería sua cadeira.

Inacreditável, a falta de senso das estórias que os democratas espalham a meu respeito entre os
agricultores [escreveu ele a Joana]. Ontem, um ruralista do distrito de Schönhausen, que mora a
apenas cinco quilômetros de nós, confidenciou-me que, à menção do meu nome, corre
invariavelmente entre eles um estremecimento da cabeça aos pés como se fossem receber o golpe
de “uma espada larga da Prússia velha" de ombro a ombro... E, no entanto, sou a pessoa mais afável
do mundo para com a gente comum. Em tais circunstâncias, minha reeleição parece-me, em termos
gerais, muito duvidosa64.

Mas não havia por que se preocupar. Ao dissolver a câmara, o rei modificou o sistema eleitoral com
a finalidade de introduzir um diferencial de classe que favorecia os proprietários rurais. A abolição
do sufrágio universal permitiu que Bismarck não tivesse de engalfinhar-se em mais uma eleição
duramente disputada. Ele conseguiu sua cadeira, outra vez, quando a nova sessão foi aberta pelo
rei, no dia 7 de agosto.

Agora a situação geral era nitidamente diferente, mas as condições não haviam voltado ao normal.
Frederico Guilherme estava pronto a tirar vantagem da confusão na Europa Central, de modo a
crescer a influência prussiana à custa dos austríacos que, por todo o verão de 1849, estavam em
operações militares contra Kossuth e sua república separatista da Hungria. Confiou a condução dos
assuntos germânicos a um ministro nomeado especialmente, o general Joseph von Radowitz, um
católico romano, descendente de estrangeiros, soldado profissional dotado de visão e inteligência.
Este, nos dezoito meses em que foi o principal ministro de Frederico Guilherme (de 25 de abril de
1849 a 2 de novembro de 1850), buscou estabelecer uma liderança na Alemanha, fosse em
associação com os austríacos, fosse a despeito deles, no caso de Francisco José não adaptar a
política dos Habsburgos ao cambiante meio europeu. Em fins de maio de 1849, Radowitz criara uma
“União Prussiana” dos insignificantes principetes alemães, e aspirava ao apoio de Hanover e da
Saxônia. Em outubro, conveio-se em que uma assembléia se reuniria em Erfurt com a finalidade de
estudar a constituição de uma confederação interna da “pequena Alemanha”; o parlamento de
Erfurt, como foi chamado, reuniu-se, conforme estabelecido, em 20 de março de 1850, na antiga
casa do governador, onde Napoleão, quarenta e dois anos antes, formara seu Congresso de
Príncipes.

Bismarck não tinha interesse em Radowitz ou em seu plano. Ninguém, na “Camarilla”, estava de
acordo com essa tentativa de organizar uma nova federação, quando mais não fosse, porque ela
admitia a idéia de se fazerem constituições. Mas Bismarck era mais aberto que seus colegas. Em 6
de setembro, num longo pronunciamento ao Landtag, criticou até o rei, comparando-o
desfavoravelmente com Frederico, o Grande. A Prússia, afirmou ele, estava em posição muito forte
naquele verão, e uma política mais inteligente teria assegurado para Frederico Guilherme a
dominação de toda a Alemanha ao norte do rio Meno. Que teria feito o Grande Frederico? Era a
pergunta de Bismarck. Ou ter-se-ia aliado à Áustria e auxiliado os Habsburgos contra o “inimigo
comum”, a revolução, (como estava fazendo o Czar Nicolau na Hungria); ou, correndo o risco de
guerra com a Áustria, teria outorgado uma constituição pangermânica, “partindo do mesmo direito
pelo qual havia conquistado a Silésia”. Por qualquer dessas duas políticas, a Prússia teria obtido
para a Alemanha “o poder a que tem direito na Europa”. Em lugar disso, o governo prussiano
promovia um esquema quimérico que havería de destruir a pedra angular do poder germânico... a
própria Prússia”. A Alemanha fora salva em 1848 pela “lealdade do povo prussiano a sua dinastia
hereditária. Eram as arraigadas virtudes prussianas de honra, franqueza, senso de dever e coragem
que permeavam o exército... Não se achará no exército, nem no próprio povo prussiano, qualquer
desejo de ressurgimento nacional. Estão satisfeitos com o nome “Prússia”, orgulham-se do nome
“Prússia”. Todos desejamos que a águia prussiana abra as asas e reine de Memel ao Donnersberg”.
E concluiu sua peroração com a frase que havia desagradado Wagener, um ano antes, “prussianos
somos e prussianos seremos sempre”. Um dos partidários de Radowitz aparteou, no fim do discurso,
que Bismarck mostrava ser “um filho desgarrado da grande Pátria Alemã [Vaterland]”; e Bismarck
replicou, arrogante, “Minha terra natal [Vaterhaus] é a Prússia”65.

Surpreendentemente, Bismarck aceitou sentar-se no Parlamento de Erfurt, e desceu para a Turingia


no início de abril de 18 50. Suas cartas de Erfurt indicam que ele passava mais tempo do que
convinha comendo e bebendo. “Consumi o almoço caminhando para lá e para cá em meu quarto,
devorando quase todas as grossas salsichas, deliciosas”, dizia a Joana em 19 de abril. “Bebi uma
jarra de louça, inteira, de cerveja de Erfurt, e agora, quando te escrevo, estou acabando a minha
segunda caixa de maçapães... Sinto-me realmente muito bem, embora, no momento, tenha um
pouco de salsicha demais no estômago.”66 Noutras cartas para casa, descrevia as delícias de uma
caçada, mencionava a quantidade de champanha que tomara, ou informava a mulher de que havia
feito longas caminhadas, a sós, pela floresta, em profunda meditação. Pouco mencionava a política.
Mas, na verdade, estava extremamente ativo. Em 15 de abril ridicularizava a presunção de chamar-
se a federação proposta de “União Alemã”. Seu discurso, interrompido a toda hora pelos protestos
da bancada liberal radical, mostra, de novo, que sua preocupação maior era manter a
independência da Prússia e salvaguardar suas instituições67. Parecia que nada iria reconciliá-lo
com Radowitz, nem tampouco, naquele momento, com o rei. No fim de abril, retornou de Erfurt
para junto da família - um filho, Herbert, nascera em dezembro - satisfeito com sua conduta, mas
consciente de que não estava avançando na carreira. Os Bismarcks continuavam em dificuldades
financeiras. Para ficar na política teve de arrendar os campos de Schönhausen.

O verão de 1850 foi marcado por um aumento da tensão entre a Prússia e a Áustria. Na terceira
semana de maio, representantes da Áustria e dos estados alemães menores, enfim, encontraram-se
em Frankfurt e, formalmente, reconstituíram a Dieta da Confederação Germânica, o instrumento
pelo qual os austríacos haviam dominado a Alemanha na era de Metternich. Esse lance foi
interpretado por Radowitz - e, evidentemente por Bismarck - como um desafio direto à União de
Erfurt Pareceu provável que as duas principais potências alemãs logo estariam em guerra entre si,
pela primeira vez em mais de setenta anos. Em setembro, uma disputa entre o Eleitor de Hesse-
Cassel e seus súditos tornou a guerra iminente: tanto os austríacos como os prussianos
proclamavam-se no direito de entrar em Hesse e resolver os conflitos internos do eleitor, malgrado
ele mesmo não haver pedido ajuda prussiana.

De início, Bismarck foi a favor da guerra com a Áustria sobre a questão de Hesse. A principal
estrada entre Brandenburgo e a Renânia Prussiana atravessava Hesse-Cassel e era-lhe intolerável
que tropas austríacas policiassem uma área de importância estratégica tão grande. Se viesse a
guerra, declarou, “cada espada prussiana brilhará elevada e garbosamente ao sol”68. Mas entre os
oficiais, mobilizados para o serviço ativo estava o tenente von Bismarck e quando ele chegou a
Berlim verificou que o ministro da guerra não compartilhava do seu espírito patriótico: o general
Stockhausen estimava as possibilidades militares da Prússia como fracas ante a força combinada da
Áustria e da Baviera69. Além disso, o cunhado de Frederico Guilherme, o Czar Nicolau I, surgira
como mediador imparcial entre Áustria e Prússia; e decidiu em favor de Schwarzenberg, em ambas
as questões, sobre o direito de intervir em Hesse e sobre sua decisão de restabelecer a Dieta de
Frankfurt. Frederico Guilherme abandonou os planos de Radowitz (e seu autor) e nomeou Otto von
Manteuffel chefe de um governo que deveria normalizar a situação com os austríacos. No dia 29 de
novembro Manteuffel encontrou-se com Schwarzenberg, em Olmütz (Olomouc), na Morávia, e ali
assinaram um acordo (Punktation) que previa para o fim do ano a realização de uma conferência na
cidade de Dresden, em que os vários governos alemães discutiriam o futuro da confederação.
Embora o texto do Punktation evitasse dar qualquer idéia de rendição da Prússia, ficava claro que
Frederico Guilherme havia concordado com uma restauração da Dieta Federal em Frankfurt e com
a dissolução da União de Erfurt.

Historiadores alemães mais modernos consideraram o Punktation uma humilhação; e com certa
razão. Bismarck, no entanto, sustentava a sabedoria do ajuste de Olmütz. Em 3 de dezembro de
1850, disse ao Landtag estar satisfeito com o fato de a Prússia “abster-se, antes de mais nada, de
qualquer vergonhosa união com a democracia”. “Por que motivos, hoje em dia”, interrogava
retoricamente, “os grandes estados vão a guerra?” E estabelecia, em resposta a sua própria
questão, um princípio geral de ação.

A única fundação hígida para um grande estado - e que o diferencia de um pequeno estado - é o
egoísmo de estado, não o romantismo; e não é digno de um grande estado lutar por algo que não diz
respeito ao seu próprio interesse. Meus senhores, indiquem-me um objetivo digno de guerra e ter-
me-ão ao vosso lado. É facílimo para um estadista acompanhar a onda popular permanecendo no
conforto, junto a sua lareira, a proferir discursos bombásticos da tribuna, deixando que o público
faça soar os clarins da guerra, e abandonando ao mosqueteiro, que sangra o sangue de sua vida nas
vastidões nevadas, a tarefa de resolver se a política adotada acaba em glória ou em fracasso. Nada
mais simples -mas ai do estadista que, em momento tal, falha em achar causa de guerra que resista
à inquirição, uma vez passada a luta!70

Bismarck nunca havia proferido discurso tão forte em favor da política de nenhum ministro. É
tentadora a suposição de que agia meramente por conveniência. Uma guerra entre a Áustria e a
Prússia só beneficiaria os revolucionários da França, havia declarado, pois a Áustria era “uma
potência alemã que gozava da fortuna de governar raças estrangeiras, submetidas, em tempos
passados, por exércitos alemães”. O discurso, por certo, ajudou sua reconciliação com o rei e com
os ultraconservadores, dos quais andava mostrando independência de espírito nos últimos meses.
Mas não há razão para supor-se que Bismarck não dissesse exatamente o que pensava: uma guerra
em prol da União de Erfurt teria imposto à Prússia derrota militar tão decisiva quanto foi Iena.
Arriscar-se a um desastre em defesa de uma política improvisada de unidade nacional parcial era
rematada loucura.

Bismarck permaneceu em Berlim a maior parte do inverno, comparecendo às comissões


parlamentares e freqüentando incontáveis “recepções sociais dedicadas a intrigas políticas” (como
as descreveu numa carta para casa). Tinha, na verdade, pouco tempo livre. Em discursos no
Landtag, ia desenvolvendo a teoria (da qual se utilizou onze anos mais tarde) de que havia uma
falha na constituição, permitindo ao rei dispor das rendas do estado como melhor julgasse, caso
houvesse um impasse político a respeito de propostas financeiras na câmara71. Esse engenhoso
exemplo de sofisma não teve, naquele momento, qualquer valor prático; mas fez crescer ainda mais
o prestígio de Bismarck junto à “Camarilla”. Começava a criar nova reputação, de reflexão
judiciosa, que se sobrepunha à fama de agressividade e maus modos. Era cada vez mais visto na
sociedade, em geral acompanhado de sua irmã “Malle”, Malwine von Arnim, possuidora de um
traquejo social ao qual Joana nunca se elevou. Ela fez com que seu irmão, pela primeira vez em
muitos anos, fosse aos bailes, dançasse com quem valia a pena, e se mostrasse ameno e cordial com
a rainha (tarefa bastante fácil para ele). Malle, assim como Joana, desejava que Otto conseguisse
uma nomeação importante. Mas, ao contrário de Joana, ela tinha os meios para ajudá-lo72.

A persistência de irmão e irmã teve seu prêmio na primavera de 1851. Logo no Ano Novo houvera
uma fase em que Bismarck esteve em dificuldades financeiras tão sérias que chegou a pensar em
assumir o cargo de ministro do Duque de Anhalt (“que é louco, e o ministro realmente governa”).
Mas no início de abril os ventos traziam perspectivas mais interessantes. O restabelecimento da
Dieta Federal de Frankfurt tornava necessária a designação de um representante prussiano de
caráter e de habilidade diplomática. Os dois irmãos Gerlach agiram junto ao rei para dar o posto a
Bismarck: ele era forte no debate e seu discurso após o Tratado de Olmütz mostrava que sabia
agradar a Áustria. Frederico Guilherme estava incerto: não havia como ver em Bismarck um
diplomata de carreira e Frankfurt exigia uma pessoa de tato e experiência. Mas no início da terceira
semana de abril a possibilidade da nomeação de Bismarck filtrava para a imprensa. Houve alguns
murmúrios de descontentamento quanto a confiarem-se tais responsabilidades a um “tenente da
Landwehr”, de parte do Príncipe da Prússia, e alguns golpes satíricos do lépido semanário
Kladderadatsch; mas o mundo não desabou. No dia 28 de abril Frederico Guilherme recebeu
Bismarck em audiência, e ofereceu-lhe formalmente um posto que ele já decidira aceitar73.

Naquela noite, o homem que já por duas vezes se demitira do serviço do rei, deu a sua esposa a boa
notícia:

Parto para Frankfurt... Você tem reclamado, freqüentemente, que nada achavam para mim os que
estão por cima. Pois bem, agora, muito além de minhas expectativas e meus desejos, chega esta
nomeação repentina para o que é, no momento, o posto mais importante de nosso serviço
diplomático. Não o busquei; o Senhor o quis, ou pelo menos tal poderia parecer, e devo obedecer,
embora perceba que sera uma função espinhosa e infrutífera, na qual, com as melhores das
intenções, vou perder o bom conceito em que me tem muita gente. Recusar, no entanto, seria
covardia74.

Três dias depois, já antevia a mudança para Frankfurt de maneira menos equânime. “Sinto-me”,
escreveu, “como se estivesse a pique de emigrar para a América”. A Dieta de Frankfurt com sua
mistura de Grandes Potências e intriga de príncipes subalternos, era, na verdade um novo mundo
para ele. “Quem ha de saber", disse, num rasgo de retórica, “quando a roda que ora nos apanha no
chão nos vai soltar de novo”75?

[1] A Princesa Augusta (1811-1890) era filha da Grã-Duquesa Maria Pavlovna (1786-1859) que se
casara com Carlos Frederico de Saxe-Weimar em 1804. A Grã-Duquesa, benfeitora da literatura
alemã, era considerada por Goethe uma das mais destacadas mulheres do início do século XIX.
Augusta, mulher de Guilherme da Prússia desde 1829, herdou da mãe a rara energia, mas não os
interesses culturais.

[2] Na Alemanha, a agitação revolucionária de 1848 teve sempre um duplo objetivo: governo
representativo em cada um dos Estados germânicos; e a criação de uma Alemanha federal
unificada, de caráter liberal. Foi a idéia unitária que levou ao Parlamento de Frankfurt, convocado
naturalmente à cidade em que a Dieta da Confederação Germânica (a “Dieta de Frankfurt") se
reunia desde novembro de 1816. Tecnicamente, a Dieta de Frankfurt dissolveu-se em 12 de julho de
1848, transferindo suas funções ao Parlamento de Frankfurt. Mas a Dieta, que era, na realidade,
uma conferência de embaixadores dos Estados germânicos, foi restabelecida, em Frankfurt, em
1850, e existiu até 1866.

[3] As memórias de Bismarck (Gedanken und Erinnerungen, Volume I, p. 50) dão uma versão com
palavreado mais discreto para o comentário de Frederico Guilherme: “O general Gerlach disse-me
que o rei havia escrito na margem, ‘Para ser empregado apenas quando a baioneta governe sem
limitação' (Nur zu gebrauchen, wenn das Bayonnet schrankenlos waltet)”. Bem verdade que este
comentário captava corretamente o espírito da restrição que Frederico Guilherme fazia a Bismarck.
4. ENVIADO EXTRAORDINÁRIO

Quando Bismarck chegou a Frankfurt, no domingo de 11 de maio de 1851, sabia ter atingido um
ponto crítico de sua vida. Era a última oportunidade de tornar-se figura pública. Se falhasse,
passaria o resto da vida como matuto, a resmungar contra o progresso, sem o menor resultado,
metido em suas terras, isolado.

Bismarck gozava da fama de usar um palavreado cortante, fama que só perdia para outra, a de
campeão das causas impopulares. Qualidades que não o indicavam muito para a diplomacia.
Frederico Guilherme percebeu a mudança que a responsabilidade devia causar no caráter de
Bismarck e fez questão de que ele passasse três meses em Frankfurt como segundo do enviado que
saía, Theodore von Rochow, antes de assumir suas funções como representante na Dieta. Era um
esquema sensato: um novo embaixador precisava ser cuidadosamente informado sobre as regras e
convenções daquele congresso incomum de representantes de príncipes, para ter condições de
compreendê-lo e dominá-lo. “Só o tempo dirá o que Theodore será capaz de obter de seu pupilo,
Bismarck”, escreveu a sobrinha de Rochow, num tom um tanto superior, naquele maio. “Quem o
conhece mais intimamente diz que não lhe faltarão conhecimento, capacidade, tato, esperteza ou o
dom de tratar as pessoas com astúcia.76 Talvez, mas outros duvidavam que Rochow ou quem quer,
fosse capaz de domar o Espadachim do parlamento junker em apenas treze semanas. A natureza
não o fizera um aprendiz aplicado.

Bismarck, mais tarde, afirmou ter ido para Frankfurt “em estado de pureza política”. Claro que isto
não fazia sentido: ele já era bem experimentado nas barganhas e enredos com que se faziam e
destruíam governos. Mas, é verdade, surpreendeu-se com a natureza dissimulada da vida
diplomática. “Faço rápidos progressos na arte de empregar muitas palavras e não dizer nada”,
escreveu, sardônico, a Joana, em 18 de maio. A princípio, achou a rotina sedentária tão enfadonha
quanto em Aachen e Potsdam em sua juventude. As atrações externas da vida diplomática em
Frankfurt exasperavam-no: longos e aborrecidos jantares, a despesa de montar uma residência
oficial elegante, a “luta incessante” para encontrar tempo de redigir memorandos, receber pessoas
e lidar com os telegramas. Após uma semana de experiência da Dieta, asseverou a Joana que se
achava capaz de “prever com perfeição o que seremos capazes de obter em um, dois ou cinco anos”;
e que ele poderia acertar tudo isso em vinte e quatro horas, bastando que os outros diplomatas
fossem “razoáveis e honestos por um dia apenas. 77

Bismarck achou o Conde Thun, representante austríaco, languidamente altaneiro, um proprietário


de terras tão cônscio de sua educação feudal que ignorava as pretensões sociais de um simples
ruralista junker. Mas Bismarck irritava-se igualmente com os enviados dos estados menores -
homens “que julgam necessário adotar um estilo severamente profissional até quando perguntam se
você tem fósforos para acenderem o charuto” e “buscam maneiras e palavras com beleza de forma
estilo medieval Ratisbona quando o que desejam é a chave do banheiro”78. Mais a sério, ele se
preocupava com a tendência dos estados pequenos de automaticamente apoiarem a Áustria como
natural paladina da ordem estabelecida. Deixou claro para Otto von Manteuffel, então primeiro-
ministro e ministro do Exterior em Berlim, que seria difícil elevar o status da Prússia enquanto a
Confederação mantivesse aquela forma. Em 29 de junho, escreveu, pesaroso, a Manteuffel “Quando
aqui cheguei minhas expectativas de resultados das sessões da Dieta já não eram grandes, mas
desde então ainda caíram mais”79.

Anos mais tarde, costumava relembrar sentimentalmente seus dias em Frankfurt, “aquela cidade
onde passei tantas horas felizes e conheci tantas pessoas encantadoras”. Na época, porém, não
pensava bem assim: “Frankfurt é terrivelmente sem graça”, escreveu, intolerante, a Joana, uma
semana depois da chegada, e passaram-se meses antes que mudasse de opinião. Seu maior prazer
era sair da cidade80. Gostava de cavalgar pelos arredores, junto aos contrafortes dos montes
Taunus. Descendo o rio, de Frankfurt, ficavam todas as belas cidades do médio Reno. Mainz e
Wiesbaden eram especialmente ricas de lembranças pessoais. No entanto, quando, em 1º de julho,
jantou de novo em Wiesbaden, pensar nas “loucuras do passado” o entristeceu - pelo menos foi o
que escreveu a Joana:

Quem me dera aprouvesse a Deus encher de seu vinho forte e purificante esta taça, em que,
naquele tempo, a champanha da juventude borbulhou tão sem propósito, deixando atrás de si um
resíduo azedo! Onde estarão hoje Isabella Loraine e Miss Russel, e como viverão? Vivesse eu hoje
como vivi então - sem Deus, sem ti, sem as crianças - estaria, sem dúvida, perplexo, sem saber por
que não me desvencilhar dessa vida como de uma camisa manchada; e, no entanto, a maioria dos
meus conhecidos é assim, e continua a viver81.

Suas cartas à esposa mostram um desvanecimento melífluo muito diferente da aspereza com que
salpicava sua correspondência política. Bismarck com modos de penitente não é nunca um
personagem convincente.

No fim da primeira semana de agosto, ele partiu para uma visita de maior interesse histórico que a
noite levemente chorosa de Wiesbaden. O mais antigo estadista da Confederação Germânica
passava aquele verão a menos de oitenta quilômetros de Frankfurt, em suas terras de Johannisberg,
aguardando época favorável para regressar a Viena, após três anos de exílio. Com a idade de
setenta e oito anos, Clement Metternich mantinha vivo interesse por tudo quanto ocorria no interior
da Confederação, muito embora houvesse anunciado que não mais desejava envolver-se em
assuntos políticos; e era natural que Metternich buscasse um encontro com o novo enviado de
Frederico Guilherme à Dieta. Havia convidado Bismarck, inicialmente, para ir a Johannisberg no
começo de julho, mas a visita só aconteceu depois de um mês. Bismarck disse a Joana que “adiara a
ida ao velho Metternich” porque aproveitava uma viagem com Rochow pelo Reno. A verdadeira
razão parece ser porque em julho ele ainda não tinha certeza de que o rei confirmaria sua
nomeação como enviado à Dieta. Em agosto, já pôde visitar Johannisberg seguro de sua posição e
sem Rochow. O encontro foi um sucesso. A princesa Melanie Metternich, temível terceira esposa do
ex-chanceler, achou seu convidado uma pessoa de aguda inteligência e dotada “dos melhores
princípios políticos”; anotou em seu diário o prazer do marido com a visita. Bismarck, escrevendo
para casa no fim da semana, oferece uma narrativa um pouco mais detalhada de seu breve encontro
com o estadista decaído: “Passei a quarta e a quinta com o velho Metternich”, diz a Joana. “Ele foi
muito afável e tratou de colocar-me à vontade, contando a história desde 1788 até 1848 sem deixar
espaço, falando de política e de vinhas, de literatura e cultivo florestal e levando meus lamentáveis
momentos de abstração à conta... de seu melhor vinho Johannisberg”. Tempos depois, Bismarck
afirmou que Metternich o aconselhara a fazer com que a Prússia se tornasse “um estado saciado”,
pois somente assim ela seria capaz de compartilhar com a Áustria a séria responsabilidade de
manter uma governança ordeira no continente, mas da época não há anotação disso. Metternich
gostou, diz Bismarck, porque “eu escutei atento todas suas estórias e sempre lhe pedia que
continuasse”; sente-se que foi uma conversa unilateral, como tantas nos últimos anos de
Metternich. Mesmo assim, Bismarck ficou claramente lisonjeado com as atenções para com ele.
Naquela noite, seu quarto dava para os montes da comarca do Reno e para o próprio grande rio,
mas seus pensamentos, alimentados de reminiscências e de bom vinho, estavam junto a outro curso
d’água, num diferente fluxo de tempo, e ele sonhou que era ao mesmo tempo uma criança e um
senhor rural em Schönhausen, à época em que quem o hospedava ainda dominava a Europa82.

Haver passado dois dias em Johannisberg elevou o conceito de Bismarck aos olhos do Conde Thun.
“Não sei como o senhor conseguiu seduzir o velho príncipe”, confessou Thun a Bismarck pouco
tempo depois, “mas o fato é que ele me disse ‘se você não chegar a um entendimento com ele, então
eu realmente não sei o que será’.”83 Deve ter sido exasperante para Thun saber que Metternich
achou aquele obstinado junker companhia tão agradável. Pois embora Bismarck fosse capaz de
ouvir com o maior interesse falar-se de Napoleão, Alexandre, Frederico Guilherme III, mostrava
pouca vontade de tratar as colocações de Thun com simpatia respeitosa. Colaborava, sim, com os
austríacos no tema estritamente político da contra-revolução, mas não fazia a menor concessão no
que dizia com a Zollverein, a união aduaneira formada independentemente da Áustria na década de
1830. Manteuffel estava decidido a manter fora da Zollverein os territórios da coroa austríaca, e
Bismarck concordava inteiramente. Depois da política vacilante do rei, em 1848-49, e do
germanismo desnorteado da União de Erfurt, só o crescente poderio econômico da Prússia permitia
a Bismarck falar com autoridade na Dieta.

Suas cartas, particulares e oficiais, denotam que pelo verão de 1852 sua experiência diplomática em
Frankfurt dera-lhe bem maior flexibilidade mental. Aos poucos, libertava-se do partidarismo e
tornava-se um responsável comentarista da contenda diplomática. Não se podia dizer que fosse
imparcial, e nem sempre era coerente, mas Frederico Guilherme dava valor a suas opiniões. Em
1852, todos os demais postos importantes no serviço diplomático prussiano estavam ocupados por
um militar de carreira, cautelosamente ciente da fraqueza militar do reino e da visível força da
Áustria; mas “o tenente da.Landwehr” que estava em Frankfurt não sentia essas inibições. Havia
algo reconfortantemente original em seus amplos projetos de grande política Manteuffel não
pretendia seguir os conselhos de Bismarck, muito menos o rei; freqüentemente achavam enervante
sua agressiva autoconfiança, mas suas missivas eram interessantes. Para quem o conhecera em.
1848, ele continuava sendo o fidalgo meio maluco, mal e mal contido pelas convenções da
diplomacia.

Bismarck era o próprio responsável por essa impressão. Incidentes triviais eram aumentados e
ganhavam publicidade, ora devido a seus adversários, porém as mais das vezes por iniciativa dele
mesmo. Houve especialmente, o famoso episódio do charuto84. Logo ao chegar a Frankfurt,
Bismarck descobriu que fumar na Assembléia era privilégio exclusivo dos austríacos: na primeira
vez, depois disso, em que o Conde Thun acendeu um charuto, Bismarck acendeu também o seu,
mostrando com isso o direito da Prússia de paridade com o Império Habsburgo. Tal gesto, em si
bastante infantil, teve uma inesperada repercussão, igualmente absurda. Quando Bismarck visitou
Berlim no início da primavera de 1852, ocupou sua cadeira de deputado no Landtag. Seu antigo
adversário Vincke aproveitou a oportunidade da presença de Bismarck para atacar suas posições na
Dieta, dizendo que, até então, a única distinção que o enviado prussiano podia alardear era “o
charuto aceso”. Bismarck respondeu com ferocidade a esse ataque; e ao amanhecer de 25 de março
os dois homens, acompanhados de seus padrinhos foram para uma clareira à beira do lago, na
floresta de Tegel, a noroeste da capital. Cada um atirou no outro uma vez - e errou, provavelmente
de propósito. A imprensa prussiana fez um alarido sobre a desavença e Bismarck sentiu-se na
obrigação de escrever uma longa carta à sogra, explicando que só havia duelado depois de horas de
preces e de conversas com o General von Gerlach e com Karl Buschsel, o mais eminente pastor
luterano de Berlim.

Se o episódio não prejudicou a reputação de Bismarck, não ajudou em nada sua posição profissional
como diplomata. Teve, porém, uma conseqüência apreciável. Logo depois ele concluiu que não
podia continuar como deputado no Landtag ao mesmo tempo em que servia de representante do rei
na Dieta; e em abril renunciou ao seu mandato parlamentar. Uma troca de tiros com Vincke foi um
fim bem adequado para o primeiro ato de sua apresentação na Câmara.

Naquele mês, morreu repentinamente, em Viena, o príncipe Schwarzenberg, que havia restaurado a
ordem nos domínios dos Habsburgos e refreado as ambições prussianas em Olmütz. O Imperador
Francisco José nomeou o Conde Ferdinand von Buol-Schauenstein seu novo ministro do exterior.
Sabia-se pouco de Buol, em Berlim, mas foi notado que no dia de sua nomeação ele visitou
Metternich (que já havia retornado a Viena) e pediu-lhe conselhos. Nesse momento o embaixador
prussiano caiu gravemente enfermo, e Frederico Guilherme decidiu enviar a Viena o único membro
de seu serviço diplomático que estabelecera boas relações com Metternich desde sua queda. No dia
5 de julho de 1852 Bismarck foi chamado a Berlim e recebeu a comunicação de que devia partir
imediatamente para Viena, assumindo a embaixada até recuperar-se o embaixador. Foi uma decisão
inteligente. Se um conhecimento mais próximo da capital dos Habsburgos ajudasse Bismarck a
afastar o preconceito anti-austríaco que adquirira em Frankfurt, tanto melhor; se não, pelo menos
ele desvendaria donde brotava o verdadeiro poder em Viena.

Sua missão durou só um mês. Conheceu Buol e não se impressionou; trocou amenidades, outra vez,
com o velho Metternich; foi recebido em audiência pela mãe do imperador, a Arquiduquesa Sofia e
concluiu que ela era o verdadeiro árbitro da política. Mas Viena quase se esvaziava no verão, e ele
foi à Hungria, onde Francisco José fazia sua primeira viagem mais extensa por terras magiares
desde a tentativa de independência húngara. Bismarck deleitou-se com a viagem de vapor, descendo
o Danúbio. Ele tinha uma visão de poeta para as belezas naturais e entreteve-se com o caráter
cosmopolita dos companheiros de viagem: “Mas imagina só”, escreveu a Joana, “nem um inglês!
Com certeza eles ainda não descobriram a Hungria”. Foi a capital húngara que mais o encantou.
Francisco José destinou-lhe aposentos no próprio palácio e ele escreveu entusiasmado a Joana,
descrevendo a vista da janela. “Se pudesses estar aqui por um instante e olhar, neste momento, o
prateado opaco do Danúbio, as montanhas, escurecidas contra um fundo vermelho claro, as luzes
brilhando lá embaixo, em Pest, Viena ficaria para trás em tua estima, comparada a ‘Buda-Pescht’,
como a chamam os húngaros”. “Figuras estranhíssimas, de pele morena, grandes chapéus e calças
largas, descem o Danúbio em compridas barcaças de madeira”, acrescentou, “como lamento não ser
um artista”85.

Mas não estava em férias. Foi surpreendido com a minuciosa etiqueta que o mantinha “em uniforme
a maior parte do dia” e pelo hábito do jovem governante de levantar-se às cinco da manhã para
começar bem cedo a tratar dos assuntos do dia. “Tive excelente impressão [de Francisco José]”,
disse a Joana. “O fogo de um jovem de vinte anos com tranqüilo autocontrole [mit besonnener
Ruhe], Sabe ser cativante, já vi; não sei se está sempre disposto a sê-lo - aliás, não é necessário. Em
todo caso, atende exatamente ao que este país precisa, até em demasia para a tranqüilidade de seus
vizinhos, se Deus lhe não tiver dado um coração amante de paz”. Em carta a Manteuffel, no dia
seguinte, Bismarck tornou a comentar a autoconfiança de Francisco José, enquanto Leopoldo von
Gerlach era informado de que o imperador mostrava “o fogo dos vinte anos, acompanhado da
dignidade e previdência de idade mais madura, belos olhos [ein schõnes Auge], particularmente
quando está animado, e uma fisionomia aberta, encantadora, especialmente quando ri”86. Tais
impressões podem ressentir-se de profundidade de análise, mas pelo menos não eram hostis.
Bismarck queixava-se muito, em Frankfurt, de que os diplomatas austríacos não mereciam
confiança. Era um conforto encontrar em Francisco José um jovem de boa fé, lhaneza, simplicidade.

Em suma, Bismarck acreditava na possibilidade de ser nomeado embaixador na Áustria, mas


desagradava-lhe a atmosfera da sociedade política de Viena e ficou satisfeito em voltar, no meio de
julho, para a luta de Frankfurt, com que se familiarizara. Embora o rei o tivesse em boa conta,
Bismarck tinha inimigos em Berlim. Maldosas intrigas haviam convencido Manteuffel e o Príncipe
da Prússia de que Bismarck era instrumento dos ultraconservadores e planejava substituir
Manteuffel como ministro de estado87. Na realidade, Bismarck começava a afastar-se do círculo do
Kreuzzeitung: não acompanhava a hostilidade dos Gerlachs para com Napoleão III, nem a suspeita
em que tinham a política francesa no Reno; mas, sem dúvida, dera a impressão de que assumiría
gostosamente a responsabilidade pela política externa em Berlim, e não foi fácil acalmar
Manteuffel. Num gesto reconciliatório, Bismarck convidou Manteuffel e o príncipe para padrinhos
de seu segundo filho homem (nascido naquele verão de 1852 e chamado Guilherme em homenagem
ao príncipe). Bismarck era suficientemente astuto para manter-se em contato com Leopoldo von
Gerlach, e através dele com o rei, ao mesmo tempo em que fazia o possível para aplacar Manteuffel
e o herdeiro do trono. Não é de surpreender que, às vezes, adaptasse o texto de suas cartas para
acomodá-las às inclinações dos destinatários.

Enquanto Manteuffel passou o outono e o inverno em Berlim forçando uma renovação da Zollverein
sem a participação da Áustria, Bismarck, em Frankfurt, ameaçava e cabalava os estados sul-alemães
para que aceitassem a liderança econômica da Prússia. Agora, entretanto, olhava mais longe. O
longo período de paz entre as Grandes Potências estava em xeque devido à crescente suspeição que
surgia entre a Rússia e a Turquia e pela série de decisões desastrosas que culminaram na Guerra da
Criméia. A Prússia não tinha interesse direto ou indireto no futuro do Império Otomano, porém uma
crise internacional envolvendo as duas outras autocracias do centro-leste europeu inevitavelmente
exigia um reajuste na política de Berlim. O rei gostaria de permanecer não-beligerante. Bismarck
era mais realista “Grandes crises formam as condições climáticas favoráveis ao crescimento da
Prússia”, dizia a Manteuffel em fevereiro de 185488. Quando, na terceira semana de abril, os
prussianos revalidaram por três anos â aliança defensiva feita com a Áustria depois de Olmütz,
Bismarck alarmou-se: parecia-lhe que o rei e Manteuffel estavam aceitando um papel secundário na
competição diplomática. Ele era partidário de um política de mais força: mande 0 exército prussiano
concentrar-se na Silésia Superior, aconselhou ao rei, de onde poderia “atravessar com igual
facilidade as fronteiras da Rússia ou da Áustria”. Essa estratégia, afirmava Bismarck, faria de
Frederico Guilherme o cabeça da Europa, capaz de ditar os termos de paz a Nicolau como a
Francisco José, e ficar para a Prússia com a comissão de corretagem, que poderia ser a revisão da
estrutura da Confederação Germânica. O rei recusou o conselho: “Um homem como Napoleão
poderia sair-se bem com lances dessa ousadia, mas eu não”, disse, com sinceridade89. A Prússia
ficou de lado durante toda a guerra.

A proposta de Bismarck estava mais próxima da tradição de Frederico, o Grande, que a cautelosa
neutralidade do rei. Com o Exército Austríaco em posição ao longo do baixo Danúbio, o velho
monarca teria ordenado a mobilização na Silésia e ameaçado cruzar a fronteira Boêmia-Morávia e
avançar para o sul na direção de Viena. No entanto, mesmo não sendo do molde heróico, Frederico
Guilherme IV possuía um sólido sentido do que era melhor para a Prússia e a Alemanha. Sua atitude
garantiu que o conflito entre a Rússia e o Ocidente se travasse em tomo de objetivos limitados, no
Mar Negro, e não nas planuras da Europa central, onde teria reaberto a ferida polonesa e outras
eivas mal cicatrizadas pelo acordo de Viena, em 1815.

Bismarck ficou com a fama de ser pró-Rússia, da mesma forma como, após Olmütz, foi tido como
pró-Áustria. “No ano de 50, nossos adversários acusaram-me de preferência aleivosa pela Áustria e
éramos chamados os vienenses de Berlim”, recordou ele a Leopold von Gerlach, terminada a Guerra
da Criméia»,

Tempos depois acharam que cheirávamos a couro russo e referiam-se a nós como os cossacos do rio
Spree. Quando me perguntavam, naquele tempo, se eu era um “russo” ou um “ocidental”, sempre
respondi que era um prussiano, que meu ideal em política externa era a ausência de todo
preconceito, e que toda decisão deveria mostrar-se livre de qualquer aparência de hostilidade ou
preferência em relação a países estrangeiros e seus governantes. Se alguém me provasse
[acrescentou] que isso consultaria aos melhores interesses de uma política salutar e bem
ponderada, eu teria igual satisfação em ver nossas tropas atirarem tanto nos franceses como nos
russos, nos austríacos ou nos ingleses"90.

Os anos passados em Frankfurt infundiram-lhe temor a qualquer política que permitisse a Viena
determinar os rumos em questões de guerra e paz para toda a Alemanha. Quando a Áustria, no
início de 1855, tentou mobilizar os estados germânicos contra a Rússia, Bismarck tomou a frente na
reação à pressão dos austríacos, e viu-se por uma vez, para variar, na maioria. Nunca antes, nem
depois, foi tão forte defensor da Confederação Germânica. Mas, bem sabia, aquele ressentimento
contra a liderança austríaca na Dieta era um sentimento passageiro. Tinha pouca esperança de
poder fazer frente à supremacia austríaca na Alemanha, a não ser que a posição prussiana se
fortalecesse com uma rede de alianças com as outras Grandes Potências. Já em meio ao verão de
1854, ele gostava de dar à irmã a impressão de que era o leva-e-traz entre Oriente e Ocidente,
passando as mensagens de Paris para o adido russo em Frankfurt e para o Czar Nicolau I; e havia
uma certa razão para essa idéia91. Aos poucos, ele foi-se convencendo de que, malgrado a guerra,
logo havería uma reaproximação entre a França e a Rússia, que levaria, depois, a uma aliança. E a
Prússia, opinou ao rei, devia juntar-se à essa nova fonte de poder da Europa, para poder coagir a
Áustria e os estados do sul da Confederação Germânica dominados pelo Habsburgos92. Ninguém
em Berlim punha em dúvida o valor de uma ligação com a Rússia, mas a união com um estado
bonapartista era outra coisa. Em agosto de 1855 Bismarck fez a primeira de várias viagens
particulares a Paris, a fim de avaliar pessoalmente as qualidades do Segundo Império.

“Esta Paris é uma cidade maravilhosa”, escreveu um tanto ingenuamente a Joana, quinze dias após
chegar à capital francesa. “Imagina dez Frankfurts, lado a lado, com inúmeras ruas apinhadas de
lojas... depois mais dez Frankfurts mais calmas, construídas à sua volta.”93 Bismarck fez os
passeios normais da cidade e dos arredores, mas Paris do Segundo Império não era, absolutamente,
um museu de glórias passadas. Era essencial para o visitante daquele ano ver o Palais de l'Industrie
nos Champs-Elysées, onde, pela primeira vez, as autoridades haviam montado uma exposição dos
feitos técnicos e artísticos; e Bismarck deu uma olhada de mau grado na seção industrial, que achou
uma grande confusão, dominada pelo “ruído ensurdecedor da maquinaria”. No conjunto, preferiu as
mostras de pinturas de Paris. Queixou-se de falta de tempo para descanso, mas gostou de tratar de
política com o ministro do exterior, o Conde Walewski (filho bastardo do grande Napoleão) e de
conhecer o meio-irmão de Napoleão III, Morny, o qual - como Walewski - era partidário da
cooperação franco-russa. Em 25 de agosto Bismarck compareceu a um “baile magnífico” em
Versalhes, onde foi apresentado ao Imperador Napoleão III e à Imperatriz Eugénie. Napoleão não o
impressionou muito, mas tomou-o de admiração a “extraordinariamente graciosa” Eugénie. Joana
foi informada de que a Imperatriz possuía algo do estilo da própria irmã dele, Malwine, mas ele
reconheceu que Eugénie tinha “um rosto mais longo e fino, os olhos e a boca mais bonitos”.

Napoleão e Eugénie não foram os únicos soberanos a quem foi apresentado naquela noite em
Versalhes. A Rainha Vitória realizava a primeira visita de um monarca reinante inglês à capital
francesa desde mais de quatrocentos anos; e Bismarck teve oportunidade de conversar longamente
com o Príncipe Alberto, e brevemente com a rainha. Bismarck viera à França com a desconcertante
reputação de ter simpatias pró-Rússia, e a família real inglesa não escondeu seu pesar por
Frederico Guilherme ater-se ao sentimento dos Hohenzollerns de amizade com os Romanovs. A
conversação com o príncipe foi, portanto, um pouco tensa; mas a rainha limitou-se ao tema
evidentemente incontroverso de, estética urbana. “Que linda cidade é Paris!” comentou ela. “Mais
agradável mesmo que Petersburgo”, respondeu Bismarck. Resposta característica do homem, em
alusão críptica a uma capital “inimiga”, cujas belezas nenhum deles havia visto. Pelo menos
demonstraria à Rainha da Inglaterra, embora tarde, que não se recusava a louvar algo do Oeste às
custas do Leste. Mas ela não se deu por achada. Em seu diário, descreveu Bismarck como “por
demais russo e Kreuzzeitung” em pontos de vista. Mesmo, assim, constitui uma interessante
ilustração da força da personalidade de Bismarck que Vitória, num baile descrito por ela como
“ultrapassando tudo que é imaginável” em esplendor, se haja dado ao trabalho de registrar o
encontro com um diplomata prussiano, de passagem pela cidade, e ainda pouco conhecido fora da
Alemanha94.

Dois dias depois, Bismarck assistiu à partida da rainha e do príncipe, deixando Paris em alto estilo,
e embora como prussiano deplorasse a política inglesa, aquela demonstração espetacular da
cordialidade anglo-francesa o impressionou. Naquele dia estavam com a rainha em Paris os dois
filhos mais velhos, a princesa real (a três meses de seus quinze anos) e o Príncipe de Gales. Menos
de quatro semanas depois da visita a Paris, estava acertado, em particular, que a princesa real
deveria casar-se com o filho mais velho do Príncipe da Prússia, Frederico Guilherme, embora
somente “quando ela completasse dezessete anos”. O noivado devia permanecer secreto, pelo
menos até a primavera, mas logo filtrou pela imprensa. Por todo o inverno houve comentários
acrimoniosos sobre o futuro casamento nas colunas do The Times e em alguns jornais berlinenses,
pois a Guerra da Criméia causara consideráveis dificuldades às relações anglo-prussianas95.
Bismarck não aprovava o projeto do casamento. “Não tenho meios de julgar as qualidades pessoais
da princesa”, escreveu ele, “mas a conseqüência política só pode ser o enxerto entre nós de
influências inglesas, de anglomania [Englischen Einflus und Anglomanie bei uns einzubürgem], sem
que a nosso favor ocorra algo igual na Inglaterra”96.

Um pouco de sua prevenção derivava da crença de que tanto o príncipe quanto sua mãe, Augusta,
eram seus inimigos pessoais; suspeitava de que, desde a desmiolada conspiração palaciana de
março de 1848 em Potsdam, alertavam o Príncipe da Prússia contra ele. Mas outra razão havia,
naquela primavera de 1856, por que Bismarck era especialmente hostil à Grã-Bretanha. A guerra da
Criméia acabara no primeiro dia de fevereiro, e antes do fim do mês reunira-se um congresso de
paz em Paris, Walewski como presidente. Os ingleses insistiram com obstinação em que o
Congresso fosse uma conferência entre ex-beligerantes tentando excluir, assim, a Prússia. O
ressentimento em Berlim voltou-se quase exclusivamente contra os britânicos, pois nem os
franceses nem os russos denotavam essa hostilidade. A Áustria mesmo, bateu-se pelos direitos da
Prússia com o apoio austríaco um delegado prussiano foi, por fim, admitido àquelas sessões do
Congresso referentes ao futuro dos Dardanelos e do Bósforo, já que a Prússia era signatária da
Convenção dos Estreitos, de 1841. Ainda que entristecesse Bismarck ver que Manteuffel dependia,
em última análise, do patrocínio de Buol, satisfê-lo a atitude dos franceses e dos russos. A Prússia,
afinal, não estava isolada97.

Tal qual Bismarck, Manteuffel previa que a França e a Rússia estariam juntas, uma vez terminada a
Guerra da Criméia. Não compartilhava, porém, da mesma convicção de que a Prússia tiraria
vantagens de uma nova associação de Tilsit; por mais de um ano, Bismarck perseverou na tarefa de
convencimento do ministro, carta após carta repetindo os velhos argumentos em favor de uma
aliança com os dois impérios. Acima de tudo, Bismarck insistia em que Manteuffel se mantivesse em
cerrado contato com Paris. Nenhum de seus colegas concordava. Os conservadores viam em
Napoleão um aventureiro calculista, cabeça de uma dinastia perigosamente revolucionária, e as
colunas de seus jornais derramavam ataques à sua política. Mas Bismarck recusava-se a
acompanhar a linha do grupo. Para ele, Napoleão III era um oportunista capaz, nem mais nem
menos: seus projetos poderiam ser detidos por alguém disposto a considerar a ação de estado como
a continuação da conspiração por outros meios. Na primavera de 1857, Bismarck resolveu ir à
França, por sua própria iniciativa, tão logo a Dieta de Frankfurt interrompesse as sessões para os
feriados da Páscoa. Acompanhado de dois adjuntos, viajou para Paris em 4 de abril de 1857.

A visita começou mal. O trem noturno chegou na madrugada do Domingo de Ramos. Com espantoso
otimismo, os três prussianos partiram para os cafés dos bulevares. “Das cinco e meia às sete e meia
da manhã vagamos por toda a vasta cidade de Paris sem conseguirmos tomar uma xícara de café”,
lamentou a Joana. “Sapatos, brinquedos, guarda-chuvas, relógios poderiam comprar-se às seis, mas
foi impossível tomar o café da manha.”98 Felizmente, a vida social logo melhorou. Desta vez,
conseguiu ir ao teatro e à ópera -“muito bom o balé... mas balés sempre me enfadaram” - e jantar
nos restaurantes mais finos. Foi recepcionado por Walewski e trocou amabilidades com todos os
notáveis do Império99.

O valor real da visita foi ter permitido a Bismarck penetrar no caráter de Napoleão III. Já havia
percebido a qualidade superficial de suas apresentações públicas: “Em Napoleão”, escreveu com
agudeza em 1855, “o desejo de obter o inesperado chega às raias da doença, e é atiçado pela
imperatriz” 100. Desta vez, em longas conversações com o imperador, pôde ver que Napoleão III -
qual seu tio, meio século antes - tinha prazer em formular planos que abrangiam para além dos
assuntos do continente, numa impressionante amplitude de vistas; mas enquanto Napoleão I era
capaz de focalizar o pensamento em detalhes imediatos, seu sobrinho permanecia a entreter-se
redesenhando o mapa com audaciosos riscos de pena. “O homem, decididamente, não me
impressiona”, disse Bismarck a Gerlach, ao voltar a Frankfurt. “Não é um general”, acrescentou.
“Só fará a guerra quando necessidades internas o forçarem a tal.”101 Porém, no interesse da
Prússia, devia ser cortejado e explorado. Era um despropósito Frederico Guilherme IV tratar
Napoleão como ilegítimo parvenu entre os soberanos da Europa. “Vejo a França como nada mais
que uma peça - essencial, reconheço - no xadrez da política”, afirmava a Gerlach em 2 de maio,
“independentemente de quem seja seu governante. Minha missão, ao jogar este jogo, é servir tão-
somente ao meu rei, ao meu país... Não consigo justificar simpatias ou antipatias em relação a
personalidades e potências estrangeiras, em mim ou em outrem... A mim me parece que nem
mesmo o rei pode subordinar os interesses da Pátria a seus sentimentos de amor ou ódio por
estrangeiros”102.

Estas vigorosas palavras foram seguidas, duas semanas depois, de um pleito muito bem calçado de
argumentos a Manteuffel para que fomentasse relações amistosas entre a Prússia e a França: “O
imperador Napoleão admite abertamente o interesse que tem em promover esta perspectiva e basta
que demonstremos sinais de reconciliação para que ele faça um gesto claro nesse sentido”.
Bismarck propunha que Napoleão III fosse convidado a visitar Berlim. Mas Frederico Guilherme não
se inclinava, por ora, a qualquer iniciativa diplomática; pretendia receber seu sobrinho, Alexandre II
(que subira ao trono russo em março de 1855), mas não tinha a menor intenção de encontrar-se
com o Imperador dos Franceses. Em particular, achava que Bismarck estava brincando com fogo, e
Gerlach concordava103.

Frederico Guilherme, com o tempo, poderia ter aceito a política de Bismarck, até mesmo nomeá-lo
para suceder a Manteuffel. Pelo menos, assim esperava Bismarck. Mas na terceira semana de
outubro de 1857 o rei teve um derrame e seu irmão o Príncipe da Prússia, assumiu a
responsabilidade pelos atos de rotina de governo. Guilherme da Prússia, já em seus sessenta, tinha
opiniões políticas definidas, enformadas sobretudo por passados ressentimentos. Julgava Bismarck
um “colegial” (aos quarenta e dois anos!) perigosamente destrutivo, que afundaria a Confederação
com os gestos provocadores contra os austríacos. Bismarck cometera o erro político de negligenciar
a corte de Coblença, que tinha direitos estabelecidos de sucessão, ao concentrar-se na campanha de
convencimento do rei, de Gerlach e de Manteuffel[1]. Na segunda metade de março de 1858 tentou
retificar sua omissão104. Redigiu uma notável análise da política prussiana daquela década,
documento de noventa e duas páginas completas, duas vezes maior que qualquer escrito daquele
mestre da verborragia política supérflua, Clement Metternich, porém mais preciso como manual de
ação de estado. A mensagem do “Livreto de Herr von Bismarck” era bem clara: que a Prússia
cumpra suas obrigações para com a Confederação, de acordo com a letra estrita da lei, mas que
explore o sentimento nacional no sentido de alinhar a força de votos dos outros estados contra a
Áustria, a qual, sendo um império abrangente de tantas raças, não tem direito a reclamar primazia
em assuntos especificamente alemães. Tais noções, revolucionárias demais para os Gerlachs, para
Manteuffel ou para o pobre Frederico Guilherme, eram também inaceitáveis para Guilherme. Até
onde este tivesse algum plano específico, era a favor da colaboração entre a Prússia, Áustria e Grã-
Bretanha. Não lhe agradava a idéia de usar a Dieta Federal como palco para uma guerra fria com a
Áustria.

No outono de 1858 estava evidente que Frederico Guilherme tinha poucas possibilidades de
recuperação. Suas forças mentais declinavam rapidamente. No dia 7 de outubro a rainha levou-lhe a
minuta da proclamação de uma regência, pela qual a prerrogativa real se transferia para seu irmão.
Em um mês, o príncipe regente já havia começado um expurgo dos ultraconservadores na
administração, e no dia 6 de novembro demitiu Manteuffel, substituindo-o, na chefia do governo,
pelo Príncipe Carlos Antonio de Hohenzollern-Sigmaringen e, como ministro das relações
exteriores, por Alexandre von Schleinitz. As eleições para o Landtag, naquele novembro, deram aos
moderados de Vincke 210 deputados, deixando os conservadores com apenas 59 cadeiras.
Acreditava-se em Berlim, que começara uma “nova era” para a Prússia, uma etapa que substituiría
o governo estéril dos dez anos anteriores por uma abordagem mais positiva dos problemas da
Alemanha como um todo105.

Bismarck não percebeu a fraqueza de sua posição. É possível que contasse com a influência de seu
velho amigo Albrecht von Roon, agora general, e que mantivera ligações muito chegadas com o
Príncipe da Prússia, em Coblença, nos quatro últimos anos. Num bilhete despreocupado a Joana, em
15 de janeiro de 1859, mencionava possíveis mudanças no serviço diplomático, dizendo-lhe que “na
corte andam mais que nunca gentis comigo, o príncipe regente, especialmente, mas também a
princesa”; falou da “posição inconfortável” do novo governo e afastou com galhofas a estória,
julgada ridícula, das manobras da Condessa Usedom para conseguir o posto dele em Frankfurt para
o marido, anteriormente enviado junto ao papa, em Roma106. Entrava numa rara confiança em si
próprio. Não havia, no serviço prussiano, quem houvesse acumulado tão detalhado conhecimento do
sistema europeu de estados como Otto von Bismarck.

Nove dias depois, estava frente à realidade da derrota. Usedom, afinal, iria para Frankfurt: achava-
se que ele trabalharia bem com os austríacos, num período em que assuntos austro-italianos
sobrepunham-se a qualquer outra questão. Bismarck mesmo não tinha idéia de que posto o
aguardava. Paris? São Petersburgo? Talvez, esperava que não, Londres? Em 29 de janeiro foi
informado de que seria ministro plenipotenciário da Prússia junto ao Czar. Era, formalmente,
uma promoção, mas ele não gostou. No fim de março, quando viajou para 0 Oriente, levou nada
menos que sete dias para atravessar as planícies cobertas de neve entre Berlim e São Petersburgo.
Durante sua vida pública, ainda não se havia sentido tão afastado das linhas de força principais da
política. “Fui congelado e estocado no Neva”, disse, ironicamente. Com a pele do rosto a queimar de
frio, sabia, amargurado, que a metáfora era bem própria. Pobre recompensa de oito anos de
preparação para um cargo107.

[1] O Príncipe Guilherme da Prússia e a Princesa Augusta haviam deixado a capital durante a
Guerra da Criméia e fixado moradia em Coblença, onde suas idéias políticas sofreram influência do
“conservadorismo liberal” da Renânia católica. O casamento do primeiro filho do Príncipe da
Prússia com a Princesa Real da Inglaterra realizou-se no dia 25 de janeiro de 1858, na Capela Real
do Palácio de Saint James, em Londres, mas na Alemanha as festividades entraram pela primavera.
Para irritação de Bismarck, a chegada da “princesa inglesa” foi tida pelos liberais prussianos como
um reforço de sua influência na Corte.
5. ASTRO FORA DE CENA

Bismarck chegou a São Petersburgo num momento muito interessante da história russa. A derrota
na Criméia, por fim, convencera a classe governante da necessidade de mudanças drásticas na
estrutura da autocracia. Naquela primavera, comissões de especialistas estudavam modos de dar,
enfim, liberdade pessoal aos servos da Rússia; havia também, cogitados, projetos de reforma na
educação e na administração. Estabelecendo-se novos povoamentos na costa do Pacífico, os russos
percebiam cada vez mais claramente seu destino imperial, deixando a Europa pela Ásia como base
de poder. Naquele momento, viam com bons olhos a chegada de um representante da Prússia
dotado de inteligência, encanto social e personalidade de reta franqueza. O Czar e seu principal
ministro, Gorchakov, derramaram-se em cumprimentos a Bismarck que, conforme confessou
francamente em suas cartas para casa, em pouco tempo se tomava o preferido dos salões de
Petersburgo. Em pleno verão, quando as grandes famílias foram para o sul, para Moscou, Bismarck
as acompanhou. Depois de oito anos de Dieta Alemã, estava encantado com tantas atenções: “A vida
oficial”, disse a Joana, “mudou de espinhos para rosas”108. Há pouco, em suas cartas, a respeito
das mudanças modernizadoras do Império Russo. Tomou apenas conhecimento superficial. Seus
comentários são os de um forasteiro: não gostava de algumas convenções sociais, tais como o tabu
contra fumar na rua; deprimia-o a permanência da neve quando a Alemanha toda florescia com as
cores da primavera; e queixava-se de estar vivendo “numa cidade de distâncias sem fim”, onde
“jamais serei capaz de achar o caminho”. Mas se S. Petersburgo o inquietava, Moscou inspirava
poesia a sua pena, tal qual Budapest, sete anos antes. “Vista das colinas, Moscou parece um
milharal”, comentou para Joana. “Um panorama de casas de tetos verdes, jardins, igrejas, torres de
estranhas formas e cor predominantemente verde, vermelha ou azul clara, em geral coroadas por
um colossal bulbo dourado, cinco ou mais em cada igreja, e umas mil cúpulas, sem dúvida... tudo
iluminado de viés pelos raios de sol poente.”109 Com todo seu status diplomático, no fundo
continuava um turista observador.

Não ficou por muito tempo em Moscou. Naquele, verão deu várias escapadas aos arredores de S.
Petersburgo, a visitar um ou outro dos palácios imperiais. Até mesmo Bismarck impressionou-se
com a atmosfera marcial da “Potsdam de Petersburgo”, como chamou Czarkoe-Selo. Esteve ao lado
de Alexandre II no palanque imperial, assistindo ao desfile de 40.000 homens: “Ontem”, contou a
Joana, “fiquei com a cabeça tão cheia de guerra e paz, de circassianos, tártaros, cossacos, grã-
duquesas e infantaria de caçadores (Feldjager) que não fui capaz de reunir meus pensamentos”. “À
noite, sonhei com renques de camas pequenas, pintadas de branco, de pés altos.” Estava irritado
com o fato de, embora o príncipe regente lhe houvesse assegurado que ele seria comissionado no
posto de capitão, “ou mesmo major”, ver-se forçado a privar com tão importante companhia como
simples tenente da Landwehr110. Por muitos anos os embaixadores prussianos à corte do Czar
tinham tido o posto de general.

Isso o perturbava seriamente. Lá contava muito o passado militar de um diplomata e o seu não
apresentava qualquer distinção. Nas cartas para a família, mostrava-se apreensivo por não poder
fazer boa figura em uma parada, e também por não ter ainda dominado sua própria equipe. De fato,
seus subordinados na legação não mostravam grande encanto por sua personalidade: “Meu novo
chefe é um homem destituído de consideração pelos outros, homem do poder que sonha com feitos
teatrais, ansioso por brilhar, que conhece tudo sem ter visto e representa onisciência embora muitas
coisas não saiba”, anotou o segundo-secretário, Kurt von Schlözer, no início daquele verão; e
acrescentou, magoado, “Em Frankfurt habituou-se a jovens attachés que tremiam ao enxergá-
lo”111. Schlözer, que já servira dois anos em S. Petersburgo sob um “chefe” menos exigente, parece
ter tido dificuldade em adaptar seu modo de vida a um diplomata-político, desejoso de formular
política em vez de simplesmente cumprir as decisões de outros; mas não foi o único membro da
legação a ficar perplexo. Bismarck transbordava de energia e animosidade. “Que sujeito diabólico!”,
escreveu Schlözer, com admiração relutante, após doze meses de convívio. “Qual será o objetivo a
que quer chegar?”
Essa pergunta, Bismarck a fez constantemente a si mesmo naquele ano de tormento, sem uma
resposta clara. Fora para a Rússia numa época de crise em toda Europa Ocidental. Nos primeiros
dias de maio de 1859 tropas austríacas, exasperadas por ações provocadoras de Cavour e do
governo piemontês, cruzaram o rio Ticino e iniciaram um cauteloso avanço sobre Turim; e menos de
uma semana depois, Napoleão III, atendendo a um apelo de Cavour, conduz um novo Grande
Exército e entra no norte da Itália. As simpatias do príncipe regente, em Berlim, estavam com os
austríacos; falou-se em mediação armada por parte da Confederação Germânica com o fito de deter
a guerra. Bismarck tinha idéias diferentes. Instou junto ao ministro do exterior, Schleinitz, para que
buscasse tirar vantagem da situação, “seja para mudar nossas relações com a Confederação, seja
para conseguir nossa saída dela”; já em 5 de maio propôs uma linha política mais aventurosa, que
esboçou em carta particular ao principal ajudante militar do regente. “A situação atual novamente
nos permite tirar o prêmio da loteria contanto que deixemos os austríacos atolarem-se em sua
guerra contra a França, e então marchemos ao Sul com todo o exército, levando em nossa bagagem
os marcos de fronteira e fincando-os junto ao Lago Constança ou onde quer que a fé protestante não
predomine mais.”112 Mas Guilherme não mostrou, em 1859, maior vontade de seguir essa política
que seu irmão cinco anos antes. Em junho, após a derrota austríaca em Magenta, o regente deu
ordem de mobilização de seis corpos de exército, ameaçando, no Reno, a França enfraquecida.
Bismarck quase não controlou sua fúria, e não a escondeu do Czar ou de Gorchakov. Nenhum dos
dois foi discreto e o príncipe regente, em Berlim, soube dos comentários de Bismarck. Foi sua vez
de ficar furioso. Chegou a considerar seriamente chamar Bismarck de volta e demiti-lo do serviço
diplomático113.

Dois acontecimentos salvaram-no de severa punição: o perigo da guerra geral diminuiu quando
Napoleão III e Francisco José firmaram um armistício em Villafranca; ao mesmo tempo, o próprio
Bismarck caiu seriamente doente. Até o inverno de 1858-59 sua saúde fora ótima, inatingida pela
constante intranqüilidade ou pelos excessos à mesa. Mas durante a espera da aprovação do príncipe
regente à sua designação para S. Petersburgo, começara a ter dores reumáticas na perna esquerda.
O cansaço fisico da viagem para S. Petersburgo e as demandas da vida social em seu novo posto
consumiram o restante de sua resistência. Ao voltar de Moscou disse a Joana que estava sofrendo
de lumbalgia; mas, como é freqüente em suas cartas, falou mais a verdade para a irmã. A ela
escreveu, em 29 de junho:

Desde que estive em Berlim, em janeiro, não tenho me sentido muito bem. De início, meu
reumatismo incomodou pouco, mas há cerca de dez dias a combinação de preocupações com frio e
com o clima geral levou-o a um pique em que só conseguia respirar com grande esforço. O mal,
reumático-gástricô-nervoso concentra-se em volta do fígado... Depois de ter-me sentido a meio
caminho desta para melhor, consegui convencer os doutores de que oito anos de ininterrupta
preocupação e excitação constante haviam-me enfraquecido os nervos e que mais sangrias só iriam
dar em tifo ou idiotice. Esta semana a doença venceu o ponto alto, e minha forte constituição
começa a recuperar-se rapidamente, agora que me foi receitado champanha em quantidades
moderadas... Não escreva com nenhum detalhe da doença para Joana114.

Estava bem mais doente do que admitia até mesmo a Malwine. Logo o sistema nervoso todo foi
acometido e a perna esquerda sofreu uma paralisia temporária. Em julho voltou a Berlim, para
tratar-se, seus males agravados pela negligência de um charlatão vindo da Alemanha, ao qual fora
recomendado em S. Petersburgo. Havia grande possibilidade de ter de amputar a perna. O
tratamento correto em Berlim, seguido de convalescença em Wiesbaden, salvou a perna; e no
outono ele já foi capaz de ir a Varsóvia para um encontro entre o príncipe regente e o Czar, mas
passou três horas na sela, dia 22 de outubro, na caça à lebre, em terreno difícil. “Tudo transcorreu
bem comigo”, rabiscou num bilhete a Joana115, Estava enganado: dez dias depois, iniciou a lenta
viagem de volta a S. Petersburgo, porém em Hohendorff, no dia 8 de novembro, não agüentou mais,
exausto, A respiração ficou pesada, os médicos diagnosticaram pneumonia, Por alguns dias,
segundo escreveu mais tarde, sentiu-se tão mal que “a morte seria bem-vinda”. Ainda no Natal
duvidava de recuperar forças suficientes para prosseguir em sua carreira. Mas de repente, no Ano
Novo, seus instintos políticos reviveram; e quando, no fim de fevereiro, correu a notícia de que o
príncipe regente estava à procura de um novo ministro do exterior, Bismarck achou que sua
convalescença estava concluída e voltou às pressas para Berlim116.
Quase imperceptivelmente, o clima político mudara, nos dezoito meses precedentes. O crescente
sucesso dos liberais piemonteses, sob a chefia de Cavour, favoreceu a formação de um movimento
especificamente nacional-liberal na Alemanha setentrional (o Nationalverein) que uniu moderados e
democratas desejosos de ver estabelecer-se um estado alemão constitucional com um soberano
Hohenzollern. Bismarck acompanhara o crescimento do Nationalverein com interesse, e não menos
porque vários meses antes recebera em particular a garantia de um de seus fundadores de que o
movimento “teria a mais sincera satisfação em que o senhor fosse nomeado ministro das relações
exteriores”117. Em fins de março de 1860, fez visitas de cortesia aos líderes do Nationalverein, em
Berlim. Um comentarista político comentou com ironia que "Bismarck está dizendo a quem quer
que o queira ouvir que tem sido malcompreendido, até mesmo caluniado, pois parece que é, no
fundo, uma pessoa de visão liberal". Curiosa situação. Bismarck chegou a visitar o Landtag, onde
ouviu seu velho adversário Vincke elogiá-lo como o persistente herói de uma Prússia independente
da Áustria. Não admira que se começasse a falar de um ministério de coalizão Vincke-Bismarck.

Não, porém, ao alcance do ouvido do príncipe regente. Guilherme ainda não confiava em seu
embaixador licenciado, mas dispunha-se a falar-lhe e sondá-lo. O regente recebeu-o duas vezes no
início de abril. Não se sabe o que foi dito, exatamente, em ambas as ocasiões. O rumo geral das
conversações foi distorcido por adornos posteriores, coisa comum na carreira de Bismarck. Ele deve
ter exposto planos para a revisão das características da Confederação Germânica, e sugerido a
convocação de uma assembléia parlamentar de todos os estados alemães, idéia que desenvolveu
num memorando a Schleinitz118. Era tudo radical demais para Guilherme. Tampouco as opiniões de
Bismarck sobre política externa eram sequer um tanto mais tranqüilizadoras. Ainda que se eximisse
de sugerir um entendimento com Napoleão III, continuava a favor da cooperação russo-prussiana
com o fito de mostrar uma verdadeira independência de Viena. Esse sentimento podia agradar a
Vincke e ao Nationalverein, mas preocupava Guilherme. Seu ministro do exterior afirmava que
Alexandre II estava inteiramente acertado com Napoleão e que as possessões da Prússia no Reno
corriam o perigo de uma agressão neobonapartista. O fantasma de 1813-14 jamais se afastava
muito do pensamento de Guilherme, que reagia ao estímulo das palavras “Napoleão” e “Renânia”
como se fosse ainda um jovem oficial na Guerra de Libertação. Pela segunda semana de abril,
decidira-se a manter Schleinitz na função ao invés de arriscar-se a uma mudança na política
externa. Mas que raios fazer com Bismarck? Confiar-lhe, de volta, S. Petersburgo? Devia ser
designado para Londres, onde Palmerston tinha poucas ilusões quanto aos franceses? Guilherme
titubeou por outro mês, no fim decidiu (coisa muito comum) contra qualquer mudança. No dia 5 de
junho Bismarck reunia-se com a família na casa que havia alugado no Molhe Inglês, em S.
Petersburgo. Ausentara-se onze meses completos.

Quase todo o ano seguinte os Bismarcks viveram tranqüilamente no Molhe Inglês. O embaixador
percebeu que já não gozava da antiga posição privilegiada na Corte. Antes, era festejado como
homem influente: agora estava claro que suas sugestões políticas haviam sido rejeitadas em Berlim.
Na pátria, o Nationalverein decepcionara-se com seu fracasso em subir ao poder e começou a atacá-
lo pela imprensa. A todas essas, ainda se desprestigiou com os antigos companheiros conservadores
pela comentada simpatia por Napoleão e Cavour. Grande parte de sua correspondência visou a
corrigir essa impressão: afirmava que Napoleão não merecia confiança, pois ninguém era capaz de
predizer como reagiría ante qualquer situação. “O supremo talento de Napoleão”, observou
judiciosamente, “ é ocultar-se numa nuvem de vapor tão espessa que ninguém saiba onde e quando
será a aparição; talvez permaneça envolto em vapor e gentilmente vá à deriva limbo a dentro”119.
Nada justificava, dizia ele, a expedição de Garibaldi a Nápoles - ato revolucionário que havia
chocado Alexandre II — mas opôs-se à proposta russa de um protesto diplomático conjunto em
Turim. “Posso estar errado”, escreveu Bismarck, “mas estou convencido de que a formação de um
forte estado italiano ao sul, entre a França e a Áustria, vem em favor da Prússia”120. Era da opinião
de que, se um reino italiano não houvesse passado a existir por obra de Cavour, teria sido
necessário que a Prússia um dia o criasse.

Semelhantes incursões na alta política foram rareando à medida em que Bismarck adaptou-se à
rotina da vida na capital russa. Desiludiu-o não recuperar a influência em Berlim. Estava enfastiado,
frustrado, e não quis mais um papel ativo na sociedade de Petersburgo. Existe uma interessante
descrição de Bismarck em janeiro de 1861, nas memórias de Friedrich von Holstein, que chegou a
S. Petersburgo naquele mês, como adjunto de terceiro escalão. Holstein se avistara com Bismarck
duas vezes, antes, e admirava-o, mas ficou desapontado com “a frígida recepção” que teve. Nas
palavras de Holstein:
Nessa época, Bismarck estava com quarenta e cinco anos, ligeiramente calvo, o cabelo claro a ficar
grisalho; não excepcionalmente corpulento; tez descorada. Jamais alegre, mesmo quando contava
anedotas engraçadas, o que só ocasionalmente fazia, em companhia mais chegada. Total impressão
de um homem insatisfeito, em parte hipocondríaco, em parte mal reconciliado com a vida calma que
levava, naqueles tempos, o representante prussiano em S. Petersburgo ... A negra melancolia de que
Bismarck era presa tão freqüente, devia-se à tensão, tanto física quanto mental... Quando ria, ria de
alguém121.

Essas reminiscências foram escritas em janeiro de 1883, quando Holstein estava indisposto com o
Chanceler, e refletem o caráter rabugento do autor. No entanto, as cartas de Bismarck deixam claro
que o retrato feito por Holstein não era simples caricatura maldosa. Dez semanas após a chegada
de Holstein a Petersburgo, Bismarck desabafou com a irmã.

Readapto-me á vida aqui... e não busco modificar minha situação,.. Hoje em dia, a ambição de ser
ministro abandona um homem por muitas razões, não de todo apropriadas a uma comunicação
escrita. Estivesse eu em Londres ou Paris, viveria menos confortavelmente que aqui e não teria
maior voz no rumo da política... A freqüência diária à alta sociedade, evito-a, já que não é de
nenhuma vantagem para o serviço do rei e que não consigo dormir se me deito muito tarde. É
realmente impossível marcar presença antes das onze (da noite). A maioria das pessoas chega
depois das onze e sai às duas para ainda ir à ceia de alguém. Ainda não posso enfrentar isso, talvez
nunca mais possa, e isso não me preocupa porque o tédio de uma reunião noturna é, aqui, ainda
mais pesado que em qualquer outro lugar, já que existem pouquíssimos temas e interesses em
comum. Joana sai com mais freqüência, e responde zelosamente cada pergunta sobre minha saúde,
como a lançar o esterco necessário ao solo estéril da conversação... Os mensageiros do rei não mais
parecem viajar por aí. Há meses não recebo do ministério despachos pelo correio diplomático, e o
que chega via postal não tem qualquer interesse 122.

Bismarck, certamente, não aparecia como competidor sério pelo poder, naquele verão de 1861.
Seus ex-colegas do círculo do Kreuzzeitung apoiavam, em sua maioria, o general Edwin von
Manteuffel, primo do ex-primeiro-ministro e membro da “Camarilla”, ele próprio, em 1848-49. O
general von Manteuffel, um absolutista resoluto de impecáveis convicções conservadoras, era no
momento o principal conselheiro militar do regente, seu “chefe do gabinete militar”. Ao passo que
Bismarck, ocasionalmente, ajustava seus princípios para obter vantagem a longo prazo, o general
desdenhava de quaisquer meias-posições. Confiante, aguardava a hora em que o monarca apelaria
para seu exército a fim de garantir o mundo para a autocracia. Se Manteuffel possuísse instintos
políticos mais profundos poderia ter sido o primeiro soldado-estadista da Prússia, cabendo a
Bismarck terminar sua carreira como diplomata fracassado. Manteuffel, no entanto, tinha mais
inimigos que aliados. A nenhum comandante de nível mais alto agradava sentir sua carreira
dependente de um assessor militar confidente do soberano cujos heróis favoritos do passado tinham
à frente Epaminondas e Wallenstein123. Por tradição, o corpo de oficiais buscava a liderança do
ministro da guerra, função que, desde o fim de 1859, era exercida por Roon, o amigo de Bismarck.
Embora Roon tivesse colaborado com Manteuffel cerca de dezoito meses, no verão de 1861 já
começava a duvidar de seu bom senso e a desconfiar de suas ambições. Uma vez mais, Roon lançou
Bismarck como pretendente ao alto cargo: quaisquer defeitos que tivesse aos olhos dos
conservadores, pelo menos tinha experiência suficiente para não deixar a Prússia cair na guerra
civil.

No início de janeiro de 1861, o abatido Frederico Guilherme IV desapareceu de uma Alemanha que
já desaparecera de sua mente, e o regente foi proclamado Rei Guilherme I nas terras da Prússia. No
outono, seria coroado em Konigsberg: mas que modelo deveria seguir a coroação? A despeito das
mudanças constitucionais dos anos recentes, Guilherme fez saber, em junho, que desejava dos
Estados do Domínio vassalagem ao seu soberano como senhor feudal. Os ministros da “nova era”
que faziam parte do governo viram esse anacronismo como tentativa de retomada da doutrina do
Direito Divino, e ameaçaram demitir-se. Roon, porém, não tinha a menor intenção de deixar o cargo,
pois isso abriria caminho para a subida de Manteuffel: muito melhor aconselhar-se com Bismarck,
que devia vir de licença no verão. Mas quando este chegou de S. Petersburgo o Rei Guilherme
mudara de opinião, e a crise - se podia chamar-se assim - acabara. A presença, na capital, de um
animal político ativo como Bismarck era inconveniente. Houve a proposta de que ele preparasse um
memorando sobre a questão germânica. O documento foi entregue ao rei em Baden-Baden no fim
de julho e, com a redação refeita, repassado aos principais líderes conservadores dois meses depois.

O “Memorial de Baden-Baden”, como ficou conhecido, era uma ampliação de planos para uma
assembléia representativa alemã que Bismarck esboçara dois anos antes124. A Prússia, dizia ele
agora, devia agir resolutamente no sentido de captar o florescente sentimento de patriotismo
germânico, apoiando a exigência “de uma assembléia nacional do povo alemão”. Bismarck,
pessoalmente, era a favor de um parlamento da Zollverein, com seus congressistas escolhidos nos
legislativos dos estados-membros da união aduaneira: dessa maneira não havería representante da
Áustria. Mais uma vez o rei considerou seriamente as propostas, mas não gostou. Já estava em
conflito com o Landtag prussiano, que reagia a intenção e às tentativas de aumentar-se o exército
profissional de tempo de paz; então, a perspectiva de vir a apoiar um esquema de instituições
parlamentares para a Alemanha toda não o agradava. Em outubro o rei viajou a Konigsberg para
sua coroação (cerimônia a que Bismarck compareceu), mas não fez, nas conversações mantidas,
qualquer referência ao Memorial de Baden-Baden. Dia l.° de novembro Bismarck chegou de volta a
S. Petersburgo. Para todos os efeitos nada conseguira.

Mas a vida na Corte russa já não era a mesma. A Legação russa em Berlim fez chegar a Gorchakov
que Bismarck era “o próximo homem”. Imediatamente mudou sua situação. Passou a ter uma
posição à parte dos demais diplomatas, e a receber tanta atenção quanto nas primeiras semanas de
estadia. Era-lhe do maior agrado ser distingüido com intermináveis conversas com Gorchakov, o
mapa da Europa Central estendido à frente de ambos. Por outro lado, segundo queixou-se a
Malwine, tinha, agora, que fazer ainda mais visitas sociais, exercício que considerava frivolidade e
perda de tempo. Examinava constantemente os jornais de Berlim, onde ia ficando evidente que o rei
havia, enfim, rompido com os moderados da “nova era”. Na véspera da coroação, Guilherme
substituiu Schleinitz no ministério pelo Conde Bernstorff, homem mais conservador e, até então, seu
enviado em Londres. Não parecia que fosse manter Bismarck por muito mais tempo “congelado em
estoque”. Mas já na terceira semana de janeiro de 1862 Bismarck ainda era capaz de afirmar à irmã
que “a rearrumação de funções não me causa entusiasmo”; e acrescentava, com laivos de lamento,
“Há três anos eu ainda teria sido um ministro útil, agora vejo-me como um cansado cavalo de salto”.
Mesmo assim, admitia agradar-lhe a idéia de sair de Petersburgo - “Sem tristeza ou alegria maior,
iria para Paris ou para Londres... mas se devo sair daqui gostaria de sabê-lo sem demora”125. Seu
desejo foi atendido. Em meados de março recebeu um telegrama chamando-o de volta, embora nada
dissesse sobre seu futuro imediato. Foi preciso mais de um mês para completar as providências de
transferência de responsabilidades em S. Petersburgo para um sucessor, e só chegou de volta a
Berlim em 10 de maio. Apesar disso ainda estava inteiramente às escuras quanto às intenções do
rei. Somente a ciência de que Roon o apoiava convenceu Bismarck de que sua carreira não estava
ameaçada.

Tinha razões para a incerteza. Na primavera de 1862 a Prússia via-se a braços com séria crise
constitucional: os liberais, durante mais de um ano, haviam recusado a aprovação de meios
financeiros para a reforma do exército, em boa parte por temerem que o plano proposto de
incorporar a milícia no exército regular aumentasse o poder da autocracia militar, enfraquecendo o
já tênue controle do executivo pelo parlamento. Uma semana antes do retomo de Bismarck a
Berlim, uma disputada eleição deu aos vários grupos liberais dois terços das cadeiras do
parlamento, deixando os conservadores escassamente representados. O rei, que apenas quatro anos
antes havia saudado a chegada da “nova era”, estava agora totalmente desencantado com os
liberais. Edwin von Manteuffel achou que soara a hora de um golpe militar, mesmo ao risco de
guerra civil; mas Guilherme não se decidiu, relutando em deixar o crescente poderio da Prússia
dissipar-se tão inutilmente. A seus olhos, o exército era o Primeiro Estado do reino prussiano, mas
instituição que deveria ficar independente e acima da política do país. Ouvia as persuasivas
palavras de Manteuffel sobre o dever militar e ia até o fundo de sua própria consciência de soldado.
Não era fácil encontrar uma resposta, mas pelo menos num ponto ele estava decidido: nada o faria
nomear Manteuffel chefe do governo.

Roon compartilhava das suspeitas do rei quanto a Manteuffel. A alternativa, sustentava ele, era um
ministério sob a chefia de Bismarck; e na terceira semana de maio Guilherme parece ter pensado a
sério nessa possibilidade. Mas o próprio Bismarck estava hesitante. Não estava interessado na
política interna. Ainda em S. Petersburgo, Schlözer falara a Holstein, com desdém, sobre o hábito
do chefe de ficar em pé até altas horas curvado sobre mapas abertos à mesa, “ocupadíssimo em
remodelar a Europa”. Estava fora de cogitações para Bismarck aceitar o encargo se o rei quisesse
apenas alguém para enfrentar os liberais. Numa carta a Joana, em 21 de maio, Bismarck disse
claramente haver informado seus defensores de que somente aceitaria um governo se lhe fosse
dado conduzir a política externa a seu modo. Ao rei pareceu que isso seria uma solução tão perigosa
quanto os planos de emprego de força de Manteuffel. O ministro das finanças, August von der
Heydt, convenceu o rei e Roon de que os deputados liberais recém-eleitos eram bem mais acessíveis
a negociações que seus antecessores. Era mais ou menos consenso que nomear-se Bismarck para o
ministério naquele momento arruinaria todas as perspectivas de acordo. Muito melhor mandá-lo, de
novo, para o exterior. Em 22 de maio, por fim, disseram-lhe que ele talvez fosse para Paris como
embaixador. Antes de findar o mês, estava na embaixada, na Rue de Lille[1]126.

Pela terceira vez falharam as ambições políticas de Bismarck, mas isso não 0 desapontou. Os jornais
mencionavam-no como o próximo ministro do exterior e ele disse em confidência a Joana que
esperava permanecer em Paris “meses, apenas, talvez semanas”. No início de junho, a Rainha
Vitória reclamou da filha, a Princesa herdeira da Prússia, “você nada me disse da nomeação de
Bismarck para Paris”, acrescentando, preocupada, “Isso não irá causar muita discórdia?”127 Não
precisaria ter-se inquietado. O novo embaixador fora para a corte de Napoleão III em
reconhecimento, não em missão de intriga política. Desde 1857 não via o imperador. Naquela
ocasião Napoleão fizera a aparição de conspirador coroado, pronto a trabalhar com qualquer
prussiano que quisesse dar uma mão na reformulação do sistema europeu. Era razoável que
Bismarck desejasse descobrir se, depois da mobilização da Renânia, em 1859, o imperador ainda
estaria interessado no que pensavam dele em Berlim.

Bismarck jantou nas Tuileries uma semana depois de sua chegada à embaixada. Pouco havia
mudado: a imperatriz Eugénie estava ainda mais bela que antes; o imperador engordava, mas
estava mentalmente alerta, como sempre, seu pensamento abrangendo questões de política
européia e mundial. Sondou Bismarck sobre a questão polonesa (delicado assunto para qualquer
governante da França que buscasse relações mais estreitas com a Rússia e a Prússia) e opinou que
a Prússia deveria resolver seus problemas constitucionais por meio de uma política vigorosa no
conjunto da Alemanha. Isso tudo fazia muito sentido para Bismarck, mas deu apenas respostas
discretas aos comentários do imperador, pois não estava disposto a abrir seu jogo aos franceses128.
Três semanas depois, em Fontainebleau, Napoleão tomou Bismarck pelo braço e interrogou-o, de
surpresa, “Acha o senhor que o rei estaria disposto a assinar uma aliança comigo?” Bismarck
assegurou a Napoleão que confiava na boa vontade de Guilherme para com a França, mas
acrescentou, “Para uma aliança é preciso haver um motivo, um propósito”; e o imperador explicitou
que tinha em mente “um entendimento íntimo e duradouro... não um projeto aventuroso”. “O senhor
não pode fazer idéia das estranhas propostas que tenho recebido da Áustria nestes últimos dias”,
ajuntou insinuante129.

Bismarck estava muito bem treinado em assuntos de estado para engulir as estudadas indiscrições
de Napoleão. Reportou a conversa a Berlim sem dar-lhe muita importância, comparando-se a José, a
repelir os avanços da mulher de Pudfar: “Ele [Napoleão] tinha na ponta da língua propostas de
alianças altamente impróprias”, disse Bismarck a Bernstorff. “Tivesse eu respondido
favoravelmente, se abriria ainda mais claramente”. O embaixador insistiu em que, pessoalmente,
não recomendava o ajuste de um tratado formal com a França. Foi bom ter destacado esse ponto,
pois o rei tomou-se de ansiedade. “Diga-lhe”, disparou ele, impaciente, a Bernstorff “que jamais
consentirei numa aliança com a França”. Se Bismarck guardava esperanças de ser chamado para o
ministério, era essencial sepultar a velha suspeita de que suspirava por uma tríplice aliança de
França, Rússia e Prússia.

Embora Bismarck gostasse de comparecer às Tuileries e a Fontainebleau, não resta dúvida que
ainda desejava ser nomeado chefe do governo, naquele verão e nas condições que impusera. O rei já
o ultrapassara duas vezes: se agora não desse certo, melhor recolher-se a Schönhausen e pôr em
ordem seus negócios. Suas cartas a Roon não disfarçavam essa ambição130. Mas as respostas não
eram nada encorajadoras: o esforço de reconciliar os Liberais com os ministros Conservadores
parecia estar dando resultado; e Roon dispunha-se a fazer concessões quanto à duração do serviço
militar para acabar com o conflito entre os chefes do exército e os deputados. Bismarck começou a
perguntar-se se, afinal, teriam necessidade dele no governo. Ficou extremamente intranqüilo,
andava sem destino pelas ruas, o passar dos dias a lhe entorpecer a confiança e a força de vontade.
Achava que entendia da política de poder mais do que qualquer outro diplomata prussiano; e estava
certo. Em Frankfurt, observara de perto os sucessores de Metternich em ação, avaliando seus
pontos fortes e suas fraquezas. Deixara S. Petersburgo dono de uma exata compreensão dos dois
homens, Alexandre II e Gorchakov. Em Paris, renovava as relações com Napoleão III e seus
ministros. Nada sabia dos novos personagens da Itália, ou dos turcos, mas atribuía-lhes pouca
importância para um prussiano. Era mais sério o fato de, muito embora conhecendo tantos
membros do serviço diplomático britânico, não ter estado na Inglaterra por mais de vinte anos e não
haver conversado política com nenhuma das grandes figuras de Westminster. Pelo menos essa falha
ele poderia consertar durante as semanas em Paris, à espera dos acontecimentos. No final de junho
aceitou um convite para passar cinco dias em Londres, hóspede do ministro prussiano. Atravessava
o Canal, supostamente, para ver as maravilhas da Exposição Industrial. Na realidade, ia, como fora
a Paris, para observar a cena política131.

Não o impressionou, o que viu. “Os ministros ingleses sabem menos sobre a Prússia que sobre o
Japão e a Mongólia, e não são mais espertos que os nossos”, escreveu a Joana132. Foi recebido por
Palmerston, o primeiro-ministro, e por Russell, o ministro do exterior. Palmerston, num leve tom de
superioridade, deu ênfase à necessidade de a Prússia estabilizar seu sistema parlamentar. Russell
falou sobre a questão polonesa e pareceu interrogar Bismarck sobre política russa sem revelar, ele
mesmo, qualquer informação. Bismarck teve melhor impressão do líder da oposição, Disraeli, que
conheceu num jantar na Embaixada Russa; e Disraeli, por sua vez, não esqueceu mais a
conversação tida com esse extraordinário visitante que expôs, com a maior calma e confiança, de
que maneira pretendia promover a unidade germânica sob a liderança da Prússia, mesmo ao custo
de uma guerra com a Áustria. “Cuidado com esse homem!”, observou Disraeli naquela noite, “Ele
realmente quer fazer o que diz!”133

Politicamente, Londres apresentava mais vida que Paris, em pleno verão, ainda que, como Bismarck
reiterou a Roon, na volta, “o pessoal de lá sabe muito mais sobre a China e a Turquia que sobre a
Prússia”. De novo na capital francesa, descobriu que não tinha “praticamente nada para fazer”.
Cidade vazia e nenhuma notícia importante de Berlim. “Minha única distração é ralhar com o
cozinheiro”, contou a Joana. Para alívio seu, permitiram-lhe tirar uma licença e no dia 25 de julho
tomou o trem do meio-dia para o sudoeste, numa visita aos Pirineus. Não voltaria a Paris até o final
de agosto134.

Segue-se um dos mais curiosos episódios de sua história pessoal. Depois de uns dias na Espanha,
em San Sebastian, instalou-se no Hotel de l’Europe, em Biarritz. No dia 7 de agosto chegou ao hotel
o ministro russo em Bruxelas, Príncipe Nicolau Orloff acompanhado de sua jovem esposa, Catarina.
Bismarck tivera contato com Orloff em Frankfurt e em S. Petersburgo: homem de trinta e cinco
anos, que fora seriamente ferido em combate contra os turcos, em 1854. Mas Bismarck jamais vira
a Princesa que, embora fosse de nascimento uma Troubetzkoi, criara-se na França e se casara com
Orloff no ano anterior. Aos vinte e dois anos, era extremamente bonita, loura, elegante, rosto eslavo,
e Bismarck apaixonou-se por ela, conforme admitiu numa carta à irmã135. O relacionamento foi
sentimental e platônico: ele a chamava “Kathy”, mas ela o chamava de “Tio”. O próprio Príncipe
Orloff gostou da amizade e permaneceu em excelentes termos com Bismarck para o resto da vida.
Durante cinco semanas daquele verão, Kathy Orloff foi o incentivo principal de sua existência.
“Esqueci a política inteiramente, nem leio jornais”, escreveu ele a Joana, três dias depois da
chegada do casal. No dia seguinte fez uma confissão ainda mais herética: “Agora só espero que não
me chamem para Berlim! Estou recoberto de sal marinho e sol... Voltou-me o antigo vigor... Oculto
aos olhos curiosos, à sombra de dois rochedos aveludados de estorga, olho o mar, verde e branco de
espuma. Ao meu lado, a mais encantadora das mulheres, de quem vais gostar muito quando a
conheceres; lembra imensamente Marie Thadden, mas com uma personalidade toda dela - alegre,
inteligente, delicada, bonita e jovem”136. Estranha carta, a ser escrita por um marido, dos rochedos
de Biarritz, para a mulher, na Pomerânia; mais estranha ainda, de um homem que há quinze anos
persegue o poder político e que o vê, enfim, ao alcance da mão. De repente, parece esquivar-se a
seu destino, buscando escapar à responsabilidade, como foi tão freqüente em sua juventude. Joana
disse a uma amiga que não tinha ciúmes, antes ficava contente de que seu marido encontrasse uma
companhia jovem que lhe trouxesse tranquilidade e restaurasse a saúde; e é bem verdade que ele
jamais iria escrever tão abertamente de seu entusiasmo por Kathy se não soubesse que Joana
entendería suas privações137. Não estariam ambos, marido e mulher, enganando a si próprios? Ele
assemelhava Kathy à pessoa que ambos adoravam, Marie Thadden, mas logo introduzia a ressalva
na comparação, destacando a individualidade da russa. Pois Catarina Orloff- a passear com ele
“enquanto o sol mergulha no mar e a lua sai detrás dos Pirineus”, ou tocando no piano para ele,
todos os dias, Beethoven, Mendelssohn, Schubert -tinha muito pouco em comum com a pietística
Marie. Fisicamente, era com Isabella Loraine-Smith que Kathy se parecia, não com Marie von
Thadden.

Uma vez mais, como em 1837, Bismarck passou a dar apenas um mínimo de atenção às obrigações
oficiais do cargo. Quando sua licença expirou, ainda estava em Biarritz e não dava o menor sinal de
querer voltar a Paris. Os Orloffs viajaram no dia l.° de setembro e Bismarck os acompanhou para
leste, à Provence, os dias de ausência virando semanas, tal qual naquela outra ocasião, um quarto
de século antes. Mas era, então, um simples escriturário e sua leviandade atingia apenas a ele
mesmo: agora, encontrava-se nos umbrais do poder. Somente ao chegar a Toulouse, no dia 12 de
setembro, Bismarck deixou que seus pensamentos voltassem de novo à política, respondendo uma
carta que Roon enviara duas semanas antes. Estava na hora de uma decisão sobre o futuro político,
escreveu Bismarck, agressivamente; desejava saber onde passaria o Natal: “Minha mobília
permanece em Petersburgo e lá vai congelar, minhas carruagens estão em Stettin, meus cavalos
pastam nas cercanias de Berlim, minha família está na Pomerânia, e eu, na estrada"138. Mas ainda
relutava em voltar para Paris. No dia seguinte equilibrava-se sobre um aqueduto romano na Pont-
du-Gard, tentando caminhar com Kathy, “pé ante pé, ao longo de um estreito ressalto”, até ficar tão
perigoso que “saí rapidamente atrás da princesa e, enlaçando-a com um braço, saltei dentro... de
um canal de um metro e meio de profundidade”139. Enquanto isso, naquela mesma sexta-feira, o rei
discutia com seu ministro da guerra a possibilidade de confiar o ministério a Bismarck. “Ele quer
uma aliança francesa, a favor da qual jamais estarei”, dizia o rei. Uma aliança francesa não era, na
realidade, a maior preocupação de Bismarck naquele instante.

No sábado, 14 de setembro, Bismarck despediu-se dos Orloffs em Avignon. Estes viajaram para
Genebra e ele seguiu norte, a Paris. Como presente de despedida, Kathy deu-lhe um talismã de
ágata que ficou na corrente de seu relógio para sempre, e colheu para ele um raminho de oliveira
que ele guardou na caixa de charutos140. Domingo pela manhã já estava na Rue de Lille: o
sentimentalismo, o romance, haviam ficado para trás, longe, na Suíça.

Entrementes, a prolongada crise entre o rei e o Landtag, na Prússia, chegara a um clímax. Ou o


soberano aceitava que o serviço militar dos conscritos passasse de três para dois anos ou os
deputados não aprovariam o orçamento militar. Durante três dias, Guilherme permaneceu indeciso:
Roon pensou que ele iria aceitar e preparou-se para apoiar um período de serviço de dois anos. O
ministro do exterior, Bemstorff, não acreditava nisso: passou um telegrama a Bismarck, terça-feira,
16 de setembro, determinando-lhe que seguisse urgentemente para Berlim. O embaixador estava
ausente da capital, naquele dia. Viajara a Fontainebleau, para apresentar seus respeitos à Princesa
Troubetzkoi, em seu castelo de Bellefontaine, onde viu com seus próprios olhos os bosques e
parques em que Kathy passara de menina a moça. Não pôde responder o telegrama de Bernstorff.
No dia seguinte, finalmente, o rei firmou opinião a favor dos três anos de serviço: o ministro das
finanças, Heydt, e Bernstorff apresentaram seus pedidos de demissão, inconformados; e o rei
declarou que estava considerando abdicar. Roon, que já havia recebido de Bismarck a carta escrita
em Toulouse, preocupava-se com sua prolongada ausência. Naquela noite despachou o famoso
telegrama a Bismarck: Dépêchez-vous; Periculum in mora141. A mensagem chegou à Embaixada na
quinta, de manhã. Bismarck não podia mais retardar seu retorno.

Na sexta-feira, 19 de setembro, tomou o trem diurno rumo ao leste. No dia seguinte desceu em
Berlim, “magro e queimado de sol como se tivesse atravessado o deserto num camelo”. Saiu sem ser
reconhecido e foi tomar café com Roon, que começou a atualizá-lo sobre a evolução da crise. Havia
muito que conversar, não apenas com Roon mas com outras figuras políticas; eram onze da noite
quando foi deitar-se. Sonhou, segundo disse a Joana, “com céus do sul, rochedos e sombras de
palmeiras”, pois recém fazia uma semana que deixara os Orloffs. “Aí, acordei na Wilhelmstrasse
para a cinzenta realidade de um dia úmido de outono.”142

[1] Tecnicamente, Bismarck era o ministro prussiano em Paris, e a residência na Rue de Lille
continuou sendo legação até setembro de 1862, quando o nível da representação diplomática foi
oficialmente elevado ao grau de embaixada; mas Bismarck empregou a denominação Ambassade de
Prusse já em 28 de maio de 1862.
6. FERRO, SANGUE E LÁGRIMAS

Por toda a terceira semana de setembro de 1862, o Rei Guilherme esteve residindo em Babelsberg,
o castelo pretenso-gótico fronteiro a Potsdam, do outro lado do rio Havei. Guilherme andava
exasperado. Jamais compreendera por que motivo o parlamento se opunha aos três anos de serviço
no exército e ao aumento de gastos militares. No seu entendimento, o controle e administração das
forças armadas era prerrogativa real. A possibilidade de um acordo com o parlamento, idéia
examinada pelo ministro da guerra no início do mês, deixava-o pasmo. Seus ministros preparavam-
se para abandoná-lo, ao invés de fazerem frente ao desafio dos deputados? Na quarta-feira, 17 de
setembro, o rei comunicou a Roon que sua decisão estava resolutamente tomada contra qualquer
transação com os deputados. Antes de desistir do princípio do serviço de três anos, renunciaria ao
trono143. Não admira que Roon passasse o telegrama a Bismarck.

Na quarta-feira de noite o rei convocou o príncipe herdeiro a Babelsberg a fim de prepará-lo para a
transferência da autoridade real. Durante a quinta e a sexta, houve (ao que descreve o príncipe)
“reuniões tempestuosas, terríveis, nas quais a abdicação aparecia como decidida”. Porém, fato
comum na história dos Hohenzollerns, as reuniões eram mais teatrais que decisivas. No sábado,
enquanto Bismarck era colocado a par das coisas por Roon, na Wilhelmstrasse, a vinte e dois
quilômetros dali, o rei e seu filho caminhavam pelas trilhas do parque de Babelsberg, empenhados
numa agitada conversação. Acontecia que, embora o príncipe herdeiro não concordasse com seu pai
sobre a necessidade dos três anos de serviço militar, a prospectiva de sucessão iminente o
perturbava. E alarmava-o verificar que seu pai estaria abdicando por não conseguir impor sua
vontade ao parlamento. O argumento de que semelhante atitude desmoralizaria a Coroa foi
suficientemente forte para fazer Guilherme parar e pensar144. Afinal de contas, quem estava
abandonando quem, na crise constitucional?

Para alguém com o caráter de Guilherme, um autocrata, guiado por um senso de dever castrense, o
problema resultava num conflito crucial de lealdades. Estava com sessenta e cinco anos, tinha
opiniões arraigadas, e não se pode dizer que fosse popular no país. Havia muitos argumentos a
favor de difundirem-se responsabilidades de governo a que jamais aspirara e que não lhe
despertavam ambição. Mas ele não queria trair o conceito de autoridade divina, implícito nas
cerimônias da coroação. O príncipe herdeiro, por sua vez, também enfrentava um dilema. Com
trinta e um anos, ainda era jovem o bastante para ser vagamente liberal em sentimentos. Muitos
dos seus amigos tinham idéias progressistas. Se Guilherme abdicasse, o filho subiria ao trono em
meio à eufórica expectativa de que a monarquia prussiana sofresse uma transformação para o
modelo inglês. Por certo, esta era a esperança de sua mulher: “Se não aceitares”, declarou ela,
profeticamente, “creio que vais te arrepender um dia; de qualquer forma, não desejo carregar a
responsabilidade de ter sido contra”. Mas o príncipe não conseguia livrar-se do natural respeito
pelo ordenamento tradicional da sociedade. De coração, era tão absolutista quanto qualquer outro
Hohenzollern. Não aceitava o trono por obra e graça do parlamento. Quando deixou seu pai,
naquela tarde, ainda tinha esperança de poder infundir bom senso nos políticos, mas sabia que o rei
tinha, pronta, a minuta de um instrumento de abdicação.

O príncipe herdeiro e sua consorte podiam divergir na questão da abdicação, mas num importante
ponto estavam de inteiro acordo: nenhum lugar no ministério para aquele “tipo desonesto”, o
embaixador na França. “Se Bismarck vier”, escreveu a Princesa Herdeira Vitória a seu marido, na
tarde de sexta-feira, “sabemos onde iremos acabar. Há de nos mergulhar a todos em imenso
sofrimento. Não poderás evitá-lo?”; e, no dia seguinte: “Aceitar Bismarck equivale a saltar nas águas
mais profundas sem saber nadar!” Pelo menos quanto a isso, “Fritz” achou que podia tranquilizar
“Vicky”. Pelas observações finais do rei, estava convencido de que o rei não confiaria a, Bismarck o
ministério. Embora “tudo continuasse o mais lamentável possível”, pelo menos não havería o
desesperançado salto às águas fundas. Naquela noite, em Berlim, o próprio príncipe herdeiro
conversou com Bismarck, que lhe pareceu delicadamente incomunicativo145.
No domingo, o rei recebeu de seus ministros um pedido por escrito de que não enfraquecesse a
Coroa pela abdicação. O pleito foi reforçado por um pungente apelo pessoal do ministro da guerra.
Uma vez mais Roon argumentou com o dever de um oficial, de combater e não debandar. Mais na
prática, disse ao rei da presença de Bismarck em Berlim e que ele havia estado com o príncipe
herdeiro. Guilherme surpreendeu-se: querería isso dizer, então, que seu filho estava em intrigas
com o junker de quem falara tão mal poucas horas antes? O fato é que o rei concordou em receber
Bismarck na manhã de segunda-feira (22 de setembro), no castelo à beira do Havel.

Essa audiência em Babelsberg constitui uma peça ornamental guardada em relicário de lenda
histórica pela prosa rica do próprio Bismarck146. Pode-se ler sobre a escritura de abdicação, no
birô, pronta para a assinatura, sobre o sentimento de devoção por seu soberano, que cresceu como
uma onda dentro dele quando a perspectiva de formar um governo tornou-se realidade, e sobre 0
memorando de oito folhas que lhe foi entregue pelo rei para estudo ao caminharem juntos pelo
parque. O senso de ocasião de Bismarck dá-lhe licenças a pena, e existe um contraste interessante
entre a narração dramática de suas memórias e o registro breve e formal que, da conversa,
Guilherme deixou para 0 príncipe herdeiro. No entanto, aversão de Bismarck, com todos os
retoques dados depois, soa autêntica. O rei disse ao visitante que não lhe parecia possível
permanecer no trono tendo de obedecer à vontade de uma maioria parlamentar; Bismarck retorquiu
assegurando que seria capaz de formar um ministério e levar avante a modernização do exército e o
sistema de serviço militar, se necessário contra a vontade dos deputados. “Então é do meu dever
continuar a luta”, disse, por fim, o rei, “e não abdicarei”. Quando Bismarck ofereceu os préstimos a
seu soberano da maneira como um vassalo feudal o fazia a seu senhor, Guilherme rasgou em
pedaços o memorando em que estipulava as condições que era do seu desejo impor a qualquer novo
chefe de governo. Ao deixar Babelsberg o visitante, estava acertado que ele seria ministro interino,
recebendo os cargos de ministro-presidente e ministro do exterior mais tarde, tão logo o rei
completasse as formalidades exigidas por um câmbio de governo.

O príncipe herdeiro foi informado da escolha de Bismarck na manhã seguinte, cedo. Foi um choque
e uma decepção: “O povo vai imediatamente pressentir reação, surgirão desconfianças de todos os
lados, e pobre papai, causará a si próprio muitas horas difíceis por conta desse sujeito desonesto....
Pobre mamãe, como sentir-se-á ofendida por esta nomeação de seu inimigo de morte”, escreveu em
seu diário, naquela terça-feira. As dúvidas tomaram conta dele. Vicky, instintivamente, tinha razão:
ele não devia ter-se esforçado para dissuadir seu pai da abdicação. Só restava esperar, para ver
quanto tempo duraria Bismarck como primeiro-ministro até começar o papel ridículo.

Estranhamente, foi por um jornal que Joana soube da promoção de seu marido. Embora a família se
houvesse instalado em Schönhausen três meses antes, ela não o via desde meados de maio. De
repente, ficava sabendo pela imprensa que fora atirada para o primeiro plano da vida política e, um
dia depois, recebeu carta do marido dizendo-lhe que se aprontasse para seguir para Berlim a
qualquer momento e que decidisse se a família devia mudar-se para a residência do ministro-
presidente, na Wilhelmstrasse, 74, ou para o Ministério do Exterior, a casa vizinha147. Era uma
sorte para Bismarck que sua senhora se satisfizesse numa existência doméstica em família. Uma
mulher com ambições sociais e interessada nos assuntos de governo — a mãe dele, por exemplo -
acharia essa atitude intolerável.

Joana aceitou a notícia de que a Prússia iria ter um governo chefiado por Bismarck com sua
costumeira resignação fatalística. Outros mostraram mais interesse. De modo geral, o anúncio foi
recebido com frieza, dentro e fora do reino. Os liberais julgavam Bismarck por demais
subservientemente feudal. Aos velhos conservadores Bismarck parecia demasiadamente
desembaraçado; seu antigo protetor, Ludwig von Gerlach, escreveu em tom religioso a um colega da
Câmara Alta: “Seu catecismo o ensine que os santos mandamentos de Deus se aplicam também aos
estadistas e diplomatas”. Os russos estavam satisfeitos, os franceses suspicazes, os ingleses hostis.

Muitos observadores negavam-se a levá-lo a sério: Friedrich Engels, que visitava a Alemanha,
escreveu alegremente a Karl Marx, a quem deixara em seu exílio ao norte de Londres: “A nomeação
de Bismarck foi recebida pela burguesia com gargalhadas. Aquela gente estava incrivelmente
confiante, temerária mesmo”. O próprio Marx não via chances maiores para o novo ministro-
presidente: “Bismarck foi, na realidade, nomeado por Bonaparte(e pela Rússia)”, declarou148. O
mais curioso é que muitos membros da Câmara Alta Prussiana teriam concordado com Marx.

Bismarck sabia de seu isolamento. Era suficientemente astuto para não deixar-se apanhar por
líderes partidários rivais que desejavam convertê-lo a seus pontos de vista, mas as garantias que
dera ao rei em Babelsberg deixavam-lhe pouco espaço de manobra e barganha. Em Berlim concluiu
que podia contar com o apoio de Roon, dos amigos deste, e do próprio rei; porém sabia que até
mesmo esse apoio poderia ser minado pelas intrigas de outros membros do corpo de oficiais e não
estava muito certo do que iria acontecer quando o rei viajasse à Turíngia ao encontro da rainha
Augusta e da família do príncipe herdeiro. Havia, por outro lado, o problema de Edwin von
Manteuffel. Nos dias da nomeação de Bismarck o general estava de licença; e regressou à Corte
descontente com o que havia acontecido em sua ausência. Bismarck, enquanto tentava convencer
ministros experientes a fazerem parte de seu governo, buscava também alguma embaixada ou
legação, bem longe de Berlim, e sem a importância suficiente para permitir a Manteuffel envolver-
se na decisão política. Mas passariam dois anos e meio até que Bismarck conseguisse arrancar
Manteuffel de sua privilegiada posição de chefe do gabinete militar do rei; e ainda então, o general
continuou muito ligado a Guilherme. Muito embora jamais fosse um crítico tão aberto de Bismarck
quanto os simpatizantes dos liberais na própria família do rei, Manteuffel continuou sendo,
potencialmente, o seu mais perigoso rival entre a oficialidade.

No entanto, nada havia, no caráter do governo que Bismarck formou, a que os oficiais pudessem
fazer objeções. Haviam receado que ele viesse a incluir liberais em seu ministério, e ele, de fato,
teve conversas surpreendentemente francas com um líder “progressista”, Karl Twesten. Os
militares não precisavam se preocupar: os próprios deputados virtualmente tomaram impossível o
acordo, no dia 23 de setembro, ao excluírem deliberadamente da proposta de orçamento todos os
fundos destinados a gastos militares. No fim da semana, o rei era incapaz de pronunciar a palavra
Landtag sem rugir de raiva, a tal ponto que suas imprecações podiam ouvir-se do lado de fora das
janelas fechadas do palácio. Bismarck não teve escolha: formou um governo com ministros
conservadores moderados. Afora Roon, que permaneceu no Ministério da Guerra, era uma equipe
pobre em distinção e personalidades. Isto convinha ao ministro-presidente. Ele próprio nunca
ocupara uma pasta ministerial e não desejava perder em brilho para um gabinete só de talentos.

No dia 29 de setembro Bismarck fez uma breve visita à Câmara Baixa. Pronunciou curto discurso,
um tanto confuso, lamentando a hostilidade dos deputados ao orçamento e insistindo na
necessidade de algum progresso quanto aos planos do exército. Alguns assistentes acharam que o
novo primeiro-ministro, com sua voz aguda, incômoda e irritante, estava nervoso, pouco à vontade;
não causou boa impressão149. No dia seguinte, compareceu à sessão da Comissão de Orçamento da
Câmara, composta de umas duas dúzias de deputados. A comissão escutava uma proposta de
resolução do Deputado Max von Forckenbeck sobre as verbas de 1863. Quando Bismarck levantou-
se para responder a Forckenbeck, começou destacando seu desejo de um acordo, mas logo, falando
rápida e quase informalmente, desenvolveu um tema bastante conhecido, não exatamente relevante
para o que se discutia: estava na hora de o povo da Prússia meditar sobre 0 uso que podia ser feito
da força militar do reino. “A Prússia”, disse ele, “deve reunir todas as suas forças, e manter esse
poderio alerta para o momento oportuno, que já várias vezes se perdeu; as fronteiras da Prússia,
tais como traçadas pelo Tratado de Viena, não favorecem uma tranqüila vida política; os grande
problemas da época serão resolvidos, não por meio de discursos e votações majoritárias-esse foi o
grande engano de 1848 e 1849-mas a ferro e sangue”150.

A famosa expressão, logo invertida no uso popular para “sangue e ferro”, surgiu, portanto, num
aparte de improviso e não como ponto culminte de um preparado exercício de oratória política.
Naquela noite, conversando em particular, Roon censurou Bismarck levemente por haver incluído
“digressões inteligentes” ao falar na comissão. Interessante notar que Bismarck não se deu 0
trabalho de mencionar o discurso na carta que escreveu no dia seguinte a Joana, e só quando os
jornais fizeram sensacionalismo excitado sobre aquela passagem foi que o ministro-presidente
percebeu sua importância Insistiu em que apenas expressava fatos da vida política e não estava
anunciando o programa de ação de seu governo. Liberais e progressistas de toda a Alemanha
convenceram-se de que, naqueles palavras provocadoras, Bismarck deixara aflorar seu verdadeiro
caráter, e de que olhava a guerra como solução natural dos problemas da Prússia. Heinrich von
Treitschke, mais tarde o grande historiador-patriota da Alemanha Imperial, mas na época um jovem
de vinte e oito anos, horrorizou-se com os relatos do discurso: “Você sabe quão apaixonadamente
amo a Prússia”, escreveu a seu amigo Wilhelm Nokk, “mas quando ouço um junker néscio como
esse Bismarck jactar-se do “Ferro e Sangue” com que pretende por a canga às costas da Alemanha,
vejo a grosseria da expressão ceder apenas ao próprio absurdo"151. Idealista algum, por mais que
anelasse a uma pátria alemã unida podia receber bem semelhante invocação à força bruta.

O rei Guilherme passava aquela semana com a família em Baden-Baden e leu sobre o discurso nos
jornais. Pediu explicações a Bismarck mas não se satisfez totalmente com a afirmação de que ele
apenas pretendera enfatizar a necessidade de a Prússia manter um exército grande e moderno.
Guilherme inquietou-se. Augusta e Fritz teriam razão, afinal, na opinião sobre Bismarck? Deveria
ele ter seguido sua própria intuição e não atendido ao pleito de Roon? Estaria já na hora de
despedir Bismarck, antes que pudesse causar mal maior à Coroa? O rei anunciou que voltaria a
Berlim no fim da semana, sábado, 4 de outubro152.

Bismarck confiava dominar a tempestade. Naquela sexta-feira à noite, jantou com Kurt von
Schlözer, seu ex-segundo secretário em S. Petersburgo. “Tomamos muito champanha, o que deu
ainda mais rédea a sua língua já naturalmente solta”, anotou Schlözer. “Estava exultante pela
maneira como ia envolver todo mundo.” Disse a Schlözer que tinha esperanças de levar Guilherme a
aceitar o serviço de dois anos; que convencia a Câmara Alta de seu desejo de uma fase de reação,
ao mesmo tempo em que, na Câmara Baixa, agia “com intolerância num momento, para logo
depois,dar sinais de querer obter o resultado por mediação”; e que pretendia levar os estados
germânicos a crerem que o rei estava achando dificil “contrapor-se ao cavourismo de seu novo
primeiro-ministro”153. No dia seguinte Bismarck partiu para interceptar seu senhor. Esperava que
quando o rei chegasse de volta a sua capital, o sentimento liberal, magnânimo, de Baden já ter-se-ia
evaporado no bom, revigorante, ar prussiano.

Encontrou-se com o rei no pequeno entrocamento ferroviário de Jüterbog, sessenta e cinco


quilômetros ao sul de Berlim. Guilherme estava só, num compartimento normal de primeira classe,
olhando tristemente a paisagem sem beleza daquele lugar mergulhado no crepúsculo de um curto
dia de outono. Não apreciou ser recebido por seu primeiro-ministro. Aquela estória toda de "sangue
e ferro” fazia-o pensar de novo no perigo de uma revolução iminente. “Posso ver claramente como
tudo vai acabar”, disse o rei. “Lá fora, na Opernplatz, debaixo das minhas janelas, eles vão cortar a
sua cabeça, logo depois a minha.” Mas Bismarck estava preparado para essa argumentação; que
morte pode ser melhor, perguntou, “ eu a lutar pela causa de meu rei e Vossa Majestade pelos
direitos que a Vós pertencem pela graça de Deus?” Aos poucos, tocando o senso militar de
Guilherme, Bismarck conseguiu levantar-lhe o espírito de luta. Quando, por fim, o trem parou na
plataforma de Berlim, tinham sumido de sua mente as idéias de demitir o ministro-presidente154. A
nomeação de Bismarck, originalmente provisória, foi então formalmente confirmada. Tal como em
Babelsberg, doze dias antes, ele vencera os preconceitos íntimos de Guilherme por entender com
agudeza a psicologia real.

Até aqui, tudo bem, mas havia limites no que era capaz de conseguir. Falara a Schlözer de suas
esperanças de um compromisso mútuo na questão do serviço militar. Isso era insensatamente
otimista. O rei nada faria que “enfraqueceste as tropas” e o general Manteuffel fê-lo manter a
palavra, apesar de Roon e Bismarck haverem montado um plano engenhoso que mantinha, na
forma, o serviço de três anos, permitindo às classes média e alta pagarem a dispensa do terceiro
ano, se 0 desejassem. A obstinação de Guilherme encontrou igual obstinação no Landtag, Os
deputados recusavam-se a aprovar o orçamento, a não ser que os gastos com 0 exército fossem
retirados da proposta. Bismarck viu-se com apenas uma manobra possível. Fez passar o orçamento,
com as provisões originais para o exército incluídas, na Câmara Alta; depois declarou que, estando
as duas casas em conflito sobre a matéria, passava a ser responsabilidade do soberano resolver essa
“omissão constitucional”, autorizando as despesas com fundos do estado até que a Câmara Alta e os
deputados chegassem a um consenso. No dia 13 de outubro, Bismarck foi à Câmara e, em nome do
rei, declarou o Landtag em recesso. Estava decidido a mostrar que Guilherme podia, como
autocrata, governar sem sanção parlamentar. Três meses mais tarde, quando os deputados puderam
reunir-se de novo, encontraram o ministro-presidente impávido: “A monarquia prussiana”, declarou,
desafiador, em 27 de janeiro de 1863, “ainda não cumpriu sua missão, ainda não se dispõe a
aparecer como mero atavio ornamental em nosso tecido constitucional ou a ser voz inativa no
mecanismo de governo parlamentar”155. A Câmara Baixa permaneceu como pouco mais que uma
assembléia consultiva até o outono do ano de 1866.

A pausa de três meses no burburinho parlamentar, em fins de 1862, permitiu a Bismarck


concentrar-se na política externa. Tecnicamente, ele ainda era embaixador na França e, na última
semana de outubro, viajou de volta a Paris para a cortesia de apresentar a Napoleão III sua carta de
chamada. Superficialmente, a visita não foi mais que diversão. Passou o dia 30 de outubro com
Kathy Orloff, na propriedade dos Troubetzkoi, nas cercanias de Fontainebleau, e recebeu-a, com o
marido, para jantar, três dias depois; tentou - não com grande empenho, ao que se percebe acertar
o despacho de uma anágua de crinolina para Joana; e foi muito bem recebido por Napoleão e
Eugénie, numa audiência formal de despedida. Tão cordial foi o encontro, que o jornal La France
escreveu que o imperador havia conferido a Bismarck a Grã-Cruz da Legião de Honra, estória
rapidamente desmentida pelo pretenso condecorado. Já era tido, em Berlim, como francófilo demais
para não se preocupar156.

Mas a visita parisiense tinha um fim mais profundo. Os austríacos estavam querendo modernizar a
Confederação Germânica, reformulando-a de tal maneira que o controle de Viena sobre a Dieta de
Frankfurt fosse tão cerrado quanto no apogeu da época de Metternich. Era assunto sensível para
Bismarck, com seus nove anos de experiência nas lutas internas de Frankfurt Tinha o maior
interesse em descobrir como Napoleão III reagiría ante um conflito armado entre a Prússia e a
Áustria. Bismarck estava inquieto: naquele outubro Napoleão dispensara seu ministro do exterior,
Thouvenel, que sempre mostrara boa disposição em relação à Prússia, reconvocando Drouyn de
Lhuys para o Quai d’Orsay. Bismarck tinha Drouyn na conta de grande defensor da cooperação
franco-austríaca. Para Bismarck a troca de ministros do exterior- em boa parte resultante da
antipatia de Eugénie por Thouvenel - não poderia vir em pior momento. Em 29 de outubro,
conversou longamente com Napoleão, a sós, em Saint Cloud e ficou com a impressão de que o
imperador não se arriscaria a queimar os dedos alinhando-se, quer com a Áustria, quer com a
Prússia, num conflito exclusivamente germânico. Mas embora Bismarck haja também visitado
Drouyn várias vezes naquela semana, ficou bem menos satisfeito com a maneira com que o ministro
o recebeu157. Pois Drouyn, outro diplomata veterano, não se deixou levar pelo estilo de seu
visitante de preceituar em política. Tal qual os adversários de Bismarck na Alemanha, estava
disposto a esperar que ele cometesse os erros.

Naquele inverno, pareceu que não teria de esperar muito. As primeiras incursões de Bismarck na
diplomacia foram pesadas. Estava convencido de haver chegado o momento decisivo na disputa
entre a Prússia e a Áustria pela hegemonia na Alemanha Ainda em Paris, alertou Richard
Metternich, o embaixador austríaco, que embora preferisse, como preferia, o bom entendimento
com a Áustria, recorrería a “ quaisquer meios, sem escrúpulos” para assegurar a liderança
prussiana na Alemanha do norte; e explorou com um líder dos exilados húngaros as possibilidades
de levantar a resistência magiar em caso de guerra. Um mês depois, em 5 de dezembro, comentou
com o enviado de Francisco José, em Berlim, que era tempo “de a Áustria deslocar seu centro de
gravidade da Alemanha para a Hungria”. Isto feito, prometeu, daria inteiro apoio à política da
Áustria na Itália e no sudeste europeu; mas se os austríacos rejeitassem sua linha, a Prússia estaria
ao lado dos franceses em qualquer crise européia futura. Pouca surpresa, o ministro austríaco das
relações exteriores, Conde Rechberg, negou-se a levar a ameaça a sério. Antes de acabar o mês,
Bismarck recebeu forte contestação de Drouyn, avisando-o de que, no caso de um conflito
germânico, os franceses buscariam garantias para sua própria segurança “e para a paz na Europa”.
Apenas os italianos mostraram interesse na possibilidade de um acordo militar com a Prússia contra
a Áustria; e mesmo eles suspeitavam das intenções de Bismarck158.

Nas primeiras semanas de 1863 Bismarck trocou de tática, mudando a abordagem cada dia. Ele
cortejava os austríacos, ele os ameaçava, falava em atender-lhes os legítimos interesses e
comentava asperamente a maneira como qualquer inimigo da Áustria podia tirar vantagem dos
pontos fracos internos do império. Basicamente, esta combinação de doçura e brutalidade, encanto
realçado com intimidação, foi o método aplicado por Bismarck no auge de sua carreira. Em 1863,
porém, ele não era o chanceler de um império, mas o interlocutor de parte de um reino que
lentamente reorganizava seu exército e vivia atormentado por uma crise constitucional crônica. É
de notar que seu velho adversário, o Conde Thun, que esteve com ele em Berlim no dia 4 de janeiro,
saiu impressionado; já o ministro austríaco na Prússia, Conde Alois Karolyi, conhecia bem demais a
situação de isolamento do ministro-presidente para levá-lo muito a sério. “É verdadeiramente
incrível”, informava Karolyi, friamente, a Rechberg, “como Herr von Bismarck muda rapidamente
de uma posição extrema para outra, diametralmente oposta”159.

Mesmo assim, ainda que tais métodos não conseguissem influenciar a política austríaca, era bem
mais difícil aos pequenos estados alemães resistirem à adulação prussiana. Quando, em 22 de
janeiro, a proposta austríaca de reforma da Confederação Germânica foi colocada a voto em
Frankfurt, sofreu uma derrota por pequena margem. Bismarck parecia ter obtido o primeiro
sucesso. Seu ânimo estava elevado, naquela semana, e ele escreveu uma carta alegre a Kathy
Orloff, troçando de sua pouca sorte por ter de comparecer aos tediosos debates da Câmara160.
Com quatro meses no cargo, começava a adquirir nova confiança em sua capacidade, igualando-a à
confiança que sempre tivera em seu critério. Um único golpe de mestre em política externa
continha duas vitórias, humilhando os austríacos e rebaixando os nacionalistas liberais em seu
conflito estéril sobre minudências constitucionais. A ousadia dera dividendos: agora seria a tentação
para a beira do desastre. Um mês depois de seu sucesso, derrotando a Áustria no voto em
Frankfurt, ele estava a ponto de pedir demissão e retirar-se para Schönhausen.

Um dia depois da votação de Frankfurt, chegou a Berlim a notícia de uma extensa insurreição na
“Polônia do Congresso”, a dependente remanescência de um reino, ligada desde 1815, em união
perpétua, à dinastia imperial russa. Uma rebelião nacionalista polonesa, do outro lado da fronteira
com a Rússia, era problema grave para o Governo de Berlim, sempre tão sensível a qualquer
distúrbio nas “Estremaduras Orientais” da Prússia. Bismarck tinha opiniões firmes sobre o assunto,
uma desconfiança dos poloneses tipicamente junker, atitude de um colonialista a temer levantes
nativos que possam destruir-lhe a propriedade. Muito embora respeitasse os lavradores poloneses
como bons trabalhadores, achava que, como povo, corriam o perigo de corrupção pelos intelectuais
urbanos que tanto desprezava[1]161. As notícias de que o exército russo fora chamado a enfrentar
os rebeldes deixou-o ansioso por mostrar o grande interesse da Prússia na questão polonesa. É
quase certo que exagerou. Quatro corpos de exército prussiano foram imediatamente concentrados
em redor de Posen e na Prússia Ocidental; e na primeira semana de fevereiro o general Gustav von
Alvensleben foi enviado a S. Petersburgo para discutir a ação comum do exército prussiano e do
exército russo contra os insurgentes162.

Anos depois, Bismarck comprazia-se em descrever a Missão Alvensleben como o núcleo ao redor do
qual construiu sua política de equilíbrio e contrapesos: foi ela, afirmou, a consolidação da amizade
entre Berlim e S. Petersburgo, sem a qual a Prússia não ousaria ir à guerra no sul e no ocidente. A
lenda é exagerada. A Rússia não precisava de auxílio da Prússia, em 1863: Gorchakov não gostou da
interferência de Bismarck; e Alexandre II ficou atrapalhado com a chegada do conselheiro de seu
tio, a quem não desejava ofender. Os russos prepararam um convênio de colaboração entre os dois
exércitos para cercarem e prenderem os rebeldes poloneses, em cada lado da fronteira; e no dia 8
de fevereiro Alvensleben o assinou, com a inserção de um artigo secreto pelo qual os dois governos
passariam a trocar informações sobre as conspirações políticas polonesas. Oficialmente, declarou
Bismarck, o Convênio Alvensleben foi “simples medida policial”163.

A Europa, no entanto, entendeu diferente [2]. Os émigrés poloneses em Paris e Londres


levantaram uma grande corrente de opinião favorável aos insurrectos. A opinião pública em Paris
exigiu algum sinal de simpatia bonapartista pela Polônia. Napoleão III ficou num dilema: não
desejava pôr em perigo a frágil entente estabelecida com a Rússia após a Guerra da Criméia; mas
não podia ignorar a pressão combinada de facções da corte e de grupos da capital. Drouyn
ofereceu-lhe uma solução: agir contra a Prússia, como instigadora do convênio de repressão, e não
contra a distante Rússia. No fim da terceira semana de fevereiro, os franceses abordaram os
austríacos e os ingleses em favor de um protesto conjunto em Berlim. A possibilidade de tal frente
bastou para desfazer tudo que Bismarck conseguira em seus quatro meses no cargo. Havia muitos
anos, um chefe do governo prussiano não ficava tão só. Mesmo o rei, ainda que continuasse um
firme apoio de Alvensleben, estava surpreso com a reação surgida em toda parte. Na segunda-feira,
23 de fevereiro, tudo indicava que Bismarck ia renunciar; mas o rei não pensava assim. Mandou
dizer que era obrigação do ministro-presidente arrancar a Prússia do embrulho da política que ele
mesmo criara.

“Nosso caro Bismarck comete erros palmares”, comentara Alexandre II no dia anterior, com certa
satisfação164. No fim da semana, Bismarck afirmava que o Convênio Alvensleben “não tinha
significado prático”, já que não seria necessário auxiliar a Rússia. Os franceses e os austríacos não
se sensibilizaram, mas os britânicos, havendo já protestado em Berlim, decidiram não prolongar a
tensão com a Prússia e voltaram-se para a origem verdadeira do problema. As três Potências
apresentaram uma série de notas em S. Petersburgo protestando contra a ação política russa na
Polônia. Por momentos esse alinhamento trouxe lembranças da Guerra da Criméia, destacando,
assim, que a Rússia necessitava da amizade prussiana. Ainda que a Prússia não quisesse lutar, a
neutralidade benevolente constituiría uma barreira geográfica entre o Ocidente e os domínios do
czar. Bismarck, mesmo com toda a sua impetuosidade, era, para os russos, artigo europeu de
primeira necessidade. No início de junho, quando surgiram conversações sobre uma aliança formal
russo-prussiana, ela recobrara sua posição de pivô nos assuntos da Europa; mas deveu esse feito
tanto à sua obstinação em agarrar-se ao cargo quanto ao velho agrupamento do caso da Criméia.
Não se pode dizer que merecesse tão boa sorte.

Embora seu prestígio internacional estivesse a salvo, Bismarck ainda não superara a hostilidade dos
deputados por meio da vigorosa política externa. A sessão do Landtag arrastou-se pelos primeiros
cinco meses do ano. Tanto liberais como conservadores apoiavam a política comercial de Bismarck,
saudando o tratado de livre comércio com a Bélgica como novo sinal da independência prussiana de
qualquer projeto, patrocinado pela Áustria, de reforma da economia alemã. Mas quanto à questão
do orçamento não houve progressos. Bismarck anunciou que se a Câmara recusasse a votar as
verbas “nós tiraremos o dinheiro de onde o encontrarmos” e começou a eliminar do funcionalismo
civil prussiano os partidários da oposição parlamentar. “Esse miserável B. não se deterá em sua
doida carreira até arruinar o rei e meter o país nas mais perigosas dificuldades”, escreveu a
princesa real a sua mãe, a Rainha Vitória, em meados de maio165. No fim do mês houve agitação na
Câmara, os deputados queixosos - com razão - de que Bismarck cerceava seu direito de interpelar
ministros. A imprensa liberal apoiou os deputados. No dia 27 de maio, Bismarck suspendeu outra
vez a sessão do Landtag; e três dias depois, um Decreto de Imprensa baniu publicações capazes de
atingir o prestígio e reputação da Coroa, do Estado e da Igreja. O príncipe herdeiro protestou junto
a Bismarck e ao rei contra a tentativa de estabelecer-se uma ditadura real; e sua esposa quis “que
Fritz viesse a público” em oposição a Bismarck. No dia 5 de junho o príncipe real compareceu a
uma revista de tropas em Dantzig, seguida de recepção cívica. O burgomestre, no discurso de
saudação, declarou que a cidade estaria numa disposição muito mais festiva, não fora a
consternação causada pelo Decreto de Imprensa; e o príncipe herdeiro, em resposta, falou de seu
espanto ante o decreto e eximiu-se de qualquer responsabilidade por ele. Naquela noite, anotou em
seu diário, “Reconhecí abertamente que sou um adversário de Bismarck e de suas desastrosas
teorias, mostrando, assim, ao mundo que não concordo com sua política e não a aceito, sequer”166.
Era o mais perto de uma declaração de guerra a que podia chegar o príncipe real contra o principal
ministro de seu pai.

O rei enfureceu-se. Havia na família Hohenzollern uma tradição de conflito entre as gerações que
datava da época do Grande Eleitor. Guilherme, no entanto, sempre mostrara simpatia pelo filho,
embora às vezes o increpasse de tomar o partido da rainha nas brigas de família que davam
animação à Corte prussiana. Mas o discurso de Dantzig fora longe demais: os conselheiros militares
do rei firmaram o ponto de vista de que o príncipe herdeiro havia infrigido o código de conduta de
oficial da ativa e recomendaram fosse sentenciado a um período de confinamento numa fortaleza.
Bismarck não concordou: o fato de Manteuffel estar soltando fogo e fumaça de raiva bastava para
fazê-lo advogar comedimento. Além do mais, não queria aumentar a popularidade do herdeiro do
trono, perseguindo-o. Aconselhou o rei a escrever ao príncipe com uma repreensão formal. Mas o
descontentamento de Guilherme não impediu que o príncipe enviasse um protesto solene a
Bismarck, no fim de junho, verberando a maneira como os ministros do rei menosprezavam a
constituição. “Ajuventude não tem cuidado na escolha das palavras”, anotou Bismarck, com
indiferença, à margem.
A carta do príncipe herdeiro foi recebida por Bismarck em Carlsbad, aonde acompanhara o rei para
uma estação de águas. Naquele verão ele não parecia gostar que Guilherme saísse de sob seus
olhos; muito natural, pois o rei visitou lugares em que a política prussiana era pouco apreciada. Em
Gastein, dia 2 de agosto, Guilherme encontrou-se com Francisco José, que convidou o rei para
comparecer a um “congresso de príncipes” que iria presidir em Frankfurt-sobre-o-Meno. O tema
principal do congresso seria um plano austríaco para reformar a Confederação Germânica, o qual
previa uma diretoria executiva de seis soberanos alemães e uma assembléia de delegados, eleitos
indiretamente pelos estados-membros. A comunicação sobre o congresso apanhou Guilherme de
surpresa, ainda mais porque Francisco José propunha a sessão de abertura para o dia 16 de agosto,
daí a menos de duas semanas.

Guilherme contemporizou, mas Francisco José ficou com a impressão de que ele não se opunha ao
projeto167. Bismarck, porém, foi resolutamente contra. Os votos em conjunto da Áustria e dos
estados alemães do sul, em qualquer assembléia eleita, dariam poucas chances de predominância
prussiana nos negócios germânicos. Bismarck sentiu que não conseguiría convencer o rei de que o
congresso era uma armadilha; partiu, então, para a linha mais difícil de convencê-lo de que o
convite era um insulto. Ponderou que Francisco José, informalmente, havia procurado o rei a tratar-
se em águas de uma estância austríaca, e que tê-lo avisado em cima da hora de um “congresso de
príncipes” significava dar tempo muito escasso ao governante da Prússia para o preparo de um
encontro de tal importância. Guilherme tinha idade para lembrar-se da desconsideração feita a seu
pai por Napoleão I e da amarga humilhação do Congresso de Dresden em 1812, e era
irracionalmente sensível a respeito. Para alívio de Bismarck, ele declinou do convite de Francisco
José: não parecia muito provável que os príncipes pudessem improvisar um plano para a Alemanha
por cima do desinteresse da Prússia.

Enfim, os monarcas também pensaram assim. Tão logo abriu-se o congresso, enviaram o rei da
Saxônia a Guilherme com uma solicitação unânime de que mudasse de idéia e a eles se reunisse em
Frankfurt. Isso colocava o problema de forma totalmente diversa para Bismarck. Agora já não
poderia argumentar que seu rei fora insultado. João da Saxônia era um homem por quem Guilherme
tinha “afeição e respeito” (nas próprias palavras de Bismarck). Guilherme deixara o solo austríaco e
encontrava-se em Baden-Baden, onde o congresso contava com apoio. Frankfurt distava apenas
cento e quarenta quilômetros, três horas de trem. Sentia-se induzido a ir, afinal. “Trinta príncipes
reinantes e um rei de mensageiro!”, repetia. “Como posso recusar?” 168 Bismarck mudou de
argumentação: se o rei fosse a Frankfurt e aceitasse as decisões do congresso, alegou, estaria
abrindo mão da independência do Exército Prussiano e reconhecendo a derrota na luta com os
deputados, já que não havería necessidade de levantar fundos para uma nova força de combate se
os regimentos do rei apenas marchariam como meros auxiliares Confederados. Foi até a meia-noite
para convencer Guilherme de que devia manter sua recusa anterior. Os nervos de ambos estavam a
ponto de estourar. No fim, a tensão foi demais para Guilherme: assinou uma carta ao Rei da Saxônia
recusando-se a ir a Frankfurt; e Bismarck deixou-o soluçando insopitavelmente sobre o sofá. Mas
ele próprio não estava em melhor forma: suas pernas tremiam; perdera a tal ponto o autocontrole
que arrancou a maçaneta da porta ao sair, e ao chegar a seus aposentos arremessou contra a
parede um jarro de vidro, espatifando-o. “Eu precisava rebentar alguma coisa”, disse a um atônito
secretário. “Agora já posso respirar de novo.”169 O Congresso de Príncipes não chegaria a coisa
alguma de valor permanente.

Foi para Bismarck uma vitória negativa» um triunfo contra Fúria e Lágrimas, mas não à custa de
Ferro e Sangue. Estava ele satisfeito? Os testemunhos das pessoas mais próximas mostram-no triste
e totalmente solitário. Revela-se, como sempre, em sua correspondência com a família» e agora
também com Kathy Orloff. Há pouco da fanfarronice e do escarcéu de outros tempos e trata muito
de sua insônia e constante dor de cabeça. Pequenas atenções o cativam: o cumprimento de alguém
que conheceu em Frankfurt ou em Petersburgo; pedidos de fotografias autografadas; até mesmo um
gesto amistoso de quem ele tivesse na conta de inimigo, especialmente o príncipe herdeiro e a
mulher. Nas cartas a Kathy Orloff podemos ler de sua imensa satisfação por a Corte haver lembrado
de convidar seus filhos para o primeiro “baile a fantasia” a que compareciam, e de como Herbert
von Bismarck e o irmão estiveram nas celebrações do quarto aniversário do futuro Kaiser, vestidos
de “marinheiros da esquadra inglesa”; e de seu desejo de escapulir da realidade uma vez mais,
como nos Pirineus e na Provence, no outono anterior170. Escreve cheio de sentimentalismo a seu
amigo Motley, pedindo-lhe que venha a Berlim, uma carta apressada, meio em inglês, meio em
alemão, rabiscada num momento em que o sono lhe fugiu. Às vezes detestava todo aquele negócio
de política. No aniversário da famosa e decisiva entrevista de Babelsberg, seu secretário encontrou-
o curvado de cansaço. “Você sabe duma coisa”, comentou Bismarck com amargor, “parece que
neste ano envelheci quinze anos. As pessoas são muito mais imbecis do que jamais pensei que
fossem”171.

[1] Em 26 de março de 1861 Bismarck escrevera de S. Petersburgo à irmã: “Maltratemos os


poloneses ao ponto de desesperarem da vida; tenho a maior compreensão pela situação deles, mas
se queremos existir nada resta a fazer senão destruí-los; o lobo também não pode deixar de ser
como Deus o fez, ainda assim nós o matamos, sempre que podemos”. (Bismarck, Die Gesammelten
Werke, XIV (i), n.° 815, p. 568). Este trecho é freqüentemente citado como prova do ódio de
Bismarck aos poloneses. Deve-se levar, porém, em conta que se trata do extrato isolado de carta
particular a uma pessoa da família. Sua atitude pública jamais foi assim hostil: ele “arranhava” um
pouco de polonês; e, anos mais tarde, horrorizou o príncipe herdeiro e esposa com a sugestão de
que seus filhos maiores deviam aprender polonês, num gesto de boa vontade com a mais importante
minoria lingüística da Prússia.

[2] Foi durante a crise causada pelo Convênio Alvensleben que Bismarck perguntou
orgulhosamente ao embaixador britânico em Berlim, “Que é a Europa?”; e recebeu a significativa
resposta, “Várias grandes nações”.

7. OS DUCADOS

A insurreição polonesa e o Congresso de Príncipes não foram as únicas questões a exaltarem o


sentimento patriótico alemão em 1863. Superando ambos os pontos havia o problema perene de
Schleswig-Holstein, a região de ricas terras agrícolas e de charnecas estéreis que separa o curso
inferior do Elba da península dinamarquesa da Jutlândia. Antes que acabasse o ano a questão de
Schleswig-Holstein ficou tão séria que passou a determinar cada golpe, cada expediente, da
diplomacia de Bismarck, permitindo-lhe consolidar a posição da Prússia na Alemanha Setentrional
bem como o controle dele próprio sobre o centro de poder em Berlim. “Schleswig-Holstein - a
campanha diplomática de que mais me orgulho”, comentou ele, quatorze anos depois172.

Durante muitos séculos os Ducados gêmeos de Schleswig e de Holstein foram governados pela
Dinamarca. Esse arranjo funcionou bem durante as guerras napoleônicas e foi confirmado pelo
acordo de Viena de 1815, que acrescentou o pequeno Ducado de Lauenburgo aos territórios do rei
da Dinamarca. Tanto no Holstein como em Lauenburgo a população era esmagadoramente alemã; a
região sempre fizera parte do Santo Império Romano Germânico; era, portanto, natural que o
soberano dinamarquês fosse reconhecido como membro da Confederação Germânica, na sua
condição de governante do Holstein. Já Schleswig continha mais vilas e aldeias dinamarquesas que
alemãs, e nunca foi membro da Confederação Germânica, embora o sul do ducado fosse
praticamente tão alemão quanto Holstein. No fim da década de 1840 um movimento nacionalista
dinamarquês quis anexar, simplesmente, os ducados. Essa disposição provocou forte reação na
Alemanha e a “luta contra a agressão dinamarquesa” tornou-se slogan de cruzada em 1848. Na
primavera de 1852 uma acordo de acomodação foi feito pelos seis estados europeus mais
interessados na estabilidade da região. Pelo tratado de Londres, de 8 de maio de 1852, os
governantes de Áustria, França, Grã-Bretanha, Rússia, Prússia e Suécia comprometeram-se a
manter a integridade da monarquia dinamarquesa, mas no entendimento de que Holstein e
Lauenburgo continuariam a gozar de seus direitos e privilégios tradicionais. Concomitantemente, o
tratado buscou acertar o problema da sucessão dinamarquesa. O rei, Frederico VII, era a última
pessoa do sexo masculino da Casa de Oldenburgo, que havia quatro séculos ocupava o trono da
Dinamarca. Os seis signatários do tratado decidiram reconhecer o direito de sucessão à Coroa
Dinamarquesa do Príncipe Cristiano de Glücksburgo, pretendente colateral casado com uma prima
de Frederico. A pretensão do Príncipe Cristiano era questionada pelos habitantes de Schleswig-
Holstein com base em que os ducados sempre haviam aceito a validade da lei sálica, que denegava
direitos à soberania derivados de herança pelo lado feminino. Daí os alemães de Schleswig-Holstein
defenderem que o herdeiro dos ducados não era o Príncipe Cristiano, mas sim o Duque de
Augustenburgo, descendente direto de um dos primeiros governantes do século dezesseis na
Dinamarca, Cristiano III. Embora a família Augustenburgo houvesse alimentado esperanças de
herdar os ducados em 1848, o Tratado de Londres parecia ter liqüidado essa possibilidade.

E teria mesmo, não fosse a pressão constante dos nacionalistas dinamarqueses por toda a década
seguinte. A questão do Schleswig-Holstein, ao invés de desaparecer, ferveu em fogo lento por onze
anos, até entrar de novo em ebulição devido a um ato duro de Frederico VII da Dinamarca. Na
derradeira semana de março de 1863, o rei anunciou uma constituição unitária para seu reino, a
qual acabava sumariamente com as franquias tradicionais de Schleswig e mutilava os direitos de
Holstein e Lauenburgo. Imediatamente, houve um alvoroto na Alemanha; os dinamarqueses, dizia-
se, queriam assimilar a minoria germânica (que, na época, constava de uns trinta por cento da
população total do reino da Dinamarca em conjunto). Houve manifestações populares por toda a
parte, na Alemanha, discursos inflamados, violentas denúncias de tirania danesa. “Os alemães do
norte estão zangadíssimos com essa questão infeliz’’, escreve o velho Rei Leopoldo dos Belgas a sua
sobrinha em Windsor173. Nenhum homem público em Berlim - ou Frankfurt, Dresden, Viena - podia
ignorar um símbolo tão emocional da honra nacional como o destino dos ducados. O rei Frederico
vacilava em ratificar a constituição. A tensão foi demais para ele. Em 15 de novembro, faleceu
repentina e inesperadamente. O príncipe de Glücksburgo foi proclamado Rei Cristiano IX e deu,
imediatamente, seu assentimento formal à nova constituição. A crise então entrou em exaltação
máxima; a assembléia local do Holstein recusou-se a jurar sujeição ao senhor da Dinamarca e
apelou à Dieta da Confederação Germânica em Frankfurt para que reconhecesse Frederico de
Augustenburgo como Duque de um Schleswig-Holstein-Lauenburgo independente.
Muitos dos governantes alemães menores reconheceram a acessão de Augustenburgo. Esse novo
“jovem Pretendente” era um dos seus: vivera em Gotha e estudara em Bonn, onde fora amigo do
Príncipe Herdeiro prussiano. Era apoiado pela imprensa liberal na Alemanha e pelo Nationalverein.
Guilherme da Prússia gostava dele e simpatizava com sua causa; idem a Rainha Augusta e o
príncipe e sua esposa; coisa rara, a Corte prussiana apresentar-se tão unida. Mas a Dieta de
Frankfurt relutava em apoiar Augustenburgo sem antes saber a opinião dos austríacos e de
Bismarck. Com os austríacos ainda ressabiados do fiasco do Congresso de Príncipes, ninguém
acreditava que as duas Grandes Potências rivais pudessem atuar em conjunto.

Bismarck tinha experiência de primeira mão nas sutilezes da questão de Schleswig-Holstein.


Houvera longas disputas com a Dinamarca sobre os direitos dos holsteinenses, entre 1855 e 1858,
quando ele fora enviado prussiano em Frankfurt. Naquela época, recomendara ao Governo
prussiano manifestar-se resolutamente em favor da honra nacional germânica mas não tomar
nenhuma atitude decisiva contra os dinamarqueses até estar seguro de que a Prússia obteria
alguma vantagem tangível pela imposição de uma solução174. Quando a crise explodiu na
Alemanha em novembro de 1863, a posição de Bismarck não foi diferente. Achava tolice ser
empurrado à guerra contra a Dinamarca pela causa de um ídolo liberal do Nationalverein. Não
enxergava nenhuma vantagem para a Prússia no surgimento de um Schleswig-Holstein
independente, cujas fronteiras chegariam à foz do Elba e aos arrabaldes de Hamburgo:
politicamente, o novo estado poderia inclinar a balança interna da Confederação em favor da
Áustria e a posição geográfica dos ducados talvez prejudicasse o crescimento do comércio marítimo
prussiano. Além disso, Bismarck tinha grande sensibilidade para a política de grande potência. A
Prússia, em conjunto com a Áustria, era signatária do Tratado de Londres, que reconhecia os
direitos de Cristiano de Glücksburgo e ignorava a pretensão de Augustenburgo. Uma vez que a nova
proposição constitucional dinamarquesa contrariava o tratado, era melhor, por todos os motivos,
aparecer como mantenedora estrita da lei internacional, colocando assim em desvantagem moral os
defensores da Dinamarca que surgiam por toda parte. Tal atitude convinha também aos austríacos.
Francisco José e seu ministro do exterior, Rechberg, não podiam ignorar o alarido popular da
Alemanha, mas não lhes agradava apoiar Augustenburgo porque sua instância baseava-se numa
forma de autodeterminação nacional, princípio de aceitação totalmente fora de cogitações na Viena
dos Habsburgos. Foi um descanso para Rechberg saber que Bismarck era tão suavemente razoável
quanto ao caso do pretendente Augustenburgo: a 28 de novembro, os enviados da Prússia e da
Áustria em Frankfurt declararam-se formalmente favoráveis à exata observância do Tratado de
Londres. Nunca, até então, haviam os diplomatas austríacos acompanhado de maneira tão cordata
uma linha política traçada por um estadista prussiano.

O pobre Rei Guilherme não entendia. Apenas quinze semanas antes acontecera aquela cena
lacrimosa em Baden-Baden, quando lhe pareceu que os Hohenzollerns e os Habsburgos jamais
poderiam voltar a agir em concerto; agora Bismarck advogava que se arreassem numa parelha a
Prússia e a Áustria em defesa de um tratado que era humilhante para todos os bons alemães. Pouca
gente na Prússia - e ainda menos fora do reino - percebia que a iniciativa diplomática estava, agora,
nas mãos de Bismarck. Presumiam que a declaração de posição feita em Frankfurt devera-se
principalmente à insistência dos austríacos. Foi com imensa surpresa que o velho amigo de
Bismarck, Moritz Blanckenburg, escreveu a Ludwig von Gerlach na primeira semana de dezembro,
“Poder-se-ia dizer que hoje em dia a sede do ministério de Viena está situada na Wilhelmstrasse, em
Berlim”175. Os velhos conservadores, tão convencidos que andavam de que Bismarck estava a
proceder levianamente com relação a seus princípios, não cabiam em si de contentes ante esta
revelação do acordo austro-prussiano.

Entrementes, houve em Frankfurt uma gigantesca manifestação popular de apoio a Augustenburgo.


Muito embora as duas Grandes Potências Alemãs cumprissem com o que se obrigavam pelo tratado,
pouco fizeram para evitar a aprovação, pela Dieta, de um decreto de mandado executivo contra
Cristiano IX. Esse dispositivo constitucional permitia que tropas confederadas ocupassem Holstein e
Lauenburgo, porém, ao encaminhar a medida através da Dieta, a Confederação tacitamente admitia
a legalidade da asserção do Rei Cristiano de que era o senhor dos ducados. Na última semana do
ano, tropas saxônicas e hanoverianas marcharam para o norte, até a fronteira entre Holstein e
Schleswig, tendo os daneses recuado sem resistência. Forças prussianas e austríacas
permaneceram estacionadas no Elba, limitando-se a observar “a outra Alemanha” tentar uma
solução e fazer papel de boba ante a Europa. Embora com seu status um tanto ambíguo, Frederico
de Augustenburgo estabeleceu-se em Kiel, afetuosamente recebido pelo leal povo do Holstein.

Bismarck não dava grande importância ao que chamava, com desprezo, “a gritaria geral dos
democratas” em favor de Augustenburgo. Mas tomou-se de fúria quando o Conde von der Goltz,
embaixador em Paris, aconselhou o rei a acatar a exigência popular da Alemanha e jogar o peso da
Prússia em favor do duque. Na véspera do Natal passou ao conde uma severa repreensão por
advogar uma mudança de política em vez de limitar seus relatórios a questões factuais (embora
essa fosse prática seguida com regularidade por ele mesmo como diplomata). Ao mesmo tempo
Bismarck tentou explicar sua política geral. O problema crucial, argumentou, era determinar se a
Prússia devia “atuar como Grande Potência ou comportar-se como um estado da Confederação
Alemã”; a Prússia devia agir independentemente e com senso de responsabilidade; “correr atrás do
fantasma da popularidade na Alemanha" apoiando Augustenburgo sacrificaria a posição da Prússia
em torno “da causa errada”:

Nós acumularemos poder não por meio da política nas assembléias parlamentares, ou da imprensa,
mas somente através de uma política de Grande Potência, manejada com as armas adequadas.... No
momento presente, quer me parecer que a política certa é ter a Áustria ao nosso lado, mas veremos
se chegará o tempo de seguir caminhos diversos e quem tomará a iniciativa de afastar-se. ... Se a
algazarra de cervejaria os impressiona, em Londres e Paris, tanto melhor, pois serve aos meus
desígnios; mas não quer dizer que me impressione a mim e, numa guerra, não há de disparar um só
tiro ou de levantar muito dinheiro176.

Goltz não deveria permitir que sua opinião fosse arrastada por chavões demagógicos. E desse ponto
em diante Bismarck enfatiza, outra e outra vez, que a Prússia devia conduzir e não seguir.

Naquela mesma véspera de Natal, Bismarck recebeu, em Berlim, um emissário pessoal de Napoleão
III; e fez com ele um exame geral da situação, desde a fronteira do Reno até a Polônia. Tomou os
cuidados para que Paris percebesse a sua moderação, sua disposição de discutir Schleswig-Holstein
numa conferência presidida por Napoleão e que, no devido tempo, um Império Francês em bons
termos com relação à Prússia poderia obter ganhos territoriais na margem esquerda do Reno177.
Não fica dúvida de que o ministro-presidente achava-se no perfeito controle dos assuntos alemães
naquele seu segundo Natal em funções. À noite era conviva no jantar do príncipe herdeiro e esposa.
Muito surpresa, esta o achou “da maior cordialidade, muito agradável”178: boas razões tinha ele
para estar assim.

Chegara o momento de assegurar-se da colaboração austríaca. Logo no Ano Novo, Bismarck propôs
uma aliança formal a Karolyi, o embaixador da Áustria. Rechberg, em Viena, deliciou-se. Isso
evitaria, presumiu, que Bismarck buscasse popularidade na Alemanha por um câmbio de rumo
político favorável a Augustenburgo; e fez a sugestão de que a aliança deveria comprometer os dois
signatários a não abandonarem o Tratado de Londres, a não ser por mútuo acordo. Bismarck no
entanto, não tinha intenção de aceitar obrigação tão nítida. Explicou aos austríacos que o rei jamais
concordaria em subscrever o Tratado de Londres, e propôs que a aliança se limitasse a estipular
que, caso a disputa sobre Schleswig-Holstein levasse a uma guerra, o futuro dos ducados seria
decidido por um acordo entre a Áustria e a Prússia. Nesta última forma, foi esboçado um tratado de
aliança, na Wilhelmstrasse, em 16 de janeiro de 1864, e assinado na tarde seguinte. Bismarck
imediatamente enviou seu mais perigoso rival, o general von Manteuffel, a Viena, em missão
especial. Manteuffel conseguiu arrancar de Rechberg a garantia de que o Exército Austríaco
auxiliaria a Exército Prussiano a atuar contra quaisquer forças alemãs que apoiassem
Augustenburgo, bem assim contra os dinamarqueses, se o rei Cristiano se recusasse a recuar da
constituição unitária. O sucesso da missão Manteuffel fez com que, ao voltar a Berlim, o general
estivesse a favor de operações conjuntas austro-prussianas, nas reuniões do Conselho da Coroa179.

Na última semana de janeiro os prussianos entraram no Holstein, participando da ocupação com as


tropas hanoverianas e saxônicas, e no dia 1.° de fevereiro forças prussianas e austríacas
penetraram no Schleswig. Três semanas depois, invadiram a península da jutlândia, e em meados
de abril todas as posições fortificadas continentais dinamarquesas estavam-lhes nas mãos. A Europa
nada fez. Os ingleses ameaçaram intervir em defesa da Dinamarca se a fronteira da Jutlândia fosse
ultrapassada, mas não podiam tomar quaisquer medidas efetivas sem o apoio de uma Potência
continental; e nem os franceses nem os russos estavam a fim de sacrificar seu bom entendimento
com Bismarck pela causa dinamarquesa. O mais que conseguiram os britânicos foi uma conferência,
realizada em Londres, uma semana após a queda do último ponto defensivo dinamarquês, a linha de
fortificação de Düppel, no Schleswig oriental. Nem Bismarck nem Rechberg foram a Londres. Seus
representantes concordaram em que se fazia necessário substituir o tratado de 1852 por um novo
acordo e foram de opinião, perante a conferência, de que o Schleswig-Holstein devia receber
autonomia embora permanecesse ligado dinasticamente à Dinamarca. Confirmando as suspeitas de
Bismarck, o Rei Cristiano não quis saber dessa proposta; e a conferência ficou de buscar outra
solução para o refratário problema180.

Bismarck sabia muito bem que solução desejava. Desde o estalar da crise queria que a Prússia
anexasse os ducados. Mas como impor sua vontade às outras Grandes Potências? Ou, mesmo, de
que forma convencer o rei da necessidade de absorver Schleswig-Holstein? Em 14 de janeiro,
durante a discussão com Karolyi sobre os termos finais da aliança austro-prussiana, mencionou por
alto, em conversa, que havia gente em Berlim de opinião que os ducados deviam ser incorporados à
Prússia, mas disse ao embaixador que havia firmemente rejeitado a idéia181. Karolyi já ganhara um
alto tirocínio sobre os métodos de barganha de Bismarck, mas a importância daquele comentário
passou-lhe despercebida, embora o passasse a Viena, assinalando que o ministro-presidente
também falara, em termos vagos, da necessidade austríaca de segurança no norte da Itália. Três
semanas mais tarde, Bismarck pôs à prova sua opinião durante uma reunião do Conselho da Coroa.
“Relembrei o rei de que todos os seus antecessores imediatos... haviam obtido para o estado um
aumento de território", descreveu Bismarck depois, “e incitei-o a fazer o mesmo... Porém Sua
Majestade parece ter imaginado que eu falava sob a influência de Baco, após um bom almoço. ...
Enquanto eu falava, o príncipe-herdeiro ergueu as mãos para o Céu, como a duvidar de minha
sanidade; e meus colegas nada disseram”182. Apenas dois dias antes, tropas prussianas haviam
penetrado no Schleswig, ostensivamente para auxiliar os austríacos na garantia do tratado de 1852,
e Guilherme mostrava dificuldade em acompanhar as viradas políticas de seu ministro. Seria preciso
mais que uma sessão vesperal do Conselho da Coroa para persuadir o rei a anexar territórios que a
Prússia não tinha como reivindicar, a não ser por direito de meia-conquista.

Mas Bismarck estava satisfeito com a resposta a seu balão de ensaio. Uma semana depois do
Conselho da Coroa foi a vez de ser testado o embaixador da França: “A incorporação à Prússia de
duas excelentes províncias como essas é uma tentação que vem a calhar para nossas ambições”,
comentou Bismarck com ele, mostrando também a mais vaga das possibilidades de que, num futuro
distante, pudesse vir a ceder aos franceses território na margem esquerda do Reno183. Durante os
dois meses seguintes Bismarck permaneceu em termos cordiais com os franceses, demonstrando
algum apoio à idéia de Napoleão de que os ducados deviam dividir-se segundo os limites das
nacionalidades. Mas ao mesmo tempo Bismarck encorajava um importante líder conservador
prussiano, o Conde Arnim-Boitzemburg (o mesmo que, mais de um quarto de século antes, fora seu
chefe departamental em Aachen) a organizar uma petição ao rei no sentido dE estabelecer um
protetorado sobre Schleswig-Holstein ou de anexá-lo diretamentE à Prússia. Cerca de 70.000 de
seus compatriotas firmaram a petição Arnim-Boitzemburg- o bastante para limpar a consciência de
Guilherme, ainda inquieto com a possibilidade de adicionar os ducados às suas possessões
territoriais.

Já agora Rechberg, em Viena, era assaltado de suspeitas quanto a seu aliado. Bem verdade que
Bismarck ainda estava, em abril, a dizer aos austríacos que chegara a época de “iniciar-se uma
política de compensação mútua” mas abstinha-se de esclarecer o significado de suas palavras.
Surpreendia-se com o fato de a aliança austro-prussiana estar resistindo às tensões da amizade:
“Difícil perceber por que os austríacos nos acompanharam até aqui, onde não podem ficar”,
comentou com seu amigo Keudell, ao viajarem ao norte, até Schleswig, em 22 de abril. “Poderiam
ter deixado para nós a tarefa da coação militar. ... Sem dúvida, o motivo principal é a preocupação
de que, se resolvermos sozinhos a questão dinamarquesa, ficaremos poderosos demais na
Alemanha.”184 Mas o acordo evidente entre prussianos e franceses irritou os austríacos e, na
terceira semana de maio, eles subitamente mudaram de tática. Informaram à Conferência de
Londres que, uma vez que o Rei Cristiano não aceitava a tese da autonomia, as potências alemãs
teriam, afinal, de apoiar Augustenburgo. Bismarck ficou surpreso com essa manobra, mas não
preocupado: eram mínimas as possibilidades de Grã-Bretanha, França ou Rússia aderirem a
Augustenburgo na mesa de debates, e se o lance visara a encorajar os dissidentes pró-
Augustenburgo na Corte de Berlim, vinha tarde, pois a facção estava virtualmente dissolvida. No dia
1 de junho Bismarck disse ao duque, pessoalmente, que a Prússia o trataria como “o nosso
candidato” desde que ele entregasse o controle das instalações militares e navais e fizesse certas
concessões comerciais. O duque julgou “insultuosas” tais condições e recusou-se a governar como
fantoche. A entrevista, superdramatizada no relatório de Bismarck ao rei, completou a queda em
desgraça de Augustenburgo, em Berlim. Somente o príncipe-herdeiro ainda insistia em que seu
amigo tinha uma pretensão juridicamente sólida aos ducados. Já se admitia, de maneira geral, que o
exército merecia, do assalto às linhas de Düppel, algo mais que bandeiras capturadas: “Não
podemos encarar de mãos vazias nosso povo, depois de campanha tão sanguinolenta,” disse
Bismarck185.

Mas antes de concertar o destino dos ducados foi necessária outra campanha. Os dinamarqueses
recusaram-se a qualquer concessão e a Conferência de Londres acabou. Retomou-se o avanço
austro-prussiano para o norte, através da Jutlândia. Em quinze dias um novo governo, em
Copenhague, pediu paz. Os termos preliminares foram acertados em 1 de agosto. Cristiano IX cedia
seus direitos nos Ducados à Prússia e à Áustria. Sua única esperança, segundo alguns políticos
dinamarqueses, estava em que, no devido tempo, as áreas de predominância nacional danesa do
Schleswig seriam restituídas ao seu reino por decisão daquele congresso internacional para revisão
geral de tratados, no qual tanto insistia Napoleão III perante um continente relutante. No momento,
porém, Schleswig e Holstein e Lauenburgo perderam sua importância para a Europa como um todo
e tornaram-se peões do tabuleiro alemão. Ficaram sob administração militar conjunta de Áustria e
Prússia.

No final de julho Bismarck viajou a Viena para encontrar-se com Rechberg. Os dois já se conheciam
havia nove anos: foram adversários na Dieta de Frankfurt, em 1855, quando o austríaco foi tão
ferreteado pela linguagem cáustica de Bismarck que chegou a pensar em desafiá-lo para um duelo;
mas logo aprenderam a respeitar-se: Rechberg fora amigo leal de Metternich, a quem acompanhou
pela Europa nos dias terríveis de 1848. Agora estava convencido de que Bismarck era o herdeiro
político de Metternich, o novo guardião da Europa conservadora, embora não lhe apreciasse os
métodos. Sem dúvida, achou-se capaz de controlar Bismarck, e saudou com efusão sua visita a
Viena. Da mesma forma, aliás, procedeu Francisco José, ainda que, em conversas particulares, o
imperador deplorasse seu mau hábito de “falar temerariamente, com grandes exageros, tentando
assustar as pessoas com palavras”. “A aliança com a Prússia é a única política que faz sentido”,
escreveu Francisco José a sua mãe.

Bismarck teve entrevistas preliminares com Rechberg, em Viena, durante a última semana de julho.
Depois foi para as termais de Gastein e reuniu-se a Guilherme em Ischl. No dia 21 de agosto, rei e
ministro viajaram juntos a Viena, para uma visita de estado, de comemoração ao sucesso conjunto
dos exércitos austríaco e prussiano nas recentes campanhas. Durante três dias os prussianos foram
hóspedes de Francisco José no palácio de verão dos Habsburgos em Schönbrunn, e foi aqui que
tiveram lugar as conversações decisivas.

Já então Bismarck tinha uma idéia perfeitamente clara de seu objetivo imediato: a aquisição dos
três ducados como primeiro passo para a consolidação da posição da Prússia ao norte do rio Meno.
Preferia operar com a Áustria, ao invés de contra ela, e não menos devido ao horror de seu
soberano a uma luta fratricida na Alemanha; propôs, assim, que a Áustria devia dar carta branca à
Prússia em Schleswig-Holstein em troco de apoio aos interesses austríacos noutros pontos da
Europa, especialmente no norte da Itália. Era um acordo vago demais para um diplomata
profissional como Rechberg; e como tão freqüentemente ocorrera nos últimos nove meses, os
austríacos tentaram amarrar Bismarck a um compromisso bem especificado. Mas que forma lhe
dariam? Francisco José esperava que se a Áustria abrisse mão de sua parte nos ducados, a Prússia
devolvería o condado de Glatz, que Frederico, o Grande, anexara durante sua invasão da Silésia,
mais de um século antes. Guilherme, porém, não cedería nada que houvesse sido ganho pelo mais
ilustre dos Hohenzollerns, e Rechberg estava mais ocupado da Lombardia e do Vêneto que da
sepultada questão da Silésia. Em 24 de agosto Rechberg abriu suas propostas: a Prússia recebería
Schleswig, a Áustria recebería Holstein; as duas potências concluiríam uma aliança militar de
caráter defensivo; se depois a Áustria recuperasse a Lombardia, Holstein seria cedido à Prússia.
Ninguém apreciou-lhe o plano. Ambos os governantes perceberam que semelhante tratado tornaria
virtualmente impossível evitar a guerra com a França, já que Napoleão III dificilmente permitiría
aos austríacos recobrarem sua velha supremacia sobre as planícies norte-italianas e nenhum deles
desejava embrenhar-se num conflito de maior monta. Também Bismarck procurava evitar uma clara
escolha de amigos e inimigos. Afirma ele ter dito aos austríacos que a aliança Viena-Berlim “não era
uma trading company, que dividisse os lucros segundo percentagem fixada, sendo antes uma caça
livre em que cada participante levaria para casa o que apanhasse”. Francisco José, nesse ponto,
perguntou se a Prússia desejava anexar os ducados ou se o rei satisfar-se-ia com concessões
estratégicas e comerciais. Esta era uma questão crucial para a qual Guilherme sempre evitara uma
resposta. Eis que Bismarck, não menos que Francisco José e Rechberg, agora esperou com o maior
interesse a resposta de seu senhor; pois nela estava a chave da política da Prússia para os restantes
meses do ano, e para além.

Guilherme atrapalhou-se; detestava tomar decisões dessa espécie e era irritante da parte do jovem
Francisco José afligir-lhe a cabeça com tais assuntos numa mormacenta manhã de agosto.
Relutante, ofereceu meia-resposta: “Não estou a pensar exatamente em absorver Schleswig-
Holstein”, disse, “Não tenho direitos sobre os ducados e não creio, portanto, que possa reivindicá-
los”186. Decepcionou Bismarck. De nada importava um convênio formal com a Áustria se o rei não
sabia o que podia e o que não podia reivindicar. Frederico, o Grande, teria respondido de outra
maneira.

As conversações de Schönbrunn não deram resultados. Áustria e Prússia concordaram em


colaborar, deixando os ducados sob administração conjunta indefinidamente. Rechberg
desacreditou-se em Viena por não haver conseguido nada de positivo com sua política pró-
prussiana. Nem bem Guilherme e Bismarck deixaram a,capital austríaca e começavam as intrigas
de seus inimigos contra ele. Um novo ministro do exterior, diziam, sabería enfrentar resolutamente
aqueles prussianos arrogantes. No fim de outubro de 1864, foi forçado a deixar o cargo.

Em anos posteriores, Bismarck atribuiu grande importância à queda de Rechberg. Afirmou que ela
permitiu o desencadeamento de um preconceito anti-prussiano em Viena, tomando assim, inevitável
a brecha entre as Potências Germânicas. Responsabilizou pela deterioração das relações austro-
prussianas o sucessor de Rechberg, o ameno e ineficiente general Mensdorff-Pouilly, e seu principal
conselheiro, Ludwig von Biegeleben. Mas o próprio Bismarck tem mais responsabilidade do que
jamais admitiu, pela tensão do inverno seguinte. Ele ausentou-se de Berlim num momento em que
uma ação decisiva de parte da Prússia poderia ter fortalecido a posição de Rechberg contra seus
rivais em Viena, e sua atitude para com Mensdorff foi sempre hostil sem buscar uma acomodação.
Quando Bismarck deixou Viena, no fim de agosto, já estava desanimado, na maior irritação com a
pusilanimidade de seu soberano em Schönbrunn. Na segunda semana de setembro, quando o rei e o
ministro viajaram a Frankfurt, para um encontro com o Czar Alexandre II, Bismarck sofria de
fraqueza nervosa. Um encontro casual com Catarina Orloff em Heidelberg convenceu-o de que
necessitava de uma licença para tratar da saúde; e um obséquioso médico de Frankfurt escreveu-
lhe uma carta recomendando “o mar de Biarritz como indispensável para prolongar meus dias” (nas
palavras de Bismarck). Lá se foi ele de Berlim para os Pirineus, onde os Orloffs haviam decidido,
outra vez, tirar férias. “Eis-me, afinal, aqui, minha querida”, escreveu ele de Biarritz a Joana, em 7
de outubro. “Parece um sonho; o mar se estende à minha frente, Kathy ocupada com seu sublime
Beethoven o tempo todo e um céu como ainda não tivêramos em todo o verão.”187

O idílio durou dezessete dias. Durante esse tempo a agitação contra Rechberg chegou ao máximo: o
infeliz ministro tentou uma promessa de Berlim de que a Áustria seria admitida como sócia
comercial na Zollverein em alguma data futura; e, embora Bismarck apoiasse em carta essa atitude,
o governo não a autorizou, em sua ausência, deixando Rechberg sem sequer um indício simbólico de
confiança dos prussianos com que pudesse silenciar seus críticos188. Bismarck só reassumiu suas
funções em 30 de outubro, um dia depois da renúncia de Rechberg. Surgiu a idéia de que ele fosse
imediatamente a Viena e assinasse, em pessoa, o tratado formal sobre a administração conjunta dos
ducados, mas ele recusou-se, explicando secamente que a assinatura do embaixador não seria
menos válida que a sua189. Não desejava estabelecer relações muito chegadas com o novo ministro
do exterior austríaco: convinha-lhe que outros houvessem demitido Rechberg e que ele se pudesse
queixar dos sentimentos antiprussianos em Viena sem verificar por si mesmo a profundidade desses
sentimentos. Em 9 de novembro, expressou ao embaixador russo a tristeza que era ver a política
austríaca, agora, muito firme na busca do constrangimento da posição da Prússia no conjunto da
Alemanha “Não teremos outro jeito, seremos forçados a manter-nos em situação defensiva”, disse
ele190. Ominosa coincidência, no dia da demissão de Rechberg, Bismarck passara a tarde
inspecionando “a fundição de canhões da Krupp, em Essen”191.

As primeiras abordagens de Mensdorff não mostravam nenhuma diferença da política de Rechberg.


A Prússia, propôs ele, poderia anexar Schleswig e Holstein se a Áustria recebesse compensação
noutro lugar, na Alemanha. Já que Guilherme temia mais que nada a perda de territórios que
houvesse recebido dos antepassados, havia algo de acadêmico na proposta de Mensdorff, rejeitada
sem maior hesitação. Mas pelo menos os austríacos estavam dispostos a aceitar a cessão de ambos
os ducados à Prússia; se quisesse, Bismarck poderia ter criado um novo entendimento a partir dessa
premissa. Entretanto, ele agora estava decidido a isolar a Áustria diplomaticamente e verificar até
que ponto Francisco José poderia contar com o apoio dos estados alemães menores, estando fora
das lides o experimentado Rechberg. Bismarck estivera com Napoleão III e Drouyn de Lhuys em
Saint Cloud e Paris, no dia 25 de outubro, e depois havia tido conversações com Gorchakov em
Berlim. Estava certo de que nem a Rússia nem a França colaborariam com os austríacos; chegou a
gabar-se para os russos de que “bastava que ele dissesse uma palavra” e a Prússia seria capaz de
chegar a um entendimento com a França “em vinte e quatro horas” [1]. Não estava longe da
verdade. Nos meses finais de 1864 a Prússia de Bismarck gozava de maior liberdade de manobra,
em assuntos externos, que qualquer Potência do continente192.

Em breve ficava evidente que a Prússia também estava em posição mais forte no que dizia com os
assuntos mais estritamente germânicos. Durante novembro, Bismarck estimulou os comissários
militares no Schleswig a tratarem o ducado como se já fora província prussiana. Comunicou aos
austríacos que a Dieta Germânica de Frankfurt devia reconhecer a entrega, pela Dinamarca, de
Schleswig-Holstein. Tal ação teria como decorrência a retirada das tropas hanoverianas e saxônicas
dos ducados, deixando-os, assim, sob a autoridade exclusiva dos exércitos de ocupação prussiano e
austríaco. A proposta era sensata, Mensdorff bem o sabia, mas impopularíssima em Viena e em
Frankfurt, onde remanesciam fortes simpatias por Augustenburgo. Depois de alguma hesitação,
Mensdorff apoiou Bismarck, mas queria uma decisão final dos prussianos quanto ao pleito de
Augustenburgo de soberania sobre os ducados193. Não queria, porém, com muito empenho: a
monarquia Habsburgo, naquele inverno, estava tomada de incertezas sobre sua própria estrutura
interna; face a conversações secretas entre a Corte e os líderes da oposição húngara, Francisco José
não demonstrava desejos de criar problema na Dieta de Frankfurt. Satisfê-lo que Mensdorff
mencionasse a reivindicação de Augustenburgo de passagem, simples lambarice para o Cérbero de
Frankfurt. No que dizia respeito a Francisco José, seria até melhor que Bismarck nem respondesse.

Mas a Prússia também tinha seus problemas internos de governo. As remexidas questões do serviço
militar e dos gastos do exército permaneciam sem solução. De início, a maioria dos liberais e
progressistas, em Berlim, era a favor de Augustenburgo, mas o sucesso das armas prussianas -
muito especialmente a tomada de assalto das fortificações de Düppel - intensificaram-lhes o ardor
patriótico e muitos dos críticos de Bismarck apoiaram a petição Arnim-Boitzenburg em favor da
anexação. Em 14 de janeiro de 1865 o Landtag reuniu-se pela primeira vez em doze meses. A fala
do trono afirmou que a rápida vitória ostentava a sabedoria das reformas do exército, e havia um
espírito mais acomodado na Câmara Baixa. Se Bismarck fosse capaz de obter um sucesso final para
sua política dos ducados, tudo indicava que os liberais moderados conduziríam um acordo através
do parlamento e resolveríam as disputas constitucionais naquela primavera. Cinco semanas depois
da reabertura do Landtag, Bismarck tomou sua iniciativa diplomática: para consternação dos
austríacos, respondeu minuciosamente às perguntas de Mensdorff sobre os ducados. A Prússia,
declarou Bismarck, apoiaria o surgimento de um Schleswig-Holstein independente, sob o senhorio
de Augustenburgo, contanto que se atendessem três condições: as forças militares dos ducados
serem colocadas sob comando prussiano e a serviço do Rei Guilherme, com juramento de lealdade;
os portos e fortalezas principais, entregues à Prússia; aprovarem-se planos para construção, pelos
prussianos, de um canal marítimo ligando o Mar do Norte e o Báltico. Não havia menção a
compensações para a Áustria. A estipulação de que os ducados deveríam entrar para a Zollverein,
afastando-se, assim, dos interesses comerciais austríacos, em nada ajudaram para tornar a proposta
palatável. As “Condições de Fevereiro”, declarou Francisco José, sem hesitação, eram
“simplesmente inaceitáveis”194.

A esta altura, as autoridades vienenses cometeram dois erros táticos: incitaram a Baviera a levantar
a questão Augustenburgo na Dieta de Frankfurt; e permitiram ao comissário austríaco em Holstein
dar apoio oficial à agitação augustenburguesa no interior do ducado. Bismarck reagiu bruscamente.
Uma vigorosa campanha de propaganda nos ducados e nas cidades costeiras do Báltico proclamou
as vantagens do governo direto pela Prússia, ridicularizando os Augustenburgos. Ainda mais
expressivamente, no dia 5 de abril, Roon, como ministro da Guerra, anunciou no Landtag que o
comando da marinha prussiana estava transferido de Dantzig para Kiel, a principal cidade do
Holstein. Era o mais direto desafio até então oferecido à Áustria: a notícia foi bem recebida no
parlamento prussiano; mas em Frankfurt e Viena considerou-se que os estados alemães estavam
mais próximos de um conflito armado que em qualquer outra ocasião desde a disputa sobre o
Hesse, em 1850. Naquela ocasião, a Prússia cedera, em Olmütz: desta vez, Bismarck não permitiría
uma segunda humilhação, todo mundo bem o sabia. O rei estava disposto à guerra e à anexação,
malgrado suas anteriores reservas de consciência; os comandantes militares, confiantes na vitória;
e nem franceses nem russos deveríam intervir. No entanto, inesperadamente, Bismarck mudou sua
política. Num Conselho da Coroa, em 29 de maio, surpreendeu seus colegas e o rei, ao insistir em
que ainda não chegara o momento para uma campanha militar, e propor que a Prússia negociasse
com a Áustria, em cima das “Condições de Fevereiro”, retirando-se a estipulação de que as forças
ducais seriam incorporadas ao Exército Prussiano195. Essa evidente virada de atitude intrigou os
membros do conselho e confundiu os posteriores apologistas de Bismarck. Disse ele que a questão
era trivial demais para uma guerra e que -conforme provaram os acontecimentos - os austríacos
estavam prontos a concessões sem necessidades de ação tão drástica.

Havia outra razão para sua mudança de frente. Até a primavera de 1865 ele estivera em bons
termos com o general Manteuffel e os ferrabrases do gabinete militar do rei; mas no início de maio
Manteuffel iniciara uma intriga no palácio para evitar que Guilherme concordasse com qualquer
solução por acordo no Landtag. No dia anterior ao do Conselho da Coroa, Manteuffel disse ao rei
que se (como tudo parecia indicar) a guerra viesse em algumas semanas e a Prússia ganhasse
territórios, seria do dever de Guilherme beneficiar-se da popularidade da vitória, declarando a
constituição inadequada para uma Prússia engrandecida e retornando à tradicional soberania
autocrática dos Hohenzollerns. Bismarck sabia, desde semanas, que Manteuffel e seu grupo militar
desejavam ab-rogar a constituição; e não pretendia permitir-lhes que comandassem os
acontecimentos internos da Prússia. Roon concordava com Bismarck: ambos desgostavam dos jogos
políticos do Landtag e desprezavam os deputados neles empenhados; mas estavam agastados com
Manteuffel por haver reforçado a resistência de Guilherme à solução de compromisso sobre as
propostas do exército196. Um golpe militar realista seria, na opinião deles, um desastre para a
Prússia: na melhor das hipóteses custar-lhes-ia as carreiras; mais provavelmente, provocaria uma
revolução, que lhes custaria as cabeças.

Tecnicamente, Bismarck foi derrotado. O rei se recusou a baixar o tom das condições de
fevereiro197. Deve-se notar que Bismarck não ameaçou demitir-se, sentindo que uma carta de
demissão não era exatamente a carta a jogar. Por todo o verão uma crise extraordinária parecia
piorar a cada semana. Guilherme rejeitava as contrapropostas de Viena, e Bismarck o estimulava,
mesmo asseverando que o exército estava pronto para a guerra e que era garantida uma rápida
vitória. Mas Bismarck estava jogando um jogo elaboradíssimo, de blefes e sobreblefes. Sua ânsia
era adiar a confrontação com os austríacos até estar seguro de ter firmes nas mãos as rédeas do
poder, mas estava decidido a não permitir que seus antagonistas, em Viena, percebessem que seu
controle dos acontecimentos já não era o mesmo do outono anterior. Com o maior descaso pela
delicadeza da tensão em que viviam, atravessou a fronteira para uma estação de águas em
Carlsbad, nos últimos dias de junho. Permaneceu três semanas na Boêmia e, depois de uma curta
visita à Baviera, foi para o sul, para a Província de Salzburgo, onde permaneceu por outro mês198.
Não é de surpreender que durante seu período de permanência em Carlsbad suas cartas a Roon
admitissem francamente a probabilidade da guerra pois nenhum serviço de informações era tão
renomado como o austríaco por interceptar e mal-interpretar correspondência. Bismarck não se
importava que seus oponentes soubessem que ele estava pronto para a guerra se ela viesse, muito
embora, no fundo, alimentasse esperanças de que pudesse ser evitada. Os austríacos, ele o sabia,
não correríam o risco de uma campanha: o império não apenas estava politicamente dividido, mas à
beira da falência financeira. Era razoável esperar que buscassem uma solução diplomática, caso em
que o rei dependería da orientação de Bismarck e não de Manteuffel e sua velha guarda de
generais.

O jogo de Bismarck estava certo. Em 5 de agosto, Francisco José finalmente resolveu descer da
beira da guerra que não queria e não podia fazer. Seu enviado à Baviera, o Conde Blome,
estabeleceu contatos secretos com Bismarck em julho; e na segunda semana de agosto o Conde
viajou para Bad Gastein, onde Bismarck se reunira ao rei Guilherme. Foi lá, em solo austríaco, que
Blome apresentou uma oferta final de acordo sobre os ducados. Sem “idéias preconcebidas quanto
ao direito de ambas as Potências à íntegra dos ducados”, Schleswig seria provisoriamente destinado
à Prússia, Holstein à Áustria e Francisco José vendería sua parte de direitos em Lauenburgo ao Rei
Guilherme, que poderia, assim, incorporar este, o menor dos ducados, ao reino prussiano. Ao
mesmo tempo, os austríacos dispunham-se a concessões militares e navais aos prussianos no
interior do Holstein, inclusive o direito de administrarem duas estradas militares atravessando o
ducado, de usarem e fortificarem o porto de Kiel como base naval e de construírem um canal do
Mar do Norte ao Mar Báltico, cortando o Holstein de administração austríaca. Não se falaria mais
no Duque de Augustenburgo e em suas pretensões. Estes termos imediatamente caíram no gosto do
rei e de Bismarck. Em meados do mês, afastara-se a perspectiva de guerra interna na Confederação
Germânica.

O acordo foi corporificado em um convênio formal assinado em Gastein no dia 14 de agosto e


ratificado em Salzburgo seis dias depois. Guilherme estava satisfeito com o convênio: dava-lhe
Lauenburgo, inferia Schleswig como certo e assegurava ganhos valiosos no Holstein. Acima de tudo,
a seus olhos, mostrava ao mundo que as dinastias de Habsburgo e Hohenzollern não eram rivais, e
sim “francos, leais e honestos” guardiões dos interesses da Alemanha. “O mundo” era menos
otimista que o rei. A muitos observadores não envolvidos o convênio pareceu cínica barganha.
Houve indignação ante o total desprezo pela reivindicação de Augustenburgo; e foi anotado, em
Londres, que o princípio da indivisibilidade de Schleswig-Holstein, outrora quase sagrado para os
diplomatas alemães, foi rapidamente descartado quando se tratou da necessidade das duas
principais Potências alemãs realizarem um acerto de contas.

Mas a Bismarck pouco importava o que estariam a pensar em Munich, ou em Frankfurt ou mesmo
em Londres. Compreendia o fato de que o convênio era ainda uma solução provisória, “papel sobre
as rachaduras”, dizia, um conserto que não duraria muitos invernos199. Mas ganhara o que queria:
uma vitória diplomática. Sobretudo, seus problemas na Corte se resolveram: recobrara a confiança
do rei; quanto a Manteuffel, foi mandado a governar Schleswig, onde ficaria ocupado e distante o
suficiente para não se meter em intrigas palacianas. Em particular, Bismarck dizia aos amigos que
mal acreditava na sua boa sorte ao conquistar tantos objetivos. “Imaginar-se que se encontrou um
diplomata austríaco disposto a assinar uma coisa como aquela”, comentou, quando revisava os
termos do convênio de Gastein200. Restava verificar até que ponto o espírito de apaziguamento
teria erodido a vontade e a resistência dos Habsburgos. Por enquanto, era uma boa ocasião para
outra excursão a Biarritz.

[1] Bismarck contava com a tensão crescente entre, de um lado, os austríacos e, do outro, os
italianos e franceses, sobre o futuro do Vêneto. As relações franco-italianas haviam sofrido durante
quatro anos o desgaste da questão de Roma e do problema da guarnição francesa que protegia o
Papa; mas em setembro de 1864 assinou-se um convênio entre franceses e italianos tratando da
eventual evacuação da guarnição de Roma. Napoleão III apreciaria qualquer acordo com uma
Potência Européia hostil à Áustria, já que uma queda de prestígio dos Habsburgos criaria para os
italianos a tentação de olharem mais para o Vêneto, menos para Roma, aliviando, assim, a pressão
clericalista sobre Napoleão, em casa.
8. A GUERRA ENTRE IRMÃOS

Sucessivos meses de crises haviam minado as condições físicas de Bismarck, aumentando suas
explosões de mau humor e causando-lhe noites de insônia. Em 1865, queixou-se várias vezes da
saúde: nevralgias, fortes dores nas pernas; e estava convencido de que a respiração difícil era de
origem asmática201. Nem toda sua entourage, no entanto, levava muito a sério seus queixumes,
pois nos momentos de maior exuberância ele admitia abertamente que era hipocondríaco. Mesmo
assim, embora com cinqüenta anos apenas, já tinha as pálpebras caídas e o rosto enrugado de um
velho. No outono anterior, duas semanas em Biarritz lhe haviam restaurado e acalmado os nervos.
Agora, setembro de 1865, estava ansioso por uma escapada aos Baixos Pirineus. Só em pensar nas
horas de sol ao lado de Kathy, enquanto Berlim abotoava-se até em cima contra o inverno, sentia
enorme prazer, pois continuava com o mesmo antigo gosto por vadiar. No dia 3 de outubro chegou a
Biarritz. Desta vez passaria quatro semanas na praia, refestelando-se ao clima ameno, enquanto as
ondas de rebentação do Atlântico lavavam a areia firme. Providenciou para a mulher e a filha
fazerem a longa viagem de trem a fim de que, desta vez, os Orloffs e os Bismarcks pudessem
aproveitar juntos os prazeres de Biarritz.

As férias não saíram como ele esperava. Pouco adiantaram para sua saúde ou para seu estado
d’alma. No último instante Kathy Orloff decidiu não viajar para o sul até os Pirineus, preferindo
atravessar o Canal e passar o outono em Torquay, no litoral inglês; explicou que soubera de uma
ameaça de epidemia de cólera em Biarritz. Bismarck fez chacota desse receio e não escondeu sua
irritação. Além disso, o tempo esteve ruim: em três semanas, disse ele, aborrecido, “não houve mais
que quatro dias sem uma chuvarada, uma tempestade ou ventania”. “Acho que não voltarei mais
aqui”, escreveu a Kathy, agastado. “Quando tinha tua companhia era-me fácil esquecer, ou ignorar,
todas as amolações, mas agora estou desiludido e levarei comigo esta sensação de contrariedade e
melancolia”. Nunca notara, anteriormente, diz ele, que o vinho do hotel sabia pessimamente, que os
quartos cheiravam a mofo202. Deixa-nos a maior simpatia por Joana e por Marie, a filha do casal,
com dezessete anos de idade.

Havia, porém, um motivo mais importante para a viagem ao litoral do golfo de Biscaia, naquele
outubro (talvez não para agüentar vinte e dois dias de mau tempo e humor birrento). A Corte
francesa esteve em Biarritz até a metade do mês. Bismarck, pessoalmente, não duvidava da boa
vontade de Napoleão III para com a Prússia; mas Drouyn de Lhuys, o ministro do exterior,
considerava a convenção de Gastein uma cínica barganha e não se importava em esconder sua
preferência pela liderança austríaca nos assuntos alemães. O Rei Guilherme, como sempre
suspeitoso dos franceses, queria certificar-se. Bismarck estava mais do que pronto a jogar o
imperador contra Drouyn e o grupo de pressão clericalista em torno do trono, especialmente se a
Corte demonstrava o bom senso de passar o outono em Biarritz. Alguns dias antes de deixar Berlim,
Bismarck disse ao primeiro-secretário da embaixada francesa que, por ele, a França estendería suas
fronteiras “a todos os lugares do mundo onde se fala a língua francesa.”203 Eis aí tópico de muito
maior interesse para um Bonaparte que a maçante opinião de Drouyn sobre o valor moral do
compromisso de Gastein. Teria o primeiro-ministro prussiano em mente o Canadá, ou a Suíça, ou
Luxemburgo, ou a Bélgica? O imperador apreciou imensamente a notícia de que Bismarck estava de
viagem para Biarritz.

Napoleão recebeu-o em audiência privada na Villa Eugénie, em 4 de outubro, menos de vinte e


quatro horas da chegada de Berlim. Uma semana depois, os dois tiveram outra conversa, desta vez
à mesa do almoço. Encontraram-se de novo em S. Cloud, na primeira semana de novembro. Cada
um desejava manter a conversação o mais informal possível: não estavam tanto em busca de
concordâncias definidas, muito mais a sondarem-se mutuamente as motivações. Bismarck não
mostrou vontade de esclarecer melhor sua curiosa frase, e Napoleão eximia-se de abordar
determinados assuntos que sacudiríam toda Europa. “Não se deve ter a pretensão de modelar os
fatos, e sim deixá-los que aconteçam por si mesmos”, declarou o imperador, repetindo quase
exatamente as palavras de Bismarck a Drouyn. Napoleão deixou-se especular sobre “as vantagens
que se podem apresentar espontaneamente, sem convite”, nalgum ponto do futuro, mas não
apresentou nenhuma reivindicação específica sobre áreas de língua francesa, na Bélgica ou onde
quer que fosse. Bismarck, por sua vez, evitou detalhadas exposições de política: falou, de passagem,
na possibilidade de a Prússia vir-a comprar o Holstein da Áustria, por uma soma adequada e no
devido momento; e confirmou a Napoleão que a Prússia não dera garantias à situação do Vêneto
como possessão austríaca Retribuindo a essa prova de confiança, Napoleão fez ridículo dos boatos
sobre uma aliança franco-austríaca: “Ele não iria sair de seus cuidados para ir colocar-se ao lado de
um alvo”, Bismarck afirma tê-lo ouvido dizer204.

Estas conversações - em geral denominadas simplesmente “a visita de Biarritz” - têm recebido


destaque exagerado de parte dos historiadores, inclusive porque Bismarck mesmo gostava de
teatralizar tais encontros, em suas reminiscências. Ele não chegou a concluir um acordo de troca
com Napoleão em Biarritz, adquirindo a neutralidade da França numa guerra austro-prussiana;
ainda não estava de todo convencido de que teria de lutar com a Áustria e não queria pôr mais
carga nos ombros em compromissos difíceis de explicar, caso fossem maldosamente segredados aos
inimigos, no país ou no exterior. Era característico da diplomada de Bismarck ter falado tão
expansivamente a um primeiro-secretário da embaixada francesa e, no entanto, tornar-se tão
enigmático quanto seu interlocutor ao conversar com o imperador francês. Napoleão gostara:
Berlim, concluiu, reconhecia o direito da França a compensações, caso houvesse modificação de
vulto no mapa da Europa central. Mas quem mais ganhou foi Bismarck, ao não dizer nada. Em 23 de
outubro, observou, alegre, para um funcionário de seu ministério do Exterior que “Napoleão
dançará conosco o cotillon no encerramento do baile, mas ainda não decidiu precisamente que
mímicas fará, nem sabe a hora em que começaremos”205. Biarritz - depois Saint Cloud -
convenceram Bismarck de que Napoleão III estava enfastiado demais para tomar a iniciativa
diplomática. Daí em diante, a música para o cotillon viria das bandas militares prussianas. As
conversações indicaram a Bismarck que Napoleão mais se interessava na Itália que na Alemanha. O
Vêneto pairava desproporcionalmente grande nos cálculos do imperador, enquanto o destino do
Holstein valia pouco. Era o que Bismarck queria: preparava-se para utilizar o futuro da Venécia
como meio de colaborar com a França, e argumentava, desde havia muito tempo, que um estado
nacional italiano seria aliado natural da Prússia em qualquer conflito com a Áustria.
Concomitantemente, seria possível isolar o problema de Schleswig-Holstein das demais questões da
diplomacia européia.

Durante os dois últimos meses de 1865 Bismarck explorou cada pequeno incidente nos ducados com
o fito de desconceituar a Áustria. A presença do Duque de Augustenburgo no Holstein, dizia ele, era
incompatível com a dupla soberania austro-prussiana sobre os ducados; e reclamou a Mensdorff do
fato de os representantes da Áustria em Frankfurt não juntarem suas vozes às da Prússia na
condenação das mostras de simpatia por Augustenburgo que ocorriam na Dieta. Até certo ponto,
Manteuffel, o governador militar de Schleswig, provocou assomos de sentimento pró-
Augustenburgo a fim de obter “provas” da irresponsabilidade austríaca. No fim do ano, as
estudadas indiscrições de Manteuffel haviam irritado a tal ponto o governador austríaco de
Holstein, Ludwig von Gablenz, que ele decidiu dedicar-se de fato a ajudar a facção Augustenburgo.
Em 23 de janeiro de 1866 Gablenz autorizou uma manifestação de massa a favor do duque, em Alto
na, o centro administrativo do Holstein. Tal incidente deu pretexto a Bismarck para a guerra fria
dos ducados. Após três dias, uma nota a Viena, carregada de palavras duras, alertava Mensdorff
que, se a Áustria não acabasse com a perigosa agitação “democrática e revolucionária" no Holstein,
a cooperação entre os dois governos chegaria ao fim. “Nós nos reservaremos total liberdade de
ação em toda nossa política”, acrescentava Bismarck, com pressaga ambigüidade206.

Todo esse rosnado furioso destinava-se a impressionar Guilherme, tanto quanto Francisco José. Pois
Guilherme, no fundo, abominava a idéia de “uma guerra entre irmãos”. Seu filho, a nora, seus
amigos e parentes nos estados germânicos menores, todos lhe chamavam a atenção para a loucura
de deixar que Bismarck levasse a Prússia de roldão para um conflito que deixaria a Alemanha
dilacerada. Mas a agitação pró-Augustenburgo e o grande comício de Altona convenceram
Guilherme de que Bismarck estava certo: à administração austríaca faltava aquele senso de
responsabilidade que o rei julgava essencial à preservação da sociedade entre as grandes Potências
Alemãs. Já vinha de mais de um ano a insistência de Roon em que se preparasse o exército para
uma campanha contra a Áustria, e o rei sempre confiara na capacidade de julgamento de seu
ministro da guerra207. Agora, fevereiro de 1866, o conselho de Roon contava com o endosso do
general que mais impressionara Guilherme durante a campanha danesa, Helmuth von Moltke, um
mecklenburguês de sessenta e cinco anos de idade. O rei descobrira nele o perfeito parceiro e
contraste para seu ministro-presidente.

Embora Guilherme fosse um conservador que detestava inovações, era também bom militar e
percebeu a genialidade de Moltke bem antes que a maioria dos mais antigos membros de corpo de
oficiais; certamente, muito antes de Bismarck.

É preciso admitir, porém, que ninguém fora capaz de entender a arte de Moltke até ele haver
atingido a idade em que a maioria dos generais passa para a reserva. Fora nomeado chefe do
Estado-Maior Geral prussiano em 1857, numa época em que a função não significava muita
autoridade. Até a deflagração da guerra da Dinamarca tivera o tratamento de simples chefe de
departamento do Ministério da Guerra, responsável basicamente pelas informações militares. Foi
durante as últimas etapas de guerra dinamarquesa que Moltke demonstrou percepção da
importância dos desenvolvimentos técnicos: ele não era - como tantos de seus colegas - um
espadachim romântico, agindo de qualquer jeito, com base nas campanhas do Grande Frederico,
mas sim um oficial que reconhecia a importância das estradas de ferro e das operações militares
planejadas num contexto de estratégia ampla ao invés da busca de objetivos limitados. Ainda que,
tal qual seu soberano, Moltke execrasse a perspectiva de uma Guerra de Irmãos, no início de 1866
já começara a considerá-la um mal necessário. “A guerra de 1866 não se fez porque a existência da
Prússia estivesse ameaçada”, escreveu ele, vários anos depois. “Foi uma luta prevista com grande
antecedência pelo governo, e levada a efeito não com vistas a ganhos territoriais mas por um ideal -
a fundação do poder.”208 Moltke, Roon, Bismarck, insistiram todos em que era vantajoso para a
Prússia lutar com a Áustria em 1866, ao invés de esperar que os Habsburgos pusessem a casa em
ordem. Era fora de dúvida que o “partido da paz”, dentro da família real, perdia fôlego.

E era, aliás, o que o príncipe real temia. “Todo mundo pensa na guerra com a Áustria, desejada por
Bismarck a qualquer custo", anotou em seu diário na terceira semana de fevereiro. “Ele empurra
Sua Majestade à luta e faz com que outros procedam da mesma forma”, terminava, pesaroso209. A
decisão fatal sobre guerra ou paz foi posta perante um Conselho da Coroa, em Berlim, no dia 28 de
fevereiro. Todos os ministros do governo estavam presentes, bem como o príncipe, o embaixador na
França, o chefe do Grande Estado-Maior e dois dos antigos críticos de Bismarck na entourage
militar do rei, os generais Alvensleben e Manteuffel. Os militares profissionais foram unânimes a
favor da guerra à Áustria naquela primavera. O próprio Bismarck fez um exame das relações austro-
prussianas desde 1815, usando palavras moderadas (mas nada imparcial). Afirmou ser missão
natural da Prússia liderar a Alemanha, e que essa ambição “absolutamente justificada” era
frustrada, a cada etapa, pelas posições políticas egoísticas e interesseiras da Áustria. As condições
internas da Alemanha e da Europa jamais se haviam apresentado tão favoráveis à Prússia como no
momento: que a guerra com a Áustria ocorresse em tomo da questão dos ducados, e de tal conflito
sairía uma solução para o problema alemão, aceitável a todo o povo prussiano.

Bismarck recomendava também ao Conselho da Coroa que se fizesse uma aliança com a Itália Esse
ponto foi repisado por Moltke, que desejava ver os italianos invadirem o Vêneto sob controle
austríaco, para dividir os exércitos de Francisco José. Moltke também falou da necessidade de uma
ação rápida, que impedisse a preparação não somente dos austríacos, mas da Saxônia e da Baviera,
que em qualquer campanha germânica quase certamente bater-se-iam ao lado das forças dos
Habsburgos. O ministro da fazenda, Karl von Bodelschwingh, pôs em dúvida a necessidade da
guerra; era a favor doutra tentativa de solução conciliatória. Mas verdadeiramente contra só um foi,
o Príncipe Real Frederico Guilherme, também ele militar, e que deveria comandar um dos exércitos
prussianos em combate. Em sua opinião, uma guerra entre as Potências seria uma tragédia para
toda a Alemanha e só aproveitaria a Napoleão III.

No fim, o rei titubeou em decidir firmemente por um ou outro lado. Declarou ao Conselho da Coroa
que havia feito um profundo exame de consciência e que admitia aceitar a necessidade de uma
guerra com a Áustria; voltara-se, assim disse, para o Criador e estava convencido ser da vontade
Divina que se fizesse justiça à Prússia. Mas não daria a ordem final a Bismarck para proceder como
achasse melhor não se devia provocar a guerra, fosse por atos desarrazoados, fosse por declarações
intempestivas. Caso a Áustria demonstrasse uma mudança de estado de espírito, ou de política,
Guilherme daria graças a Deus, pois uma solução pacífica era infinitamente preferível. Por ora,
desejava que Bismarck preparasse uma carta, em seu nome, propondo a Napoleão III um mais
estreito entendimento entre a Prússia e a França, e aprovava preparativos para um acordo militar
com a Itália.

Terminado o Conselho da Coroa, os militares ficaram convencidos de que a guerra era iminente;
Bismarck, não. Ele entendeu o significado das pias esperanças de Guilherme numa solução pacífica.
Se Mensdorff conseguisse acalmar o grupo militar que cercava Francisco José, havia grande
possibilidade de uma mudança de atitude da Áustria, tal como ocorrera em Gastein, no verão
anterior. Bismarck decidiu, em conseqüência, ter pronta uma alternativa política que levasse à
rápida reconciliação austro-prussiana, caso Francisco José resolvesse deixar de lado as tradicionais
pretensões dos Habsburgos a dominadores da Alemanha. Essa renúncia seria a solução lógica das
dificuldades da Áustria. Em fevereiro e março ela não pareceu fora de propósito. A Corte Habsburgo
fora para a residência em Budapest, e todo o esforço se fazia para superar as suspeitas latentes
entre a dinastia e os nobres magiares. Mais de três anos antes Bismarck sugerira a Karolyi que a
monarquia dos Habsburgos transferisse seu centro de gravidade para a Hungria. Se isto, agora,
sucedesse, não havería necessidade de uma “Guerra de Irmãos”, muito menos para qualquer
entendimento com Napoleão III ou com Vitório Emanuel da Itália. Embora, no fundo, Bismarck
julgasse Francisco José orgulhoso demais para fazer as concessões que a Prússia queria, ele esteve
em condições de enfrentar a mais dramática mudança de política, até o momento mesmo em que a
primeira tropa cruzou a fronteira. A flexibilidade de manobra era uma condição essencial de sua
estratégia diplomática.

Por ora, entretanto, continuou a perseguir três objetivos imediatos: uma aliança secreta com a
Itália, que comprometesse Vitório Emanuel na guerra, mas que deixasse a Prússia livre de
compromissos; uma entente com a França, a tal ponto sólida que Napoleão III adotasse uma
neutralidade benevolente sem compensações; e, acima de tudo, a manutenção de uma tensão tão
constante que os nervos dos soldados e dos diplomatas de Francisco José terminassem por ceder,
levando-os a cometer algum “erro crasso e imperdoável”. No fim, os sucessos táticos de Bismarck
ficaram a meio caminho de todos os três objetivos. Os italianos impuseram um tempo-limite ao
definirem que somente declarariam guerra à Áustria se a luta entre a Prússia e a Áustria se
desencadeasse dentro de três meses após a assinatura da convenção secreta (8 de abril). Napoleão
III, conquanto sem a menor inclinação de favorecer a Áustria, mencionou, em conversa privada, a
expansão até o Reno, e condenou publicamente a solução de 1815. Finalmente, mesmo que não
houvesse sido difícil convencer Guilherme de que a Áustria era o lado errado, foi impossível
conquistar a opinião pública alemã; e muitas regiões da Prússia enviaram “humildes mensagens” ao
rei pedindo-lhe que garantisse a paz. Seja como for, nenhuma dessas falhas impediu Bismarck de
chegar à solução pela guerra, que sempre advogara como sendo o único método eficaz de enxotar a
Áustria dos assuntos germânicos.

A primavera de 1866 foi um período de retesamento constante. Certas ocasiões Bismarck


permanecería horas a fio estirado num sofá de forro vermelho, em seu escritório, queixando-se de
dores fortes na perna e reclamando que mal podia mover-se. O embaixador austríaco, num dia de
abril, ao chegar para uma conversa crucial, teve a impressão de ver um urso ferido, uma criatura
atingida, em tormento, mas ainda uma ameaça para o caçador que lhe chegasse ao alcance210.
Roon demonstrou mais compreensão: achou-o “deprimido, irritadiço, com a mente perturbada”, e
registrou que ele sofria “das mais intensas dores no estômago”; entristecia-o ver o gigante que ele
havia levado ao poder três anos e meio antes alquebrado por “trabalhos hercúleos dia e noite”211.
Durante semanas Bismarck mal saiu de sua residência oficial. Houve boataria na cidade sobre sua
saúde. É difícil determinar com exatidão o que houve com ele, se é que houve alguma coisa.
Basicamente parece ter tido problemas de varizes, mas sua debilitação geral - o “ar sombrio” que
amigos e colegas tanto comentavam -provinha também de hábitos alimentares desordenados e,
naquele tempo, da total falta de exercício. Até certo ponto sua doença tinha conveniências: não
comparecer a cerimônias oficias, não ter que fazer discursos; a vantagem de só receber os
diplomatas e os políticos que quisesse; e a esperança de estudar despachos e relatórios em relativa
paz, só quebrada pelos auxiliares escolhidos. Não foi a primeira vez, nem a última, em que gozou
das delícias da doença.

Os austríacos tiveram o primeiro alarme sério sobre a atitude da Prússia, na segunda semana de
março, quando Karolyi, o embaixador em Berlim, informou da chegada de uma missão militar
italiana212. Os conselheiros de Francisco José chamaram-lhe a atenção para o fato de que, devido à
tensa situação ao longo das fronteiras da Venécia e da Lombardia, não havia mais que três
regimentos aquartelados na Boêmia. A paquidérmica máquina de guerra austríaca exigia duas vezes
mais tempo para mobilizar-se que a da Prússia, e o Estado-Maior Geral austríaco não desejava
alertar o inimigo fazendo convocações de pessoal. Porém que mais poderiam fazer? Por toda a
segunda metade de março enviaram homens para o norte, para as praças fortes da Boêmia e da
Morávia. Cada informação sobre movimento de tropas melhorava o jogo na mão de Bismarck. Ele
alimentou a imprensa de Berlim com “provas” das intenções agressivas da Áustria. Até o rei,
relutantemente, convenceu-se de que Francisco José desejava humilhar uma vez mais a Prússia. Na
Quinta-Feira Santa (29 de março) Guilherme engalfinhou-se com sua consciência e chegou à
conclusão de que era justo dar ordens ao Exército Prussiano para reforçar as guarnições de
fronteira, embora não autorizasse a convocação de reservistas213. Existe uma anotação com itens
para uma conversa entre Guilherme e o Duque de Coburgo (datada de 4 de abril): o rei explicava
que havia esperado quinze dias, depois que as primeiras notícias chegaram-lhe de que “a Áustria se
arma”, mas agora não “tolerava mais a máscara” da hipocrisia e "era obrigado a tentar arrancá-
la”214. Não obstante, pediu insistentemente a Bismarck que moderasse o tom “um tanto frio e
brusco” de suas respostas a mensagens de Viena O rei ainda era avesso à perspectiva de uma
guerra austro-prussiana.

No mês de abril a questão de paz ou guerra pendeu em equilíbrio. Pelo meio do mês havia a
possibilidade de ambos os lados serenarem, Bismarck tinha, pessoalmente, boa disposição para com
o plano conciliatório apresentado na terceira semana de abril pelos irmãos Ludwig e Anton Gablenz,
um deles o governador austríaco do Holstein, o outro um fidalgo rural prussiano e membro do
Landtag, em Berlim[1]. Propunham que Schleswig-Holstein se tornasse um principado
independente, governado por um membro da Casa de Hohenzollern, porém jamais absorvido no
Reino da Prússia. Ao mesmo tempo, reformar-se-ia a Confederação Germânica: toda a Alemanha
situada ao norte do rio Meno ficaria sob a liderança militar prussiana, enquanto a região ao sul do
rio cairía sob comando austríaco215. Militarmente, o plano concedería à Prússia consideráveis
ganhos, mas nada prometia à Áustria, em troco. As conversações prosseguiram durante sete
semanas, sem grandes possibilidades de sucesso, a menos que Bismarck concordasse em garantir à
Áustria a retenção do Vêneto, pois Francisco José não admitia abandonar suas pretensões
germânicas numa época em que o controle dos Habsburgos na Itália começava a escorrer por entre
os dedos. Era tarde demais, no entanto, para os prussianos apoiarem a Áustria na península
italiana: o destino veneziano, até onde dependia de Bismarck, resolvera-se nas barganhas entre
Napoleão III e o embaixador prussiano, e na negociação da aliança prusso-italiana.

Na primeira etapa, Bismarck quis acoplar ao plano Gablenz a proposta de um parlamento alemão
eleito diretamente, baseado no sufrágio universal masculino. Este projeto especial, que visava a
conquistar o apoio dos nacionalistas alemães à Prússia, surgiu na Dieta de Frankfurt, apresentado
pelo enviado prussiano, em 9 de abril; e nos dois meses que se seguiram Bismarck continuou a
estimular a idéia de que a Prússia recebería bem uma nova estrutura constitucional para a
Confederação Germânica, especialmente se levasse em conta o desejo geral por uma instituição
eleita. Como Bismarck permanecia em conflito com o Landtag, a maioria dos liberais considerou
essa tentativa de evocação do espírito radical de 1848 um canhestro exercício de oportunismo
cínico. E no entanto, ficou claro que Bismarck não era insincero. A seu ver, um parlamento
pangermânico seria muito diferente da assembléia de Berlim, predominantemente burguesa,
entranhada de desconfianças do rei e dos ministros. Bismarck era um conhecedor das realidades da
política, ainda que subestimasse a profundidade de convicção de seus opositores liberais e
progressistas. Qual Napoleão III, ele percebera que o sufrágio universal era, na essência, uma arma
conservadora, porque daria o direito aos lavradores do interior e aos trabalhadores urbanos, os
quais estariam maciçamente ao lado da ordem e da segurança contra as demandas da classe média,
de mudança e reformas. Pouca chance havia de o projeto do parlamento alemão ser aprovado na
Dieta Federal; mas pelo menos era uma medida positiva, com atrativos para o nacionalismo liberal
democrático daqueles tempos - um gesto que Francisco José estava impedido de fazer pelas
próprias características do estado Habsburgo.

“O que o senhor me propõe é uma revolução!”, protestou Guilherme quando o ministro-presidente


pela primeira vez delineou-lhe seu plano216. Difícil para o rei entender esta nova manobra do
“vassalo feudal” que se oferecera a servir seu “senhor feudal”, em Babelsberg, havia menos de
quatro anos. Bismarck buscava explorar todos os meios a seu alcance para enfraquecer a
autoridade dos Habsburgos; e o rei não estava bem a par de todos eles. Desde que assumira o
cargo, Bismarck estava em contato com exilados húngaros e cogitava de recrutar uma Legião
Magiar, sob o comando do General Klapka - um dos membros da “Comissão Executiva Nacional” de
Kossuth. Havia, ainda, planos para instigar os tchecos, agitar os romenos e magiares da
Transilvânia e levantar os sérvios do Danúbio, até mesmo de empregar Garibaldi para comandar o
desembarque de uma força binacional, húngara e eslava do sul, na costa da Dalmácia controlada
pelos austríacos. Era ridícula, evidentemente, a expectativa de que tchecos, republicanos italianos,
magiares, sérvios e romenos, esquecessem suas animosidades e se alinhassem atrás da Prússia; e
jamais houve a possibilidade realística de “levar a Áustria pelos ares” com a “explosão de todas
essas minas” (na metáfora do próprio Bismarck)217. O efeito maior dessa atividade conspiratória de
Bismarck foi o alarme causado no QG austríaco pelas informações de que um general prussiano e
um dos braços direitos de Kossuth haviam sido vistos em conferência, primeiro em Belgrado, dias
depois em Bucarest. O que começara como uma disputa pelos ducados do Elba parecia envolver
agora todo o Império Habsburgo. Aliás, muito ilustrativamente, o acontecimento que levou
Francisco José a dar a ordem de mobilização não foi qualquer movimento dos exércitos de
Guilherme em terras germânicas, mas sim os relatos sobre uma concentração de tropas italianas
nas planícies da Lombardia. Passaram-se mais seis dias antes de o imperador expedir a ordem para
mobilizar-se o exército do norte, na Boêmia (27 de abril).

Ainda não havia entusiasmo por uma guerra, no interior da Prússia. Bismarck sabia-se impopular
como sempre. Sua doença, verdadeira ou inventada, manteve-o em casa nos primeiros dias de maio.
Por fim, na segunda-feira, 7 de maio, esteve no palácio real e resolveu voltar a pé para casa, num
passeio sob as tílias da avenida Unter den Linden. De repente, ouviu dois tiros de revólver, a curta
distância, atrás de si. Voltando-se rápido, atracou-se com um rapaz, imobilizando-o com mão de
ferro até que dois guardas corressem em seu auxílio. Continuou a pé para casa, e só ao chegar
descobriu que uma das balas atravessara o casaco, o colete e a camisa, deixando-lhe as costelas
doloridas, mas sem sequer arranhar-lhe a pele. Mais tarde ele deu uma explicação a seu secretário
político, Robert Keudell, alvitrando que talvez as balas não tivessem chegado à velocidade final de
um tiro porque, na luta, o cano do revólver já estaria comprimido contra sua roupa.

Não há dúvida de que Bismarck escapou, por um triz, de ser assassinado. Seu agressor (que
naquela noite suicidou-se na cela) era Ferdinand Cohen-Blind, estudante em Tübbingen, enteado do
radical socialista exilado, Karl Blind [2]. Segundo Keudell, o atentado causou uma grande
demonstração popular em favor de Bismarck; descreve a multidão que se apinhou na
Wilhelmstrasse, dando-lhe vivas até ele aparecer na janela e fazer um pequeno discurso de
agradecimento e de confiança renovada218. Mas não eram muitos os alemães com a disposição de
agradecer por sua sobrevivência. “Que revólveres tem este país!”, ouviu-se murmurar um eminente
cientista da Universidade de Berlim. Houve um agente austríaco que informou Viena, com certo
exagero, que uma convocação militar levaria à rebelião; e o príncipe herdeiro anotou em seu diário
que “quando papai me contava” o atentado contra a vida de Bismarck, “uma pedra acertou a janela
frente à qual estávamos... mas o incidente não causou qualquer perturbação na rua, embaixo”. O
descontentamento não se limitava aos liberais e à esquerda. Naquele mesmo dia, o Kreuzzeitung, o
jornal conservador que Bismarck ajudara a fundar em 1848, denunciou a diplomacia irresponsável
que estava levando a Alemanha à beira da guerra. O artigo era assinado por Ludwig von Gerlach, o
mais antigo amigo de Bismarck na vida política; e o ministro-presidente declarou que aquelas
palavras o feriam mais que os tiros de Cohen-Blind219. Passados dias, Bismarck recebeu Gerlach na
Wilhelmstrasse. “Ele estava tenso, pálido e apaixonadamente nervoso”, descreveu Gerlach. “Avisei-o
contra uma guerra que seria tão desastrosa, lembrando-o de que Olmütz era, em parte, obra dele e
pedi-lhe que mantivéssemos nossas relações pessoais, apelo que ignorou. Apresentava um ar de
desespero insone. Falou em Deus, em oração: o assunto era entre Deus e ele próprio, não entre
amigos e correligionários políticos”. Separaram-se sem um aperto de mão; Bismarck, afinal,
rompera com o conservantismo protestante do círculo de Trieglaf. A fracassada tentativa de
assassínio convenceu-o de que era instrumento escolhido pelo Todo-Poderoso, diz Keudell; mas daí
em diante, o Deus com que comungava sua alma foi uma divindade estranhamente pessoal,
igualmente irreconhecível, à primeira vista, a luteranos e calvinistas220.

A verdade era que, por volta da segunda semana de maio, Bismarck havia ido longe demais com sua
política, para poder mudar. Dois dias após o atentado, ele convenceu o rei a dissolver o Landtag e
anunciar a convocação de eleições para fins de junho e início de julho. Portanto, agora Bismarck
estava amarrado a um calendário e a uma marcação de tempo criados por ele mesmo: o tratado
italiano compelia-o à guerra com a Áustria dentro de três meses a contar de 8 de abril; e a situação
interna da Prússia exigia ou a vitória militar ou sucessos diplomáticos sensacionais, do dia 9 de
maio a oito semanas. Bismarck não se iludia sobre os riscos que estava aceitando. Sabia ser
impossível seguir indefinidamente em desafio à opinião pública e ao parlamento. Mais uma vez
começou a falar, tonitroante, em cumprir seu dever mesmo que isso o levasse ao cadafalso. Mas
apesar da tensão nervosa que Gerlach notou, Bismarck estava confiante. Se chegassem à guerra,
estava convencido de que não havería manifestações contrárias à política do governo. “Na hora da
verdade”, escreveu ao embaixador em Paris, já em 30 de março, “as massas cerrarão fileira em
torno da monarquia sem questionar, quer ela siga a tendência liberal, quer a conservadora”221.
Nada do que sucedeu nos meses seguintes foi de molde a fazê-lo mudar de opinião. Quando, na
segunda semana de maio, a mobilização prussiana estava concluída, não houve manifestações mais
sérias de indisciplina. Os milicianos apresentaram-se uma vez mais a seus depósitos, na Vestfália e
na Prússia Oriental, numa relutância meio taciturna, mas em todos os demais lugares
demonstraram todos aqueles sinais de respeito pela autoridade com que contava Bismarck para o
sucesso.

No entanto, os acontecimentos não seguiram a configuração que ele previra. A jogada de tentar
conquistar para a causa o sentimento patriótico, propondo a eleição de um parlamento com base no
sufrágio universal masculino, despertou mais ridículo que entusiasmo; e no fim de maio estava
evidente que a Baviera, Baden, Hesse-Darmstadt e Württemberg apoiariam militarmente a Áustria,
sendo pouco provável que a Saxônia e Hesse-Cassel permanecessem neutros ante uma agressão
prussiana à Áustria. A esperança de Bismarck, de canalizar o sentimento nacional germânico, deu
em nada; tampouco foi capaz de manter Napoleão III acomodado. O imperador não só mostrou um
desagradável interesse em obter “compensação” para a França na área entre o Mosela e o Reno,
como chegou a propor um congresso europeu para discutir os três problemas correlatos do Vêneto,
de Schleswig-Holstein e da Confederação Alemã. Semelhante idéia - que chegou a receber algum
apoio da Grã-Bretanha e da Rússia -teria representado a reafirmação do primado da França na
Europa, retirando de Berlim a iniciativa222. Felizmente para Bismarck, os austríacos apenas
concordavam em comparecer a um congresso se dele não derivasse qualquer acréscimo de poder ou
território para nenhum dos estados partícipes, condição que Napoleão III nunca aceitaria.
Aparentemente, os austríacos não haviam agido como convinha, mas as negociações continuavam
entre diplomatas franceses e austríacos, e Bismarck permaneceu na incerteza sobre a política de
Drouyn. Foram os austríacos que furaram o tumor da crise. Estavam convictos de que, com o apoio
dos outros Estados Alemães, derrotariam a Prússia rapidamente, livrando-se de Bismarck e de suas
maquinações. No dia 1.° de junho o representante austríaco em Frankfurt anunciou que, sendo
impossível chegar a um acordo com a Prússia sobre a forma final de governo para Schleswig-
Holstein, o futuro dos ducados ficaria nas mãos da Dieta de Frankfurt e de uma assembléia popular
convocada a reunir-se em Itzehoe, no Holstein223. Tal proposição infrigia o tratado austro-
prussiano de janeiro de 1864 e foi interpretada pelo Rei Guilherme como insulto a seus próprios
foros de soberania. Bismarck autorizou o general Manteuffel a cruzar o Eider, partindo de
Schleswig, e ocupar Holstein. Para surpresa de Bismarck, quando a invasão ocorreu em 7 de junho,
Ludwig von Gablenz deu ordem a suas tropas para recuarem, atravessando o Elba e entrando em
Hanover, sem oferecerem resistência aos prussianos. Fossem quais fossem os sentimentos em
Viena, ele próprio era por demais um pacificador para dar o primeiro tiro numa guerra
fratricida224.

A decisão final tomou-se, portanto, na Dieta Federal, como Bismarck sempre previra. Porém, como
tantas deliberações de Frankfurt, este importantíssimo debate foi prolongado e confuso. No
domingo, 10 de junho, Bismarck publicou em Berlim um plano de reforma criando um Estado
Federal Alemão com exclusão da Áustria; e deu instruções ao delegado prussiano em Frankfurt para
apresentar o plano à Dieta tão cedo fosse possível. Os austríacos, porém, chegaram primeiro. Na
segunda-feira o delegado austríaco conclamou os estados alemães a mobilizarem-se contra a
Prússia, sob o argumento de que Bismarck havia desobedecido à constituição da Confederação. Os
estados pequenos, desejando exercer alguma liberdade de ação, emendaram a proposta de forma a
parecer que condenavam a Prússia independentemente dos austríacos. Fazia pouca diferença. Na
quinta-feira, 14 de junho, a Dieta votou, condenando a Prússia. Imediatamente o delegado
prussiano, seguindo instruções de Bismarck, leu uma declaração recusando- se a reconhecer o
direito da Dieta de agir daquela maneira contra um de seus membros e asseverando que a
Confederação estava, naquele momento, dissolvida. Na manhã cedo de sexta-feira, 15 de junho,
foram apresentados ultimatos aos reis da Saxônia e do Hanover e ao Eleitor de Hesse, exigindo a
aceitação, por eles, do plano de reforma prussiano e direito de livre passagem do Exército Prussiano
pelos respectivos territórios. Cada um dos três governantes rejeitou o ultimato que lhe foi
entregue225. Naquela sexta-feira, à noite, Bismarck encontrava-se no jardim de Wilhelmstrasse 76,
em companhia do embaixador britânico, Lord Augustus Loftus. Quando os relógios de Berlim deram
meia-noite, Bismarck informou seu hóspede de que, àquela hora, as tropas prussianas avançavam
contra Hanover, Dresden e Cassei. “Se formos batidos, não voltarei aqui”, conta Loftus ter ouvido
dele, “cairei na carga final. Só se morre uma vez; e o melhor para o vencido é morrer”226.

Os prussianos ocuparam a Saxônia e o Eleitorado de Hesse sem dificuldade, embora o Rei George
do Hanover haja dado ordem a suas tropas para lutarem e resistirem em Langensalza. Quase toda a
Alemanha setentrional estava nas mãos dos prussianos antes de iniciar-se a campanha principal
contra a Áustria em 24 de junho. Estes sucessos estratégicos quase brancos calaram as críticas na
Prússia contra a política de Bismarck e ele chegou mesmo a ser aplaudido nas ruas, no primeiro dos
dois dias de eleição, segunda-feira, 25 de junho. “A popularidade é mais uma carga - não estou
acostumado”, escreveu ele, secamente, a Kathy Orloff na quinta-feira227.

No entanto, já nessas operações limitadas Bismarck percebera um forte potencial de restrição à sua
conduta dos assuntos. Em 19 de junho, recebeu um telegrama de seu enviado em Karlsruhe
afirmando que a Prússia podia ocupar facilmente Frankfurt, que era caótica a situação dos exércitos
dos estados alemães do sul. Bismarck retransmitiu essa mensagem ao general von Falckenstein,
mandado por Moltke perseguir os hanoverianos, que batiam em retirada para o sul. Falckenstein,
em vista disso, interrompeu a perseguição cerrada, destacou tropas para oeste, através de Cassei, e
preparou-se para avançar sobre Frankfurt. Moltke ficou indignado. Reclamou que Bismarck estava
permitindo que objetivos políticos ditassem a estratégia. O rei havia emitido uma instrução de seu
gabinete, em 2 de junho, fixando o princípio de que todas as ordens do Estado-Maior Geral deviam
ser transmitidas diretamente ao QG de campanha, ao invés de, como na campanha dinamarquesa,
submeterem-se, antes, ao ministro da guerra; e Moltke argumentava que Bismarck, com sua
interferência, estava tentando subordinar as operações, outra vez, ao controle ministerial. Os
oficiais do Estado-Maior, ciosos de sua recém-definida autoridade, aumentaram a importância do
caso Falckenstein e continuaram a resmungar contra os pecados do chefe civil do governo até muito
depois da campanha haver terminado. Bismarck interpretou corretamente o desentendimento como
sinal de conflitos futuros228.

O rei Guilherme permaneceu em sua capital até 30 de junho, quando lhe pareceu iminente uma
batalha decisiva. Naquele sábado, o rei e seus assistentes deixaram Berlim, seguindo para a
Boêmia. A comitiva era numerosa - ministros do governo, assistentes militares e ajudantes-de-
ordens, diplomatas e adidos estrangeiros, a equipe do Ministério do Exterior, médicos particulares,
criados domésticos, serventes, lacaios e outros. Seis trens especiais foram necessários para a
viagem de duzentos e quarenta quilômetros até Reichenau, no alto rio Neisse, onde o Primeiro
Exército Prussiano montara seu quartel-general. Bismarck viajou fardado de major de cavalaria da
Landwehr, com capacete de couraceiro e uma capa longa cinzenta, insuportavelmente quente para
o verão. Não estava habituado à campanha, fato que Moltke comentou gostosamente, dando-lhe
destaque na conversação. Em Reichenberg, o major von Bismarck surpreendeu-se ao constatar o rei
protegido apenas por uns trezentos soldados de ar apático. Com tropas austríacas e saxônicas a
menos de doze quilômetros, perguntou ele a Moltke se aquele contingente, tão pequeno, não era
perigoso para o soberano. “É, sim”, respondeu Moltke, laconicamente, “na guerra tudo é
perigoso”229.

O comandante-em-chefe austríaco, Benedek, seguindo sua melhor estimativa, apresentou-se para


dar combate aos prussianos às margens do riacho Bistritz. O local que escolheu ficava próximo à
vila de Sadowa, doze quilômetros a noroeste da fortificação de Königgrätz, na confluência do Elba
com o Adler[3]. Esperava derrotar juntos o Primeiro Exército (comandado pelo Príncipe Frederico
Carlos) e o Exército do Elba (general Herwath von Bittenfeld), antes da chegada do Segundo
Exército (comandado pelo crítico de Bismarck em tempo de paz, o príncipe herdeiro). Moltke, por
sua vez, estava convencido de poder apanhar os austríacos na cilada. O Segundo Exército, que
vinha progredindo da Silésia, já em 30 de junho havia estabelecido contato com o Primeiro Exército;
e não havia por que o príncipe real não fosse capaz de chegar ao campo de batalha a tempo de
completar o esmagamento das forças austríacas. Bismarck, perfeitamente consciente de que o dia
seria decisivo para sua política, notou com satisfação a confiança calma de Moltke, a cavalgar ao
lado do Rei Guilherme, da vila de Klenitz até uma colina acima da aldeota de Dub, onde existia um
ponto de observação dominando o vale do Bistritz e a região que se desenrolava para além. A
chegada à colina, um quarto para as oito da manhã de terça-feira, 3 de julho, foi saudada pelo
canhoneio de uma bateria austríaca; uma granada caiu a vinte metros do rei, se tanto. Quinze
minutos depois, o Príncipe Frederico Carlos recebeu ordem de lançar o Primeiro Exército contra as
posições austríacas ao longo do Bistritz. De 440.000 a 460.000 homens entraram em combate
naquele dia, em frente a Königgrätz. Jamais, na história da Europa, haviam tais efetivos tomado
parte na luta em um só campo de batalha: nem houve, depois, maior entrechoque de armas, até a
Primeira Guerra Mundial.

Bismarck, montando um cavalo enorme e vermelho como uma raposa, acompanhou atentamente
cada virada da fortuna das oito horas de combate. Esteve ao lado do rei e de Moltke, primeiro em
Dub, depois nas alturas de Roskosberg, imediatamente acima da vila de Sadowa. Recordando, mais
tarde, disse ter-se sentido como se estivesse a jogar pôquer com uma aposta de um milhão de
táleres que não possuía. A verdade é que o todo irreal do panorama da batalha, visto pela primeira
vez, o fascinou. A terrível constatação de que milhares de homens estavam a mutilar-se e matar-se
devido a quatro anos da política imposta por ele, não parece ter subido ao seu consciente até bem
depois; e mesmo então suas emoções primeiro se agitaram ante a idéia do quão terrível teria sido se
seu próprio filho lá estivesse, nas campinas, derrubado entre os mortos e moribundos. Temeu,
porém, pela segurança do rei, que corria riscos desnecessários, em sua opinião: “Foi bom que eu
estivesse presente”, escreveu Bismarck à esposa na segunda-feira seguinte, “pois ele não deu a
menor importância aos avisos dos demais, e ninguém teria ousado falar-lhe tão energicamente
quanto me permiti fazê-lo na última vez... em que as granadas assobiaram desagradavelmente
próximas”230. Seu fatalístico senso de missão não o deixou preocupar-se com suas próprias
chances de sobrevivência.

Várias vezes, naquela terça-feira, ficou abismado com o supremo autocontrole de Moltke: e se o
príncipe herdeiro não tivesse surgido em cena antes que a cavalaria de Benedek lançasse um
ataque frontal à posição de Frederico Carlos? Aliás, foi ele quem primeiro notou a mudança decisiva
da batalha. De seu posto de observação de Roskosberg, percebeu, pouco depois de uma da tarde,
que aquilo que julgara ser um renque de árvores a oito quilômetros para leste, na verdade estava
avançando e entrando sob o fogo da artilharia austríaca. Chamou a atenção de Moltke para o
fenômeno. Depois de uma silenciosa observação da posição pelo telescópio, Moltke disse ao rei: “A
campanha está decidida, e de acordo com os desejos de Vossa Majestade”. Guilherme, irritado com
essa retórica num soldado, pediu-lhe que parasse de dizer disparates e prestasse atenção nos
problemas do momento. Mas Moltke verificara que Bismarck havia descoberto, não qualquer
invenção pela qual uma shakespereana Birnam Wood da Boêmia estava a avançar sobre uma
Dunsinane austríaca, mas sim o exército do príncipe real prussiano ameaçando acabar com as
exaustas tropas de Benedek. “Sire, o sucesso é completo”, Bismarck ouviu Moltke dizer ao rei,
“Viena jaz aos pés de Vossa Majestade”231.

Ninguém estava ainda muito disposto a aceitar o que Moltke afirmava - “Mas quem é esse general
von Moltke?”, exclamou o comandante de uma divisão em reserva, naquela tarde, quando um
mensageiro chegou a galope com novas ordens232. Ainda faltavam três horas de combate até ficar
evidente que os prussianos eram vitoriosos. A batalha foi especialmente feroz em torno da vila de
Chlum, onde os austríacos tentaram repetidas vezes forçar a vanguarda do príncipe real a
abandonar o controle da estrada para Königgrätz e para o sul. Mas ao cair da noite o exército
austríaco estava destroçado, tendo perdido 24.000 homens entre mortos e feridos, mais 13.000
aprisionados. O rei condecorou seu filho e herdeiro com a mais alta condecoração militar da
Prússia, a Pour le Mérite, e passou a noite em Horitz, cidadezinha nove quilômetros para o norte de
Sadowa e a vinte quilômetros de Königgrätz (que permanecia, inatacada, em poder dos austríacos).

Bismarck seguiu o rei até Horitz, mais deprimido com as conseqüências da batalha que jubiloso com
a vitória. Chegou a Horitz e ficou sabendo que ninguém destinara alojamento para o chefe do
governo. Mais tarde, já a chuva começando a cair, achou um quintal onde talvez se pudesse abrigar.
Ao abrir o portão e entrar, escorregou e desabou sobre um monte de esterco. Por fim, acomodou-se
o melhor que pôde sob a colunata do mercado da vila. Lá foi localizado pelo Grão-Duque de
Mecklenburgo, comandante da Brigada Ligeira, que providenciou para ele um local para dormir (e
lavar-se) em seu próprio acantonamento. Moltke já estava na cama, resfriado e com febre233.
Houve pouca sensação de triunfo naquela noite: os austríacos, embora derrotados, conseguiram
evitar o cerco total e debandavam, atravessando o Elba, na direção do Danúbio.

Mas os austríacos bem sabiam que, mesmo com os reforços do exército que detivera os italianos na
Venécia, não poderiam reverter o resultado decisivo de Sadowa. Houve gestões dos comandantes de
linha em busca de um armistício imediato, mas as condições de Moltke pareceram-lhes muito duras.
Francisco José foi obrigado a pedir mediação francesa. Tecnicamente, a guerra prosseguiu por mais
três semanas e ainda houve dois intensos combates na Morávia, no dia 15 de julho, em Tobitschau e
em Roketnitz. Mas na realidade, durante o resto do mês as estimativas políticas passaram o
planejamento estratégico para segundo plano, no QG prussiano. E Bismarck, cuja diplomacia, em
abril, maio e junho, havia objetivado levar a crise ao ponto de ebulição, agora estava tão ansioso
quanto o príncipe real em apagar o fogo e restaurar a paz na Alemanha.

Às cinco da manhã de 5 de julho, Bismarck foi acordado com a notícia de que Napoleão III estava, a
pedido de Francisco José, tentando terminar o conflito. Ocorria mais cedo do que Bismarck previra
e ele aconselhou o rei a enviar uma resposta protelatória enquanto os prussianos prosseguiam no
avanço e acertavam suas condições. Embora sem desejar que Napoleão III mudasse de atitude e
partisse para a mobilização no Reno, também não queria que lhe coubesse o prestígio de emergir de
tudo como o pacificador da Europa234. Mas nos dias que se seguiram Bismarck viu-se frente a um
novo problema. Antes da guerra, o rei sempre fora contra redesenhar-se drasticamente o mapa. A
vitória militar mudara as coisas. Falava-se, agora, em anexar tudo, o Hanover, a Saxônia e os
Hesses, além de criar um corredor prussiano para o sul, até a Baviera. Bismarck pasmou com o
ambiente do QG: “Cabe-me a triste tarefa de ficar derramando água no vinho espumante e explicar
que não vivemos sozinhos na Europa, que temos a companhia de três outras Potências que nos
invejam e odeiam”, escreveu a Joana em 9 de julho235. No dia seguinte, recomendou ao embaixador
em S. Petersburgo garantir a Alexandre II que tudo que se desejava era uma reforma da
Confederação Germânica, o acerto final do caso Schleswig-Holstein e expulsar a Áustria da
Alemanha236. Programa tão modesto que torna impossível acreditar que o rei e seus comandantes
militares fossem conformar-se e aceitá-lo.

Pois Guilherme agora despertara para a ambição de substanciais acréscimos de território. No dia 9
de julho, meio contrafeito, Bismarck solicitou ao embaixador em Paris que sondasse Napoleão III
sobre a possibilidade de a Prússia absorver os estados alemães do norte. Para surpresa sua, ouviu
que o imperador não era basicamente hostil à idéia, embora insistisse na manutenção do rei da
Saxônia no trono. A 14 de julho o embaixador francês, Benedetti, trouxe a Bismarck os termos que a
França pretendia recomendar à aceitação de Prússia, Itália e Áustria: cessão do Vêneto à Itália;
exclusão da Áustria de qualquer união germânica; estabelecimento de uma confederação dominada
pela Prússia ao norte do Meno, enquanto os estados alemães ao sul do Meno “gozariam de uma
existência internacional independente”; os ducados do Elba “seriam reunidos à Prússia”; e
pagamento de indenizações pela Áustria e seus aliados237. A proposta não estava muito longe dos
planos de Bismarck; mas continha a lacuna de não particularizar os territórios que a Prússia
poderia anexar, e Bismarck sabia que precisava esclarecer bem esse ponto se quisesse convencer o
rei e os militares.

Moltke e Frederico Carlos mostravam-se impacientes por manterem o avanço até Viena. Também o
rei estava agora tomado de desejos de ditar a paz instalado na capital dos Habsburgos - algo, aliás,
só conseguido por um homem, Napoleão I. Bismarck não concordava com esses devaneios. Irritou o
Estado-Maior opondo-se ao plano de Frederico Carlos de tomar de assalto as fortificações de
Floridsdorf (situadas a seis quilômetros do centro de Viena) e garantir uma travessia do Danúbio.
Bismarck não concordava com a humilhação dos austríacos, nem com termos a tal ponto
draconianos que os tornasse inimigos odientos no futuro. “Um dia vamos precisar do poderio da
Áustria a nosso favor”, dizia. Às vezes parecia-lhe que os generais haviam perdido todo senso.
Robert Keudell narra a maneira como Bismarck, numa das intermináveis reuniões militares de
julho, silenciou os generais debaixo de uma lógica devastadoramente sarcástica. Por que motivo,
consultou ele, o exército queria parar em Viena, e dali ditar a paz, em vez de perseguir os
austríacos Danúbio a baixo, Hungria a dentro? Afinal, se ficasse muito difícil manter as
comunicações com a retaguarda, as tropas sempre poderiam prosseguir até Constantinopla e criar
uma nova Bizâncio, abandonando o Reino da Prússia à própria sorte238. Era o demolidor deputado
da Dieta Unida, outra vez em ação. Não ficou mais querido por isso, nos círculos do Grande Estado-
Maior.

Na quinta-feira, 19 de julho, Benedetti informou Bismarck que os austríacos aceitavam os termos de


Napoleão: esperavam os franceses que a Prússia também concordasse e se concluísse um armistício
imediato239. O rei e o Estado-Maior achavam-se agora em Nikolsburgo, a oitenta quilômetros de
Viena, e foi ali, no velho castelo do Príncipe Dietrichstein, o debate decisivo sobre um armistício,
naquele mesmo dia. A discussão foi desusadamente tempestuosa. Moltke aprestava-se para cruzar o
Danúbio em Floridsdorf, e as patrulhas de ponta do Primeiro Exército estavam a cinco quilômetros
do rio (nas proximidades do campo de batalha napoleônico de Wagram). Roon, na qualidade de
ministro da guerra, opunha-se à travessia do Danúbio, por julgar que causaria baixas
desnecessárias; e apoiou a posição de Bismarck, favorável a um armistício. O rei hesitou muito, mas
terminou concordando com um cessar-fogo de cinco dias, detendo as tropas prussianas antes do
Danúbio.

Bismarck sentiu que precisava doutro aliado na mesa de reunião. No sábado, enviou um apelo
urgente ao QG do Segundo Exército, rogando ao príncipe herdeiro que viesse imediatamente a
Nikolsburgo. Quando este subia a colina, na direção do Castelo de Dietrichstein, encontrou-se com
Moltke: “Vossa Alteza Real encontrará as coisas num estado horrível, lá em cima”, disse o general,
“o rei e Bismarck não querem nem se enxergar”240. Era um pouco de exagero. Bismarck decidira
evitar Guilherme até ter podido sondar o herdeiro do trono e concordava com outra reunião do
conselho. O príncipe real, ainda hostil, é certo, a Bismarck, queria a paz com o ardor de sempre; e
dispunha-se a apoiar o ministro-presidente contra o rei e os militares. Foi um fim de semana pesado.
Até mesmo o príncipe achou “papai” grosseiro demais com Bismarck. Na segunda-feira, chegou
num telegrama de Paris a concordância de Napoleão com a anexação pela Prússia de territórios até
o limite de quatro milhões de novos súditos para Guilherme, mas não a Saxônia. Bismarck achou
que a chance de receber Hesse, Nassau, Hanover, Schleswig-Holstein e a cidade historicamente
importante de Frankfurt satisfaria a avidez de terras do rei. Escreveu um papel magistral sobre a
necessidade de paz, chegando a admoestar seu soberano sobre o risco de uma epidemia no exército,
fossem retomadas as operações em agosto. Guilherme, impávido: já que não teria a entrada triunfal
em Viena, pelo menos terminaria uma das tarefas deixadas pela metade por seu pai e por Frederico,
o Grande, apossando-se da Saxônia. O argumento bismarqueano de que um acordo com a Saxônia
que “colocasse todos os recursos militares daquele reino à disposição de Vossa Majestade”
satisfaria “perfeitamente as conveniências e interesses políticos”, não teve o menor efeito sobre
ele241. Totalmente em desespero, Bismarck subiu, furioso, para seu apartamento, onde chegou em
lágrimas. “Chegou a ocorrer-me que era melhor saltar pela janela, que ficava no quarto andar”,
escreveu tempos depois. O príncipe real entrou nos aposentos logo depois dele e assegurou a seu
velho adversário político que tentaria convencer seu pai da absoluta imperiosidade da paz. De maus
modos, o rei acabou cedendo. Ao pé do memorando de Bismarck, Guilherme escreveu, “Às portas de
Viena, o vitorioso é obrigado a tomar desse cálice azedo e deixar à posteridade que julgue”242.

As medidas preparatórias da paz foram assinadas pela Prússia e pela Áustria em Nikolsburgo, no
dia 26 de julho. Ouviu-se Bismarck exclamar, batendo com o punho na mesa, “Derrotei-os a todos!
Todos!! Cada um deles!!!” Derrotara mesmo? Moltke não teria vencido Königgrätz sem o príncipe
herdeiro; sem ele, também Bismarck não teria vencido a batalha política de Nikolsburgo. “O mundo
está de pernas para o ar”, comentou o príncipe real no dia seguinte ao da cena chorosa entre o rei e
seu primeiro-ministro, “tive eu que acalmar os dois”. Pelo menos ali estava um homem que não se
dava aos exageros e às cenas teatrais243.

[1] O plano foi concebido pelo general austríaco, Ludwig von Gablenz, no Holstein. Seu irmão
Anton serviu de emissário entre Kiel, Berlim e Viena durante sete semanas de negociações
infrutíferas. Ambos O» irmãos eram naturais da Saxônia. Seu serviço dual, um à Áustria, outro à
Prússia, ilustra o dilema que muitas famílias germânicas viveram nesses meses de crise.

[2] Karl Blind tivera um papel destacado na insurreição socialista de 1848 em Baden.
Posteriormente exilou-se em Londres, onde sofreu grande influência de Mazzini e de Engels. Em
1870, aderiu entusiasticamente à guerra de Bismarck contra a França, concitando seus
compatriotas socialistas exilados a atuarem juntos em prol da “Alemanha unida”.

[3] Em geral, os escritores alemães e austríacos referem-se à batalha de 3 de julho como “de
Königgrätz”, embora na Inglaterra e na França ela seja normalmente (e mais corretamente)
chamada “de Sadowa”. O nome Königgrätz foi usado pelo Rei Guilherme naquele dia,
provavelmente porque a cidadela fora, no passado, quartel-general de Frederico, o Grande, sendo-
lhe, assim, familiar na nomenclatura militar prussiana. A batalha foi chamada de “Sadowa” nos
jornais ingleses e franceses logo às primeiras notícias. A cidade de Königgrätz hoje é conhecida pelo
nome tcheco, Hrâdec Králove.
9. COLOCANDO A ALEMANHA NA SELA

A frieza das relações entre o rei e seu primeiro-ministro não durou muito. Guilherme logo
reconheceu a sapiência da moderação de Bismarck. Assinou-se em Praga, no dia 23 de agosto, um
tratado formal de paz e amizade entre a Áustria e a Prússia “doravante e para sempre”,
reconhecendo Francisco José “a dissolução da Confederação Germânica tal como se constituía até
aqui”. Mas nem o rei nem Bismarck julgaram necessário permanecer na Boêmia para a assinatura
desse documento. Viajaram juntos para Berlim no dia 4 de agosto, mergulhados no exame do que
era, afinal, uma revolução de cima para baixo na Alemanha. Ainda que restassem divergências de
pontos de vista entre eles, não havia mais a tensão aberta.

Essa reconciliação, Bismarck a devia à interferência do príncipe real, ele próprio admitia. Frederico
Guilherme tivera conversas com Bismarck durante o período final da campanha. Para reconforto
seu, encontrou Bismarck, como ele, favorável ao fim do conflito entre o governo e o parlamento, que
já se arrastava por quatro anos244. A segunda etapa das eleições para o Landtag teve lugar no
próprio dia da batalha de Königgrätz-Sadowa; e os resultados reforçaram os conservadores, às
expensas do bloco liberal-progressista. O príncipe herdeiro receou que esse sucesso junker fosse
endurecer a atitude de Bismarck, particularmente depois da comprovação do acerto de sua linha de
ação de estado, no campo de batalha. Mas Bismarck, que vira tratada derrisoriamente sua proposta
de criação de um parlamento de toda Alemanha, sabia necessitar do apoio nacional-liberal para a
fundação da Alemanha nova. O ultraconservantismo nada tinha a oferecer para o futuro. “Cada
ministro prussiano”, disse ao príncipe, “deve respeitar a vontade do rei mas ao mesmo tempo
trabalhar para que essa vontade real esteja embebida da opinião da nação”. Esse era um ponto de
vista do agrado do príncipe. Seu diário demonstra que ele ainda não confiava em Bismarck; mas
respeitava-lhe a opinião e conseguiu convencer seu pai de que o ministro-presidente estava
certo245.

Se o príncipe herdeiro mantinha em discrição suas reservas pessoais, os deputados liberais da ala
direita não sofriam dessa inibição. Eles haviam feito o possível para superar o conflito constitucional
na primavera anterior, porém os militaristas de Manteuffel tinham enrijecido a posição do rei
contrária à conciliação. Agora estavam ansiosos por fazer a paz com o ministério. Conforme
escreveu Treitschke na época, as vitórias do exército haviam “rejuvenescido a Pátria”246. Tudo que
os “nacional-liberais”[1] pediam era um gesto de boa vontade de Bismarck. Quando o novo
parlamento abriu as sessões em 5 de agosto, a fala do trono mostrou que este estava pronto para
salvar a face de seus velhos críticos liberais: o governo propunha um projeto de lei de indenidade,
pelo qual a Câmara daria aprovação retroativa aos gastos efetuados; e permitindo que se
apresentasse o projeto, Bismarck tacitamente reconhecia que o governo estivera agindo
inconstitucionalmente durante todo seu ministério, no referente ao orçamento. Aí estava um
adequado gesto de paz. No dia 3 de setembro a Lei de Indenidade foi aprovada com uma maioria de
230 votos contra 74.

O rei foi menos acomodatício: “Eu tinha que agir daquela forma e o farei de novo se as mesmas
circunstâncias ocorrerem”, disse, indelicadamente, ao presidente da câmara, Max von Forckenbeck,
após sancionar a lei247. Mas Bismarck e Forckenbeck concordaram em que não constassem dos
anais os destemperados comentários do rei: afinal de contas ele já estava em seu septuagésimo ano
de vida; e sabia-se que seu herdeiro não desejava alardear a prerrogativa real de forma tão
provocante. Bismarck contava obter apoio parlamentar para a absorção, no Reino prussiano, de
Hanover, Frankfurt, Hesse-Cassel e Nassau. E em breve a Câmara teria, postos a seu exame,
projetos para um parlamento formado por sufrágio universal, representativo de toda a Alemanha do
Norte. Não tinha sentido perpetuar velhas querelas.

Num ponto o rei e os deputados estavam de acordo: desejavam mostrar-se gratos a Bismarck pelo
grande aumento do poder e da influência da Prússia na Europa. Na véspera do desfile da vitória, a
realizar-se em Berlim, Guilherme comunicou-lhe que, por ter ele agido invariavelmente “com o
espírito e o valor de um soldado”, passava a ser, por ato real, permanentemente adido ao exército,
no posto de major-general, no 7.° Regimento de Couraceiros da Landwehr. Essa honraria agradou
Bismarck de modo muito particular. Numa sociedade predominantemente militarista, fora-lhe
sempre constrangedora sua situação de civil e sua limitada experiência de vida militar: aborrecera-o
até, bastante, não somente no país mas sobretudo em suas missões no estrangeiro, mormente na
Rússia. Das últimas semanas de 1866 até sua exoneração do cargo, vinte e quatro anos depois,
envergou nas aparições públicas oficiais o uniforme de general de cavalaria, às vezes para irritação
dos profissionais do Grande Estado-Maior. Esse hábito de usar uniforme militar - “A túnica me
protege de resfriados” - ajudou, nos últimos anos, a cultivar a lenda do chanceler de “ferro e
sangue”.

O rei achou que a promoção militar e a generosa graça de ordens e condecorações bastavam para
recompensar seu primeiro-ministro. Mas quando Guilherme propôs que o parlamento alocasse
verbas para prêmios aos comandantes vitoriosos, o Landtag, por iniciativa própria, emendou o
projeto real para que Bismarck também fosse premiado. Guilherme aceitou a iniciativa dos
deputados e, em fevereiro de 1867, Bismarck recebeu, devidamente, cerca de 40.000 libras como
dádiva do estado. Disse-lhe o rei esperar que “o senhor adquira bens territoriais permanentemente
associados à glória de seu nome e de sua família”.

Dois meses depois, Bismarck comprou a propriedade de Varzin, na Pomerânia, a quarenta


quilômetros do litoral do Báltico e cento e quarenta a oeste de Dantzig. Era um terreno com faias,
carvalhos e coníferas, com rios e brejos, narcejas e galinhas-d’angola para caçar. Varzin não tinha
conexões passadas com a família Bismarck. Mas evocava lembranças de Kniephof, onde ainda na
idade escolar ele descobrira as delícias da vida no campo. Como para testemunhar sua ascensão em
status e prestígio, este presente era maior em alqueires que todos os campos de Kniephof e
Schönhausen juntos.

Tais honrarias mais se apropriavam a um estadista que já houvesse cumprido sua tarefa do que a
quem ainda estava conduzindo a política. Por todo o outono de 1866 Bismarck esteve intensamente
ocupado. Em primeiro lugar, tinha de concluir as negociações com mais de vinte estados norte-
alemães visando ao estabelecimento da nova confederação sob a presidência do Rei Guilherme. Não
foi senão em 21 de outubro que o Reino da Saxônia assinou o acordo final com a Prússia, tornando
então possível começar-se o trabalho de redigir uma constituição unitária248. Ao mesmo tempo,
Bismarck tinha de refundir as relações entre a Confederação da Alemanha do Norte e os quatro
estados que ficavam ao sul do rio Meno - Baden, Baviera, Hesse Darmstadt e Württemberg. Esses
estados tradicionalmente voltavam-se à Áustria em busca de apoio, e agora a preocupação de
Bismarck era evitar que caíssem na esfera de influência francesa. Insistiu em que, como parte das
condições de paz negociadas com os quatro estados em agosto, eles entrassem numa aliança com a
Prússia, até mesmo aceitando 0 Rei Guilherme como supremo comandante alemão, em qualquer
conflito futuro. Os bávaros reagiram a essa sugestão, mas Bismarck relembrou-os brutalmente de
que a alternativa à aliança seria a perda de território estratégico e a imposição de vultosa
indenização de guerra. Mesmo com toda essa dificuldade, o Rei Guilherme reclamou porque a
Prússia não ficaria com o Palatinado Bávaro, que considerava fruto legítimo da vitória, e Bismarck
teve de apelar para a ameaça de pedir demissão, antes de Guilherme ceder.

Por sobre todos esses problemas dos primeiros meses de paz restaurada pairava a grande questão
referente à reação da Europa em geral face ao novo alinhamento dos estados germânicos. Tanto os
russos como os franceses estavam inquietos com a velocidade das vitórias da Prússia. Em S.
Petersburgo, Gorchakov propôs a convocação de um congresso geral europeu para refazer o mapa
da Europa, em vez de deixar assuntos tais se resolverem por meio de negociações bilaterais entre
Berlim e Viena. Fora esse, afinal, o procedimento em 1814-15 e em 1856. Mas Bismarck sabia que
um congresso teria no topo de sua agenda muitas perguntas para as quais ele ainda não tinha
resposta; assim, avisou Gorchakov que, no ambiente criado pelo sentimento nacional alemão, seria
difícil para um estadista prussiano manter contido o entusiasmo revolucionário de 1848-49. Para
não arriscar a que se expusesse a Alemanha - e sobretudo a Polônia - a tal perigo, Gorchakov
mandou dizer que a Rússia estava disposta a aceitar o reordenamento da Europa central feito por
Bismarck. Manteuffel foi como enviado especial do Rei Guilherme ao czar: estava autorizado a
acenar com a possibilidade de a Prússia apoiar a revisão das cláusulas do Tratado de Paris que
haviam desmilitarizado o Mar Negro249. Não vieram mais reclamações de S. Petersburgo.

O problema francês era mais complicado. No dia seguinte ao da chegada de Bismarck de volta a
Berlim o embaixador francês, Benedetti, trouxe a demanda de compensações de Napoleão III: a
margem esquerda do Reno até Mainz; as fronteiras de 1814 em lugar das de 1815; o direito de
aquartelar uma guarnição no Luxemburgo. Benedetti trazia instruções de explicar que esses ganhos
eram necessários à satisfação da opinião pública na França. Bismarck fingiu zangar-se, afirmando
que demanda tão humilhante não fazia honra ao bom senso que Napoleão demonstrara nos
encontros de Biarritz e Paris. A fazer semelhantes concessões, exclamou Bismarck, a Prússia
preferia ir à guerra com a França250. Benedetti correu de volta a Paris em busca de novas
instruções. Napoleão III alarmou-se: não estava em condições de enfrentar um conflito no Reno.
Como gesto apaziguador, demitiu seu ministro do exterior, Drouyn de Lhuys. Benedetti foi mandado
outra vez a Berlim com o oferecimento de uma aliança ofensiva e defensiva franco-prussiana em
troca da volta às fronteiras de 1814 e do direito francês não só de guarnecer o Luxemburgo mas de
posteriormente anexar o Grão-Ducado, bem como a Bélgica. Bismarck recusou considerar, sequer, a
fronteira de 1814 mas indicou que poderia ser possível chegar a um acordo quanto à Bélgica e ao
Luxemburgo, caso Napoleão III desse à Prússia “liberdade de ação na Alemanha”251. Para surpresa
de Bismarck, no dia 29 de agosto Benedetti trouxe-lhe a minuta de um projeto atendendo à
reivindicação francesa sobre a Bélgica e o Luxemburgo em troca da aceitação francesa de uma
“união federal” entre a Confederação Alemã e os quatro estados germânicos do sul. As negociações
marchavam depressa demais para o gosto de Bismarck. Ele não excluía a possibilidade desse
acordo, mas não já. Benedetti retirou-se para quinze dias na estação de águas de Carlsbad;
Bismarck, mais aliviado, voltou-se para outras tarefas; e restou a Napoleão III conversar sobre o
futuro de Luxemburgo diretamente com o soberano titular do Grão-Ducado, o Rei dos Países Baixos.
A questão foi engavetada, sem solução252.

Em meados de setembro correu em Berlim que Bismarck estava doente. Mas ele apareceu nas
celebrações da vitória de quinta-feira, 20 de setembro, a cavalo, passando triunfalmente pela Porta
de Brandenburgo, tendo a um lado Roon e a outro Moltke. Estava um pouco descorado, e levava nos
ombros largos uma incongruente guirlanda de flores colocada por simpatizantes da Unter den
Linden - menos de vinte semanas depois que Cohen-Blind tentara assassiná-lo, na mesma avenida.
Imediatamente após a parada ele sofreu uma prostração total; e na quinta-feira seguinte os
embaixadores estrangeiros foram avisados de que problemas de saúde forçavam o ministro-
presidente a deixar a capital, buscando a cura no interior.

Como sempre, houve quem julgasse a ausência de Bismarck um conhecido estratagema, o meio
mais simples tanto de fugir do importuno Benedetti como de evitar seu próprio e totalmente
imprevisível “Senhor real”. Mas não resta dúvida de que dessa vez seus nervos estavam
verdadeiramente abalados. Joana e sua filha Marie tomaram conta dele. Biarritz ficava fora de
cogitações, naquele outono: afora quaisquer considerações pessoais, ele não podia correr o risco de
um possível encontro com Napoleão III ou seus ministros. Mais uma vez na vida ele tentou fugir da
realidade. Em seu círculo doméstico não falou, não leu, não pensou em política, e recusou-se a tocar
no trabalho dos negócios de rotina. Até que se recuperasse - ou se demitisse - a Prússia seria
governada pela máquina administrativa que ele criara. “O melhor para mim seria aposentar-me
agora mesmo, e ficar aqui”, disse a Robert von Keudell, “pois saberia que fui de alguma utilidade
para meu país e poderia deixar essa impressão no público. Realmente, não estou certo de poder
enfrentar todo o trabalho que ainda resta a fazer”253.

Provavelmente era sincero. No dia 7 de outubro Joana conseguiu levá-lo embora, para a distante
pousada de Putbus, na ilha báltica de Rügen, onde o único contato com o mundo exterior era a
barca diária até Greifswald. Segundo ela, estava acometido de dores na perna e cãibras estomacais,
e ela descreve a satisfação com que o marido se esticava numa chaise-longue, “contemplava o céu
azul e o verde das campinas” e folheava, indiferente, um livro de gravuras254. Mas isso não durou.
Na última semana de outubro encontramo-lo ditando a Keudell um memorando no qual dava sua
meditada opinião sobre o caráter da Confederação Alemã do Norte; e nas quatro semanas
posteriores seguiram-se ditados sobre vários tópicos, tais como até que ponto os católicos romanos
alemães apoiavam o Papa, os direitos da minoria dinamarquesa em Schleswig-Holstein e a
importantíssima questão das relações com a França255. No dia 1.° de dezembro viajou de volta a
Berlim, apresentando-se em pessoa ao rei, pela primeira vez após dois meses e meio, na tarde do
dia seguinte.

Reza a lenda, com os costumeiros arabescos da torrente de reminiscências bismarqueana, que ele
chegou de Putbus à Wilhelmstrasse, sentou-se em seu estúdio, na companhia de um funcionário
civil, e em dois dias fez saltar uma minuta de constituição para a Confederação Alemã do Norte.
Essa versão dos acontecimentos é muito exagerada256. Havia com ele uma série de projetos:
recomendações de dois constitucionalistas; o esboço de planos constitucionais não realizados,
datando de Frankfurt, 1849; estudos das constituições federais da Suíça e dos Estados Unidos; e
memorandos sobre pontos do interesse do Ministério da Guerra e do Ministério do Comércio. Com a
colaboração do Dr. Lothar Bucher, um ministro de primeira classe, subsecretário do Ministério do
Exterior[2], Bismarck estudou esses documentos, deles retirando as idéias compatíveis com a
forma prussiana de governo.

Em 9 de dezembro o projeto de constituição, com sessenta e quatro artigos, estava pronto para
exame. Foi entregue ao rei, ao príncipe herdeiro e a outros membros do governo, que tiveram cinco
dias para aprovar ou emendar. Dois desses cinco dias foram ocupados pelos rituais festivos da
caçada real pré-natalina, e a constituição não recebeu, portanto, o detalhado exame que sua
importância exigia. Algumas emendas de pouco valor se introduziram, quase todas de forma, e logo,
no dia 15 de dezembro, a constituição tramitou para um “conselho constituinte” de ministros
representantes dos outros membros da Confederação. Bismarck de novo estava resolvido a não dar
muito tempo para reflexão e discussão. Anunciaram-se para dia 12 de fevereiro as eleições do
parlamento constituinte (Reichstag). Isso deixava ao conselho constituinte não mais de oito semanas
para completar sua parte do trabalho257.

O conselho desalentou-se com a proposta de Bismarck. A constituição era uma carta de


autoritarismo rígido, pela qual todo o poder verdadeiro permanecería nas mãos do rei prussiano e
nas de seu primeiro-ministro. A responsabilidade pela política externa, por declarar guerra e fazer a
paz, era do Rei da Prússia em sua qualidade de presidente da Confederação, a quem cabia também
o comando do conjunto da força armada, como comandante-em-chefe titular em tempo de guerra.
Bem verdade que deveria haver um Conselho Federal (Bundesrat) com representantes dos governos
dos estados-membros, mas previsto como pouco mais que um fórum de debates. Às pressas, o
conselho ministerial tentou aprovar alguns dispositivos de alternativa: um gabinete confederal, que
daria ao novo agrupamento germânico um efetivo corpo executivo; uma Câmara dos Príncipes, para
equilibrar o Reichstag democraticamente eleito, gozando (ao que acreditavam) de uma situação e
de um prestígio maiores que os de simples Conselho Federal. Mas Bismarck não permitiría
mudanças fundamentais. Destramente, explorou as diferenças entre os vários estados, apoiando
emendas em detalhes financeiros do interesse comercial dos grandes centros e oferecendo
segurança aos governantes mais retrógrados contra o espantalho do nacionalismo revolucionário. A
única alternativa à sua proposta, lembrava, seria um parlamento germânico geral, tão radical e
democrático como em 1849. Em particular, afirmou ao representante saxônico no conselho de
ministros que sua intenção era “matar o parlamentarismo através do parlamento”258.

A única modificação das idéias de Bismarck foi referente às responsabilidades do chanceler federal.
Originalmente ele pretendera que esse posto fosse honorífico, o chanceler presidindo o Bundesrat
como verdadeiro presidente de assembléia e não como ministro. Mas a tentativa do conselho
ministerial de criar um corpo executivo confederal induziu-o a mudar de idéia. Numa conversa
privada, deixou vazar que desejava o chanceler federal com poderes e responsabilidade para propor
e sancionar leis federais259. Por esse meio o chanceler tomar-se-ia, efetivamente, o primeiro-
ministro do novo estado, mas seria nomeado pelo Rei da Prússia em vez de eleito pelo Bundesrat.
Não restam dúvidas, e seus colegas perceberam na época, que as discussões no conselho ministerial
sobre a natureza do posto de chanceler decidiram Bismarck a ocupar ele mesmo o cargo,
cumulativamente com o de ministro-presidente prussiano. Não deixa de ser uma ironia que a pedra
angular da política de poder na nova Alemanha haja sido, assim, encaixada no arcabouço
constitucional numa reflexão tardia, “pensando melhor”.
Na quinta-feira, 7 de fevereiro de 1867, o conselho ministerial aprovou, relutante, o anteprojeto
final da constituição. Cinco dias depois, a população masculina da Alemanha setentrional foi às
urnas e elegeu o parlamento (Reichstag) constituinte. Do ponto de vista social, o eleitorado
produziu uma câmara de absoluta predominância aristocrática. Politicamente o maior grupo
caracterizado foi o Partido Nacional Liberal, que fez mais de um quarto dos deputados. Os nacional-
liberais desejavam apoiar Bismarck em política externa, contanto que ele continuasse a falar
candentemente em unidade no interior da Pátria; mas estavam longe de contentes com a forma final
do anteprojeto de constituição. Queriam que o Reichstag tivesse algum poder real. Como idéias,
aspiravam a um sistema de governo responsável, eleições pelo voto secreto, controle do orçamento,
vencimentos para os deputados. Bismarck iria até a concordância com o segredo do voto e o direito
de debater as despesas anualmente, embora tivesse havido acordo de que a organização e os gastos
do exército não seriam discutidos por quatro anos. Bismarck aceitou também a emenda que
corporificava sua mudança de opinião sobre a natureza do cargo de chanceler, o dispositivo que
tornou o chanceler “responsável” perante a Confederação por todas as ordenações que levassem
sua assinatura de endosso, mas que deixou cuidadosamente impreciso o significado dessa
subordinação descrita de maneira tão vaga. Em meados de abril a constituição, com as emendas, foi
aprovada no Reichstag por 230 votos a 53; e heis legitimada a Confederação da Alemanha do Norte,
progênie bastarda do poderio militar prussiano e da atitude mental nacionalista romântica.
Formalmente, a Confederação fundou-se a 1.° de julho. Bismarck foi nomeado chanceler quinze dias
depois260.

Durante todo o tempo dos debates sobre a constituição, Bismarck acentuou o seu patriotismo
germânico com tiradas que certamente levantariam aplauso do nacional-liberais. “Meus senhores,
trabalhemos rápido”, era sua peroração no dia 11 de março. “Por assim dizer, coloquemos a
Alemanha na sela! Ela saberá muito bem como cavalgar!”261 No entanto, se alguém estava dando
rédea ao povo alemão em 1867, não era o cínico chanceler autonomeado, mas seu antigo anfitrião
de Villa Eugénie e de Saint Cloud, o imperador dos franceses. Dois dias depois das eleições para o
Reichstag constituinte, Napoleão III abriu o parlamento francês com uma arrogante fala do trono:
no verão precedente, gabava-se ele, a França havia detido os prussianos junto às portas de Viena
sem mobilizar seu exército, sem movimentar um só regimento; e prosseguia assegurando ao povo
francês que a Prússia nada faria “que nos ofenda o sentido de nação”262. Tais palavras e o
subseqüente debate de política externa, excitou a opinião pública de além-Reno. A imprensa alemã
ofendeu-se com os ares de superioridade de Napoleão. Bismarck foi mais compreensivo: percebia
que um Bonaparte tinha de realçar o seu próprio prestígio se queria conservar o trono; muito
melhor que apelasse para atitudes napoleônicas num discurso que num campo de batalha. Acontece
que também Bismarck precisava, naquele momento, cuidar do prestígio nacional. Seria intolerável
que o Reichstag constituinte o acusasse de haver aplacado a França após Königgrätz. Daí, em 19 de
março, ele fez publicar pela imprensa detalhes das alianças secretas que atavam os estados
meridionais à Confederação. A ameaça velada à primazia francesa na Europa ficou igualmente clara
para os jornalistas de Berlim, e de Paris263.

No mesmo dia ateou-se em chamas o braseiro da crise sobre o Luxemburgo. O Rei dos Países Baixos
informou Berlim de que estava disposto a ceder o Luxemburgo a Napoleão III por um substancial
pagamento em dinheiro. Bismarck talvez tivesse concordado com esse acerto. O rei, porém,
indignou-se ante a idéia sequer de entregar-se à França um grão-ducado onde a Prússia, por meio
século, gozara dos direitos de guarnição. O Estado-Maior também se agastou. Moltke, que havia
muito chegara à conclusão de que seria inevitável uma guerra franco-prussiana, opinou em favor de
um ataque imediato à França, em vez de esperar-se que Napoleão aumentasse os armamentos
franceses e melhorasse sua posição internacional com desvantagem para a Prússia264. Bismarck
pensava diferente. Na última semana de março, expôs sua posição numa conversação notavelmente
aberta com o Conde Bethusy-Huc, um de seus esteios conservadores. O que disse merece citação
mais longa:

Infelizmente, acredito numa guerra com a França antes que decorra muito tempo - a vaidade
francesa, ferida pelas nossas vitórias, a impele nessa direção. No entanto, como não sei de nenhum
interesse, francês ou alemão, que exija o recurso às armas, também não a tenho como certa.
Somente os interesses realmente vitais de um país justificam empreender-se uma guerra - somente
sua honra, que não se deve confundir com o que se chama prestígio. Estadista algum tem o direito
de começar uma guerra simplesmente por achar que num prazo maior ou menor ela é inevitável. Se
os ministros do exterior acompanhassem seus senhores e seus comandantes militares aos campos
de batalha, a História registraria menos guerras. Em combate - pior que isso, nos hospitais - eu vi a
flor de nossa juventude castigada pelos ferimentos e pela doença. Da minha janela vejo muitos
aleijados, coxeando ao longo da Wilhelmstrasse, erguerem os olhos, talvez a pensar: “Se aquele
homem, lá em cima, não tivesse feito aquela desgraçada guerra eu estaria agora em casa, forte e
com saúde”. Tais pensamentos, tais visões, deixar-me-iam sem um momento de paz se eu admitisse
ter feito a guerra por ambição pessoal ou vaidade nacional... Fique certo de que jamais aconselharei
Sua Majestade à guerra, a não ser que os mais vitais interesses da Pátria a ordenem265.

É impossível duvidar da sinceridade de Bismarck: ele falou da mesma forma a outras pessoas na
Alemanha, naquela primavera. Mas estava disposto a colher todas as vantagens possíveis, exceto o
desencadeamento de uma guerra preventiva, da crise do Luxemburgo. Em 1.° de abril, induziu o
liberal hanoveriano Bennigsen, a levantar a questão no Reichstag, deplorando que um príncipe de
“ascendência alemã” aceitasse vender à França território que “fora alemão em todos os tempos”. A
questão, aliás, colocava uma estranha interpretação de história, tanto holandesa como do
Luxemburgo; mas oferecia a Bismarck a oportunidade de avisar a França e de conclamar os
deputados à tarefa de “completar rapidamente a criação da Confederação Alemã do Norte”266. No
caso, foi o rei dos Países Baixos quem anotou o aviso. Ele declinou de avançar mais no negócio, em
vista da hostilidade prussiana. Com apoio de Bismarck, a decisão sobre o futuro do grão-ducado foi
transferida para uma conferência internacional, convocada sob auspícios ingleses, a reunir-se em
Londres na segunda semana de maio; e o grão-ducado foi declarado território neutro, garantidas
pelas Grandes Potências sua integridade e independência.

Superficialmente, a crise do Luxemburgo amainou tão de súbito quanto ardera. Moltke deplorou a
oposição de Bismarck a uma guerra preventiva: “Essa prevalência de sua vontade ainda nos vai
custar muitas vidas”, lamentou ele; e manteve a ordem ao Estado-Maior para que tivesse
permanentemente atualizados os planos de operações de uma ofensiva no ocidente, revendo suas
anteriores diretrizes no outono de 1867, e ainda mais exaustivamente em 1868, na primavera267.
Bismarck não estava inibido de fazer a guerra por escrúpulos morais, embora sempre influenciado
pelos horrores da carnificina sem cabimento (como, aliás, Moltke também). Militarmente, não
duvidava de que só teria a ganhar lutando com a França em 1867 ao invés de permitir que a
superioridade alemã se visse enxugada, mês a mês, numa custosa corrida armamentista. Insistia,
porém, na prioridade das considerações políticas sobre as conveniências militares; e, mal recém-
nascida a Confederação, ele julgou desaconselhável aproveitar-se inteiramente a crise de
Luxemburgo. Mais que isso, enxergava outro perigo à distância. Preocupava-o a falta de
ressonância, nos quatro estados alemães do sul, da idéia de uma cruzada nacional contra a França.
Moltke partia da suposição de que seus exércitos seriam apoiados pelos aliados sul-alemães, mas
percebia-se em Berlim que tanto Württemberg como a Baviera estavam impacientes por livrarem-
se, com astúcia, dos compromissos tratados. Motivo por que Bismarck foi terminante com Moltke e
seus oficiais para que dominassem a impaciência; campanha nenhuma no oeste até que houvesse
seduzido o sul a relações políticas mais íntimas.

Seguiu-se, no verão de 1867, uma reconciliação ostensiva entre prussianos e franceses. O Rei
Guilherme e o príncipe real viajaram a Paris no começo de junho para juntarem-se à distintíssima
companhia que Napoleão III convidara para a grande Exposição Mundial do Champ-de-Mars. Com
eles seguiram o chanceler e o chefe do Estado-Maior. O rei não ia à capital francesa desde 1814,
quando jovem oficial no exército de ocupação, e divertiu-se durante a viagem de trem, mostrando as
cidades e vilas através das quais os aliados haviam progredido, mais de meio século antes. Que
coisas maravilhosas vocês fizeram desde que estive aqui pela última vez!” comentou com seu
anfitrião, com mais afabilidade que tato. Mas Napoleão III estava no firme propósito de ser
agradável; não regateou hospitalidade a todos os seus convidados àquele verão, fossem eles
prussianos, russos, ingleses, daneses ou turcos. A visita de Guilherme coincidiu, em parte, com a do
Czar Alexandre II; e houve uma revista imponentíssima em Longchamp, no dia 6 de junho, os
soberanos da França, da Rússia e da Prússia recebendo a continência de sessenta mil soldados que
desfilaram ante eles. À tarde, quando os soberanos entravam de volta em Paris, um patriota polonês
exilado tentou assassinar o Czar. O incidente encheu de indignação a família real prussiana; mas
para Bismarck não foi de todo mau. Com Alexandre tão bem alertado para a tradicional simpatia
francesa pela Polônia, havia menos probabilidade que nunca de uma associação diplomática entre a
França e a Rússia.
Bismarck ficou bastante satisfeito com sua visita a Paris. Houve algumas vaias na multidão, à saída
da Gare du Nord no dia em que chegou, mas ele já esperava que “o povo de Paris mostrasse não ter
perdido sua famosa vivacidade de caráter” e mais divertiu-se que se aborreceu com a recepção que
teve. Apreciou os banquetes e ocasiões de gala, observou as paradas com olho crítico e retribuiu a
adulação com cumprimentos. No alvo uniforme de gala de major-general de couraceiros ele parecia
bem maior do que o relembrava a Corte francesa; e fez tudo para exercitar sua galanteria pouco
maneável. No Baile das Tuileries, dançou com uma das damas de companhia de Eugénie, Mme de la
Calette; ela descreve em suas memórias como, ao acabar a música, ele ofereceu-lhe a rosa da lapela
de sua túnica: “Rogo-lhe, Madame”, pageou ele, “que guarde este souvenir da última valsa que
dançarei na minha vida, e que eu jamais esquecerei”. O Marechal Vaillant, Grande-Marechal da
Corte, descreve-o como “um camarada muito animado - bom sujeito, disposto para qualquer coisa”.
Já outros acharam-no companhia menos agradável. O Marechal Leboeuf, destacado por Napoleão III
para ficar à disposição de Moltke e Bismarck em Versalhes, contou ao seu imperador: “Sire, acabo
de passar um dia terrível com dois homens que nos odeiam de morte”. Mas Leboeuf exagerava as
coisas, todos sabiam. Quando os visitantes prussianos deixaram a Gare du Nord, em 14 de junho,
Bismarck - tal como seu real senhor - estava tomado de boa vontade. “Sim, claro, eu voltarei*,
assegurou a seu anfitrião. E, de fato, voltou268.

No fim do mês, Bismarck decidira passar cinco semanas em Varzin. Politicamente foi uma estação
sossegada e Bismarck passou longos períodos refletindo sobre seus movimentos seguintes. Nos
assuntos externos, resolveu aguardar os acontecimentos. O encontro entre Francisco José e
Napoleão III em Salzburg, naquele agosto, não o preocupou demais. Via, corretamente, que a
Francisco José interessava um período de assentamento na Alemanha meridional até que a
monarquia verificasse como iria funcionar, na prática, o compromisso constitucional com a Hungria.
Bismarck sabia que os húngaros opor-se-iam a quaisquer aventuras militares na Alemanha:
interessavam-se pelos Bálcãs, não pelo Ocidente. Enquanto Napoleão e Francisco José se
contentassem com expressões banais de amizade e evitassem contratos escritos, a Prússia tinha
mais a ganhar que a perder nesse relacionamento: tornava a Rússia mais dependente da Prússia e
impossibilitava um alinhamento franco-russo, que sempre seria, para Bismarck, a mais perigosa
combinação a enfrentar269. Gorchakov alarmou-se a tal ponto com o encontro de Salzburg (e com
os sinais de uma política austríaca de avanço no sudeste da Europa) que em março seguinte os
russos propuseram um entendimento secreto com a Prússia: o czar mobilizaria um exército na
fronteira austro-húngara afim de intimidar Francisco José, em caso de guerra entre a Prússia e a
França; em troca, os prussianos deveríam concentrar-se na Renânia, se a Rússia fosse ameaçada
pela Áustria. Bismarck não tinha intenção de chegar a um acordo escrito com Gorchakov, mas disse
claramente considerar que “os interesses comuns” de Prússia e Rússia ditariam exatamente essa
política270. Uma vez mais, qual em junho de 1863, a entente Berlim-Petersburgo garantia apoio a
Bismarck sem as obrigações formais de uma aliança. Para que tornar a Rússia mulher honesta, se
viver em pecado trazia tantas vantagens?

Os estados alemães do sul recatavam mais circunspectamente sua virtude política. Seus governos
viam com suspeita as tendências centralistas da nova constituição e, exceto em Baden, houve pouca
simpatia pela união com a Prússia durante os três anos de 1867-69. A Confederação Alemã do Norte
era protestante demais e militarista demais para o gosto do sul. Era, também, politicamente severa
demais: um processo, que deu entrada na justiça por instruções de Bismarck à legação prussiana
em Stuttgart, conta um jornal liberal, por haver publicado expressões depreciativas com relação ao
Rei Guilherme, simplesmente demonstrou a existência de preconceito antiprussiano em
Württemberg271. Tampouco o tratamento dado por Bismarck ao ex-Rei de Hanover granjeou-lhe
simpatia entre as dinastias mais velhas. Em março de 1868 a fortuna do deposto Rei George foi
confiscada pelo governo prussiano, sob alegação de que ele estava utilizando sua considerável
riqueza para instigar a subversão no Hanover. Essa ação de força apresentava legalidade duvidosa;
e o uso subseqüente, por Bismarck, desses “Fundos Guelfos” (Welfen-Fonds), constituiu perigoso
precedente, dando ao chanceler um erário particular com que subornar e corromper a imprensa ou
pagar agentes em missões especiais272. Além disso, se os prussianos agiam dessa maneira para
com um deposto soberano protestante, pelo qual os conservadores junkers sempre haviam
demonstrado simpatia, era possível imaginar como seriam tratados os Wittelsbachs, católicos, da
Baviera, numa Alemanha unificada dependente de Berlim. O que havia sucedido ao norte do Meno
enrijecera o sentimento particularista, em Württemberg como na Baviera.
Mas, afinal, como quer que desejassem seus povos, nenhum dos estados sulinos poderia ignorar o
crescimento da Confederação Alemã do Norte. Obrigações do acordo conduziram à estreita
cooperação entre os exércitos: cadetes do sul recebiam instrução nas academias militares
prussianas; e oficiais de estado-maior prussianos compatibilizavam as doutrinas de comando, os
regulamentos de instrução, os métodos de comunicações. Era convicção de Bismarck que, tal como
os laços militares, poderia utilizar a dependência econômica do sul perante o norte, esperando que
a pressão comercial resultasse em união política mais firme. Assim, no verão de 1867 ele reviveu
seu velho projeto de um parlamento aduaneiro (Zollparlament), que veio reunir-se em Berlim na
última semana de abril de 1868. Mas, se acalentava esperanças de utilizar essa estranha assembléia
como tampo harmônico para a “prussianização”, desapontou-se. A maioria dos deputados ao
Zollparlament provindos dos dois maiores estados do sul era de particularistas ferrenhos que
insistiam em limitar a agenda dos trabalhos a questões tarifárias, acordos comerciais com outras
terras e padronização da taxação indireta sobre artigos de luxo, como fumo e açúcar. Apenas uma
vez - em 18 de maio de 1868 -conseguiu alguns “vivas”, partidos de “almas verdadeiramente
alemãs”, na assembléia: ele cerrara forças em defesa do comércio de vinho alemão, contra a
competição francesa. Os deputados foram levados a Kiel para verem, em sua base, a marinha
Confederada, e a Hamburgo, para assistirem ao impressionante espetáculo das exportações alemãs
a embarcarem nos navios de uma frota mercante em expansão. Mas o quadro visto, a barulheira
ouvida, não deflagraram nenhuma reação patriótica. Bismarck concluiu, meio a contragosto, que o
parlamento aduaneiro podia ser uma instituição interessante, mas não era local onde inflamar-se a
paixão política273.

No início de 1869 alguns dos mais acendrados partidários de Bismarck começavam a desalentar-se
ante a falta de reação do movimento nacional ao sopro de vida do chanceler. “O sentimento nacional
alemão”, escreveu de Munich o Barão Werthem, “gradualmente se desvanece, e sem uma nova crise
não vejo como deter esse processo”. Bismarck recomendou paciência: “Também acho provável que
a unidade alemã fosse adiante com acontecimentos violentos”, respondeu a Werthern em 26 de
fevereiro. “Mas são coisas muito diferentes, assumir a responsabilidade pelo desencadeamento de
uma violenta catástrofe e escolher a hora certa para agir. A interferência arbitrária no curso da
história com base em elementos puramente subjetivos têm resultado sempre em derrubar o fruto
ainda verde. Na minha opinião, é evidente que a unidade alemã ainda não é fruta madura... O dom
de saber esperar que uma situação evolua é requisito essencial à prática política.”274 Exatamente
doze meses depois, falava em termos idênticos a seu recém-nomeado secretário de imprensa,
Moritz Busch: “A questão da unidade alemã está fazendo progressos, mas requer tempo - talvez um
ano, ou cinco, quem sabe até dez anos. Não posso fazê-la andar mais depressa”, explicou275.

Era, porém, contra a natureza de Bismarck permanecer inativo. Embora pudesse não querer o
“fruto verde”, também não tencionava manter-se à parte até que lhe caísse nas mãos a fruta
derrubada pelo vento. Então, no inverno de 1869-70, começou a interessar-se por dois projetos,
ambos prometedores para o prestígio dos Hohenzollerns e, portanto, oportunos estímulos indiretos
ao sentimento nacional alemão antes das eleições seguintes para o Reichstag. Na primeira semana
de 1870 discutiu com o príncipe herdeiro a possibilidade de trocar por “Imperador da Alemanha” o
desajeitado título de “Presidente da Confederação dos Estados Alemães do Norte”, que o rei
adotara em 1867. O príncipe real mostrou boa predisposição em relação à proposta, e Bismarck
supôs que, tal como ocorrera em Nikolsburgo, ele vencería a relutância conservadora do pai em
assumir um novo título de majestade. O “Projeto Kaiser” (como é conhecido) foi ventilado, de
tempos em tempos, durante o primeiro trimestre do ano, não apenas pelas Cortes germânicas, mas
também entre os diplomatas de Londres e Paris276. Bismarck era apoiado por Roon e Moltke, e o
Grão-Duque de Baden achou boa idéia. Porém nada conseguiu convencer os governantes da Baviera
e de Württemberg a secundá-la. Aliás, por que haveríam de fazê-lo? Poucos meses antes, em
novembro, eleições na Baviera haviam dado a maioria aos particularistas, e havia até um curso, em
Württemberg, naquele mesmo momento, uma petição gigante contra a prussianização do exército.
Uma vez mais, falecia a Bismarck entender os alemães do sul.

O segundo projeto era um exercício em grande estratégia diplomática, mais de acordo com os
talentos do chanceler que quaisquer cometimentos em política interna. Em setembro de 1868 uma
junta militar assumira o governo em Madrid e encetou a busca, pela Europa, de um soberano que
tomasse o lugar da deposta e desacreditada Rainha Isabel II, que fugira para a França. Bismarck
imediatamente interessou-se pelo problema espanhol, embora não haja indícios de que tenha
considerado a sério a candidatura de um príncipe Hohenzollern antes de fevereiro de 1870277.
Mesmo assim, menos de uma semana após a fuga de Isabel, o chanceler minutou um telegrama a
ser passado de Varzin para o Ministério do Exterior em Berlim, ressaltando a importância da crise
espanhola: serviría tanto de distração como de irritativo potencial para os franceses; “Uma solução
que Napoleão julgue bem-vinda não tem nenhum interesse para nós”, acrescentava
exemplarmente278. No Natal de 1868 dois amigos chegados do chanceler e o chefe do Estado-
Maior Geral foram enviados a Madrid em busca de informações sobre o ambiente na capital
espanhola, seguidos, na primavera, de Theodor von Bernhardi, agente oficioso do governo
prussiano. Em começos de maio de 1869 surgiram rumores sobre uma proposta espanhola a
membro da casa real prussiana, e Napoleão III instruiu seu embaixador para que levantasse o
assunto com o chanceler. “Tratei da questão na maior superficialidade, com uma conversa fiada
qualquer”, informou Bismarck a seu enviado em Paris. Em suma, ele afirmou a Benedetti que, muito
embora tivesse havido, de fato, abordagens informais originárias de Madrid, elas haviam sido
rejeitadas279. Sem dúvida, a sensibilidade de Napoleão III a esses boatos deu a Bismarck o que
pensar. Agora julgava muito provável que os franceses marchassem contra a Prússia antes de
aceitarem a Espanha transformada em satrapia Hohenzollern.

Quatro meses mais tarde houve um estranho episódio, do qual não ficou claro se Bismarck teve
conhecimento antecipado. Em setembro, um representante da junta espanhola, o Dr. Salazar y
Mazzaredo, foi a Weinburg, na Suíça, para um encontro secreto com o Príncipe Carlos Antônio de
Hohenzollern-Sigmaringen, chefe do ramo católico romano da dinastia. Salazar alvitrou que talvez
Leopold, o filho mais velho do príncipe, desejasse que seu nome fosse posto às Cortes como
candidato ao trono vacante. Leopold tinha muito a recomendá-lo: era oficial da ativa do exército
prussiano; seu irmão fora recentemente feito governante do novo Principado da Romênia, com
apoio dos franceses; seu cunhado era Rei de Portugal; além do mais, parente do imperador francês,
pois sua avó era filha de Eugênio Beauharnais, portanto prima-irmã de Napoleão III. Havia, porém,
um obstáculo de monta: o Príncipe Leopold não queria arriscar-se ao destino de Maximiliano no
México, aceitando um trono de estabilidade duvidosa, e por aqueles tempos a autoridade da junta
andava ameaçada por revoltas internas de caráter marcadamente republicano. O oferecimento de
Salazar foi, então, recusado, embora Carlos Antônio mencionasse que o assunto poderia vir
novamente à tona se um emissário espanhol trouxesse o apoio tanto de Napoleão III como de “meu
real senhor”, o Rei da Prússia280.

Ao raiar o ano de 1870 parecia haver-se restaurado a ordem na Espanha. No dia 24 de fevereiro,
Salazar chegou inesperadamente à residência de Carlos Antônio, em Düsseldorf, dotado de plenos
poderes pelo Regente espanhol, o marechal Prim, para convidar Leopold ao trono. Ao mesmo
tempo, as autoridades espanholas notificaram oficialmente o Rei Guilherme e o chanceler de seu
desejo de oferecer a coroa aos Hohenzollern-Sigmaringen. Ninguém levantou o problema com
Napoleão III, a despeito da judiciosa ressalva de Carlos Antônio, cinco meses antes. Era o bastante,
agora, tratar a candidatura como assunto interno da família Hohenzollern.

“Um Hohenzollern na Espanha ocasionaria grande tumulto na Europa antiprussiana, precipitando


ou adiando a solução de muitas questões pendentes”, escreveu Carlos Antônio a Bismarck em 25 de
fevereiro, dia seguinte ao da visita de Salazar281. Não era preciso dizê-lo: todos os que sabiam do
projeto estavam certos de que causaria consternação em Paris. Havia, e Bismarck sentiu, perigo
num vazamento prematuro da informação, e ficou resolvido manter-se a candidatura no maior
segredo - até mesmo para o restante do governo prussiano - o mais tempo possível. Afinal, certeza
não havia de que ela fosse adiante. Carlos Antônio, alternativamente, inchava e murchava com
respeito ao plano: Leopold acompanhava disciplinadamente os humores de seu pai, mas deixou
claro, verbalmente e por escrito, que, bom prussiano, faria o que o Rei Guilherme ordenasse. O
príncipe real não apreciou a idéia e o rei “denotava fortes escrúpulos contra a aceitação”. Deixada
tão-somente ao critério dos Hohenzollerns, a candidatura teria sido abandonada em meios de
março282.

Bismarck, Moltke e Roon eram, os três, favoráveis ao plano. Se as Cortes elegessem rei o Príncipe
Leopold e Napoleão fosse à guerra contra a Prússia preferivelmente a ver um Hohenzollern
reinando além dos Pirineus, a França assumiría a posição errada, aos olhos da Europa, ao rejeitar
uma decisão soberana do povo espanhol. Confiava Bismarck em que, isso ocorrendo, a França não
teria aliados; e Moltke estava igualmente confiante em seus exércitos para deter uma invasão e
derrotar os franceses. Por outro lado, se Napoleão aceitasse a candidatura, a França passaria por
humilhação bem maior que a da Prússia em Olmütz; e mesmo que o império não fosse derrubado
por uma Paris insurrecta, seria impossível a Napoleão III reter sua posição de árbitro imposto por si
mesmo às Grandes Potências. Ainda mais, em qualquer futura luta com os estados alemães,
Napoleão seria obrigado a manter um exército em posição nos Pirineus, de modo a contrabater a
ameaça, real ou hipotética, partida da Espanha; e a força militar francesa seria dividida com o
mesmo eficaz resultado obtido contra a Áustria por meio da aliança italiana em 1866. Havia,
também, vantagens de outras naturezas. Com um príncipe Hohenzollern no trono em Madrid,
cresceríam para toda a Alemanha as oportunidades comerciais na Espanha e nas dependências que
lhe restavam. Por fim, a ascensão em prestígio da Casa de Hohenzollern, assim considerava
Bismarck, agradaria à Alemanha inteira, causando a retomada do interesse pelo esmorecido
“Projeto Kaiser”.

A maioria desses argumentos Bismarck incluiu num memorando redigido para o Rei Guilherme em
9 de março283. Repisava a Guilherme que uma recusa Hohenzollern resultaria, provavelmente, em
ir a coroa para os Wittelsbachs da Baviera, reforçando “os elementos antinacionais da Alemanha” e
colocando no trono espanhol uma dinastia que “iria procurar apoios na França e em Roma”. O rei
não se comoveu; afinal, era capaz de reconstituir um longo período de história espanhola, e o que
relembrava não era encorajador. Sua marginália esvazia a prosa eloqüente do chanceler:
argutamente ele anotou a impossibilidade de contar com a ajuda da Espanha numa futura crise com
a França (“Quem seria, na Espanha, esse potentado, forte o suficiente para julgar-se em condições
de garantir semelhante política?”, interrogava); e previu que uma dinastia estrangeira importada
em pouco tempo sofreria queda real de prestígio, “numa nação que, nos últimos quarenta anos tem,
com o mais folgazão dos espíritos, transitado de uma revolução para outra”. No dia 15 de março,
convocou os príncipes Sigmaringen, o chanceler, Roon, Moltke e três outros ministros para
jantarem com ele e com o príncipe herdeiro no palácio real. Nessa ocasião, o assunto todo foi
esmiuçado. Cada um dos conselheiros do rei recomendou-lhe aceitar a oferta espanhola. O príncipe
real declarou-se impressionado com os argumentos políticos de Bismarck, mas lamentava “afastar
um florescente ramo do convívio da família”. O Príncipe Leopold, desditosamente silencioso, achou
que seria obrigado a permitir que sua candidatura fosse apresentada às Cortes, por uma questão de
dever. Mas o rei continuava obstinadamente contra a aceitação; e se absteve de pressionar
Leopold284. Nesses momentos, Guilherme era o mais teimoso autocrata da Europa.

Bismarck aborreceu-se. Ele estava a enfrentar uma difícil situação no Reichstag, onde travavam-se
longos debates sobre o novo código penal; tinha de haver-se com uma proposta britânica de
desarmamento, bem intencionada mas impensada; com uma evidente tentativa austríaca de atiçar
problemas para a Rússia e a Prússia na Polônia; e com os primeiros resmungos de
descontentamento dos prelados católicos da Prússia com a dominação do Conselho do Vaticano pela
Cúria Papal285. E, no entanto, com tantas preocupações, era o caso espanhol que mais interessava
Bismarck. Recusou-se a esquecê-lo. Se Leopold não tinha a firmeza requerida para tornar-se rei, por
que seu irmão Frederico não poderia ser o candidato? O chanceler enviou o incansável Lothar
Bucher para avaliar a temperatura política de Madrid e o Estado-Maior destacou para acompanhá-lo
um capaz e jovem oficial, o major Max von Versen. Ambos mandaram relatórios em termos
brilhantes286.

Nesse ponto - daria para adivinhar - o esforço do trabalho teve efeitos sobre a saúde de Bismarck.
No dia 11 de abril recebeu ordem de repousar e partiu para Varzin. Uma semana depois, telegrafou
a Berlim que estava “de cama, seriamente doente, e incapacitado para tratar dos assuntos de
governo”. Permaneceu oficialmente “indisponível” por mais quatro semanas e meia. Durante sua
doença o rei entendeu que a candidatura Hohenzollern havia caducado e chegou-se mesmo a passar
um telegrama a Madrid, em 4 de maio, dando a impressão de que Leopold não estava mais
interessado. Mas Bucher e o major Versen não pouparam esforços e Carlos Antônio passou a
considerar-se fazedor de reis. Chegou a dizer a Versen que ele próprio aceitaria o trono, se fosse
mais moço287.
A notícia estimulou a convalescença de Bismarck, que reapareceu em Berlim no fim de semana de
21-22 de maio e escreveu encorajando Carlos Antônio. Em poucos dias Leopold, às instâncias do
pai, havia examinado sua consciência e seu senso do dever; ambos inclinaram-no a considerar, de
novo, a candidatura. Bismarck foi informado dessa última evolução e seguiram mensagens, em
código, para Madrid. No dia 8 de junho o chanceler concluiu que seria conveniente para sua saúde
sofrer uma recaída. Desta vez, declarou, entraria num “tratamento drástico” em Varzin: nada de
assuntos de estado, nada de telegramas (porque não tinha o livro de códigos), nada de pedidos de
opinião ou de conselhos (pois estava sem “meios secretariais”). Negociações sobre Espanha eram
com os Hohenzollerns: tratava-se, declarou, de um “assunto de família” e não de problema do
chanceler da Confederação Alemã do Norte288.

Permaneceu em Varzin até 12 de julho. Quase todo mundo saía de Berlim durante o calor do verão.
O rei encontrava-se em Ems, Moltke na Silésia e o Príncipe Leopold na Baviera. A maioria das
capitais européias estava igualmente deserta. Só em Madrid havia atividade: os deputados das
Cortes aguardavam, com impaciência crescente, um pronunciamento do regente sobre o futuro do
trono. Era intenção do marechal Prim que as Cortes “elegessem” o novo rei tão logo Salazar
regressasse da Alemanha com a aceitação do Príncipe Leopold e a permissão do Rei Guilherme. À
Europa, em particular à França, seria apresentado o fait accompli.

A essa altura, um erro curioso confundiu todo o esquema. Leopold concordou em 19 de junho;
Guilherme, de má catadura, deu o assentimento dois dias depois; e Salazar, na mesma noite,
telegrafou em código para Madrid, dizendo que estaria de volta à capital espanhola “mais ou menos
dia 29”. Um funcionário de comunicações, na Legação Prussiana, cometeu um erro ao decifrar a
mensagem e ficou parecendo que ele não regressaria “até dia 9” (de julho). Era impossível ao
regente manter os deputados em sessão por mais tempo e ele encerrou os trabalhos das Cortes até
novembro. Então, quando o trem de Salazar chegou a Madrid, três dias depois, os deputados já se
haviam dispersado e não havia Cortes onde proclamar-se a candidatura de Leopold. No caos que se
seguiu, o segredo vazou. Domingo, 3 de julho, era notícia em Paris; na segunda-feira de manhã a
imprensa francesa rugiu de indignação contra a ardilosa Prússia; e na quarta-feira, o ministro do
exterior, Gramont, proferiu um discurso patriótico na Câmara. “Os interesses e a honra da França
correm perigo”, exclamou; o povo francês “não era inevitavelmente obrigado a permitir que uma
potência estrangeira... colocasse um de seus príncipes no trono de Carlos V”. Delírio na imprensa
francesa. Bismarck ao ler em Varzin as notícias de jornal sobre o discurso de Gramont, na quinta-
feira à noite, comentou “Isto está com todo jeito de guerra”289.

Estava disposto a enfrentar um desafio, mas nesta etapa nada faria com que 0 provocasse. Seu
silêncio intrigou alguns dos colegas mais chegados. Havia vários anos que o banco Bleichroeder
vinha cuidando de seus assuntos financeiros e de seus investimentos. O estado incerto das coisas
levou o presidente do banco, Gerson von Bleichroeder a pedir instruções a Varzin. No dia 11 de
julho, recebeu uma resposta com a letra de Joana, pois o marido “está ocupadíssimo, cifrando e
decifrando”. “Ele não acredita em guerra”, prosseguiu ela, “porque mesmo a despeito da frivolidade
de certas pessoas, acha improvável que alguém, repentinamente, nos vá atacar porque a Espanha
não teria votado da maneira como não-sei-quem preferiría. Mas pensa ele que ainda podemos ter
momentos em que a crença na guerra seja mais forte que agora, e como, de qualquer forma, está
precisando de dinheiro aqui, talvez fosse boa idéia vender as ações preferenciais da estrada de
ferro”290. Era até onde o chanceler ousava chegar na orientação a seu banqueiro.

Entrementes, em Berlim, o Ministério do Exterior sustentava que a candidatura dizia respeito


apenas à família real e aos espanhóis, não ao governo prussiano. Era a atitude oficial determinada
por Bismarck. Ele julgava essencial que os franceses cometessem erros, insultassem o povo alemão,
juntando assim as Alemanhas do norte e do sul numa cruzada nacional pela vitória contra o
tradicional inimigo do além-Reno. Bismarck conhecia suficientemente bem o temperamento de Paris
para confiar em que daria certo. Tudo que tinha a fazer era manter-se inocente de qualquer intriga,
permanecer na longínqua Pomerânia e aguardar ser convocado a Berlim, aonde iria para salvar uma
injustiçada e ofendida Alemanha das iras de um vizinho despeitado. Às seis da tarde de 11 de julho
ele enviou um enigmático telegrama ao Ministério do Exterior: “Deixem que ocorra o que
ocorrer”291.
Uma vez mais seus cálculos deram errado. Ignorara dois imponderáveis: o grau da hostilidade do
rei ao projeto e a relutância de Leopold em assumir a grandeza inesperadamente caída sobre ele.
Guilherme jamais quisera um Hohenzollern em Madrid e não tinha a menor intenção de fazer uma
guerra com a França por esta questão. Estava irritado com o tom da imprensa francesa e com o
discurso de Gramont, mas achou que lhe competia fazer um gesto de paz. Cedo, na manhã de 11 de
julho, despachou um ajudante-de-ordens, o coronel von Stranz, a Sigmaringen, esperando que
Carlos Antônio e Leopold renunciassem à candidatura da família. O trem do coronel chegou
atrasado a Bruchsal, ele perdeu uma conexão e só conseguiu estar com os príncipes à noite; assim,
outro dia de tensão cada vez pior transcorreu, devido ao atraso. Stranz foi encontrar os príncipes
prontamente dispostos a se retraírem do caso e Carlos Antônio mandou imediatamente uma
mensagem a Napoleão III292. Enquanto isso, com alguma exasperação, o rei ordenara a presença
de Bismarck em Ems - a mais de seiscentos e quarenta quilômetros de Varzin - e o chanceler passou
a maior parte daquela terça-feira (12 de julho) viajando, da Pomerânia, de volta à capital, como
primeira etapa da jornada. Chegou a Berlim por volta de seis da tarde, para encontrar, à sua espera,
um telegrama informando-o da renúncia de Leopold à candidatura293. A notícia, total surpresa para
ele, deixou-o desconcertado, zonzo.

Seu primeiro pensamento foi demitir-se. Havia, porém, outras mensagens interessantes, inclusive
telegramas de Paris sobre o ar guerreiro do governo e dos jornais. Pensava ainda que os franceses
cometeríam qualquer loucura. Naquela noite jantou com Roon e com o ministro do interior
prussiano, Eulenburg, e a eles juntou-se Moltke, mais tarde. Tanto Moltke quanto Roon insistiam na
vantagem que significaria para a Prússia uma imediata guerra com a França. Em conversa, no dia
seguinte, com Gorchakov (que estava em visita particular à Alemanha) Bismarck afirmou ter dito
aos generais que nada faria para causar uma guerra, que semelhante procedimento era contrário a
seus sentimentos humanitários e a sua religião. Mas a um quarto para as dez da noite daquela
terça-feira, enviou mensagem a Ems, recomendando com instância ao rei que chamasse o
embaixador prussiano em Paris e enfatizando que, após as agressivas expressões de Gramont, a
opinião pública de toda Alemanha exigia uma explicação satisfatória para a hostilidade francesa294.
Era a linguagem que levava ao duelo. Seria mesmo a Alemanha montada na sela? Ou era apenas o
“Raposo Rabenmarck” novamente em ação?

O chanceler não reiniciou a sua viagem para Ems na quarta-feira; mandou Eulenburg com
recomendações e - presume-se - pedido de desculpas. De manhã, estudou o noticiário de Viena e
Londres (onde a belicosidade francesa resultava em simpatia pelos prussianos), e chegaram
mensagens dos estados alemães menores indicativas de que as explosões francesas estavam
estimulando o sentimento nacional. Mais avançada a manhã, Gorchakov pessoalmente deixou claro
a Bismarck que não havia a temer uma intervenção russa, militar ou diplomática; e o Ministério da
Guerra confirmou que o dispositivo de mobilização já estava “pronto para a partida”. Bismarck
parece ter decidido pedir ao rei que convocasse o Reichstag, pedisse um tributo de guerra,
autorizasse a mobilização e esperasse a reação dos franceses. À tarde, Gorchakov avisou Bismarck
que diplomatas russos em Paris julgavam que Gramont não deixaria passar a crise sem tentar algum
triunfo diplomático295.

Na quarta-feira à noite, Bismarck novamente recebeu Moltke e Roon para jantar. Entre sete e oito
da noite chegou um telegrama de Heinrich Abeken, o funcionário do Ministério do Exterior em
permanência residente junto à Corte296. Relatava um encontro entre o rei e Benedetti, embaixador
francês, naquela manhã, ao ar livre, em Ems. O embaixador, por instruções de Gramont solicitou
garantia de que o rei jamais consentiría numa retomada da candidatura Hohenzollern. Guilherme
não gostou: os franceses estavam indo longe demais ao desejarem uma promessa com validade
indefinida. Firme, porém polidamente, o rei recusou. Mais tarde, Benedetti solicitara uma segunda
audiência, para insistir no assunto da garantia, e Guilherme mandou-lhe o recado de que nada mais
tinha a dizer. Tão furioso o rei ficou que tomou a rara providência de mandar Abeken transmitir a
Bismarck autorização para dar publicidade aos detalhes de seu encontro com Benedetti. Bismarck
(como se sabe) maximizou a oportunidade: sem acrescentar uma palavra, reescreveu o telegrama
com técnica jornalística tão perfeita que Benedetti apareceu insolentemente tentando dirigir a
palavra ao rei, que, por sua vez, teria humilhado o representante da França, tratando-o com
aspereza. No relato sobre o jantar, feito anos depois por Bismarck, caracteristicamente teatral, ele
afirma ter dito a seus dois hóspedes, “Isto vai funcionar como capa vermelha no focinho do touro
gálico,,; e Moltke comentou: “Antes, soava como negociação normal; agora é o brandir do florete em
resposta a um desafio”. Ambos os generais estavam satisfeitos297.

A imprensa de Berlim, na manhã seguinte, saiu com a versão retocada do telegrama, e à noite o
incidente era notícia em edições especiais dos jornais de Paris. O caso explodiu, portanto, numa já
chauvinística Paris, no dia Quatorze Juillet, festival revolucionário oficialmente ignorado durante o
Segundo Império, mas ainda celebrado na cidade da queda da Bastilha. Naquela noite houve
multidões nas ruas clamando “A Berlin”, da mesma forma como nas cidades alemãs os
manifestantes entoavam “Nach Paris”. A histeria patriótica tomou conta de tudo; até na Ópera de
Paris o pano desceu debaixo de aplausos alucinados ao som da Marseillaise, cantada pela primeira
vez em dezoito anos. No dia 15 de julho as Câmaras francesas aprovaram créditos de guerra,
deixando apenas o veterano conservador Thiers e a Esquerda a protestarem contra a decisão de
entrar numa guerra sem justificativa. “A Prússia já se esqueceu de Iena”, exclamou um leal
bonapartista, em meio a ovações. “Temos que relembrá-la!” Foi nesse estado de espírito que, na
tarde de 19 de julho, o chargé d’affaires francês em Berlim apresentou formalmente no Ministério
do Exterior a declaração de guerra298. Naquele instante já a Baviera, Baden e Württemberg haviam
iniciado a mobilização, e antes do final do mês um exército nacional alemão estava em posição ao
longo da fronteira francesa. A política de “Ferro e Sangue” chegava a clímax terrível.

[1] A expressão “nacional-liberais” é usada aqui proleptícamente, para descrever a maioria dentre
os liberais prussianos, contrastando com os “progressistas”, mais radicais, que se negavam à
pacificação com Bismarck. Na verdade, o Partido Liberal Nacional só veio a existir em 1867 com a
eleição de um Reichstag Constituinte. Consistiu, então, de um combinado de liberais prussianos de
direita, liderados por Karl Twesten e Eduard Lasker, e não-prussianos do velho movimento
Nationalverein, tais como o hanoveriano Rudolf von Bennigsen. Os Nacional-Liberais permaneceram
aliados de Bismarck de 1867 até 1879.

[2] O posto de Lothar Bucher no Ministério do Exterior era Vortragender Rat (ministro da carreira
diplomática do primeiro nível de responsabilidade e com atribuição de preparar relatórios). A
descrição mais aproximada da função seria “subsecretário”. Bucher foi Vortragender Rat durante
vinte e dois anos (1864-86), portanto um dos mais chegados adjuntos de Bismarck na maior parte de
sua carreira ministerial. Em 1848-49 Bucher fora membro do parlamento de Frankfurt.
10. SEDAN E VERSALHES

A terceira das guerras de Bismarck entrou em erupção lentamente. Os comandantes, franceses e


alemães, levaram uma quinzena para desdobrarem suas forças nas fronteiras, e o Rei Guilherme
somente no último dia de julho saiu de Berlim para assumir o comando dos exércitos em campanha.
Às cinco e meia da tarde daquele domingo, Bismarck desceu os degraus da Chancelaria, tendo a seu
lado a esposa e a filha. Fardado de major-general da Landwehr: botas de couro, de cano longo,
cobrindo os joelhos e as coxas; casacão azul um tanto quente para a noite de verão; e na cabeça o
capacete de aço com espiga em ponta (pickelhaube), da Cavalaria Pesada. Seus filhos Herbert, de
vinte e um anos, e Guilherme, de dezoito, já estavam em serviço como oficiais subalternos; mas os
passantes viram Joana e Marie, orgulhosamente, darem adeus ao chanceler, quando sua carruagem
partiu para a estação ferroviária.

Por duas semanas ele só recebeu boas notícias. O príncipe real obteve vitórias sobre MacMahon nas
localidades de Wörth e Weissenburge avançou pela Alsácia e pelos Vosges, enquanto o exército do
Príncipe Frederico Carlos forçava Bazaine a retirar-se para a fortificação inacabada de Metz. Já em
16 de agosto Bismarck escreveu a Joana dizendo achar que a campanha estava, “a bem dizer,
acabando, a menos que Deus interfira manifestamente em favor da França, o que espero não
aconteça”299. Mas aquela noite foi uma das piores de sua vida: chegou-lhe uma informação, quando
estava acantonado numa casinha em Pont-à-Mousson, de que seu filho Herbert morrera. Durante o
dia houve um embate de vinte esquadrões de cavalaria em Mars-la-Tour, e os companheiros viram
Herbert cair do cavalo durante a mêlée. Outra mensagem, mais tarde, informou que o segundo filho
do chanceler, Guilherme, estava gravemente ferido. Mars-la-Tour distava uns trinta quilômetros de
Pont-à-Mousson, e Bismarck saiu a cavalo para o norte, procurando os hospitais improvisados nos
vilarejos próximos ao campo de batalha. Quando amanheceu o dia, encontrou Herbert, vivo, numa
granja em Mariaville, fora de combate devido a um ferimento a bala na coxa, mas sem perigo. Logo
depois achou o segundo filho, sem um arranhão, embora também ele tivesse estado no mais aceso
do combate. O chanceler voltou a Pont-à-Mousson de espírito aliviado, porém indignado com os
generais, que irresponsavelmente jogavam a cavalaria em combates dos quais não podia advir
nenhuma vantagem tática decisiva. Estavam, reclamou ele, “malbaratando a coragem dos homens”,
sempre usando os punhos em vez de usar a cabeça300.

Dois dias depois travou-se uma grande batalha entre as vilas de Gravelotte e Saint Privat, sobre a
estrada Verdun-Metz. Estritamente considerando, os prussianos e seus aliados foram vitoriosos,
pois os franceses retraíram de suas posições antes do anoitecer, mas o moral alemão foi seriamente
abalado. Num dado momento, o rei, tendo ao lado Moltke e Bismarck, assistiu consternado à
infantaria prussiana debandar em pânico ao cair sob fogo cerrado, numa ravina. Os prussianos e
aliados perderam 20.000 homens, naquele dia, e os franceses 12.000. Como Bismarck, o Rei
Guilherme abalou-se com essa “carnificina absurda”. O príncipe real, encontrando seu pai pela
primeira vez depois de quatro semanas, em Pont-à-Mousson, no dia 20 de agosto, achou-o “muito
aflito com as perdas graves”. Mas ninguém perdera a certeza na vitória final. Escreveu o príncipe
que Bismarck estava a pensar em termos de “uma paz moderada”: a cessão da Alsácia, que já fora
província germânica, e pagamento de todas as despesas da guerra”; segundo o príncipe, ele “calma
e friamente observa os acontecimentos, e não está demasiadamente otimista”301. Moltke, por seu
lado, só pensava no problema imediato, a marcha sobre Paris. O caminho para a capital francesa
abriu-se com o triunfo d’armas em Sedan, no dia 1.° de setembro. Durante os últimos dias de agosto
o exército do marechal MacMahon foi habilmente cercado às margens do rio Meuse, em Sedan,
tendo como única via de retraimento a região montanhosa das Ardenas e a fronteira belga, dez
quilômetros à retaguarda. Em 30 de agosto Bismarck alertou o governo de Bruxelas que deveríam
ser desarmadas tropas que buscassem refúgio em seu território neutro, caso contrário os
prussianos teriam de atravessar a fronteira em perseguição. “Agora estão na ratoeira”, sentenciou
Moltke alegremente, ao estudar os mapas na noite seguinte.

O primeiro dia de setembro começou com uma forte bruma, promessa de sol escaldante. Quando o
nevoeiro levantou, quatrocentos canhões abriram fogo sobre as posições francesas a leste do
Meuse, que se estendiam por uma pradaria até o sopé das Ardenas. Bismarck teve uma
extraordinária vista da batalha. Como em Königgrätz, tomou posição numa lombada, ao lado do rei,
mas desta vez muito mais próximo dos objetivos principais. Instalado na encosta sobre a vila de
Frénois, com um telescópio, podia enxergar a própria Sedan, a três quilômetros. A glória e a
tragédia da batalha desenrolaram-se diante dele como se fosse uma exibição em diorama nalgum
museu. Os veteranos por muito tempo relembraram “a multidão que se comprimia” na encosta de
Frénois: uma dúzia de príncipes alemães; Moltke, Roon e seus estados-maiores; correspondentes de
guerra especialmente convidados (tais como Russell, do The Times); e ilustres observadores
estrangeiros, homens como o General Sheridan, cuja cavalaria varrera o Shenandoah seis anos
antes, ou o General Kutuzov, cujo avô flagelara o Napoleão da outra geração, em 1812. Há um quê
de surrealista nessa assembléia instalada por sobre Frénois. Grandes personagens, em estranhos
uniformes, assistiam com seus telescópios a uma partida em que se jogava um império. De repente,
um deles sentou-se numa cadeira de lona, fez um sinal para alguns secretários e começou a
manusear os mais recentes telegramas dos embaixadores, como se estivesse na Wilhelmstrasse.
“Uma taça de vinho, Excelência?”, consultou um adjunto. “Não, obrigado”, respondeu Bismarck,
“bem que eu gostaria, mas o rei ainda não tomou nada”. De incidentes como esse criam-se as
lendas302.

Moltke foi quem primeiro viu a bandeira branca içada na fortaleza de Sedan e mandou o coronel
Bronsart von Schellendorf investigar. Havia boatos, não totalmente desprezados na encosta, de que
o próprio Napoleão III estava em Sedan. Sua presença colocaria melindrosos problemas
constitucionais para seus captores e Bismarck meditava sobre o assunto enquanto Bronsart
parlamentava com emissários franceses. O coronel regressou pouco antes de seis e meia da tarde e
confirmou que Napoleão, em pessoa, desejava render-se; logo chegou um oficial francês com uma
carta endereçada a Guilherme, na qual Napoleão propunha “entregar minha espada nas mãos de
Vossa Majestade”. Bismarck ditou uma resposta em nome do rei, aceitando sua rendição pessoal,
mas solicitando a designação de um oficial para tratar da capitulação do exército. Dois generais
franceses de maior antiguidade, Wimpffen e Castelnau, vieram ao encontro de Moltke e de
Bismarck naquela mesma noite, em Donchéry, tentando abrandar as condições prussianas, sem
resultado, Moltke mostrou aos emissários, sobre os mapas e cartas, que a posição deles era
insustentável; Bismarck insistiu em que a Alemanha exigia segurança no futuro contra a histórica
emulação e o ciúme dos franceses. Wimpffen ponderou que somente uma paz generosa seria
durável, mas o chanceler não lhe permitiu ilusões: “De maneira geral, não se deve contar com
gratidão, e jamais com a gratidão de um povo”, respondeu Bismarck com dura franqueza.
“Precisamos ter espaços, fortalezas e fronteiras que nos abriguem dos ataques do inimigo.” A única
concessão feita aos emissários foi a extensão da trégua até nove horas da manhã seguinte, para que
pudessem consultar o imperador303. Já era meia-noite e Bismarck e Moltke ficaram em Donchéry
para umas horas de sono. O rei se fora para o QG em Vendresse, a vinte e dois quilômetros.

Logo após o amanhecer de 2 de setembro o próprio Napoleão chegou a Donchéry, na esperança de


poder avistar-se com Guilherme e arrancar condições melhores, como o internamento do exército
na Bélgica em vez de seguir para campos alemães de prisioneiros. Bismarck vestiu-se às pressas e
encontrou-se com o imperador na choupana de um lavrador, junto à estrada. O chanceler foi
primorosamente cortês, mas estava determinado a não permitir que os dois soberanos se falassem
até Wimpffen haver assinado a capitulação minutada por Moltke na véspera. Explicou a Napoleão
que o rei estava a muitos quilômetros de Sedan. “Ficamos sentados durante uma hora, num
cubículo de três metros quadrados onde havia uma mesa de pinho e duas cadeiras de palha”,
escreveu Bismarck a Joana, no dia seguinte. “Que contraste com nossa última troca de idéias, nas
Tuileries, em 67.”304 A conversa foi difícil. Assim que o exército se rendeu, Bismarck escoltou
Napoleão até uma pequena vivenda em Bellevue aonde chegaram também o rei e o príncipe
herdeiro para uma entrevista breve, polida, mas dolorosa. Decidiu-se que Napoleão viajaria, através
da Bélgica, para Wilhelmshohe, perto de Cassel, onde permanecería como prisioneiro de guerra até
o fim das hostilidades. Na manhã seguinte, bem cedo, 3 de setembro, um sábado, Bismarck e
Moltke ergueram-se em continência ao desfilar a carruagem de Napoleão, os cocheiros de libré e
cabeleiras empoadas empertigados na boléia, cruzando Donchéry, a caminho da Bélgica e de
Wilhelmshohe. Ambos estavam felizes. Moltke acreditava que o poderio militar da França se
desvanecia. Bismarck considerava estar atingindo seus objetivos políticos. “Lá se vai uma dinastia”,
observou, quando a carruagem imperial sumiu em direção à fronteira305 Agradava-lhe que
Napoleão estivesse sendo tratado cavalheirescamente; alguém teria de assinar o tratado de paz, e
Napoleão ainda era, de direito, o governante da França. Era de conveniência não humilhar o
soberano a quem os remanescentes exércitos franceses, em Metz e Strasburgo, prestavam
vassalagem.

O chanceler tinha certeza de que a guerra chegara virtualmente ao fim. Ao acompanhar o quartel-
general, naquele fim de semana, a Vendresse e Reims, passou seus dias formulando mentalmente os
termos de paz mais razoáveis. Era sempre o político da prática e não um visionário imperial, e
recusava ater-se aos preconceitos dos chauvinistas nacional-liberais e, aliás, aos dos seus próprios
jornais. Eles todos podiam alardear a “recuperação das terras alemãs perdidas”, ou fazer do Reno
“um rio alemão, em vez de limite da Alemanha”; quanto a si, dava-se por satisfeito com um
programa mínimo que contentasse seu senhor e os generais. Em Rethel, no dia 4 de setembro, fez a
Moritz Busch o comentário, “Metz e Strasburgo é o de que precisamos e queremos tomar. A Alsácia
é idéia dos professores”.

Naquele domingo estourou a revolução em Paris e a Terceira República foi proclamada, no Hôtel de
Ville. Bismarck não se preocupou muito com as notícias que lhe chegaram: o espectro de uma
França republicana reforçava a dependência das autocracias orientais em relação à Prússia, pois as
classes governantes de Viena e S. Petersburgo optariam por uma demonstração de solidariedade
contra esta nova manifestação de ridícula fúria vermelha. Se Jules Favre, ministro do exterior do
governo provisório estivesse disposto a tratar da paz, tanto melhor. “Para nós é indiferente quem
governa a França, se Napoleão, se uma república branca ou uma república vermelha”, telegrafou
Bismarck do quartel-general do rei, em Meaux, ao embaixador em Londres. “Nosso único objetivo é
a segurança estratégica de nossas fronteiras no sudoeste contra o próximo ataque, inevitável, da
França contra a Alemanha.” 306 Intimamente, Bismarck preferia o império a uma Terceira
República e não lhe interessava receber Favre caso a república se mostrasse nada mais que um
gesto fugaz de rebeldia parisiense; quando, porém, no terceiro fim de semana de setembro os
exércitos prussianos completaram o sítio da capital deixou de ser razoável negar-se a um encontro
com Favre. Tarde da noite, na segunda-feira 19 de setembro, Bismarck recebeu Favre em Ferrières,
onde o rei montara seu QG no chateau Rothschild, a apenas treze quilômetros de Versalhes e a vinte
e quatro de Paris.

Jules Favre, um advogado burguês, defensor das causas dos mineiros de carvão na luta pelo
reconhecimento de seu sindicato, no Segundo Império, era do tipo de político idealista que
provocava o que havia de pior no caráter de Bismarck. Naquela noite em Ferrières o chanceler
tratou-o de maneira atroz307. O causídico de sessenta e um anos clamou eloqüentemente por uma
paz justa que levasse os povos francês e alemão a conviverem em meio à amizade, ao entendimento.
Bismarck ouvia, desdenhoso, tirando baforadas de seu charuto, satisfeito após o jantar, e a
conferência arrastou-se para uma segunda hora. A Prússia, interrompeu ele, bruscamente,
precisava de uma fronteira segura contra a guerra de desforra que a França, com certeza, tentaria
contra a nova Alemanha; seria necessário, portanto, que a França entregasse Strasburgo e toda a
Alsácia, além de uma parte da Lorena, inclusive a fortaleza de Metz. Condições amargas, em nada
diferentes das “idéias dos professores”, e é possível que Bismarck estivesse a presumir que Jules
Favre faria uma contraproposta, dando início a um processo de barganha. Mas Favre caiu das
nuvens: “O senhor quer destruir a França”, exclamou, já em lágrimas. Pediu ao chanceler que
concedesse um armistício durante o qual os franceses elegessem uma Assembléia Nacional
representativa, mas Bismarck negou-se a dar atenção a um assunto interno da França. Com certeza
os franceses podiam contar com um armistício, admitiu ele - desde que, como demonstração de boa
fé, entregassem as fortalezas que ainda resistiam na Alsácia e um dos fortes do sistema defensivo
das vias de acesso a Paris. Hora e meia de entrevista e Jules Favre deixou Ferrières “angustiado,
cabisbaixo, quase em desespero”. Moritz Busch especula em seu diário que o pobre francês haja
adotado essa atitude “visando a impressionar o chanceler”; e o próprio Bismarck, cinicamente,
conclui que Jules Favre “tentou manobrar meus sentimentos por meio de uma cenazinha dramática,
costume dos advogados parisienses em suas defesas”308. Ninguém no QG prussiano duvidava de
que Jules Favre aparecería de novo, depois de consultados seus colegas: e havería um armistício,
um tratado de paz e, em breve, pavilhões germânicos tremulariam em ambas as margens do Reno,
de Emmerich a Basel, da fronteira com a Holanda até a fronteira com a Suíça.

Os prussianos julgaram mal. Em quarenta e oito horas o Governo de Paris deu à publicidade um
relato do encontro, revelando à Europa as condições sob as quais Bismarck faria a paz. Em toda
parte os sentimentos contra a Prússia robusteceram-se e subiu a maré do amor-próprio dantonesco
em Paris e em muitas cidades francesas. Após a entrevista de Ferrières a guerra mudou de figura.
Introduziu-se uma nova índole de selvageria nos métodos franceses de resistência, logo evidente no
estilo de ataques isolados aos invasores. A luta deixou de ser entre dois exércitos profissionais.
Inevitavelmente os invasores responderam com repressão severa. O próprio Bismarck determinou
que as autoridades impusessem uma disciplina de ferro nas regiões sob seu controle: aldeias que
abrigassem guerrilheiros seriam sumariamente incendiadas; qualquer pessoa (homem, mulher ou
criança) suspeito de haver disparado contra soldados alemães ou cometido ato de sabotagem, seria
executada; e ele era, pessoalmente, a favor de transferir populações inteiras de áreas mais rebeldes
para acampamentos especiais na Alemanha[1]. Felizmente, nem todos os que estavam em posições
de responsabilidade eram tão violentos quanto Bismarck, mas mesmo assim o sofrimento dos
franceses foi terrível. Seu “obstinado poder de resistência” reconheceu no diário o príncipe real,
mostrava “o que pode um povo unido quando inspirado num grande ideal nacional”309. Nunca foi
este o conceito de Bismarck.

Quando nenhuma delegação de armistícios chegou de Paris, o chanceler estimulou dois visitantes
americanos, o general Ambrose Burnside e o coronel Forbes, a penetrarem nas linhas sob bandeira
de trégua, no dia l.° de outubro, com vistas a trazer-lhe notícias da atitude de Favre. Burnside (que
alguns anos antes fora o menos destacado dos comandantes de Lincoln no Potomac) conseguiu
chegar até o Hôtel de Ville. Teve encontros com Favre e com o chefe do governo provisório, o
general Trochu, que culpou das infelicidades do país a torpeza moral de seus compatriotas. O
americano voltou a Ferrières e informou que Favre já se conformara com a perda da Alsácia, mas
não estava conseguindo convencer os demais líderes republicanos. Paris, observou cruelmente
Burnside, era “um hospício de macacos”310. Não foi a mais valiosa das estimativas; mas Burnside
também não era o mais adequado dos emissários de paz. Sua opinião confirmava as premissas e os
preconceitos de Bismarck. Se os macacos continuassem surdos à razão, sempre havería a
possibilidade de arrancar um tratado de paz de Napoleão, em Wilhelmshohe. Mais cedo ou mais
tarde algum representante da França assinaria a cessão de Metz e Strasburgo; por enquanto, se o
Rei Guilherme desejava instalar seu quartel general em Versalhes, por que não?

A insígnia real prussiana despontou no mastro da Préfecture de Versalhes no dia 5 de outubro.


“Estaremos aqui por umas três semanas”, predisse Robert von Keudell, observando os funcionárias
improvisarem um Ministério do Exterior a mil e duzentos metros do chateau de Luís XIV311.
Otimismo dele; Versalhes ostentou a aparência exterior de capital alemã por cinco meses completos.
No começo, a vida foi muito agradável. O rei morava na Préfecture e havia mansões suficientes para
os seis príncipes reais, quatro grão-duques, cinco duques e um landgrave reinante que o haviam
acompanhado às guerras. Bismarck foi acomodado a uns oitocentos metros do rei, na Rue de
Provence 14, um casarão de três pisos pertencentes à viúva de um industrial têxtil e situado numa
rua tranqüila, transversal à Avenue de Saint Cloud. Em outubro e novembro a guerra não influiu
muito no ambiente festivo. A data da derrota de Napoleão I em Leipzig foi celebrada com um desfile
na Place d’Armes; a saúde de Moltke foi brindada, no seu septuagésimo aniversário, com vinhos de
uma das melhores adegas da França; e em dois domingos o príncipe herdeiro comentou em seu
diário quão esplendidamente a capela de Luís XIV ressoava o fervor do canto de hinos luteranos312.

Ás vezes, porém, chegava a parecer que o espírito de Versalhes vingava-se dos invasores. Pois à
medida em que semanas de frustração convertiam-se em meses, pequenas desavenças tomaram o
vulto de grandes disputas e a intriga passou a prosperar, lembrando as décadas finais do velho
regime Bourbon. A animosidade viceja facilmente na atmosfera artificial do posto de comando de
um monarca, e alguns dos casos de ressentimento e ciúme não tiveram qualquer importância. Mas a
tensão crescente entre Bismarck e Moltke era muito séria: ameaçava o relacionamento de fundo da
autoridade civil com a militar no tecido do estado prussiano e, enfim, da Alemanha como um todo.
Discordâncias houvera, entre os dois, à mesa do conselho de Sedan e Ferrières, como antes
ocorrera durante a campanha de 1866, mas foi a prolongada espera para acabar a guerra, depois da
ocupação de Versalhes, que finalmente destruiu a ligação entre o chanceler e o Grande Estado-
Maior313.

Moltke entendia que, feita a mobilização de uma nação para a guerra, quaisquer considerações de
política ou diplomacia deviam subordinar-se às necessidades do Alto Comando. A amplitude e a
duração de uma campanha, a necessidade de firmar um armistício, as negociações de paz - eram
assuntos, todos, que deviam ser deixados aos militares. Bismarck, ao contrário, sustentava que
essas eram questões em que a última palavra devia caber aos homens polí ticos do soberano. Em
sua opinião a obrigação da oficialidade era vencer as batalhas para o rei, e não decidir quem eram
os inimigos ou que condições deviam estes ouvir uma vez vencidos no campo. A imprecisão de
limites entre as esferas de responsabilidade de cada um já causara fricção em Nikolsburgo: e essa
dúvida cresceu de importância em 1870 devido à diferente atitude de ambos com relação àquela
guerra em que estava a Prússia. Moltke detestava os franceses e estava disposto a levar seus
exércitos até o Loire e além, numa guerra de extermínio; Bismarck, a despeito das labaredas de
suas conversações privadas, não permitia que a paixão ditasse a política. Seu objetivo imediato
continuava sendo o de Sedan: uma vitória rápida e a paz concluída antes que outra Potência
quisesse intervir para mediar.

Para seu assombro, Bismarck notou os generais decididos a excluí-lo de todas as reuniões militares.
Queixou-se de que o mantinham mesmo na ignorância do dia-a-dia das operações do exército.
Tolheram suas tentativas de negociar com representantes da causa de Bonaparte e cooperaram o
mínimo quando o veterano dirigente conservador, Adolphe Thiers, procurou Bismarck em Versalhes,
dias 1.° e 2 de novembro, pouco depois que o último comandante leal bonapartista (Bazaine)
rendeu-se, em Metz. Um mês depois, Moltke remeteu uma carta diretamente ao general Trochu, em
Paris, informando-o da queda de Orléans nas mãos dos prussianos, comunicação que Bismarck
interpretou, de novo, como tentativa, da parte do chefe do Estado-Maior, de encaminhar uma
política independente daquela do chanceler. Tal ingerência era totalmente inaceitável: “É
exatamente como se eu lhes fosse fazer preleção sobre o posicionamento de uma bateria neste ou
naquele local”, trovejou ele aos seus companheiros de jantar, em 14 de outubro, após uma das
primeiras colisões com os “cavalheiros militares”. Em meados de dezembro, já estava tão furioso
com o tratamento recebido de Moltke que tocou no assunto com o rei, o qual fez questão de que seu
primeiro-ministro fosse ao menos informado das decisões militares vitais314.

Bismarck tinha um justo motivo de queixa, mas os generais também poderiam queixar-se, e muito,
dele. Pois apesar de não o reconhecer, não resta dúvida de que o chanceler andou bastante perto de
fazer-lhes preleções sobre posicionamento de canhões. Estava convencido de que a única maneira
de chegar logo à paz seria bombardear Paris e forçar a capital a render-se, ao passo que Moltke
argumentava ser a artilharia de longo alcance militarmente ineficaz e de que a maneira inteligente
de agir seria deixar Paris à míngua, cortando-lhe todos os suprimentos até que se rendesse, ao invés
de destruí-la. Mas Bismarck fincou pé quanto à necessidade de bater a cidade com os canhões
pesados da Krupp: afirmava que uma população civil aterrorizada forçaria as autoridades a pedirem
a paz. Não é de surpreender que semelhante falácia psicológica, que confundiu estrategistas mais
modernos, o tivesse também enganado. Roon concordou com Bismarck; relutante, e contra sua mais
judiciosa opinião, Moltke preparou os planos para concentrar-se a necessária artilharia e munição
em volta de Paris315.

Mas Bismarck ainda não ia conseguir seu ataque rápido e decisivo. Dificuldades técnicas para a
locomoção de canhões de sítio e provisão de granadas retardaram o bombardeio até a primeira
semana do ano novo. O chanceler ficou possesso: culpou o príncipe real e sua esposa; vituperou
contra os escrúpulos sentimentais de “arcebispos e professores”; e insinuou maldosamente a falta
de patriotismo de “certa gente que quer elogios na imprensa inglesa”. Quando não tinha mais em
quem bater, apelou para o duende consumado de todos os paranóicos políticos e atacou sem
rebuços os intrigantes maçons. É possível que Moltke não se tenha empenhado com toda a
capacidade na solução do problema logístico, pois evidentemente reagia à insistência do chanceler
em forçar um bombardeio de Paris por motivos políticos. Já muito antes do Natal o Estado-Maior
não confiava em Bismarck e lamentava sua presença permanente em Versalhes. “Usar uma capa de
oficial de cavalaria não ajuda, necessariamente, a entender de assuntos militares”, escreveu
causticamente o coronel Bronsart em seu diário. “Que coisa monstruosa, um político ter mais
influência que os chefes do exército!”, comentou o velho adversário de Bismarck general von
Manteuffel. E no fim da primeira semana de dezembro, Bronsart escreveu simplesmente que “o
Conde Bismarck está se tornando, com rapidez, um caso acabado de hospício”316.

Essa opinião, embora injusta, não era de todo despropositada. Desde a mudança para a Rue de
Provence Bismarck estava sob grande tensão. Sua luta para salvaguardar o primado do governo
civil era apenas uma de suas muitas tarefas. Era preciso concluir se havia ou não possibilidade de
paz com Thiers ou com algum representante de Napoleão III; e continuava, também, inquieto sobre
a situação geral da Europa. No último dia de outubro, o Czar Alexandre II repudiara as cláusulas do
Tratado de Paris de 1856 que haviam neutralizado o Mar Negro. Esse gesto de independência, ao
qual, em princípio, Bismarck não era infenso, chegou em mau momento para os prussianos: os
ingleses, indignados com o abandono, pela Rússia, da noção da santidade dos tratados, assomaram
um ar belicoso; e na quarta semana de novembro Bismarck receou seriamente que o conflito franco-
prussiano fosse engolfado numa guerra muito maior entre as Potências européias317. Dessa
maneira, no mais aceso de seu conflito com os generais, ele ainda exercia grande esforço para
motivar uma conferência internacional que revisse pacificamente as cláusulas sobre o Mar Negro,
mas sem qualquer referência aos fatos do momento em torno da cidade onde o tratado original se
consumara.

Ainda bem que, na verdade, russos e ingleses preferiam uma composição à guerra; aceitaram,
portanto, sua mediação nos termos que propunha. No início de dezembro conveio-se em que haveria
uma conferência em Londres, no mês seguinte, com o fito de discutir o problema do Mar Negro, e
que a França não constaria da agenda. Bismarck ficava satisfeito com esse arranjo, porém
restavam-lhe dúvidas sobre a atitude britânica. Vendo bem, a questão italiana fora levantada na
conferência de Paris, em 1856, embora formalmente irrelevante. O fato de aproximar-se uma
conferência em Londres, deixou-o ainda mais ansioso por acabar rapidamente a guerra na França.
Não admira que os auxiliares pessoais de Bismarck achassem o chefe incrivelmente explosivo.
Como acontecia muitas vezes, quando seus nervos estavam abalados, começaram-lhe as dores na
perna esquerda. Outros mais sentiam, também, a tensão. Roon ficou preso a seu quarto dias
seguidos devido à asma318.

Houve uma terceira questão a preocupar Bismarck durante boa parte de novembro. Depois de
Sedan, a Alemanha geral, inclusive os estados do sul, tomou-se de intenso fervor patriótico. Até
mesmo na Baviera, onde era mais forte o sentimento particularista, o Rei Ludwig reconheceu que
teria de levar seu país para uma estrutura todo-germânica, embora não apreciasse a forma da
Confederação existente. Bismarck tinha a firme intenção de tirar proveito dessa onda de sentimento
nacional. Delegados de Württemberg, Baden, Baviera e Hesse chegaram a Versalhes e começaram
as negociações destinadas a alcançar uma nova união federal alemã319. Por vezes, as tratativas
andaram difíceis, especialmente na segunda semana de novembro, quando a delegação de
Württemberg inesperadamente regressou para Stuttgart em busca de novas instruções. Os
representantes de Baden e Hesse não criavam dificuldades, e Bismarck não pretendia deixar que os
württemberguenses ou os bávaros torpedeassem a Confederação da Alemanha do Norte. Daí dispor-
se a dar à Baviera demonstração de boa vontade, a fim de isolar Württemberg e garantir a entrada
dos quatro estados numa união alemã. Prometeram-se aos bávaros um exército próprio em tempo
de paz, um serviço postal em separado e a presidência permanente de uma comissão para política
externa. Hesse e Baden ingressaram na união em 15 de novembro, a Baviera oito dias depois e, por
último, Württemberg, no dia 25 de novembro. Restava determinar o estilo e o grau de nobreza e
majestade da nova união.

Nunca houve muita dúvida, em Versalhes, de que a nova Alemanha seria um império, “o Segundo
Reich”, e de que o rei da Prússia ascendería à posição imperial. O príncipe real, como herdeiro do
trono, sempre acreditara na necessidade de fazer ressuscitar um “Império Alemão livre" e acusava
Bismarck de falta de entusiasmo pela causa nacional. Isso era uma injustiça e irritava o chanceler:
“O príncipe é uma das pessoas mais estúpidas e vaidosas que conheço”, clamou ele, “está variando
de novo com aquela maluquice de kaiser”. Alguma forma de império era essencial para superar as
suspeitas sulinas de que a nova união seria essencialmente a Grande Prússia. Bismarck sabia disso
melhor que ninguém. A dificuldade estava em convencer Guilherme da necessidade de uma
mudança de título. Ele não desejava ver-se em débito com a vontade coletiva do povo alemão por
uma coroa imperial, e irritava-se com as campanhas de imprensa em prol de um novo Reich, fosse
nos jornais de Berlim fosse nos das demais cidades alemãs.

Bismarck montou um complicado enredo para vencer a resistência de Guilherme320. Convenceu o


palafreneiro do Rei da Baviera, Conde von Holnstein, a regressar ao palácio de Ludwig, em
Hohenschwangau, com o projeto de uma carta rogando ao Rei da Prússia, em nome dos príncipes
alemães, que restabelecesse o Império Alemão e cingisse ele próprio a coroa imperial. Ludwig
copiou a carta, palavra por palavra, e confiou-a a Holnstein, que disparou de volta a Versalhes. Em
27 de novembro Bismarck escreveu calorosamente a Ludwig, abordando o prazer que teria em
poder ser de alguma utilidade ao rei bávaro. Quase certamente, Ludwig recebeu um pagamento
proveniente do “Fundo dos Guelfos”, cabendo bela comissão a seu palafreneiro. Do ponto de vista
de Bismarck, foi dinheiro bem empregado. No dia 3 de dezembro, Leopold, o irmão de Ludwig,
entregou a Guilherme a carta. “O conteúdo dessa carta deixou Sua Majestade fora de si, de tão
zangado”, anotou o príncipe herdeiro em seu diário, “Não houve jeito de mudar de idéia hoje, e
continua vendo nos títulos ‘Kaiser e Reich’ nada mais que uma cruz que teria de carregar.” Mas o
príncipe herdeiro, que sabia ter sido a carta de Ludwig preparada pelo chanceler, estava satisfeito
com o rumo que tomavam as coisas. Tinha certeza de que o rei atendería a um apelo de seus
companheiros governantes da Alemanha. “Ao sairmos da câmara do rei, o Conde Bismarck e eu
apertamos a mão, silenciosamente”, acrescenta o príncipe real às anotações daquele dia. “Sentimos
que a decisão estava tomada, sem volta atrás.”321

Seguiram-se, porém, sete semanas de tensão e hipersensitividade na sede real. Guilherme estava
cansado de Versalhes e de intrigas; anelava o ambiente doméstico de Babelsberg, tinha saudades do
Berlim Schloss. Dormia mal, com pesadelos, nos quais novos exércitos franceses punham-no em
fuga para leste (exatamente como o fizera o Grande Exército quando ele era um menino de dez
anos)322. Preferia prosseguir com a guerra a toda aquela conversa sobre política de unidade
nacional: em Paris, em 1814, eles tinham sabido melhor colocar sob controle esse sentimento de
Pátria. Incerto, e de novo sob a pressão do príncipe real, o rei concordou em receber uma delegação
de trinta deputados do Reichstag no dia 18 de dezembro, e aceitou que lhe entregassem uma
petição na qual também rogavam que assumisse a dignidade imperial. Oficialmente, o novo Império
Alemão devia nascer no dia primeiro do Ano Novo, mas Guilherme não queria celebrações na
ocasião, e tampouco chegara ainda ao ponto de aprovar uma proclamação pública do império.
Incomodava-o que o príncipe herdeiro, a quem recentemente promovera a marechal-de-campo, se
envolvesse em tais assuntos num momento em que seus canhões bombardeavam os fortes
periféricos da capital francesa e os relatórios de informações assinalavam a possibilidade de
excursões desesperadas do inimigo. As relações do chanceler com o Estado-Maior estavam piores
que nunca e ele ainda não tinha certeza de estar arrastando o rei consigo em direção ao império. O
velho era vezeiro em desconcertar as pessoas falando de abdicação quando pressionado a adaptar-
se ao inaceitável; e seria preciso muito mais que um silencioso aperto de mão para reconciliar o
chanceler e o herdeiro do trono. “As torturas da gota e os nervos em pedaços requerem que o Conde
Bismarck tenha o máximo repouso e bom tratamento”, está no diário do príncipe com a data da
chegada a Versalhes da deputação do Reichstag. Sábia receita, mas impraticável.

Muito embora o príncipe real ainda se referisse a Bismarck, na intimidade do seu diário, como
“aquele junker insolente e bruto”, estava no propósito de trabalhar para a harmonia em Versalhes
(como o fizera em Nikolsburgo). No dia 8 de janeiro, Moltke reclamou ao príncipe que “nos assuntos
militares não menos que nas questões políticas, o chanceler quer decidir tudo, sem dar a menor
atenção aos especialistas responsáveis”. Cinco dias depois, o príncipe convidou Bismarck e Moltke
para jantarem com ele, numa tentativa de reconciliação. O jantar, porém, não deu certo: as
maneiras de ver do chanceler e do chefe do Estado-Maior eram tão divergentes que cada um deles,
no dia seguinte (sábado, 14 de janeiro), enviou um relato em separado ao rei. Moltke solicitava que,
se Paris se rendesse, todas as negociações referentes à cidade fossem efetuadas pelo Alto Comando;
Bismarck argumentava que o destino de Paris ligava- se à questão toda de paz ou continuação da
guerra e insistia em que a nova Alemanha estava a exigir, com urgência, o fim da luta antes que as
Potências, ao reunirem-se em Londres, tentassem impor uma solução também na França323. De
momento, ao menos, esta última desavença era forte demais para o rei resolver. Guilherme estava
“extremamente excitável e enervado” na reunião militar daquele domingo: disse ao filho que
desejava a proclamação do império para a quarta-feira seguinte, data do centésimo septuagésimo
aniversário da coroação do primeiro rei da Prússia; mas recusou-se a tomar parte em quaisquer
preparações para a cerimônia. “Afastar-me do velho título prussiano é doloroso para mim”, explicou
à esposa, a nova imperatriz, naquela semana.

Na tarde de terça-feira ocorreu uma irada altercação entre o rei e o chanceler, na Préfecture. Os
príncipes alemães e o Reichstag haviam-se referido ao soberano como deutscher Kaiser (Imperador
Alemão): Guilherme preferia, já que era essencial mudar-lhe o título, ser chamado Kaiser von
Deutschland (Imperador da Alemanha). Numa conversa privada, depois disso, Bismarck admitiu que
pouco se lhe dava a denominação final do soberano, mas devia insistir no título menos excelso, uma
vez que já passara ao uso constitucional. Guilherme trovejou indignado durante três horas de
discussão, ora ameaçando abdicar, ora lacrimejando ao pensar em que “dava adeus à velha
Prússia”, e finalmente encerrando toda e qualquer discussão com a declaração colérica de que não
lhe dissessem nenhuma palavra mais sobre as cerimônias do outro dia324.

Na manhã seguinte o staff de Bismarck achou o chefe “de péssimo humor, irritadíssimo”. Um
secretário cumprimentou-o pela publicação na gazeta oficial de sua promoção a tenente-general
como honraria pelo acontecimento. “De que me adianta isso?”, replicou secamente. Pouco antes do
meio-dia o chanceler, no uniforme azul marinho da cavalaria, percorreu de caleche a rua que subia
ao palácio maior. No grande pátio fronteiro, com sua consagração majestosamente inscrita, à Toutes
les Gloires de la France , encontrou-se com o genro do rei, o Grão-Duque de Baden, o qual
comentou de forma casual que Guilherme havia pouco o chamara e instruira para que, no momento
em que o novo Reich fosse proclamado, ele se adiantasse e desse vivas “ao Imperador da
Alemanha”. Bismarck pacientemente explicou que esse título era politicamente indesejável e
recomendou ao grão-duque que empregasse outra maneira de saudação. Ao subirem os dois a
grande escadaria, em meio a alas de couraceiros, o ribombar da artilharia em Mont Valérien
lembrava-os de que a poucos quilômetros, na estrada a Paris que morria de fome, prosseguia ainda
uma guerra. Era fácil esquecê-la em meio ao nervosismo das trivialidades.

A grande galeria de Versalhes, com setenta e três metros de comprimento, apresentava numa
extremidade um estrado, e sob a janela central um altar de campanha. Os dezessete espelhos que
um dia receberam os raios do Rei Sol, refletiam agora os austeros uniformes de oficiais dos
exércitos alemães, escolhidos para representarem seus regimentos por haverem sido condecorados
por atos de bravura em combate. Entre eles, um tenente de infantaria, com vinte e três anos de
idade, Paul von Hindenburgo, que havia de sobreviver a esse Segundo Reich e preparar o caminho
para seu sucessor nazista. Com o Rei Guilherme ostentando uma ordem russa que lhe fora conferida
por Alexandre I e o príncipe real "usando a Jarreteira inglesa, como penhor da união íntima entre o
Reich e a Inglaterra”, executou-se um imponente compasso de história européia na Galeria dos
Espelhos, naquele dia. Demasiado lento, aliás, para Bismarck, que mal conseguiu ocultar a
impaciência quando o capelão da guarnição de Potsdam (cunhado do ministro da guerra) fez um
inábil sermão sobre a humildade dos príncipes ante o Rei dos Reis. Afinal, chegou o momento de
Bismarck dar um passo à frente e, com voz firme, proclamar a existência do Império Alemão. O
grão-duque deu vivas ao “Imperador Guilherme”, um meio-termo diplomático pouco ao gosto de seu
sogro. O velho agradeceu a homenagem dos príncipes e trocou apertos de mão com os generais que
o rodeavam. Ao descer do estrado, ignorou seu chanceler325.

Houve um banquete, à tarde, na Prefécture, depois Bismarck retornou a seu escritório. Exausto,
fisica e emocionalmente. “O ato imperial do parto foi difícil”, escreveu a Joana. “Nesses momentos,
os reis, tal qual as mulheres, tomam-se dos mais estranhos desejos... Na qualidade de obstetra tive,
às vezes, enorme vontade de ser uma granada explosiva, ir pelos ares e reduzir a escombros aquilo
tudo.”326 Guilherme estava sombrio como nunca. “Recém voltei dessa mascarada de imperador”,
escreveu à consorte naquela quarta de tarde. “Mal te posso dizer quão casmurro estou nestes
últimos dias... Ontem... estive à beira de desistir, ali, naquele mesmo momento, e passar tudo a
Fritz. Somente após colocar-me nas mãos de Deus, na mais sincera oração, foi que recobrei o
autocontrole e a força interior.”327 A verdade é que a tão dramatizada cerimônia, em seu cenário
emprestado de grandeza e, esplendor estrangeiros, foi um anticlímax para Guilherme, como para
Bismarck. Não maravilhou tanto os principais personagens em cena como os que leram sobre ela na
imprensa ou a admiraram retratada em tela, posteriormente, pelos pintores da Corte.

Enquanto isso, continuavam para Bismarck o conflito interno com o Alto Comando e a luta externa
com o inimigo francês. Mas não era por muito tempo, ao que tudo indicava. Houve uma última onda
de atividade ao tentarem, os defensores de Paris, romper a linha dos exércitos sitiantes, e no fim da
semana chegou ao conhecimento de Versalhes que o general Trochu pedia um armistício.
Imediatamente, Guilherme autorizou o chanceler - e não Moltke - a encarregar-se das negociações
com as autoridades de Paris. Cinco dias depois, deu solução à disputa entre Bismarck e o Alto
Comando, emitindo ordem de que os generais não deveríam tomar iniciativa de conversações de paz
nem empreender novas operações militares sem consultá-lo e a seu primeiro-ministro. A princípio,
Moltke pensou em demitir-se de chefe do Estado-Maior, em protesto contra a decisão de Guilherme:
afinal, satisfez-se com um memorando (cuja primeira versão foi minutada pelo coronel Bronsart) no
qual ponderava que o cargo de chefe do Estado-Maior e o cargo de chanceler eram “dois cargos
políticos de igual forma claramente constituídos e independentes entre si” sob o comando direto do
soberano. Guilherme ignorou essa exótica doutrina constitucional. Como que a corrigir seu
comportamento desairoso do Dia da Proclamação, apoiou seu chanceler de alto abaixo. Foi, em
conseqüência, Bismarck quem tratou com Favre, em 26 de janeiro, para que os canhões
silenciassem no cerco de Paris e foi Bismarck que acertou as condições de rendição das fortalezas
externas e da própria cidade328. Parecia total a ascendência do chanceler.

Com a queda de Paris, morreu a resistência francesa. Tão logo acabou a luta, o povo francês elegeu
uma Assembléia Nacional, que se reuniu em Bordéus e deu a Adolphe Thiers o título de “Chefe do
Poder Executivo”. Bismarck sempre afirmara que só faria a paz com um governo republicano se este
fosse representativo da França toda: do contrário, negociaria com Napoleão III ou com alguém em
seu nome. Thiers, a quem Bismarck respeitava pessoalmente, possuía todas as credenciais
necessárias, e quando ele voltou a Versalhes, na terça-feira, 21 de fevereiro, acompanhado de Jules
Favre, as conversações de paz começaram a sério329. Não demoraram muito. No domingo seguinte
tudo estava acertado e as preliminares de paz assinadas. As exigências eram duras: entrega da
Alsácia e da Lorena setentrional, inclusive as fortalezas de Metz e Belfort; indenização de seis
bilhões de francos; e desfile triunfal dos exércitos alemães pelas ruas de Paris. Thiers conseguiu
uma redução do montante da indenização e o direito de manter Belfort. Bismarck teria concordado
em deixar também Metz aos franceses; mas viu que, nesse ponto, tinha contra si Guilherme e os
generais. Foi, segundo Bismarck admitiu, uma paz que perpetuaria o rancor330. Ele era um realista
e jamais admitiu que o antagonismo de séculos entre franceses e alemães desvanecer-se-ia nalgum
novo espírito de boa vizinhança. Para ele seria melhor que a Alsácia e a Lorena do norte estivessem
nas mãos dos alemães quando chegasse a seguinte crise de guerra, do que a servirem de centros de
concentração de tropa ao longo do Reno. Sua força e sua fraqueza como estadista estavam em só
enxergar as relações entre um país e outro em termos de política de poder.

Faltava o ato final da campanha, uma entrada solene em Paris. Era um triunfo ao qual os generais
davam muito valor. E também Guilherme, que estivera ao lado de seu pai e do Czar Alexandre, em
31 de março de 1814, quando os exércitos aliados desfilaram em continência aos conquistadores da
capital de Napoleão. Mas em 1871, diversamente de 1814, a entrada de tropas em Paris foi
regulada por uma convenção militar formal. Foi estabelecido que não havería mais de 30.000
soldados alemães em Paris, em qualquer dia dado; que deviam ater-se aos distritos mais elegantes
da cidade, onde sua presença despertaria menor probabilidade de rixas; e que todas as tropas
alemãs seriam evacuadas de Paris tão logo a Assembléia de Bordéus ratificasse os atos preliminares
de paz. O Alto Comando determinou que a tropa entrasse em escalões, em três dias sucessivos: o
primeiro contingente desfilaria pela Champs Elysées em 1º de março; a apoteose seria em 3 de
março quando o novo imperador, seus grandes comandantes e o general von Bismarck cavalgariam
à frente do Regimento de Guardas pelo Arco do Triunfo331. Mas nesta questão ganharam os
franceses. Thiers chegou em Bordéus com as preparatórias de paz no fim do dia, em 27 de
fevereiro, mas a Assembléia abriu a sessão, aprovou imediatamente os atos e aceitou o acordo. A
ratificação completou-se na manhã de 2 de março. Roon e Moltke, a bem da verdade, concordaram
em que a letra da Convenção devia ser obedecida: não houve a entrada solene em Paris. O
Imperador Guilherme recebeu as continências no campo de corridas de Longchamp, onde, em
companhia de Napoleão III, assistira à parada do exército francês em 1867. Agora, como da outra
vez, estavam a seu lado o Príncipe Imperial, Moltke e Bismarck332.

No fim do dia 2, Bismarck entrou furtivamente em Paris e palmilhou as ruas como se fora, de novo,
um turista. Alguns meninos assobiaram debochando dele; um operário o destratou rudemente,
aparentemente por ser alemão, não por ser ele; e quando pediu a um passante fogo para seu
charuto, o homem tirou da boca o cigarro, não querendo desperdiçar um fósforo com um oficial
prussiano333. Foi a última visita de Bismarck a Paris, e não se pode dizer que haja sido um sucesso.
No começo da tarde de 6 de março sua carruagem deixou a Rue de Provence, e Versalhes tornou-se
outra vez cidade francesa. No dia seguinte, de trem, cruzou a nova fronteira. Nunca mais pisou o
solo da França.
[1] Tais sugestões foram apresentadas por Bismarck em conversação particular, não ficando claro
até que ponto representavam sua opinião mais concentrada. O professor Gerhard Ritter notou que
seus documentos oficiais contrastam com isso, sendo “bastante isentos de posições apaixonadas, de
ódios, de sentimento de vingança” (The Sword and the Sceptre, I, p. 222). Mas o parlamentar
nacional-liberal Ludwig Bamberger, ficou chocado com sua conversa à mesa de jantar. “A
brutalidade nele é, sem dúvida, instintiva”, lançou em seu diário, após a visita a Versalhes (Feder,
compil., Bismarcks grosses Spiel, p. 241). O príncipe herdeiro deplorava “as máximas monstruosas
e as expressões selvagens” de Bismarck, “que ele usa abertamente aqui, e sua mulher repete em
Berlim”. (War Diary of the Emperor Frederick III, p. 292.)
11. INFALIBILIDADES EM CONFLITO

Ao regressar a Berlim, Bismarck foi reconhecido como o fundador do novo Reich. Ninguém, a
serviço de um rei, desde Richelieu, havia tão rapidamente elevado a importância de seu soberano,
ao mesmo tempo acrescendo, com tão bons resultados, sua própria autoridade no governo. Era obra
extraordinária e Guilherme continuou a conceder honrarias a seu chanceler: foi feito príncipe pouco
depois de seu retomo de Versalhes; subseqüentemente, condecorado com a Grã-Cruz da Ordem de
Hohenzollern em diamantes e recebeu um novo domínio, Friedrichsruh, no Lauenburgo,
propriedade muitas vezes maior que Varzin. A oficialidade talvez se enciumasse de seu poder e as
velhas famílias junkers torcessem o nariz ante seu status de magnata territorial, mas o povo de
Berlim recebeu sua ascensão como um complemento natural da nova posição da Alemanha no
mundo e saudou-a com entusiasmo. No dia 16 de junho foi ovacionado nas mas da capital ao
cavalgar, uma vez mais, no cortejo da vitória, pela Porta de Brandenburgo334. Atingia o pico de sua
eminência, interna e externamente; passara a ser instituição legendária, já não mais um indivíduo.

Sua posição constitucional era sui generis; aliás, criação dele mesmo. Como chanceler, tinha a
prerrogativa de discursar tanto no conselho federal de representantes dos estados, uma espécie de
Senado (Bundesrat), quanto na Câmara eleita (Reichstag). Podia abrir debates em ambas as
assembléias e tomar iniciativa de legislação, no entanto uma derrota não o forçava a demitir-se, de
vez que a ocupação do cargo de chanceler dependia da vontade do imperador. Ele era, portanto, o
curador fiduciário executivo do Reich, e todas as instituições imperiais eram ramificações do
gabinete do chanceler, na Wilhelmstrasse, ao invés de serem “ministérios” propriamente, como na
maioria dos países. E essa autoridade tampouco representava o limite de seus poderes. A partir do
primeiro dia de janeiro de 1871 a diplomacia de toda a Alemanha passou a ser conduzida pela
Auswärtiges Amt (“Secretariado Exterior”), o velho Ministério do Exterior da Prússia com novo
nome e a mesma gerência: Bismarck manteve o título de ministro do exterior prussiano até sua
queda em 1890. E mais, com exceção de dez meses em 1872-78 em que o posto foi ocupado por
Roon, ele continuou também ministro-presidente prussiano, com prerrogativas tão amplas no
Landtag prussiano quanto no Reichstag da Alemanha em conjunto. Até onde era capaz de trabalhar
em boa associação com sem soberano, resistir às intrigas da Corte e do Estado-Maior, e funcionar
como supremo administrador parlamentar, o poder final da Alemanha imperial estava investido em
sua pessoa.

Forra da Alemanha a proeminência de Bismarck jamais foi seriamente posta em dúvida nos
restantes anos em que exerceu suas funções. Mas internamente, no Reich, seu sistema de governo
foi logo posto à prova e deixou a desejar. Durante a estadia de Bismarck na França ocorrera
importante modificação na estrutura partidária. Desde 1852 existira um grupo político separado,
católico romano, no Landtag prussiano, dedicado à defesa dos direitos da igreja num estado
predominantemente protestante, mas nunca constituira obstáculo de monta à política de nenhum
ministério prussiano. A formulação das doutrinas católicas romanas sobre o governo popular e
liberdade de consciência, ocorrida no meio da década de 1860 e a posterior proclamação da
infalibilidade papal terminou com esse papel passivo. Nas eleições para o Landtag em novembro de
1870, os católicos apresentaram candidatos favoráveis a um programa social e político visivelmente
clericalista, e fizeram cinqüenta e sete cadeiras. No dia 18 de dezembro de 1870 fundariam um
Partido do Centro, isolado porém altamente disciplinado. Um mês depois, compraram um jornal
nacional, o Germania e entraram nas eleições para o Reichstag ampliado, em março de 1871, como
um movimento católico da Alemanha geral, obtendo sessenta e três cadeiras num plenário de
trezentas e oitenta e duas, conquistando, portanto, pouco menos de um quinto do total dos votos.
Para surpresa de Bismarck, essa nova aparição, o Partido do Centro, só perdeu para os nacional -
liberais, em número de representantes no Reichstag. Em Ludwig Windthorst, um hanoveriano ainda
leal a seu rei deposto e exilado, o Centro tinha um líder que era um tático parlamentar astuto e
debatedor de grandes recursos. Bismarck impressionou-se: tanto no Landtag como no Reichstag, o
Centro era o maior partido isolado de oposição à forma de estado que ele criara. Os católicos ainda
podiam arrolar como aliados os nacionalistas poloneses em ambas as Câmaras e os lealistas
hanoverianos (“os Guelfos”); e logo juntar-se-iam a eles, no Reichstag, deputados dos territórios
recém-anexados da Alsácia e Lorena335. Aí estava o núcleo de uma poderosa oposição.
As possibilidades de qualquer partido no Reichstag eram limitadas pela forma da constituição;
porém um membro da Casa podia interpelar o chanceler e, tendo suficiente apoiamento, lançar um
debate sobre qualquer questão de política interna ou externa. Se apresentasse um ponto de vista
bem concatenado podia contar com certeza que a imprensa largamente disseminada da Alemanha
lhe garantiria a publicidade, mesmo que se tratasse de uma facção minoritária. Para indignação de
Bismarck, tão logo o Reichstag abriu as sessões, em março de 1871, um deputado católico polonês
apresentou moção conclamando o povo alemão a oferecer apoio ao Papa Pio IX em sua perda de
autoridade temporal na Itália. Bismarck não toleraria permitir que um partido com lealdades
externas ao Reich agitasse a opinião pública alemã em torno de questões de política externa; esse
era um privilégio reservado aos jornais que contavam com o apoio do Ministério do Exterior, muitos
deles freqüentemente subsidiados pelo Fundo dos Guelfos. Em 1º de abril de 1871, quando fazia
cinqüenta e seis anos, Bismarck subiu à tribuna, no Reichstag,, e lançou um faiscante ataque aos
partidos de minorias nacionais e seus aliados católicos. Interesses de facção, exclamou, não se
podem impor aos objetivos comuns de um estado alemão unificado. Embora não acusasse o Centro
chamando-o pelo nome, o aviso ficou bem claro: no interior do Reich ele não toleraria obediências a
teses rivais das suas.

Para muitos prussianos o desafio do chanceler à Igreja Católica Romana já tardava A declaração da
infalibilidade papal, feita em 18 de julho de 1870, alarmou os protestantes e dividiu profundamente
os católicos alemães. As sessões decisivas do Conselho do Vaticano haviam tido lugar no auge da
contenda diplomática de Bismarck com Napoleão III, por isso ele relutara em comprometer-se, na
época. A cada semana, durante as sessões do Conselho - na verdade, mesmo antes de que este se
reunisse - o Conde von Arnim, enviado prussiano junto ao Papado, insistiu com Bismarck para que
interviesse em favor daqueles católicos que se opunham à centralização papal, mas o chanceler
negou-se o tempo todo. “Abstenha-se de qualquer atitude provocadora. Infalibilidade não é assunto
que nos interesse, no momento", telegrafou ele a Arnim dois dias após a proclamação do dogma336.
Durante a guerra mostrou-se até simpático ao Papado, chegando a oferecer a Pio IX asilo sagrado se
este desejasse sair de Roma, quando a cidade foi ocupada pelo exército nacional italiano. Bismarck
esperava, em troco, apoio político da Igreja; mas nada de positivo resultou das conversações que
teve em Versalhes com o Cardeal-Arcebispo de Posen, o qual viajou até o quartel-general de
campanha buscando ajuda do governo às autoridades eclesiásticas337. Na primavera de 1871, os
católicos alemães que julgaram a infalibilidade papal dogma inaceitável estavam apelando ao estado
em busca de proteção contra um episcopado que lhes denegava direitos espirituais e mesmo, em
muitos casos, demitia-os de empregos ligados ao ensino nas escolas e universidades.

Bismarck, porém, continuava cauteloso. Em sinal de protesto, extinguiu o departamento especial


católico do Ministério de Educação e Cultos prussiano, no início de julho de 1871, estimulando o
Kreuzzeitung a um ataque ao clericalismo, poucos dias depois. Mas a despeito de sua linguagem
forte ele não desejava um conflito com o Papado, por temer repercussões na Alemanha do sul e no
exterior. Em agosto, viajou uma vez mais a Gastein, onde teve longas conversações sobre o
problema católico com Beust, o chanceler austríaco, e encontrou também na Baviera e em Baden
um certo ressentimento contra os padres que faziam “política nos púlpitos". Guilherme I opunha-se
à interferência direta do estado em assuntos eclesiásticos, mas interessou-se pelo destino dos
“Velhos Católicos” dissidentes e, da mesma forma que seu chanceler, ficou preocupado com
informações de que os jesuítas estavam estimulando traços culturais especificamente poloneses nas
escolas da Prússia oriental. Bismarck estava alerta também à possibilidade de que padres na
Alsácia-Lorena perpetuassem a hostilidade de seus rebanhos aos novos donos das províncias. Em
conseqüência, em novembro de 1871, Bismarck deu o passo decisivo: mandou que se preparasse um
projeto de lei permitindo às autoridades prussianas inspecionar qualquer escola, mesmo instituições
privadas confessionais338. Pretendia que os inspetores dessem atenção especial ao conteúdo do
ensino doutrinário nas escolas católicas. A infalibilidade deixara de ser um assunto “sem interesse”
para ele.

O ato de Bismarck foi popular entre a maioria dos prussianos. Teve, porém graves conseqüências
indiretas. Alguns conservadores, já desorientados com o aparecimento de um Reich no lugar da
velha Alemanha federal, horrorizaram-se com o tom erastiano da política de Bismarck. Começaram
a obstruir a tramitação da lei na Câmara Baixa prussiana, temerosos de que à proscrição do ensino
católico se pudesse seguir uma tentativa de amordaçar quaisquer pastores luteranos ou calvinistas
que denotassem independência intelectual. Ludwig von Gerlach, conservador Kreuzzeitung por
inclinação e zeloso luterano, foi ao ponto de juntar-se ao Partido Guelfo e ligar-se politicamente a
Windthorst e ao Centro católico nos últimos seis anos de sua vida339. O conservador moderado
ministro dos cultos públicos da Prússia, Heinrich von Mühler, sentiu-se tão deslocado da política de
Bismarck que se demitiu no início de 1872. Foi substituído por Adalbert Falk, funcionário público de
alto nível dotado do desapreço normal dos nacionalistas liberais por padres e pela religião
organizada340. Podia-se contar com Falk para executar qualquer política que freasse os poderes
políticos da Igreja; mas era, sem dúvida, estranho colega para um homem que fizera a descoberta
de um Deus pessoal entre os pietistas de Trieglaf.

A nomeação fortaleceu, obviamente, os laços entre Bismarck e os nacional-liberais. Desde o


estabelecimento da Confederação da Alemanha do Norte, o chanceler realizava consultas com seu
líder, Bennigsen, a respeito do programa legislativo. Natural, portanto, que os liberais
determinassem as características básicas do novo código comercial para a Alemanha, a integração
dos sistemas jurídicos e a implantação de uma política econômica baseada na livre empresa e na
liberdade de comércio. Mas sempre houvera alguns liberais-progressistas que não confiavam em
Bismarck: criticavam a intimidação da imprensa e ressentiam-se ainda do seu desejo de limitar a
influência parlamentar sobre o orçamento do exército e os assuntos militares em geral. A virada
súbita de Bismarck para o anticlericalismo, no inverno de 1871-72, aquietou boa parte desses
temores e granjeou-lhe apoio nessa ala progressista. Por sinal, foi um constante crítico progressista,
Rudolf Virchow, quem primeiro empregou o termo pelo qual o anticlericalismo de Bismarck ficou
conhecido: a Prússia, afirmou Virchow num discurso da campanha pelas eleições de 1873, estava
engajada numa Kulturkampf, numa luta entre diferentes modos de vida341. A expressão não era
exatamente a mais apropriada, porém Bismarck apreciou esse título grandioso para seu conflito; e o
conflito passou à história com a denominação de Kulturkampf.

“Que deseja o senhor, exatamente, que eu faça?” Falk interrogou Bismarck, ao ser convidado para o
posto de ministro dos cultos. “Que restaure o predomínio do estado sobre a igreja e que o faça com
a mínima agitação possível”, orientou o chanceler342. Isto, evidentemente, estava fora das
possibilidades. A primeira missão de Falk foi tornar em lei as determinações sobre inspeção escolar.
À oposição dos junkers na Câmara Alta prussiana foi maior do que Bismarck previa Até mesmo Roon
só aceitou a Lei de Inspeção com grande relutância. Quando o projeto de Falk foi apresentado à
Casa, em fevereiro de 1872, pareceu que naufragaria pela intransigência junker. No fim, a lei
passou, mas o episódio convenceu Bismarck de que os nacional-liberais tinham razão quando
queriam estancar os poderes autocráticos dos proprietários de terras343. No outono seguinte,
Bismarck introduziu reformas administrativas na Prússia. Também essas mudanças sofreram forte
oposição na Câmara Alta, onde foram interpretadas, com acerto, como medidas contra os privilégios
dos junkers. Foi somente através da ameaça de pedir a Guilherme que criasse as vagas e nomeasse
tantos membros não-conservadores quantos fossem necessários para inverter a maioria da Câmara
Alta, e por esse meio aprovar o que desejava, que Bismarck conseguiu impor sua reforma. Nunca
esteve tão versado em costumes constitucionais ingleses; e, aliás, também nunca foi tão impopular
no meio de seus camaradas junkers.

A Lei de Inspeção Escolar foi tida mais tarde, como o primeiro golpe da Kulturkampf: pois bem
poderia ter sido o último. Ela, em parte, devia ser um aviso ao Papado, ameaça de ações futuras.
Jornais, muitas vezes estipendiados por fundos bismarqueanos, começaram a anunciar a
possibilidade de mais legislação anticlerical: casamentos civis, quem sabe; impostos mutiladores
sobre doações às igrejas; restrições às atividades de instituições de religiosos, como os jesuítas.
Mas enquanto a imprensa divertia-se à custa do clero católico, o chanceler parece ter estado
oficiosamente em contato com o papa, buscando uma solução conciliatória. Se a Santa Sé fosse
capaz de persuadir o Partido do Centro a retirar seu apoio aos poloneses e a outros grupos hostis ao
Reich, não havia motivo por que o Papado não se pudesse beneficiar da colaboração íntima com a
Potência mais forte da Europa. Mas Pio IX, tendo perdido seu poder temporal, não quis abandonar
os fiéis que lhe apoiavam as pretensões espirituais; e pelo fim de abril de 1872 estava claro que ele
não aceitaria ramos de oliveira de Berlim.

Em muitas cidades prussianas “uma guerra contra os padres” era desejada com entusiasmo, e
Bismarck empreendeu engenhosa manobra para levantar o fervor patriótico sobre essa questão.
Nenhum episódio medieval envenenava de tal forma o espírito dos bons alemães como a ida do
Imperador Henrique IV a Canossa, em pleno inverno do ano de 1077, penitenciar-se ante o Papa
Gregório VII, cujos direitos de governar como pontífice ele havia desafiado sem sucesso. Pois agora,
em 1872, Bismarck mostrava que o Segundo Reich continuaria a reptar o Papado, vingando a
afronta de oitocentos anos, feita a seu predecessor. “Não tenham receio”, garantiu aos deputados,
no Reichstag, em 14 de maio, “não iremos a Canossa, em corpo ou espírito”; houve “prolongadas
exclamações de ‘Bravo”’, consta da taquigrafia dos debates nesse ponto da sessão344. Contudo,
observadores estrangeiros foram da opinião de que Bismarck cometera um erro em atacar a Igreja;
dividia, em vez de unir o Reich. “Chego a pensar que Bismarck menospreza grosseiramente, ou não
compreende, a força da Igreja”, escreveu o embaixador britânico, Odo Russel, em carta particular,
naquele outono. “Julgando-se mais infalível que o papa, ele não consegue tolerar duas
infalibilidades na Europa... Até aqui, as medidas anticlericais, acabaram por dar exatamente no
estado de coisas pelo qual o Vaticano tanto trabalhou no Concilio Ecumênico, ou seja, unidade e
disciplina do clero sob uma chefia infalível, quer dizer, o próprio sistema prussiano aplicado à
Igreja345”. Fina observação: a inquietação de professores e a perseguição de padres fez com que a
hierarquia alemã cerrasse fileiras em torno do papa e resultou em a maioria dos católicos romanos,
livre das dúvidas que perturbavam os Velhos Católicos intelectuais, votar cada vez mais firmemente
em Windthorst e no Centro, em toda eleição, local ou nacional. Porém Bismarck não modificou sua
política. Desprezando todos os indícios de fracasso, continuou a encorajar Falk à introdução de
medidas mais drásticas, a ponto de serem presos os Arcebispos de Colônia e de Posen, com dois
bispos diocesanos, e mil e trezentas paróquias ficarem privadas de seus vigários. Nada adiantou,
contra a força política da Igreja: nas eleições de janeiro de 1874 para o Reichstag, o Centro
aumentou sua representação de sessenta e três para noventa e um deputados.

Por que Bismarck prosseguia numa política tão pouco compensadora? Alguns observadores
sustentam que ele não estava pessoalmente envolvido nos detalhes da Kulturkampf que a legislação
penal era obra de Falk; e que Bismarck vivia tão ocupado com a política externa que não podia
exercer vigilância sobre um ministro subordinado na administração prussiana. Bismarck mesmo deu
asas a essa lenda, chegando a dizer que não chegara a ler as leis anticlericais de maio de 1873 por
estar preocupado com outros problemas. Pode ser, sem dúvida, uma fiel descrição de fatos, mas não
convence como explicação de política. A hostilidade de Bismarck à Igreja foi expressa numa
sucessão de discursos flamejantes, seus pontos de vista ainda ampliados muitas vezes pelos jornais
onde tinha influência. Muito mais próxima à verdade está sua admissão ulterior de que “foi
envolvido no conflito devido aos aspectos poloneses do negócio.”346 A Kulturkampf pode ter sido,
na forma, um episódio primacialmente de política interna da Prússia, mas para Bismarck teve
grande significado nos assuntos internacionais, desde seus primeiros dias. À medida em que a
contenda se aprofundava e tomava intensidade em casa, assumia também cada vez maior
importância para ele no trato com potências estrangeiras.

Para Bismarck era simplesmente axiomático que os franceses tornaram-se inconciliáveis após a
derrota de 1870-71. Mas os exércitos da República não constituíam, em si, perigo imediato.
Estrategicamente, a mais grave ameaça à Alemanha, como sempre, vinha do Leste, de onde não
havia obstáculo natural geográfico a proteger Berlim de uma invasão através da fronteira polonesa.
Boas relações com a Rússia eram essenciais para Bismarck na década de 70, como foram nos dez
anos anteriores. Por sorte, Alexandre II estava em excelentes termos com seu tio, Guilherme I;
todavia, Bismarck não confiava em Gorchakov, a quem considerava um dos estadistas mais vaidosos
e mais atento a ninharias. Enquanto Gorchakov formulasse a política em S. Petersburgo Bismarck
não conseguiría livrar-se de todo do espectro que lhe assombrava o pensamento estratégico, o medo
de uma reaproximação franco-russa. Era, então, do interesse de Bismarck tirar o máximo proveito
dos dois laços que haviam unido a Prússia e a Rússia por todo aquele século: o princípio do governo
autocrático e a supressão dos direitos nacionais poloneses. Fazia, portanto, o melhor sentido, falar
mal dos poloneses e de seus aliados católicos no Reichstag, tanto mais que as autoridades czaristas
em Varsóvia, por aquela época, levavam a efeito uma vigorosa política de russificação tanto nos
assuntos eclesiais quanto no sistema educacional. E se os russos fossem relembrados da tradicional
simpatia dos franceses pelos poloneses, tanto melhor.

A questão polonesa constituía também preocupação do governo de Viena. As autoridades austríacas


na Galícia vinham tratando generosamente os poloneses, nos últimos anos, permitindo que as
universidades de Cracóvia e Luov disseminassem uma cultura marcadamente polonesa, o que era
negado pelos russos em Varsóvia e pelos prussianos em Posen. Mas ao realçar o papel da Igreja na
agitação polonesa contra a Prússia, Bismarck colocava-se em posição forte para influenciar a
política governamental austríaca na Galícia e fazer uso da Polônia como meio de se aproximar as
três Potências partilhadoras, qual Metternich fizera em 1833. Beust, o chanceler austríaco nascido
na Saxônia, mesmo sendo velho oponente de Bismarck, estava tocado pelas implicações políticas do
novo dogma papal. Na mutante situação da Europa, convinha-lhe destacar os interesses comuns a
ligarem Viena e Berlim. Apoiou, satisfeito, o amistoso encontro de Francisco José com Guilherme,
em Ischl, em agosto de 1871, primeira entrevista entre os dois, desde Königgrätz. O próprio Beust
teve agradáveis conversas com Bismarck em Gastein e Salzburgo, durante a mesma estação de
águas.

Desagradavam a Gorchakov quaisquer sinais de reconciliação austro-prussiana; a Rússia mais tinha


a ganhar com uma Alemanha enredada em inimizades com vizinhos. Mas o relacionamento entre os
dois impérios germânicos em breve tornava-se ainda mais amistoso. Em novembro de 1871,
Francisco José substituía Beust, como ministro do exterior, por Julius Andrassy, aristocrata magiar
com boa disposição por Bismarck. No verão seguinte Francisco José já sentiu-se em condições de
aceitar um convite para visitar Berlim e assistir às manobras de outono do exército que por pouco
tomava sua capital seis anos antes. A duas semanas e meia da chegada de Francisco José e
Andrassy, Alexandre II comunicou ao embaixador alemão que desejava visitar seu tio na mesma
época e que se faria acompanhar de Gorchakov. Os três imperadores e seus ministros, portanto,
estiveram juntos na capital da Alemanha de 5 a 12 de setembro de 1872. O que se concebera,
inicialmente, como demonstração pública de amizade austro-alemã, transformou-se, dessa forma,
num grande espetáculo de solidariedade entre as três autocracias. Uma visita de cortesia ao Havre,
da esquadra britânica do Canal naquela mesma semana, deu ao cenário internacional uma imagem
fugaz que reproduzia o palco dos anos de 1830. A imprensa de fora trombeteou, um tanto
extremadamente, a ressurreição da Santa Aliança, o continente ideologicamente dividido entre
Leste e Oeste347.

Embora Bismarck se haja irritado com a tática russa de forçar a barra, passou logo a explorar a
situação. Nada aconteceu de sensacional no encontro dos imperadores. Concordaram em resistir
juntos à subversão Vermelha - reconhecimento interessante da qualidade arrepiante da propaganda
de Marx e da lembrança da Comuna de Paris. Para Gorchakov foi suficiente que os soberanos se
houvessem reunido: “Nada de notas escritas, nada de formais protocolos, em suma, nada para os
arquivos diplomáticos’’, comentou ele, “porém as conseqüencias morais são enormes”348. Foi do
gosto de Bismarck que russos e austro-húngaros discutissem a manutenção da estabilidade na
Polônia e nos Balcãs durante um encontro na capital alemã, de preferência a qualquer outro lugar.
Disse ao embaixador inglês que “pela primeira vez na história, três imperadores sentaram-se a uma
mesa de jantar para tratar de promover a paz”. Convinha-lhe que os russos tomassem a iniciativa na
busca de acordos formais sobre a colaboração entre os impérios, o que o eximiría de oferecer
concessões para obter a boa vontade de seus dois vizinhos.

Em maio de 1873 Guilherme fez uma visita de estado a seu sobrinho em S. Petersburgo. Tal qual na
viagem de 1867 a Paris, acompanharam-no Bismarck e Moltke, mas dessa vez (sinal interessante) o
príncipe real foi mandado em visita oficial a Viena oferecer seguranças ao terceiro membro do trio
imperial. Bismarck assistiu a “quatro horas sem chuva e quentes” de paradas militares, dia 2 de
maio e à noite foi ao teatro Bolshoi para uma apresentação de gala de La Filie de Pharaon de Petipa,
dançando Catarina Vazem no papel principal; “magnífico ballet, com um décor esplendoroso e belas
bailarinas”, contou a Joana349. Deixou o trabalho sério para Moltke, que assinou um convênio
militar com o marechal-de-campo russo Berg, segundo o qual cada Potência mandaria um exército
de 200.000 homens em socorro da que fosse atacada. Bismarck praticamente ignorou a existência
do convênio: não queria ajuda russa se fosse atacado pela França, e não lhe parecia provável que a
Áustria fosse atacar, quer a Alemanha, quer a Rússia. Considerou, portanto, que a única
importância do documento residia no preâmbulo, o qual dizia do desejo de ambos os imperadores
“de darem forma prática à idéia que preside seu íntimo acordo”350.

Um mês depois o Czar foi a Viena e assinou um acordo com Francisco José acertando consultas
prévias sobre questões que pudessem ameaçar as boias relações entre seus dois impérios. Esta
inofensiva declaração de intenções era perfeitamente aceitável para Bismarck, e quando, por sua
vez, Guilherme visitou Viena, durante outubro de 1873, assinou um protocolo endossando a
declaração russo-austríaca de quatro meses antes351. A imponentemente chamada Dreikaiserbund
(Liga dos Três Imperadores) repousou sobre nada mais que essa base, constante de um convênio e
um protocolo, durante toda a década de 1870: era uma associação muito leve, de Governantes
Soberanos, empresa diplomática caracteristicamente czarista, em contraste com os bem expressos
compromissos da ação ;alemã de estado. No entanto, a liga tinha seus méritos aos olhos de
Bismarck: realçava a natureza própria das autocracias imperiais, diferençando-as da soberania dos
parlamentos que caracterizava o Ocidente. Enquanto os principios da liga estivessem valendo em
Petersburgo e Viena ele presumia pequeno o perigo de a Rússia ou Áustria-Hungria virem a dar a
mão em auxílio de uma França republicana; esta era, afinal de contas, sua maior preocupação.

Continuava a incerteza quanto à situação na França Bismarck estava convencido de que os


franceses tentariam criar na Europa condições que lhes oferecessem perspectiva de uma guerra de
desforra Quando os termos preliminares de paz se converteram num tratado definitivo, em
Frankfurt, maio de 1871, ele exigiu, levando isso em conta, que o pagamento da indenização de
guerra fosse estendido por um período de três anos, durante o qual, até que se completasse o
pagamento, tropas alemãs ocupariam seis departamentos franceses. Dessa forma, esperava, seria
impossível aos franceses um ataque à Alemanha antes que ele houvesse consolidado as suas
posições, internamente e na Europa Mas Bismarck respeitava, confiava no chefe de estado francês,
Thiers, e acreditava que seu republicanismo conservador e moderado garantia o estilo de governo,
em Paris, que mais convinha à Alemanha: a França republicana, era o argumento de Bismarck,
sempre teria dificuldade em conseguir aliados352. Caso Thiers conseguisse completar o pagamento
das indenizações antes da primavera de 1874 - o que parecia provável - Bismarck deixou antever
que daria prazerosamente a ordem para se retirarem os exércitos de ocupação. Ele desconfiava dos
políticos franceses da Direita, os quais, ao que lhe parecia, andavam em conspiração com seus
inimigos internos do Partido do Centro, e fazia reservas, igualmente, ao patriotismo radical dos
seguidores de Gambetta, Ao chegar o outono de 1872, Bismarck estava tão desejoso de preservar
Thiers nas funções quanto de manter boas relações com Viena e S. Petersburgo. O embaixador em
Paris, Conde Harry von Arnim, não tinha a mesma opinião.

Arnim, membro de uma das grandes famílias junker, de considerável influência na Corte, era antigo
colega do chanceler. Parente distante, por via de casamento, da irmã de Bismarck, Malwine, era
também genro do ex-superior departamental de Bismarck em Aachen, Arnim-Boitezemburg. Quando
Bismarck fez sua rápida visita a Londres, em 1862, Arnim o acompanhou. Dois anos depois, ele
nomeou Arnim para Roma, enviado da Prússia junto a Pio IX. Ao reatarem-se as relações com a
França, Arnim foi nomeado embaixador em Paris, onde já servira como chefe de missão especial.
Não demorou para o chanceler descobrir que a nomeação de Arnim para uma embaixada-chave fora
um erro de julgamento; pois 0 novo embaixador saiu-se com uma independência e uma ambição
incontrolaveis que Bismarck não podia tolerar num subordinado. No início de outubro de 1872 ele
remeteu para Berlim uma análise muito bem formulada da cena politica francesa, altamente crítica
de Thiers, a quem descrevia como oportunista interesseiro, aflito por explorar a boa vontade alemã
e que se comportava como se "compartilhasse da infalibilidade com o Papa"353. Na opinião de
Arnim, o credo político de Thiers era peculiarmente pessoal e sua forma de republicanismo não
sobreviveria ao criador. A recuperação francesa, segundo Arnim, era quase completa e, a menos que
a Alemanha interviesse para impor um governo à França, Thiers em pouco tempo seria substituído
por Gambetta e pelos patriotas radicais.

Bismarck divergia inteiramente de Arnim. Em sua resposta, avisou-o que esperava de um


embaixador a disciplina, a lealdade e a obediência que um comandante de brigada prestaria a seu
comandante supremo em combate.354 Arnim não se deu por achado. Antes do fim de outubro fez
uma visita inesperada a Berlim e conseguiu uma audiência pessoal com o imperador. Era o
comportamento típico de Bismarck no passado, mas este aborreceu-se deveras. Ao regressar a seu
posto, o embaixador começou a propugnar abertamente, em seus despachos, em favor de uma
conspiração prussiana para restaurar a monarquia francesa. Já agora Bismarck estava convencido
de que Arnim não pretendia apenas empurrar o Imperador Guilherme em direção doutra política
externa mas desejava, na verdade, solapar a posição do chanceler em Berlim355. O fato de Thiers
também estar, naquele momento, em meio a uma crise política, reforçou a argumentação de Arnim,
tomando impossível ao chanceler, por então removê-lo para outro posto.
Por todo inverno de 1872-73, Bismarck esteve seriamente preocupado com as atividades de Arnim.
Foi nesse período que o conflito com os junkers no senado prussiano, iniciado com a Lei de Inspeção
Escolar, atingiu o ponto alto com a imposição, por Bismarck, de reformas administrativas na
Prússia. O próprio Arnim desejava tornar-se membro da Câmara Alta, onde as indicações eram de
que os fidalgos da terra conservadores o receberiam de braços abertos como seu líder. Importante
notar que Arnim tentou arrolar o apoio do velho rival do chanceler, Edwin von Manteuffel, agora
marechal-de-campo e comandante-em-chefe do exército alemão de ocupação, na França. Manteuffel
ainda gozava de grande influência na Corte, em boa parte porque o general von Albedyll, que
ocupava o antigo cargo de Manteuffel, de chefe do gabinete militar do soberano, consultava-o
regularmente sobre problemas do relacionamento civil-militar. Porém Manteuffel não confiava em
Arnim; se a oficialidade prussiana pudesse substituir Bismarck, buscaria o sucessor entre os
“semideuses" de Moltke no Estado-Maior, e não no corpo diplomático.

Assim, ao invés de deixar-se arrastar a qualquer intriga, Manteuffel escreveu a Bismarck depois da
visita de Arnim e perguntou se a política alemã era, agora, favorável à restauração da monarquia na
França356. Embora Bismarck imediatamente reassegurasse a Manteuffel que não houvera mudança
em sua atitude com relação à república, o chanceler ficou ainda mais preocupado. Ele sabia que as
simpatias do Imperador Guilherme inclinavam-se para os pontos de vista de Arnim, nos assuntos
externos. “Um antigo estado monárquico como a Prússia, hoje à testa da Alemanha, deve never
favour qualquer república; porem, faute de mieux, pode tolerar uma”, escreveu Guilherme a
Bismarck, em 1872, pouco antes do Natal357. Pareceu ao chanceler que estava a perder a confiança
de seu velho senhor. O problema Arnim foi tomando cada vez mais vulto em suas especulações até
tornar-se obsessiva assombração.

Em maio de 1873 uma crise interna na Assembléia Francesa levou à renúncia Thiers e à eleição do
marechal MacMahon presidente da República francesa. Não há qualquer prova de que Arnim haja
tido algum papel na queda de Thiers ou na sua substituição por um soldado de inclinações
monárquicas, mas Bismarck sempre afirmou que o embaixador usara de sua influência para
estimular os realistas conservadores. Foi tal a irritação de Bismarck que escreveu a Arnim, na
quinta-feira, 19 de junho, acusando-o de conspirar contra sua política e de tentar inocular
preconceitos em Guilherme que o fizessem rejeitar a assessoria de seu chanceler358. Preparou,
também, um longo memorando para o imperador, na mesma quinta-feira, no qual afirmava que as
conspirações de Arnim haviam alterado completamente a balança de poder na Europa: haviam,
disse, elevado ao poder em Paris um governo militarista, simpático aos jesuítas e aos inimigos da
Alemanha no Vaticano; e em conseqüência dessa nova situação seria melhor que o imperador
escolhesse outra pessoa que não ele para conduzir a política externa da Alemanha359.

É quase certo que Bismarck não entregou esse memorando a seu soberano. Deve ter pensado
melhor quanto à criteriosidade de apresentar sua demissão naquele momento; ou talvez percebesse
que pintara um quadro demasiado pessimista da situação, imaginando jesuítas a pervagarem
furtivamente por todas as chancelarias, exceto a sua. Na quarta-feira seguinte, visitou Guilherme
em Babelsberg. Quando chegou de volta a Wilhelmstrasse, estava “tão sem energia e sem vontade”
que sua mulher e a filha levaram-no com urgência para Varzin, em estado de colapso nervoso,
decididas a que ele passasse pelo menos “uma quinzena sem ver ninguém, sem falar com
ninguém”360. Na verdade, ele passou a maior parte dos meses restantes do ano em Varzin, embora
viajasse a Berlim no início de setembro para uma tumultuada entrevista com Arnim e para
conversas com Falk sobre a Kulturkampf e depois haja acompanhado Guilherme em sua visita de
estado a Viena, em outubro.

Enquanto Bismarck repousava em Varzin, as relações franco-alemãs sofreram evidente retrocesso.


No começo de agosto o Bispo de Nancy deu à publicidade uma carta pastoral a sua diocese na qual
pedia aos fiéis que orassem pela restituição de Strasburgo e Metz à França. O Arcebispo de Paris
fez idêntico apelo um mês depois. Em seqüência, cinco outros bispos franceses manifestaram-se em
favor dos católicos da Alsácia-Lorena e do espiscopado alemão em luta contra as medidas
repressivas de Falk. Intervindo dessa forma em questões politicas, a hierarquia francesa
inadvertidamente reforçou a mão de Bismarck. Suas atitudes deram foro de verdade ao espectro de
uma conspiração internacional católica que ele havia aludido num discurso à Câmara Alta prussiana
em 10 de março. Mais ainda, alarmaram tanto o imperador que este passou a dar menos ouvidos a
Arnim que, ao contrário do chanceler, constantemente minimizava a importância dos clérigos
franceses. No fim do ano, Bismarck sentiu-se bastante certo de apoio para queixar-se a Guilherme
de que Arnim não soubera pressionar adequadamente o governo francês em favor das posições
alemãs, contra os bispos; e no fim de janeiro de 1874, solicitou que o embaixador fosse transferido
para um posto de menor influência na formulação geral da política alemã361.

Não havia fundamentos para as acusações de Bismarck, pelo menos não nesse caso em particular
Arnim pode ter demonstrado simpatias pelos monarquistas franceses, mas sobre a carta pastoral do
Bispo de Nancy ele falou a Broglie, 0 primeiro-ministro, com dignidade e firmeza. Poucos meses
antes Guilherme teria recusado a solicitação de seu chanceler sem maior consideração. Agora,
porém, via-se frente a uma crise parlamentar para a qual necessitava de todo o talento e a
experiência de Bismarck. É que, enquanto o chanceler encontrava-se em Varzin, os conselheiros
militares do imperador prepararam um projeto de lei que teria estabelecido indefinidamente o
tamanho do exército e tornado mera formalidade a aprovação de verbas para o orçamento militar. O
Reichstag, sem surpresa para ninguém, rejeitou o projeto. No início de fevereiro o imperador sentiu
que Bismarck poderia extraí-lo de uma luta constitucional semelhante à pugna que tomara conta da
política prussiana no início da década de 60. O imperador concordou em retirar Arnim de Paris e
oferecer-lhe a embaixada em Constantinopla. A partir daí, Bismarck dedicou-se ao problema a fim
de resgatar os chefes militares das areias movediças parlamentares, para dentro das quais haviam
marchado em forma, cobertos e alinhados e imprudentemente362. Com o apoio nacional-liberal ele
conseguiu a aprovação, no Reichstag, de uma lei que permitiria ao parlamento discutir os gastos
militares e o efetivo do exército uma vez cada seis anos; concessão que os progressistas julgaram
totalmente insatisfatória, mas até a qual Guilherme só chegou de muito má vontade.

Nesse ponto Bismarck poderia ter deixado acabar sua briga com Arnim. O embaixador veio a Berlim
de licença e a atenção do público estava focalizada na última etapa da Kulturkampf o segundo
conjunto das “Leis de Maio" de Falk. Mas durante abril os jornais de Viena e do sul da Alemanha
publicaram uma série de “revelações diplomáticas”, originárias de Arnim e que tratavam
principalmente do início do conflito entre o estado prussiano e a Igreja Católica Romana. A
princípio, Bismarck disse não acreditar que todos os documentos publicados fossem autênticos e
hesitou em botar mais lenha na fogueira da controvérsia tomando uma atitude oficial contra Arnim.
Mas a utilização desse material como arma na Kulturkampf forçou-o a agir. No dia 15 de maio o
imperador, por solicitação de Bismarck, decidiu que Arnim devia ser suspenso do serviço
diplomático enquanto se procedesse a uma investigação sobre sua conduta?363. Exatamente um
mês depois houve uma descoberta dramática nas investigações. Hohenlohe, sucessor de Arnim
como embaixador em Paris, informou que uma conferência dos arquivos feita pelo segundo
secretário, Barão von Holstein, revelara que Arnim havia retirado considerável número de
documentos das pastas. Novas investigações mostraram que oitenta e seis relatórios e instruções
estavam faltando, documentos, todos, referentes ao período de janeiro de 1872 a abril de 1874.
Significativamente, o mais antigo dos documentos em falta era uma instrução de Bismarck acerca
de seu velho amigo Nicolau Orloff, que fora designado embaixador russo em Paris. Bismarck
encontrou o imperador indeciso quanto a fazer processar Arnim por apropriação ilegal de
documentos oficiais. A declaração escrita de Arnim de que retirara os papéis para poder defender-
se contra ataques futuros de Bismarck e da imprensa oficialmente orientada não ajudaram em nada
a tranqüilizar o chanceler. Tampouco as informações de que Arnim estava de novo tentando uma
cadeira no senado prussiano e de que, desta vez, desejava comprar ele mesmo um jornal. No verão
de 1874 ainda parecia que Arnim, absolutamente, não desistira da idéia de derrubar do ministério o
chanceler364.

Na terça-feira, 7 de julho, Bismarck chegou a Kissingen, na Baviera, para tomar águas. Hospedou-se
na Obere Saline, cerca de dois quilômetros fora da cidade e vinha todos os dias de carruagem ao
Kurgarten e ao Prinzregent Luitpold Bad. Na segunda-feira seguinte, quando sua caleça seguia pelo
caminho habitual, ao longo da margem direita do rio Saale, um jovem aprendiz de toneleiro
chamado Kullmann deu-lhe um tiro com uma pistola antiga. O disparo feriu levemente a mão direita
de Bismarck pois ele estava, naquele instante, abanando com o chapéu em agradecimento à
saudação de um grupo de pessoas. Por dez dias ele não pôde segurar a pena, mas o atentado não foi
tão sério quanto a tentativa de morte de Cohen-Blind em maio de 1866. Mesmo assim, a ocorrência
de Kissingen naquela manhã deu algum fundamento às estórias de Bismarck sobre conspirações
católicas, pois Kullmann pertencia a um movimento de juventude da Igreja. No inquérito ficou clara
sua crença em que as medidas de Bismarck contra os bispos e padres na Prússia eram o primeiro
estágio de uma campanha para destruir toda a Igreja. O efeito imediato da tentativa de Kullmann foi
o alastramento de uma atmosfera de “Complô do Papa” em Berlim, e a popularidade de Bismarck na
capital subiu a níveis sem precedentes. O imperador Guilherme estava em Munich, no dia do
atentado; ficou profundamente emocionado ao pensar que, "não fora o desígnio da Providência”, a
Alemanha estaria privada de seu chanceler "pela arquitetação de gente má”365. Haver Bismarck
escapado quase ileso convenceu Guilherme da existência de propósito divino em sua preservação.
Na prática, o imperador ficou bem menos tendente a questionar as sugestões de Bismarck. Quando
os consultores jurídicos do Ministério do Exterior deram parecer de que Arnim devia ser processado
por retirada ilegal de documentos oficiais o chanceler não teve dificuldade em obter o
consentimento do soberano para a prisão de Amim[1].

Arnim foi preso em sua fazenda no dia 5 de outubro e reencarcerado em Berlim por ordem judicial.
A notícia de sua prisão causou sensação e Bismarck, pessoalmente, caiu muito em popularidade.
Arnim era doente, sofria de diabetes, era membro de conceituada família da sociedade berlinense; e
o tratamento que lhe dispensaram o chanceler e o serviço diplomático em geral pareceu a muita
gente, dentro e fora da Prússia, desumano e frio. Se Arnim fosse condenado, Bismarck
restabelecería sua autoridade, não apenas sobre os independentes divergentes do corpo
diplomático, mas sobre os frondeurs junkers da capital, também. Se, por outro lado, Arnim fosse
julgado inocente, Bismarck pareceria pouco melhor que um paranóico, insistindo numa vendeta
contra um servidor público inteligente e corajoso, em vez de admitir que era falível em seu critério
sobre política externa. Visitantes de Varzin, no fim do outono, acharam 0 chanceler “muito sereno”
sobre o que resultaria do caso Arnim, embora condescendendo em julgar-se vítima constante de
“intrigas em altos escalões”. Na última semana de outubro, retomou, por fim, da Pomerânia para a
capital, pronto para os três meses de sessão do Reichstag e para uma retomada da luta com o
Partido do Centro sobre assuntos da Igreja366.

Marcou-se o início do julgamento de Arnim, no Tribunal de Berlim, para 9 de dezembro. Bismarck


estava decidido a não servir de testemunha; o mesmo ocorria com outras figuras destacadas,
notadamente Manteuffel. Os jornais continuavam a especular com a maior irresponsabilidade sobre
novas revelações durante o julgamento; mas o chanceler, juntamente com o promotor público,
habilmente montaram o libelo contra Arnim de forma que apenas alguns poucos trechos das mais
discutidas diretrizes de Bismarck fossem lidos na corte. Ao mesmo tempo, Bismarck tentou afastar
as atenções do julgamento. Na quinzena que o procedeu fez seis longos discursos no Reichstag,
cada um deles tão provocativamente montado que o Centro não pôde resistir ao chamariz. No
quarto desses discursos (dia 4 de dezembro) ele causou grande sensação ao voltar-se
veementemente contra os deputados bávaros que ridicularizavam suas histórias de uma
conspiração católica bem como a importância que dava ao tiro da pistola de Kuhlmann, em
Kissingen, cinco meses antes: “Vossas Excelências podem fazer pouco desse assassino”, gritou
Bismarck para as bancadas do Centro “mas nem por isso ele vos solta o rabo das casacas!” Quando
o Conde von Ballestrem irritadamente intercalou um “pffiu”,Bismarck trepidou de fúria, real ou
fingida367. Teria sido apenas por acaso que debate tão dramático, que com toda certeza iria para os
jornais, ocorresse exatamente no dia em que Arnim informava seus amigos jornalistas de que estava
confiante e declarava que, na qualidade de anfitrião, sentia-se no direito de convidar amigos para os
lugares especiais do próximo julgamento?

O julgamento durou apenas dez dias. O Tribunal de Berlim absolveu Harry von Arnim da acusação
de deliberada apropriação indébita dos documentos, mas julgou-o culpado de reter, por excessivo
período de tempo, papéis relativos à política do chanceler com relação à Igreja. Por esse delito foi
condenado a três meses de prisão, embora pudesse apelar em liberdade. O julgamento virou
novamente a opinião pública a favor de Bismarck. Odo Russell, o embaixador britânico, comentou
que o “genuíno entusiasmo” pelo chanceler advinha da “pureza e claridade de estilo” revelado por
seus documentos diplomáticos, tanto quanto do reconhecimento de suas qualidades de
estadista368. À primeira vista, parece interpretação excessivamente profissional, mas bem pode ter
sua justificativa, pois a prosa concisa de Bismarck era um contraste bem-vindo com as lições morais
excessivamente didáticas e inoportunas dos jornais.

Houve apenas uma surpresa no julgamento: a convocação inesperada, como testemunha de


acusação, de Friedrich von Holstein, segundo-secretário da Embaixada em Paris369. A imprensa
preparou a imagem de Holstein como a de um espião, mandado pelo chanceler vigiar as atividades
de Arnim e informar Berlim. Era uma distorção das obrigações de Holstein, o que o próprio
advogado de defesa de Arnim declarou perante a corte; mas os repórteres simpáticos ao doente
Arnim e abismados ante a maestria da técnica de Bismarck, precisavam de um vilão para as colunas
de seus jornais; foi fácil achá-lo naquele solteirão diligente, ambicioso e antipático, o Barão von
Holstein. Com o tempo, Bismarck mostrou sua gratidão acelerando a carreira de Holstein no
Ministério do Exterior ao ponto de ele tomar-se a mais famosa éminence grise depois do Padre José,
de Richelieu; mas na época Holstein sentiu-se amargamente humilhado com o tratamento recebido.
Bismarck fez o que pôde para reabilitar o segundo-secretário nos jornais e revistas favoráveis a sua
política, não apenas em Berlim - em Paris e Londres também. Mas a verdade é que, ao abrir as
contestações sobre o papel de Holstein no affair Arnim, o chanceler recuava a si mesmo cada vez
mais para o pano de fundo de cena.

O veredito do Tribunal de Justiça de Berlim não encerrou a questão. As medidas legais arrastaram-
se durante dois anos mais, posteriormente levando a condenação de Arnim a cinco anos de
trabalhos forçados por traição. A sentença não foi executada porque Arnim deixou a Alemanha no
início de 1875 para tratamento médico e não regressou a sua terra, morrendo no sul da França em
maio de 1881. Mas no que importava a Bismarck, o julgamento de dezembro de 1874 foi decisivo:
politicamente, o chanceler recebeu a reparação pública, e Arnim, se não foi desmoralizado, pelo
menos desapareceu como pretendente a seu cargo. A partir daí, ele considerou tudo mais, simples
caso judicial e só interveio quando panfletos anônimos, quase certamente escritos por Arnim no
exílio, começaram a apresentar de forma incorreta as relações alemãs com o Papado.

A longa disputa com Arnim e a intolerante resistência do Partido do Centro de Windthorst deixaram
sua marca na saúde e no humor do chanceler. Não conseguia dormir; não digeria bem; mal e mal
trocava cortesias até mesmo com seus aliados parlamentares, que dizer com seus adversários. Certa
noite, na última semana de janeiro de 1875, ele recebia para jantar três companheiros políticos
(inclusive o historiador Sybel) quando a conversação caiu no assunto da moda, o pessimismo na
filosofia, tal como representado por Schopenhauer: “Como é possível crer que nascemos para a
felicidade?”, observou Bismarck, envolto na fumaça do charuto, “O ódio é tão forte estímulo à vida
quanto o amor. Minha vida é levada em frente e tem graça por dois fatores - minha mulher e
Windthorst. Uma existe para que eu ame, outro existe para que eu o deteste”. Doutrina bem
afastada das homilias cristãs constantes do livrinho que mantinha à cabeceira, mas pelo menos ele
era bastante honesto consigo mesmo para admitir que esses sentimentos eram exatamente
retribuídos370. Quinze dias depois, escreveu uma carta de cumprimentos a Nicolau Orloff em Paris.
“Eu tinha uma grande quantidade de amigos e poucos inimigos, mesmo entre meus adversários,
antes de me tomar ministro”, disse. “O fato de que hoje em dia essa proporção se haja invertido
sera resultado do meu caráter ou é a conseqüência natural de uma carreira ministerial que vai se
prolongando para bem mais que a duração normal?”371 Não resta dúvida de que andava
melancólico naquele inverno, figura solitária em grandioso isolamento.

Também estava pessimista quanto ao sistema europeu. Agora convencia-se realmente, da existência
de uma conspiração internacional católica, o fantasma que ele fora o primeiro a espancar. Chegou
mesmo a protestar perante o governo belga contra as atividades de alemães jesuítas que haviam
buscado santuário em Louvain e Bruges, e estariam conspirando contra o Reich com a conivência
dos episcopados belga e francês. Ainda mais sério era o alerta de Moltke, de que os franceses
reorganizavam seu exército e reforçavam os regimentos de cavalaria. No fim de fevereiro de 1875
Bismarck ouviu dizer que as autoridades francesas tencionavam comprar 10.000 cavalos de sela a
negociantes alemães. Imediatamente impôs um embargo à exportação de cavalos para a França372.
Nas semanas seguintes houve um ambiente de subida de tensão que os diplomatas franceses em
Berlim foram prestes em notar e informar a Paris.

No dia 5 de abril um jornal de Colônia, de conhecidas ligações com Wilhelmstrasse, afirmou que o
Ministério do Exterior francês estava em associação com o Vaticano. Esses inimigos naturais do
Reich buscariam o apoio de Francisco José e do Rei da Itália para uma coalizão européia de
Potências católicas contra o protestantismo alemão373. Três dias depois surgiu um artigo ainda
mais alarmista no jornal berlinense Post. A manchete do Post era, em letras enormes, “Ist der Krieg
in Sicht?" (“Há guerra à vista?”) com resposta afirmativa, atribuindo a culpa, sem rodeios, ao rápido
rearmamento da França. Na Alemanha e no exterior presumiu-se o chanceler soprando o artigo do
Post e que as nuvens da guerra acumulavam-se, tal como ocorrera tão de repente em julho de
1870374.

Bismarck não queria guerra em 1875. Como em março de 1867, encontrava-se sob pressão do
Estado-Maior por uma campanha relâmpago no ocidente, a qual, diziam, extingüiria o desejo
francês de vingança. Mas Bismarck queria uma vitória diplomática, um aviso a Paris do poderio
militar alemão, e prova à Europa de que o Reich estava unido e não dilacerado pela discórdia
religiosa. O imperador Guilherme tomou-se de total surpresa. Definiu para Bismarck: de forma
nenhuma permitiría que a Alemanha entrasse em novo conflito com a França; e o chanceler fez o
possível para garantir-lhe isso375. Mas Bismarck era incoerente. Enquanto tentava acalmar seu
soberano, falava ameaçadoramente a membros do corpo diplomático em Berlim. Da mesma forma, o
temível Moltke. Não é de surpreender que outros governos se alarmassem.

Um incidente na terceira semana de abril aumentou ainda mais a tensão. Na quarta-feira, 21 de


abril, o embaixador inglês, Odo Russell, deu um jantar na embaixada. Entre os convivas, seu colega
francês e um dos mais importantes diplomatas do Ministério do Exterior alemão, Josef von
Radowitz, que estivera recentemente em missão especial a S. Petersburgo, a qual levantara
suspeitas nos franceses. Radowitz, filho do primeiro-ministro de Frederico Guilherme IV, era pessoa
“cuja língua se destramelava no segundo copo de vinho”, conforme Bismarck certa vez descrevera;
e Odo Russel tinha uma adega magnífica. Naquela noite, Radowitz lembrou ao embaixador francês
que “ se as mais secretas intenções da França concentram-se na vingança”, seria muito pouco
razoável esperar que um estadista alemão “espere que ela haja concentrado suas forças e feito
alianças”, para atacá-la. Não foi o mais jeitoso dos comentários e o embaixador imediatamente
telegrafou a Decazes, ministro do exterior em Paris, dando detalhes da conversa376. Decazes, a
essa altura já sabia não haver perigo imediato de guerra e ficou pasmo, com razão, ante a
inconveniência de Radowitz. Mas aprendera muito da técnica de Bismarck. O despacho do
embaixador francês circulou para todos os principais governos da Europa e foi mostrado ao
correspondente de The Times em Paris. O horror de guerra, já inspirado pelo Post de Berlim em 8
de abril, agora recebia nova aragem do Times de Londres, a 6 de maio. A combinação entre a
circular de Decazes e o artigo do Times levaram Derby, o ministro do Exterior inglês, a mandar
mensagem enérgica a Berlim, insistindo em que a “França não tem intenções agressivas” e
manifestando a esperança de que os mal-entendidos entre as duas nações fossem rapidamente
resolvidos. Ao mesmo tempo houve abordagens dos ingleses junto aos russos por uma pressão
conjunta sobre Bismarck a fim de que mantivesse a paz da Europa377. No dia 10 de maio, o Czar e
Gorchakov chegaram a Berlim como porta-vozes das Grandes Potências.

Bismarck errara gravemente, seu maior desastre desde a época da famigerada revolta polonesa. Ao
invés de reafirmar a preponderância da Alemanha na Europa ocidental, despertara a hostilidade da
Grã-Bretanha e da Rússia. Em vez de estimular o ardor patriótico por uma demonstração de força,
enfrentou o alarido dos Liberais e do Centro, de que estava “internacionalizando o conflito com A
Igreja”. Desesperadamente, ele informou os ingleses de que a crise era invencionice da imprensa,
inspirada por especuladores em busca de lucro rápido na Bourse 378. Porém o que mais molestou o
chanceler foi a atitude de Gorchakov. Quando os dois encontraram-se, em 10 de maio, Gorchakov
deu-se ares de protetor da França. Quis “uma promessa categórica de que Bismarck jamais iria à
guerra”. À essa exigência, mais peremptória que qualquer solicitação posta por Benedetti em Ems,
em 1870, Bismarck estava disposto a ceder, pelo menos verbalmente. Com incrível autocontrole
conteve seu ressentimento até Gorchakov ir-se de Berlim; mas nunca o perdoou379.

A reação instintiva de Bismarck foi de demitir-se. Não parecia haver possibilidade de controlar o
Partido do Centro e pouco restava, agora, do entendimento com os russos no qual baseara sua
política na Europa. Windhorst e os clericalistas aguardavam, esperançosos, a notícia da queda do
chanceler, Também Gorchakov acreditava em seu fim: “Bismarck está doente porque come muito,
bebe muito e trabalha muito”, comentou, ironicamente, após sua visita a Berlim. “Pelas nossas
costas, Bismarck vocifera como um maníaco”, escreveu Odo Russell em nota particular dirigida a
um colega380. Em Viena, Andrassy -incrivelmente atlético aos cinqüenta e dois anos - segundo seu
biógrafo, fez três acrobáticas paradas de cabeça para baixo sobre a velha escrivaninha de
Metternich, ao saber da derrota de Bismarck. Acontecesse o que acontecesse em Berlim, a Áustria-
Hungria decidiu tirar vantagem pelo silêncio, ao longo de toda a crise381. Se Bismarck continuasse,
voltar-se-ia para Andrassy a fim de sair do isolamento; se fosse embora, o sucessor precisaria do
apoio de Andrassy para firmar-se na posição.

Bismarck continuou. No fim de maio chegou, de fato, a ir a Guilherme e solicitar-lhe que o liberasse
do cargo. Mas o imperador recusou a demissão. Em lugar disso, deu-lhe uma licença por tempo
indefinido. No dia 5 de junho, ele viajou de Berlim para Varzin 382. Afora uma visita à capital para
consultar um médico especialista, em fins de setembro, Bismarck permaneceu na Pomerânia os
seguintes cinco meses e meio, remoendo amargamente o passado, cismando sobre o futuro.

[1] A decisão de prender-se Arnim foi tomada no final de setembro de 1874, quando surgiu a
suposição de que ele iria publicar mais documentos e fugir para o exterior. Bismarck estava outra
vez em Varzin, na época, e Guilherme I em Baden-Baden. O futuro Chanceler, Bernhard von Bülow
(que era, então, funcionário do Ministério do Exterior com a idade de vinte e cinco anos) recebeu a
missão de levar a Baden-Baden a decisão de Bismarck de processar Arnim e de obter o
consentimento do imperador para que o ex-embaixador fosse detido e levado a julgamento.

12. O HONESTO CORRETOR

Bismarck jamais gostou de Berlim. Mesmo na juventude reclamava que a capital lhe constrangia o
espírito; e com tantas famílias da sociedade desavindas com o chanceler depois do caso Arnim, ele
resolveu distanciar-se o mais possível de um mundo pelo qual mal conseguia ocultar o desprezo. A
partir de 1875 seu calendário sazonal tomou uma ordem que, essencialmente, se manteve para o
resto de sua carreira pública: primavera e outono em Varzin ou Friedrichsruh; auge do verão em
Kissingen ou Gastein, em estação de águas; e quatro ou cinco meses de inverno na capital, com o
mínimo possível de recepções sociais. Gostava de parecer remoto.

Sua equipe pessoal, essa já não gostava tanto. Até Joana rezingava contra “a absoluta solidão” da
vivenda solitária pomerana da família. Seu marido, no entanto recusava-se a perceber qualquer
inconveniente de residir em Varzin. Orgulhava-se de sua reclusão. “Uma vez chegado a Berlim, a
viagem não é difícil”, explicou em inglês a seu velho amigo John Modey, que planejava ir visitá-lo, “o
melhor trem sai de Berlim pela manhã, entre oito e nove horas - creio que às 8:45; Stettiner
Bahnhof é a estação, a quinze ou vinte minutos de qualquer hotel perto da Linden. Você vai por
estrada de ferro até Schlawe, aonde chega por volta das quatro da tarde, e de onde um cocheiro
traz você até Varzin, a tempo de conversarmos antes do jantar, por volta de seis da tarde”383. Como
“Guia Baedeker” de estâncias soa até interessante; mas não era o lugar ideal para o ministro única
e pessoalmente responsável de um estado autocrático residir por períodos maiores..

Essas semanas em Varzin, no entanto, eram essenciais para o chanceler, que se deliciava em poder
olhar pelas janelas e ver carvalhos, faias do parque, depois os milharais que se estendiam até o
limiar da floresta, no horizonte. Na Pomerânia, conseguia escapar da gente da capital que lhe dava
nos nervos - deputados da Oposição, funcionários carreiristas, o príncipe herdeiro e seu círculo, a
Imperatriz Augusta e, às vezes sim, às vezes não, o marido imperial e real dela, também. Durante
seus anos de ministro, cada importante ponto de inflexão política era precedido de semanas de
retiro, ou nos bosques de Schwarzenberg, em Varzin, ou na Sachsenwald, a floresta que cercava
Friedrichsruh. O quadro vivo da natureza, tomado de árvores, acalmava-lhe o espírito e permitia
pensar com lógica, livre de paixões.

As vinte e cinco semanas passadas por Bismarck em Varzin durante 1875, porém não levaram a
nenhuma mudança imediata de política. Ele não desejava perturbar o equilíbrio político interno ou
causar novo pânico noutros países. Mas estava convencido da necessidade de modificar a política,
tanto nos assuntos domésticos como em seus contatos com as principais Potências européias. Existe
um contraste interessante de tom entre os discursos que proferiu na sessão do Reichstag de 1875-
76 e o ataque devastador contra o Partido do Centro, um ano antes384. A Kulturkampf continuava, e
uma lei passou, às pressas, no Reichstag, praticamente banindo as atividades espirituais e seculares
dos jesuítas, em toda a Alemanha. Mas os desafios e troças dirigidos a Windthorst e sua bancada
sumiram do estilo oratório do chanceler. Três semanas após seu retorno de Varzin, o embaixador
inglês chamava a atenção do Foreign Office em Londres para o evidente giro à Direita na política
interna. Odo Russell informou que Windthorst estava apoiando as últimas medidas do governo na
área das finanças, e que o Partido do Centro concordara em não se opor aos projetos do chanceler
de reforma penal. O embaixador considerava essa evolução indicativa do futuro, análise perfeita da
posição de Bismarck no parlamento. Estava tentando ganhar maior liberdade de ação para sua
condução política, pois alarmavam-no os indícios de depressão econômica e a crescente agitação
socialista nas regiões industriais em recente expansão. Por algum tempo, considerou a criação de
um partido próprio: nacional-liberais mais nacionais que liberais; junkers conservadores por
temperamento, mas não estreitamente Tories; e católicos romanos dispostos a esquecer ou perdoar
a perseguição da hierarquia e do clero. Com uma coalizão dessas Bismarck poderia- se quisesse -
deter a recessão econômica trocando o livre comércio pelo protecionismo, e ao mesmo tempo bater
o desafio do marxismo revolucionário através de legislação repressiva. O que constituía o giro à
Direita previsto por Russell.
Porém Bismarck revelou suas intenções cedo demais. Em janeiro de 1876 apresentou projeto de lei
que teria permitido aos tribunais prender quem fosse culpado da provocação de luta de classes ou
do ataque à santidade tríplice de família, casamento e propriedade privada. Lei destinada a conter o
crescimento do socialismo, era também símbolo de reconciliação com os católicos e protestantes
alarmados pela tendência laica da legislação de Falk385. O projeto, todavia, não foi aprovado. Os
nacional-liberais ativeram-se a seus princípios e apoiaram o deputado “progressista” Lasker em seu
apelo para que as instituições do estado se baseassem no primado da lei. E também não houve
defecções no Centro. Se Bismarck desejava a reconciliação com os católicos teria de percorrer pelo
menos parte do caminho até Canossa - percurso que não faria enquanto Pio IX fosse o pontífice. O
maior sucesso do chanceler foi com os junkers, entusiasmados com esses indícios de giro à Direita.
Em julho de 1876 um grupo de jovens conservadores fundou o Partido Conservador Alemão
(Deutsche Konservative Partel), que submeteu seu programa, previamente, à aprovação de
Bismarck. Isso era bom, pelo que significava, mas deixou evidente ao chanceler que para um
realinhamento mais amplo de partidos teria de preparar-se com maior cuidado e dispor de um
enorme feixe de ramos de oliveira. Então decidiu aguardar ai eleições para o Reichstag, marcadas
para o início do ano seguinte.

Bismarck não pôde dar atenção exclusiva aos problemas internos, quando voltou a Berlim, em 1875.
Em sua ausência explodiram revoltas na fronteira noroeste do Império Otomano, nas províncias de
Bósnia e Herzegovina386. A população não-mulçumana da Bósnia-Herzegovina era eslava do sul,
racialmente aparentada com o povo dos principados independentes da Sérvia e de Montenegro e
também com os búlgaros, estes mesmos sujeitos ainda ao governo turco. Desde 1870 crescia um
movimento de tendência pan-eslava no interior da própria Rússia, e entre os mais fanáticos
expoentes do pan-eslavismo estava o embaixador russo em Constantinopla, o general Ignatiev. Foi
impossível Alexandre II e Gorchakov ignorarem o que estava a ocorrer na Bósnia-Herzegovina.
Havia também um grupo militar em Viena que sempre almejara absorver esse esporão ocidental dos
Bálcãs no império de Francisco José. Com os dois outros sócios da Dreikaiserbund preocupados com
a Bósnia-Herzegovina, Bismarck não podia dar as costas à questão Oriental, por mais que lhe
deplorasse o ressurgimento na cena diplomática.

Nos últimos dias de novembro de 1875 Bismarck teve uma longa conversa com Odo Russell. “A
Alemanha,,J disse ele ao embaixador, “não tem interesse direto na Turquia européia, mas
indiretamente temos o maior dos interesses em evitar que a Áustria e a Rússia se desentendam
sobre a herança do Homem Doente. Eis porque a Alemanha deve manter-se estritamente no papel
de pacificadora, jamais colocando-se tão do lado de qualquer de seus aliados que resulte em dois
contra um numa aliança tripartite”387. Em princípio, tal axioma definiu a atitude de Bismarck com
relação ao affair dos Bálcãs durante os três anos em que essa crise atormentou a Europa. Doze
meses mais tarde, lá está o mesmo princípio no discurso ao Reichstag no qual colocou em termos
menores a questão Oriental com uma expressão que tem sido muito mal-interpretada: “Não vejo
nela, para a Alemanha, qualquer interesse... que valha os bons ossos de um só mosqueteiro
pomerano”388. No entanto, como em todas as diretrizes básicas de sua diplomacia, essa afirmação
de imparcialidade era muito relativa. O que lhe importava não era propriamente os Bálcãs, mas o
modo como a questão Oriental poderia modificar a política das capitais européias. Não tentava
comandar toda negociação diplomática; casos havia até em que ansiava para outros (de preferência
Andrassy) tomarem a iniciativa; mas mantinha a posição de que não se devia chegar a um acordo
final sem a devida consulta a ele como árbitro do equilíbrio de poder.

De início pareceu que a crise seria rapidamente resolvida. A despeito do que pudessem desejar os
pan-eslavos e o grupo militar, nem Gorchakov nem Andrassy demonstravam intenção de explorar as
comoções balcânicas. No fim de dezembro de 1875, Andrassy apresentou projeto detalhado de
acordo: o sultão concordaria com amplas reformas, dando às Potências garantia por escrito de que
as medidas todas entrariam em vigor389. Bismarck recebeu bem a nota de Andrassy, da mesma
forma os russos, os franceses e os italianos. Os turcos aceitaram receber a nota, mesmo feridos pela
exigência de um compromisso escrito, e neste ponto foram apoiados pelos ingleses. Bismarck não
confiava muito nas possibilidades de sucesso de Andrassy. Seus temores justificaram-se: os
funcionários turcos locais não implementaram as reformas decididas na distante Constantinopla; e
em ambas as províncias os rebeldes decidiram continuar com suas operações até derrubarem a
autoridade do sultão. Bismarck julgava que isso iria acontecer mais cedo ou mais tarde, então
buscou cerrar o contato com os britânicos, por achar que “England” era a Potência
tradicionalmente interessada em amparar o Império Otomano. No dia 2 de janeiro de 1876
Bismarck conversou hora e meia com Odo Russell, dizendo-lhe que desejava “cooperar com a
Inglaterra na manutenção da paz européia”, e assinalando francamente que “a Alemanha não pode
permitir nem que a Aústria e a Rússia entrem em grandes intimidades às suas costas, nem que
cheguem a brigar entre si, ainda que ela permaneça em segurança”. “A impressão que me ficou
dessa conversa”, escreveu Russell, no dia seguinte, “é a de que o Príncipe Bismarck pensa mesmo o
que disse, e realmente deseja um entendimento franco e cordial com a Inglaterra”390.

Londres, porém, teve cautelas. Desde a vitória eleitoral dos conservadores, em 1874, o ministro do
exterior, Lord Derby, esquivava-se da Europa com ainda mais ostentação e até alarde, que seus
antecessores liberais. Derby não estava tão disposto quanto Odo Russel a creditar boas intenções ao
chanceler, pois a sua atitude mais decisiva nos vinte e dois meses em que estava à frente do Foreign
Office fora o aviso dado a Bismarck contra a guerra com a França no mês de maio anterior. O
primeiro-ministro inglês também tinha dúvidas. Disraeli, que lembrava Bismarck do rápido encontro
de 1862 (“muito alto... cabelos pretos... nariz chato e arrebitado... rosto pálido e uma cintura de
vespa”), suspeitava de que os alemães desejavam enredar ingleses e franceses nos assuntos do
Oriente Próximo391. Apenas algumas semanas antes Disraeli dera seu grande golpe da compra das
ações do canal de Suez para o Governo Inglês e seria razoável supor que Bismarck tinha o intuito de
causar fricção entre Londres e Paris levando os ingleses a tomarem o controle do Egito, onde os
franceses tinham interesses comerciais. Disraeli disse à Rainha Vitória temer que Bismarck pudesse
utilizar-se da crise Oriental como diversão da atenção dos estadistas da Europa enquanto os
alemães concentravam seus exércitos para uma nova marcha a Paris. Entretanto, afirmou à Rainha
que cooperaria com Bismarck para manter a paz, embora Derby ficasse apenas na esperança de que
o chanceler e o embaixador pudessem continuar em sua “troca de idéias”. Tanto Derby como
Disraeli “apreciaram” que Odo Russell houvesse chegado a um “amistoso entendimento” com
Bismarck392.

Na realidade, todas essas conversas deixaram os dois governos num estado de mal-entendimento
não inamistoso, relacionamento bem menos desejável. Bismarck surpreendeu-se com a falta de boa
reação inglesa: Disraeli continuou a supor que podia contar com o apoio de Bismarck, e ofendeu-se
quando tal não ocorreu. Porém, como sempre, Bismarck tinha possibilidades alternativas entre as
quais acolher uma política final de acordo com as circunstâncias do momento. Para ele, foi mais
natural colaborar com seus colegas na Dreikaiserbund do que com a Inglaterra, mesmo a despeito
de sua hostilidade a Gorchakov. Em janeiro de 1876, apenas dois dias após sua conversação com
Odo Russell, Bismarck esboçou para 0 embaixador russo em Berlim um plano de partilha393.
Propunha permitir-se a Áustria que se expandisse nos Bálcãs, que a Rússia tomasse territórios na
foz do Danúbio, e que os ingleses fossem estimulados à anexação do Egito. Gorchakov rejeitou esse
plano, em boa parte por não acreditar que Bismarck estivesse honestamente desinteressado.
Suspeitou de uma armadilha para desacreditá-lo com Andrassy, e provavelmente com ingleses,
também. Bismarck, repelido por Gorchakov e decepcionado com Disraeli, recuou para sua terceira
linha de ação: colaboração total com Áustria-Hungria e apoio pessoal a Andrassy.

Durante o primeiro trimestre de 1876 a crise aumentou de intensidade. À violência espraiou-se para
a Macedônia e a Bulgária. Houve um levante em Salônika, onde os cônsules da França e da
Alemanha foram assassinados. Bismarck temeu que o gesto doido de algum fanático em Viena ou
em S. Petersburgo pudesse jogar a Rússia e Áustria-Hungria numa guerra que lhe seria impossível
manter sob controle. Às pressas, tentou dar vida a Dreikaiserbund. O Czar Alexandre já anunciara
sua intenção de visitar Berlim na segunda semana de maio e de trazer Gorchakov, além de dois
diplomatas de alto nível. Bismarck, então, convidou Andrassy a que viesse ao norte para
conversações, nessa mesma época. Andrassy chegou a Berlim no dia 10 de maio e os russos um dia
depois. Bismarck deixou o grosso da discussão para seus visitantes e fez o melhor que pôde para
assumir uma atitude imparcial. Mas nada conseguia diminuir sua aversão a Gorchakov. Até mesmo a
elegância do francês do homem o irritava: “Pompon, pompo, pompo”, escrevinhou ele com desdém
enquanto ouvia Gorchakov discursar aos embaixadores reunidos394. No entanto, mesmo havendo
Andrassy esquematizado, outra vez, um programa de reformas para a Turquia européia, foi o
menosprezado russo quem botou um ferrão na cauda do memorando. Desta vez Gorchakov deixava
bem estabelecido que se os funcionários do sultão não se mostrassem capazes de executar as
reformas, as Grandes Potências interviriam e imporiam à força “medidas eficazes” na Turquia.
O memorando de Berlim teve um destino curioso. Aceitável para franceses e italianos, foi rejeitado
pelos ingleses, não tanto pelo que dizia e sim pelo fato de ter sido escrito sem qualquer consulta
com o Foreign Office em Londres. Estadista inglês algum, desde o Congresso de Viena, rejubilara-se
com a cooperação entre as autocracias do leste, e Disraeli não via com bons olhos a Dreikaiserbund;
desconfiava dela, tanto quanto qualquer radical vituperava contra a Santa Aliança durante a era de
Metternich. Bismarck surpreendeu-se com a reação inglesa: instruiu seu embaixador em Londres
para explicar que o bem-estar da Turquia era, para ele, menos importante que a preservação de
uma ligação operativa entre Rússia, Áustria-Hungria e Alemanha. Tão interessado estava Bismarck
em manter bom contato com Disraeli que se dispôs a usar como intermediária aquela constante
crítica de sua política, a princesa real. A Rainha Vitória, então, repassou, devidamente, a seu
primeiro-ministro uma sucessão de mensagens tranqüilizadoras chegadas de Berlim. A reação de
Disraeli foi cortês, mas fria395. A situação dos Bálcãs era grave demais para uma simples troca de
amabilidades e gracejos. Napoleão III já teria, havia muito, convocado um congresso internacional.
Disraeli não compreendia por que Bismarck relutava tanto em dominar os acontecimentos.

E não era esse o único aspecto incompreensível de sua política. O mês de junho de 1876 assistiu a
uma revolução palaciana em Constantinopla, aos primeiros relatos nos jornais sobre atrocidades dos
turcos na Bulgária e, finalmente, a um ultimato sérvio ao sultão, que resultou no início de uma
guerra balcânica na primeira semana de julho. Bismarck, como de hábito, estava na estação de
águas do verão, em Kissingen, e perturbou-se o suficiente para receber o embaixador inglês e ir
com ele, às pressas, a Würzburg, no dia 10 de julho, para uma audiência com o Imperador
Guilherme396. Mas a viagem de seis horas de trem, ida e volta, de Kissingen a Würzburg, era quase
desnecessária; parece que a preocupação maior de Bismarck foi demonstrar sua sempre presente
boa vontade para com “England”. Uma vez mais, nada resultou desse episódio. Bismarck concluiu
seu tratamento em Kissingen, retornou a Varzin e, para todos os efeitos, desligou-se completamente
da política internacional. Odo Russel, na maior perplexidade, viajou de volta para Londres.

Disraeli exasperou-se. “E que me diz da Alemanha?”, escreveu, logo depois, numa nota a Derby,
"quando consta que seu primeiro-ministro está em retiro e não pode ser incomodado, e que o
embaixador da rainha cá está por ser de todo desnecessário em seu posto, tomo conhecimento de
excentricidades que não se pode permitir regulem e conduzam acontecimentos com influência nos
destinos de gerações e de impérios”397. Bom motivo, entretanto, havia para o comportamento de
Bismarck. Dois dias antes da teatral e bem publicada viagem de trem a Würzburg, o Czar e
Gorchakov encontraram-se com Francisco José e Andrassy, brevemente, em Reichstadt, na Boêmia.
Bismarck sabia que seus sócios na Dreikaiserbund haviam-se encontrado, mas só em setembro
descobriu o que se decidira (e mesmo então, teve acesso apenas à versão de Andrassy, que diferia
substancialmente da versão de Gorchakov)[1]. Em 10 de julho, portanto, Bismarck não tinha muita
certeza de que a Liga dos Três Imperadores ainda significasse algo real. Viu-se frente ao mesmo
dilema que se lhe antepusera no início do ano: inimizade aberta entre seus sócios destruiría
inteiramente a liga, mas amizade muito chegada tornaria supérfluo o papel da Alemanha. Em
consequência, respondeu, como em janeiro, com uma abertura de seu pensamento, visivelmente
franca, ao enviado de uma nação com poder suficiente para equilibrar qualquer demonstração de
independência da parte de Áustria-Hungria e Rússia. Não necessitava preocupar-se. Antes de sair
de Kissingen para a Pomerânia ele pôde, pelo menos, notar que o encontro de Reichstadt reforçara,
em vez de enfraquecer, a liga, pois tanto russos como austríacos voltavam-se para ele como árbitro.
Não precisava do apoio inglês nem desejava dar explicações a embaixador nenhum; algo, então,
mais simples que trancar os portões de Varzin e, praticamente, pendurar neles a placa de “Please
do not disturb”?

Já agora, porém, os sérvios e seus arrimos pan-eslávicos estavam levando uma surra do exército
turco, e surgiu uma onda de brios patrióticos nas maiores cidades da Rússia. Parecia provável que
Alexandre II fosse intervir militarmente tão logo os russos pudessem concentrar seus exércitos na
Ucrânia. Gorchakov opunha-se, ainda, à guerra: seu espírito aristocrático repugnava o entusiasmo
pan-eslavo; sua vaidade lamentava uma solução pelas armas em lugar de negociação; e seu ciúme
eriçava-se com a crescente influência dos generais junto ao czar. Ao invés de ver a Rússia embretar-
se numa guerra, Gorchakov preferia a convocação de um congresso europeu onde pudesse exibir
afinesse que aprendera com Capo d'Istria em Laibach, mais de meio século atrás. No início de
agosto Gorchakov propôs que Bismarck, na qualidade de chanceler de uma Grande Potência não
diretamente envolvida nos assuntos balcânicos, reunisse um congresso para resolver a Questão
Oriental398.

Disraeli (ou melhor, o Conde de Beaconsfield que se tornara naquele mês) também foi favorável a
uma conferência em mesa-redonda. Mas Bismarck não concordava com um congresso naquele ano.
No dia 14 de agosto, em um dos memorandos com argumentos mais claros de toda sua carreira,
explicou que semelhante reunião faria perigar a posição da Alemanha, de vez que a hostilidade
entre Rússia, Áustria-Hungria e Grã-Bretanha era forte demais para uma arbitragem eficaz: “A
perspectiva é de que nossos três amigos, Rússia, Áustria e Inglaterra venham a deixar o congresso
indispostos conosco por nenhum deles ter recebido de nós o apoio esperado. Uma ameaça adicional
à paz adviría da entrada em contato do Príncipe Gorchakov com Lord Beaconsfield, dois ministros
dotados de vaidades igualmente perigosas, sendo a do inglês ainda mais perigosa já que envolta por
experiência política menor e por menos discrição”399. Bismarck não tinha a mais leve intenção de
queimar os dedos convocando um congresso fadado ao desastre.

Mas era difícil esse ato de ir agradando “nossos três amigos” e ao mesmo tempo recusar
comprometer-se, e naquele outono ele se desequilibrou. Para acalmar Alexandre II, o Marechal-de-
Campo von Manteuffel foi enviado por Guilherme I a seu sobrinho, portando mensagem de amizade
e compreensão. Os russos ficaram com a impressão de que “aconteça o que acontecer, a Alemanha
estará conosco”; porém Manteuffel eludiu as tentativas russas de capitalizar a boa-vontade alemã
por meio de um compromisso firme de ajuda. No fim de setembro, entretanto, Alexandre induziu o
representante militar pessoal de Guilherme em sua corte, o general von Werder, a telegrafar a
Berlim e consultar, em nome do czar, se a Rússia podia contar com apoio alemão em caso de uma
guerra com os austríacos. Antes que Bismarck pudesse minutar uma resposta oficial, chegou um
emissário de Andrassy com instruções de buscar um compromisso militar para o caso de as
negociações entre Viena e S. Petersburgo desarranjarem-se. Os “amigos” de Bismarck
pressionavam em força400.

Foi relativamente fácil tratar do prelúdio austríaco. Bismarck ignorou qualquer conversa sobre um
entendimento militar mas reafirmou a Andrassy a preocupação da Alemanha com a segurança da
Áustria-Hungria, informando-o, da forma mais inocentemente casual, do quão chocado ficara,
recentemente, ao receber um pedido russo de apoio em caso de guerra. Já o telegrama de Werder
colocava problemas mais complicados. Bismarck estava furioso com o general por ter-se deixado
“apanhar no laço" por Gorchakov, a quem culpava de haver imaginado pergunta “tão embaraçosa,
apresentada em momento tão ruim”. O chanceler retardou a resposta até poder receber em Varzin o
embaixador alemão na Rússia, e então mandou-o de volta ao czar, na Criméia, por um caminho tão
tortuoso que ele só chegou a Livádia mais de quatro semanas após o despacho do telegrama que
iniciara a questão. A essa altura, o ritmo dos acontecimentos deixara para trás a resposta como a
pergunta. O Embaixador disse aos russos que a Alemanha considerava essencial para o conjunto da
Europa que a Rússia e a Áustria mantivessem a situação de Grandes Potências e que,
coerentemente, Bismarck só interviria numa guerra austro-russa se um dos beligerantes ameaçasse
seriamente a existência do outro. “Esperávamos de vós grandes coisas e eis que não nos trazeis
nada que de há muito tempo já não soubéssemos”, reclamou Gorchakov, mal-humorado, ao
embaixador, apôs estudar a resposta de Bismarck401.

Com essa recusa a apoiar exclusivamente, seja Andrassy, seja Gorchakov, o centro da atividade
diplomática deslocou-se de Berlim. De novembro de 1876 até fevereiro de 1878, Bismarck
contentou-se em recomendar que se mantivesse a observação dos acontecimentos. Estimulou os
ingleses a tomarem a frente em conter a Rússia enquanto mostrou-se, pessoalmente, da maior
amabilidade com 0 pan-eslavo general Ignadev, que visitou as principais capitais européias em
março de 1877. Mas tanto Bismarck quanto Moltke continuavam suspeitando de Decazet e dos
monarquistas franceses, e em fevereiro de 1877 Bismarck surpreendeu Derby e Disraeli, insinuando
a Odo Russel que a Inglaterra e a Alemanha poderiam fazer uma aliança secreta contra a França.
Os ingleses, na preocupação com a questão oriental, ignoraram o aproche alemão; suspeitavam de
que, tal como a Rússia e a Itália tiraram vantagem da Guerra Franco-Prussiana para atingirem seus
objetivos diplomáticos imediatos em 1870, Bismarck agora, em 1877, planejava marchar sobre
Paris, no caso de uma guerra russo-turca; e Derby tomou suas providências para que Gorchakov
fosse informado da proposta de aliança de Bismarck402. Torna-se difícil fugir à sensação de que nos
1870s os diplomatas segredavam confidências uns aos outros mais ou menos como diz-que-diz-ques
de praça de feira.

Os franceses, decerto, não previam atacar a Alemanha na primavera de 1877. Nem parece possível
que Guilherme I chegasse a autorizar a guerra preventiva no ocidente, que vetara, com tanta
energia, dois anos antes. É bem verdade que Moltke fez revisão dos planos permanentes do Grande
Estado-Maior, no dia 3 de fevereiro, para adaptá-los à idéia de uma guerra franco-russa contra a
Alemanha mas deixou expresso que julgava impossível essa conjunção. Uma prolongada crise
política em Paris, deflagrada pela demissão do primeiro-ministro pelo Presidente MacMahon, em 16
de maio, convenceu os alemães de que a França não estava em condições de abrir uma guerra de
desforra ou de montar intrigas com os católicos romanos no interior do Reich; e a tensão na
fronteira franco-alemã diminuiu naquele verão, pela primeira vez em quatro anos. Permanece, no
entanto, um mistério quanto à súbita preocupação de Bismarck com a França em fevereiro de 1877.
Se satisfez-se tão prontamente com a atitude francesa durante 0 verão, por que se deixara alarmar,
meses antes, por um exército fantasma além-Reno? Diplomatas franceses em Berlim avisaram seu
governo de que o chanceler promovia um terror bélico, tal qual dois anos passados. Sendo verdade,
os motivos eram diferentes de 1875. Naquela ocasião ele buscara relembrar a Europa da
supremacia militar da Alemanha no continente: desta vez desejava parecer indispensável em
Berlim.

Naquela primavera de 1877 Bismarck chegou o mais perto da queda do ministério que em qualquer
outro momento desde 1862. As eleições de janeiro não mudaram muito o panorama da composição
do Reichstag mas Bismarck suspeitou de que seus adversários parlamentares planejavam uma
frente unida contra ele. Quando o velho imperador morresse - achava Bismarck- seu sucessor
demitiría o chanceler, substituindo-o por um “ministério tipo Gladstone”, uma coalização de Liberais
com o Centro, responsável perante o parlamento. Para deter esse esquema, Bismarck decidiu
reforçar sua posição enquanto Guilherme I ainda estava ativamente interessado no governo. No dia
10 de março Bismarck surpreendeu os observadores políticos ao criticar, em discurso no Reichstag,
um colega do Governo prussiano. Reclamou que o general von Stosch, ministro de estado e chefe do
Almirantado nos últimos seis anos, havia corrigido as estimativas navais a pedido do líder dos
Progressistas na Câmara, desprezando as sugestões do próprio Bismarck.

Stosch era um fidalgo rural, conservador, cinqüentão, soldado profissional admirado pelo imperador
e pela Imperatriz Augusta, além de amigo do príncipe herdeiro, em cujo Estado-Maior servira,
durante a Guerra Franco-Prussiana. Mostrava-se eficiente chefe do Almirantado, elaborando em
1872 o primeiro -extremamente modesto - plano decenal para uma esquadra alemã. Bismarck,
entretanto, nunca confiara nele, e já em novembro de 1874 incluía-o na mesma categoria de Arnim,
em suas conversas de mesa de almoço, chamando-os, ambos, de “intrigantes perigosos”. Stosch não
tinha ilusões sobre seu prestígio com o chanceler: “Ele mandou-me sentar e repassou comigo meu
trabalho, mais à maneira como o mestre-escola corrigiría os temas de um aluno estúpido e relapso”,
escreveu, após uma audiência com Bismarck, “e quando eu tentava dizer alguma coisa interrompia-
me rudemente, só me restando calar e ceder”403. Mas Stosch permanecia no cargo, confiante no
apoio da família imperial e de seus colegas generais, vários dos quais alertaram-no para o rancor do
chanceler. “Ninguém sabe tão bem como liquidar uma vítima aos olhos do público por meio de uma
correspondência envenenada, de preparo cuidadoso”, escreveu o confidente político da Imperatriz
Augusta, Roggenback, a Stosch, em 1874. Agora, em 1877 Bismarck publicamente desautorizava
Stosch por meio de um vigoroso ataque que a imprensa não podia ignorar. Em 24 de março Stosch
pediu demissão, o que Bismarck previa. Mas o imperador recusou-se a aceitar o pedido, com o que
Bismarck não contava.

Era um péssimo tempo para atacar um general com ligações na Corte. Dois dias antes da carta de
demissão de Stosch, Guilherme comemorou seu octagésimo aniversário, em saúde teimosamente
boa, estimulado por presentes e mensagens de congratulações chegados de toda a Alemanha e do
exterior. Numa hora dessas, o imperador não iria deixar seu primeiro-ministro expulsar das funções
um amigo querido da família Hohenzollern. Bismarck por sua vez, fez questão de confiança a
aceitação da demissão de Stosch: na verdade, disse a Guilherme em 27 de março, “ou vai-se Stosch
ou saio eu, e Vossa Alteza terá de encontrar novo chanceler”. O imperador preocupado com
informações sobre preparativos bélicos dos franceses, e com a Rússia ostensivamente prestes a
marchar para o sul sobre os Bálcãs, Bismarck calculava que seu senhor não poderia abrir mão dele.
Desta vez, porém, veio o silêncio, nos últimos dias de março, na primeira semana de abril. Ao
chegar a quarta-feira seguinte o chanceler e seus assessores estavam assustados. “Ele vai mesmo
embora”, Lothar Bucher escreveu a Busch naquele dia; e Busch “plantou” um artigo, distribuído a
todos os jornais da capital, sobre “a atual situação na Wilhelmstrasse”. O chanceler, dizia, estava
decidido a demitir-se devido “à influência de certa importante senhora e de certos círculos com os
quais ela tão decididamente vem-se aliando há tantos anos”. O alvo desse ataque era a Imperatriz
Augusta, embora o artigo insinuasse críticas a outras pessoas da Corte, inclusive a princesa real.
“Como eu desejo, e com que força, que o tempo [de Bismarck] acabe durante o reinado do
imperador, ou mesmo neste preciso momento!”, escreveu esta à Rainha Vitória naquele sábado404.
Mas Guilherme tomou sua decisão no fim de semana. Não aceitaria a demissão de Stosch, tampouco
deixaria sair Bismarck. O imperador recomendou ao chanceler que tomasse outra licença Bismarck
viajou para Friedrichsruh no domingo seguinte e só reassumiu suas funções na capital dez meses
depois.

“Que coisa mais sem nexo! Que palhaçada! Desta vez ele fez todo mundo de bobo”, escreveu o
deputado progressista Ludwig Banberger em seu diário405. Houve muita gente abismada com o
fato de, mesmo depois do escandaloso artigo de Busch, o velho imperador não se tomar de coragem
e mandar embora o chanceler. Berlim, qual Paris em 1630, vivera um“Dia dos Tolos”; e Bismarck
qual Richelieu, não perdoava inimigos. Os ataques de Moritz Busch à imperatriz, e à “política das
saias” em geral, não cessaram por dez semanas após a retirada de Bismarck para Friedrichsruh. A
crise no governo, opinião geral, não fora resolvida, fora adiada.

Bismarck passou os meses restantes de 1877 no rodízio costumeiro de estadias: Friedrichsruh,


Kissingen, Gastein, Varzin. Como sempre, foi difícil distinguir a doença verdadeira da hipocondria
nervosa, mas ele estava com o moral bem mais abatido que o normal, em Varzin. No terceiro
domingo de outubro, por exemplo, mostrava-se acabrunhado, cheio de remorsos: “Não há dúvida
que causei mal a um grande número de pessoas”, admitiu a seus convivas, após o jantar, “não fora
por mim, três grandes guerras não teriam ocorrido, oitenta mil homens não estariam mortos, hoje
chorados por pais, irmãos, irmãs, viuvas”406. Naquele inverno, ainda recusou-se a tomar qualquer
iniciativa em política externa. Estava em negociações complicadas com o líder nacional-liberal,
Bennigsen: pretendia trazê-lo para o governo; no Natal, levantou para Bennigsen a possibilidade de
tornar-se vice-chanceler. Mas esse esquema, que teria cindido os nacional-liberais, deu em nada por
duas razões: Bennigsen queria pastas ministeriais para dois outros membros proeminentes de seu
partido; e, mais que isso, porque o imperador aborreceu-se extremamente com o fato de o chanceler
estar propondo modificações na estrutura de governo “sem dizer-me uma sílaba sequer, a respeito”.
Na mais cortante mensagem de Ano Novo que jamais mandara a seu primeiro-ministro, Guilherme
sublinhou que não queria Bennigsen em ministério nenhum e que, “sobretudo”, desejava que seu
chanceler “gozasse de boa saúde no Ano Novo”407. Já estava mais que na hora de voltar a Berlim.
Infelizmente, a carta de Guilherme jogou-o de cama com outro colapso nervoso.

Na segunda semana de fevereiro de 1878, quando reabriu o Reichstag, Bismarck recobrara forças
suficientes para tomar seu lugar na Câmara. Poucos dias antes falecera Pio IX no Vaticano;
portanto, ao retomarem os deputados suas sessões em Berlim, convergiam cardeais a Roma para o
primeiro conclave de eleição papal em um terço de século. Suas deliberações eram de suma
importância para Bismarck e para Windthorst. Ambos desejavam uma reconciliação entre a Igreja
Católica e o Estado, na Alemanha, e apreciaram a eleição do Cardeal Pecci (Leão XIII), que se
mantivera em silêncio durante os debates sobre a infalibilidade, no Conselho do Vaticano, oito anos
antes408. Mas naquele preciso momento a questão oriental tinha importância imediata. Tropas
russas, combatendo para libertar os eslavos balcânicos do domínio otomano, chegaram aos
arredores de Constantinopla no último dia de janeiro, e lá concordaram num armistício com os
turcos; os ingleses, que de forma nenhuma aceitariam ver os estreitos sob controle russo,
mandaram um esquadrão de seis belonaves cruzar os Dardanelos no dia 13 de fevereiro; parecia
iminente a guerra entre Rússia e Grã-Bretanha. Qual devia ser a atitude da Alemanha? No dia 19 de
fevereiro, Bennigsen perguntou, no Reichstag, se o chanceler propunha-se a arbitrar a questão
oriental. “Não vejo a negociação da paz como uma situação na qual, confrontados com pontos de
vista divergentes, devamos atuar como juizes e sentenciar ‘Será de tal maneira’, e depois enforçar a
sentença com o poderio do Império Alemão”, respondeu Bismarck, "Tenho em mente um papel mais
modesto... algo mais parecido com um honesto corretor, que realmente deseja fechar um
negócio”409.
A tirada foi recebida com “risos na Câmara”. Mas o fato é que Bismarck definira sua verdadeira
posição. Se pretendia continuar tendo voz decisiva na Europa era impossível ignorar a crise
oriental. Não que estivesse mais inclinado que em 1876 a optar claramente entre “nossos três
amigos” num Congresso Europeu, mas a situação mudara, em dezoito meses. Parecia, agora, fora de
cogitações que Gorchakov chefiasse a delegação a qualquer congresso: estava com oitenta anos e
naquele inverno raramente saiu da cadeira de rodas. Beaconsfield era também um frágil
septuagenário: andara muito doente de asma e bronquite e já fazia vinte anos que se arriscara a
atravessar o Canal pela última vez. Bismarck já estava em termos amistosos com o provável chefe
de uma delegação russa, o Conde Pedro Shuvalov, embaixador do Czar em Londres, e não duvidava
de sua habilidade em haver-se com que membro da Câmara dos Lordes viesse a representar a
Inglaterra.

As coisas também estavam diferentes em Paris. A Direita monarquista já não era mais governo e o
Duque de Decazes passara o Ministério do Exterior para William Henry Waddington. Até hoje foi o
francês mais anglicizado que chefiou o Quai d’ Orsay, um numismata educado em Repton e Rugby e
que remara pela equipe de Cambridge na Regata Universitária de 1848. Bismarck, presumindo que
a formação de Waddington tomava-o menos sensível ao destino da Alsácia-Lorena, chegou a
insinuar que se pudesse reunir um congresso em Paris, com Waddington à cabeceira. Ninguém
concordou, menos ainda Waddington. Andrassy, herdeiro de Metternich, fez uma tentativa em favor
de Viena como a cidade mais natural para um congresso; mas os russos recusaram qualquer outra
capital que não Berlim. Conseqüentemente, no dia 3 de março, ainda com certa hesitação, Bismarck
autorizou Andrassy a convidar as Potências para um congresso na capital alemã, na primavera ou
no verão410.

A princípio tudo indicava uma guerra entre a Inglaterra e a Rússia antes que 0 congresso se
pudesse reunir: no mesmo dia em que Bismarck concordou com Berlim para sede do encontro, o
general Ignatiev impôs aos turcos um tratado, assinado em San Stefano, pelo qual o Império
Otomano entregava o controle direto da maior parte da península dos Bálcãs. O tratado criava uma
“Grande Bulgária”, dependente da influência russa para sobreviver e desenvolver-se. Nem a
Áustria-Hungria nem a Grã-Bretanha estavam dispostas a aceitar esse desvio tão grande no
equilíbrio de poder do sudeste da Europa; nem, para bem da paz do continente, aqueles russos que
não aprovavam o pan-eslavismo, notadamente o Conde Shuvalov. Em março, abril e maio houve
grande movimentação diplomática entre Londres, Viena e S. Petersburgo, muitos negociadores,
todos interrompendo suas viagens em Berlim, o próprio Shuvalov tendo feito duas visitas ao oráculo
de Friedrichsruh. Somente depois que Shuvalov garantiu ao novo ministro do exterior inglês,
Salisbury, que a Rússia não insistiría numa “Grande Bulgária” foi que Beaconsfield anunciou que
aceitava o convite para o Congresso de Berlim. Era o dia 3 de julho, e fixou-se a abertura do
congresso para dez dias depois411.

O Congresso veio num momento difícil da vida política da Alemanha. No dia 11 de maio, Max Hödel,
um encanador na miséria, atirou no imperador, que escapou sem qualquer ferimento. Bismarck
aproveitou o fato de que Hödel um dia pertencera ao Partido Social Democrático e, do seu retiro em
Friedrichsruh, mandou ordem aos funcionários em Berlim para prepararem outra “lei contra os
socialistas e sua imprensa”. Um projeto apressado, muito malfeito, foi apresentado ao Reichstag
menos de uma quinzena após a tentativa de assassínio de Hödel. A oposição tenaz dos nacional-
liberais fez com que fosse imediatamente rejeitado. Nove dias depois, em 2 de julho, Guilherme foi
gravemente ferido por um tiro quando descia em carruagem a Unter den Linden. Desta vez, o quase
assassino foi Karl Nobiling, um intelectual da classe média, doutor em economia pela Universidade
de Leipzig. Nobiling suicidou-se antes do interrogatório e não há provas de que se tratasse de um
socialista, mas Bismarck outra vez apelou para o perigo vermelho. Esperava desmoralizar não
somente os socialistas, mas também os nacional-liberais que haviam impedido o chanceler de
contrabater o desafio da esquerda por meio de legislação repressiva. Bismarck solicitou ao príncipe
herdeiro, interinamente nas funções do pai, que dissolvesse o Reichstag e convocasse novas
eleições para o fim de julho412. É quase incrível que Guilherme, com oitenta e um anos, não tenha
morrido dos ferimentos. Teve, é bem verdade, que passar suas funções cerimoniais ao príncipe real,
mas não ficou incapacitado a ponto de tornar necessário o estabelecimento de uma regência, e
assim o príncipe não recebeu encargos que envolvessem formulação política. Constitucionalmente,
o ataque de Nobiling ao imperador removeu por algum tempo o contrapeso do chanceler. De 2 de
junho a 5 de dezembro, quando Guilherme pôde reassumir todas as suas prerrogativas, Bismarck
exerceu o máximo de autoridade de governo, sem paralelo em qualquer autocrata na história da
Alemanha. Durante aqueles seis meses, a vontade de Bismarck era decisiva em Berlim, não a do
príncipe herdeiro. Não houve, portanto, durante o congresso, oportunidade para acertos dinásticos,
nenhum momento em que os representantes do Czar pudessem deter a política de Bismarck pela via
de um apelo direto ao palácio, onde o idílio Hohenzollern-Romanov subsistia, ainda que em declínio,
por sete sentimentais décadas.

O Reichstag foi dissolvido em 11 de junho. Naquela noite, terça-feira, o Conde Beaconsfield chegou
a Berlim como chefe da delegação britânica ao congresso. Bismarck surpreendera-se ao saber que
ele viajava para Berlim, sobretudo porque Salisbury também vinha e jamais haviam o primeiro-
ministro e o ministro do exterior comparecido juntos a um conclave internacional. Para desagrado
de Bismarck, a notícia de que Beaconsfield preparava-se para transferir-se a Berlim induziu também
Gorchakov a vir, ainda que tivesse de abandonar o leito de doente para viajar. “Não desejo
extinguir-me como uma vela apagando, quero afundar no horizonte como uma estrela”, disse o
velho413. Com tudo isso, não aconteceu o que Bismarck temia, que o congresso degenerasse numa
exibição de vaidades temperamentais. Gorchakov teve seus momentos de insolência e de
fingimento, atirando com raiva uma espátula sobre a mesa, ou deliciando-se com morangos na
varanda de um hotel quando, por “doença”, declarava-se impedido de comparecer a uma sessão
vital. O senso teatral de Beaconsfield levou-o a dar ordem - ou dar a impressão de que dava ordem -
para a formação de um trem especial para a volta a Calais, interrompendo assim o congresso, num
momento de grande teimosia russa. Mas gestos e truques desses, os dois senhores podiam muito
bem ter aprendido com o próprio Bismarck. O trabalho nas minúcias do congresso foi realizado
pelos segundos violinos, particularmente Salisbury e Shuvalov. “Todas as questões são levantadas
publicamente e acertadas em particular”, escreveu Beaconsfield à Rainha Vitória, ao fim da
primeira semana414. Nunca houvera antes um encontro das Grandes Potências administrado tão
rápida e eficientemente.

O Congresso de Berlim foi aberto oficialmente às duas da tarde da quinta-feira, 13 de junho, hora
em que as delegações deram entrada no salão de festas do antigo Palácio Radziwill. Mas a primeira
sessão, de fato, ocorreu na segunda-feira seguinte. Muitas das objeções a San Stefano já haviam
sido removidas em conversações privadas. Sobraram, porém, questões importantes de detalhe em
número suficiente para reacender agravos ultrapassados, se Bismarck não tivesse, como presidente,
exercido um estrito controle sobre o congresso. Permaneceu tão imparcial quanto permitiam os
acontecimentos. Se apoiou as pretensões russas no litoral do Mar Negro na Europa e na Ásia,
também secundou a política de Andrassy de estabelecer uma presença militar austríaca na Bósnia,
na Herzegovina e no Sanjak de Novi-Pazar (o corredor que separa a Sérvia do Montenegro). Nem os
delegados austríacos nem os russos mostraram-se contentes com Bismarck, uns julgando que
favoreceu os outros; exatamente o que ele esperava e temia. Repetidas vezes tentou fazer do
“admirável Monsieur Waddington” o mediador-em-chefe, honra, porém, de que o francês declinou
com discrição.

Bismarck conduziu o congresso em marcha batida, tiranizando, intimidando, cativando os


delegados, da mesma forma como tanto tempo agira na Dieta de Frankfurt. Os turcos sofreram
barbaridades de sua linguagem, e os representantes da Grécia, Sérvia e Montenegro tiveram
tratamento apenas um pouco melhor. Nada o exasperava mais que longos discursos em prol de
alguma das pequenas nacionalidades que buscavam livrar-se da dominação quer russa quer turca.
Irritou-se, especialmente, com o patrocínio, por Salisbury, dos lazes, tribos muçulmanas que viviam
entre Trebizonda e Batum, um povo cujo nome exato o secretário do exterior inglês tinha certa
dificuldade em lembrar, mesmo quando fazia em seu favor o mais eloquente discurso. Bismarck
recusou-se a admitir que existissem Kutzu-Vlachs, quando viu esse nome em uma lista de povos
cujos direitos mereciam proteção numa Bulgária autônoma: “Kutzu-Vlachs?" exclamou, “Eis aí uma
palavra que só tem o direito de ser eliminada”; e com seu lápis riscou fora o nome da lista415. Os
búlgaros passavam pouco melhor: “Ele nunca perde uma oportunidade de informar-nos que tanto se
lhe dá a felicidade daquela gente” (le bonheur de ces gens là-bas), anotou um delegado, na
época416. Ficou decepcionado com Andrassy, provavelmente porque a autoconfiança aristocrática
do magiar punha em destaque a vulgaridade brusca de suas maneiras; não gostou de Salisbury, por
demais individualista para encaixar-se em sua noção preconcebida da nobreza rural inglesa; e
continuou a tratar Gorchakov com fria civilidade. Para Bismarck, somente houve, no congresso, dois
homens cujas qualidades admirava e respeitava: Shuvalov, a quem coube tomar nos ombros todas as
responsabilidades de que Gorchakov fugia; e, acima de todos, Disraeli, Lord Beaconsfield, “o judeu
velho”, um estadista com que era fácil resolver problemas. “Em quinze minutos, você sabia
exatamente se estava ou não nas boas graças dele”, recordava Bismarck, mais tarde417.

Pode ter sido Lord Beaconsfield quem falou de política com o chanceler alemão; mas foi Benjamin
Disraeli, “o fantástico romancista”, quem gozou desembaraçadamente das ocasiões de gala do
congresso, captando com sua pena exata a personalidade de seu presidente e dos demais à sua
volta. “Pessoa extremamente corpulenta, com um rosto corado no qual está agora a cultivar uma
barba de prata”, assim foi Bismarck descrito à Rainha Vitória. “Sentei-me à direita do P. Bismarck, e
já que não gosto muito de comer em público, fiquei a ouvir seus monólogos rabelaisianos:
infindáveis revelações de coisas que ele não devia nem mencionar”, contou a Vitória, após jantar
com o chanceler poucos dias depois. “O contraste de sua voz, afável e fraca, com sua aparência de
ogro, surpreendente. É palpavelmente bem lido, íntimo da literatura moderna” [Coningsby, Sybil e
Lothair estavam nas livrarias de Berlim naquele verão]. “Suas descrições de grandes personalidades
são sempre mordazes. Imprudentemente franco”; e a rainha ficou sabendo que Joana von Bismarck
“não é uma beleza de se olhar, já sua influência doméstica é tida como irresistível”.

“Perguntou-me ele, hoje”, escreve Beaconsfield em 5 de julho, “se as corridas ainda têm grande
estímulo na Inglaterra. Respondi que nunca tiveram tanto. ... ‘Então’, exclamou o príncipe,
veemente, ‘jamais haverá socialismo na Inglaterra... Lá, quanto mais cavalos tem um nobre, mais
popular ele é. Enquanto os ingleses forem dados às corridas, o socialismo não terá chance entre os
senhores’ ”418 Surgiu entre os dois estadistas uma amizade com base no dom de cada um de
entender o caráter do outro, separando o fictício do sincero. Beaconsfield estava longe de assustado
com o “ogro”. Duas semanas e meia depois da abertura do congresso ele escreveu para casa, com
oportuna ironia, “O P. Bismarck, com uma das mãos cheia de cerejas, e a outra de camarões,
reclama que não consegue dormir e precisa ir a Kissingen”419. Era um retrato tão preciso do
presidente do congresso quanto o melhor que Werner, o artista oficial, colocou na tela.

Bismarck, com certeza, estava ansioso por escapar do calor de Berlim e ir para Kissingen e Gastein.
Seus subordinados ficavam a imaginar, com alarma, o que sucedería se a saúde e o controle nervoso
do chanceler cedessem antes de assinado o Tratado final. Mas o congresso terminou em 13 de julho,
bem antes do que temiam, e com um acordo que resolveu a crise imediata, se bem que ficassem
dificuldades sobre a maneira de executar-se o que se propunha. O Tratado de Berlim, de forma
geral, satisfez os austríacos e os ingleses [2]. Os russos ganharam o reconhecimento de sua
influência na Bulgária, juntamente com garantia de terras no Cáucaso e o estabelecimento de uma
posição forte no delta do Danúbio. Não havia nada ideal nesses arranjos; e muitos importantes
russos aborreceram-se, decepcionados com os resultados. Mas, como disse Bismarck no discurso de
despedida aos estadistas e diplomatas reunidos, “Dentro dos limites do possível, este congresso foi
útil à Europa, por manter e salvaguardar a paz”420. Declaração modestamente realística.

É fora de dúvida que o congresso elevou o prestígio de Bismarck, internamente. Que melhor
abertura para as eleições a realizarem-se uma quinzena após o encerramento do congresso? No
entanto, o próprio Bismarck não tinha intenção de esperar em Berlim pelo teste de opinião pública.
Nervos mortificados, dos quais exigiu o máximo durante o congresso, não agüentaram mais. Uma
irresistível erupção da pele com inflamação espalhou-se por seu corpo todo e ele fugiu para
Kissingen, com aquela exultação de fim de período escolar que conhecera no trem postal de Stettin,
mais de meio século antes421.

[1] O Acordo de Reichstadt, de 8 de julho de 1876, (tal qual as conversações de Bismarck em


Biarritz com Napoleão III) constituiu um entendimento puramente verbal e sobre ele houve grande
discussão entre os contemporâneos e entre historiadores. Gorchakov e Andrassy acordaram em não
interferir na guerra que a Sérvia e Montenegro travavam com a Turquia. Se os turcos vencessem,
as Grandes Potências não lhes concederíam vantagens pela vitória e haveria mudança no status da
Bósnia-Herzegovina (autonomia, segundo Gorchakov; reformas com garantia, segundo Andrassy).
Se os turcos perdessem a guerra, haveria um amplo retraçado do mapa balcânico, a Rússia
expandindo-se até o estuário do Danúbio, a Áustria-Hungria recebendo compensação nos Bálcãs
ocidentais; porém havia fortes discrepâncias entre as regiões previstas como compensação aos
austríacos por Gorchakov e por Andrassy. O mais completo exame do assunto, em inglês é a obra
clássica de B. H. Sumner, Rússia and the Balkans,Capítulo IV, e Apêndice II.

[2] Os pontos básicos estipulados, ou confirmados, pelo Tratado de Berlim foram os seguintes:
criou-se um principado autônomo da Bulgária, formalmente sob a suserania do Sultão da Turquia;
uma província da Rumélia Oriental, nominalmente turca mas com um governador cristão, instalou-
se ao sul da Bulgária; a Sérvia e o Montenegro receberam território adicional e a confirmação
expressa de sua independência; a independência da Romênia foi confirmada, recebendo os romenos
a Dobrudja setentrional em troca da cessão da Bessarábia à Rússia; a Áustria-Hungria recebeu o
direito de ocupar e administrar a Bósnia-Herzegovina e de aquartelar tropas no Sanjak de Novi-
Pazar; a Grécia recebeu a garantia de futura retificação de limites na Tessália e no Épirus; e a
Rússia foi confirmada na posse do Cáucaso. O Sultão da Turquia comprometeu-se a executar
reformas, sob a vigilância das Grandes Potências, nas províncias européias de seu império. Uma
“Convenção de Chipre”, em separado, assinada em Constantinopla no dia 4 de junho, deu à
Inglaterra o direito de ocupar a ilha de Chipre, que permaneceu, tecnicamente, no Império Turco
até 1914.
13. O APOGEU DO SISTEMA
BISMARQUEANO

As eleições para o Reichstag deram a Bismarck o que desejava, um aumento das bancadas dos
partidos conservadores, com queda dos liberais e socialistas. O chanceler podia contar com uma
maioria de sessenta deputados para qualquer disputa em que tivesse o apoio dos conservadores e
do Centro. Em setembro, Bismarck apresentou um terceiro projeto de lei anti-socialista, bem melhor
articulada que a anterior, apresentada no verão, e que não proscrevia o Partido Social Democrático,
como tal. Até certo ponto, esta “Lei Extraordinária” experimentaria o ambiente da nova
assembléia422. Se passasse pela Câmara sem problemas, razões não haveria por que, no ano
seguinte, Bismarck não recebesse apoio parlamentar para mudanças políticas de maior escopo.
Impostos indiretos, não sujeitos à aprovação orçamentária anual do Reichstag, reforçariam o poder
e a independência do governo central. Agradariam, também, muito, aos industriais e aos produtores
agrícolas, que desde tanto tempo desejavam proteção contra a competição estrangeira.

A lei anti-socialista teve tramitação fácil. Bismarck interessou-se ao notar que vários liberais
proeminentes aprovaram a “Medida Extraordinária” com a ressalva de consciência de que ela só
seria aplicada contra os agitadores da sociedade e não contra qualquer partido político em
funcionamento. Se liberais davam-se a distinções tão casuísticas, ficava evidente para Bismarck que
seu magnetismo pessoal era suficientemente forte para dobrar e fracionar o partido, caso seus
líderes resolvessem aferrar-se a princípios noutras questões. Em outubro, mais de duzentos
deputados assinaram um manifesto concitando o chanceler a abandonar o livre comércio e adotar
tarifas protecionistas. Tal posicionamento terminou por decidir Bismarck. Em 15 de dezembro ele
anunciou que pediría ao Reichstag a aprovação de uma reforma tarifária, criando impostos sobre
bens manufaturados e gêneros alimentícios importados423.

Ninguém se surpreendeu com o anúncio. Mesmo Bismarck, por mais desinteressado que sempre
parecesse em doutrinas econômicas, não podia ignorar os sinais de recessão que se multiplicavam
constantemente desde 1873. Tarifas, mostrou-lhe um dos seus conselheiros, não só ofereciam meios
para taxação indireta como ajudariam a deter a onda de socialismo pela melhoria da economia.
Bismarck motivou-se mais por outras considerações: seu banqueiro pessoal, Bleichroeder (que já
salvara numerosas famílias importantes de especulações temerárias em ferrovias romenas) estava
expandindo as atividades de sua Casa; especialmente no complexo industrial de Hibérnia, no vale
do Ruhr, e o chanceler tinha bom olho sobre seus investimentos pessoais424. Além disso, era
naturalmente simpático às queixas dos companheiros junkers, alarmados pelo aumento da
importação de grãos da Hungria, da Rússia e dos Estados Unidos, onde as estradas de ferro e o
cultivo maciço das pradarias causara uma queda espetacular nos preços de cereais. Embora a maior
parte de sua fortuna proviesse de madeiras - “florestas decíduas... comparáveis aos títulos da Dívida
Pública Consolidada prussiana”, descreveu ele, certa vez425 - ele próprio havia plantado em nove
anos dificílimos, durante a última grande depressão agrícola. Falava, portanto, a mesma língua dos
proprietários.

O projeto tarifário foi transformado em lei, sem problemas, em julho de 1879. As alíquotas eram
moderadas e, cortando embora as importações de bens manufaturados, não aliviaram a depressão
agrícola. Mas os junkers ficaram satisfeitos. O chanceler demonstrara determinação em proteger-
lhes os interesses com sua corn law inglesa adaptada. Industriais e ruralistas juntaram-se em apoio
a ele, após 1879. O “ferro e sangue” dos primeiros anos cedeu lugar à aliança menos teatral de
“ferro e milho”, na última década da vida política do chanceler.

Em última análise, a evolução para o protecionismo, em 1879, afetou profundamente a economia da


Alemanha, as tarifas permitindo às indústrias pesadas do Ruhr, do Sarre, da Alsácia-Lorena e da
Silésia arrancarem da Inglaterra e da Escócia o direito de proclamarem-se “as oficinas do mundo”.
Mas certamente Bismarck não previu as conseqüências a longo prazo de sua ação. Estava mais
interessado nos resultados imediatos da mudança para o protecionismo e, ainda mais, no efeito
sobre o alinhamento partidário no Reichstag. Ficou claro que os nacional-liberais, tão confusos
sobre o certo e o errado de uma tarifa quanto sobre a repressão dos socialistas, constituíam uma
força desconceituada, quebrada. Naquele verão foram expostos ao ridículo, na Câmara, pelo
chanceler que apoiaram por uma dúzia de anos. Ao mesmo tempo, a questão fiscal ajudou a
estabelecer boas relações com o Centro. Quando um deputado do Centro apresentou emenda ao
projeto tarifário, determinando que a renda da taxação indireta devia ser repartida com eqüidade
entre os estados federados do Reich, Bismarck, aceitou a idéia. E na primeira semana de maio de
1879, quase exatamente seis anos após as drásticas leis de cultos públicos, Ludwig Windthorst foi
recebido pela família Bismarck numa festa na Wilhelmstrasse. Não foi mera coincidência de tempo
que no dia 18 de julho, dois dias antes da tarifa converter-se em lei, Adalbert Falk apresentasse seu
pedido de demissão como ministro de cultos. A Kulturkampf não era mais uma luta: era um
estorvo426.

Bismarck presumiu que o conflito entre igreja e estado estava superado. Ele não o queria
formalmente acabado, pois significaria admitir a derrota. Acreditava que a disputa se poderia
resolver pelos canais diplomáticos e que Leão XIII participava dessa opinião. O novo papa não
demonstrava a intransigência do antecessor; inclusive enviara mensagem de simpatia a Guilherme I
após o atentado de Nobiling. Em julho de 1878 Bismarck manteve conversações exploratórias, em
Kissingen, com o núncio apostólico da Baviera, mas pareceu-lhe que a Igreja queria formalmente
revogadas as Leis de Maio, pretensão que julgou excessiva. Manteve a esperança de que a aplicação
moderada e judiciosa das Leis terminaria por granjear o apoio católico. O papa e seu núncio
estavam dispostos a admitir o definhamento gradual dos dispositivos repressores, mas não
Windthorst. O Partido do Centro, mesmo disponível para apoiar Bismarck em outros assuntos,
insistiu em que gestos limitados de reconciliação não bastavam. Por fim, em julho de 1880,
Bismarck apresentou a primeira das chamadas “Leis da Paz” (Friedensgesetze) no Landtag
prussiano, diminuindo os poderes dos tribunais de casos eclesiásticos, criados por Falk. Seguiu-se
mais legislação nessa linha, em 1882 e 1883, até que, em meio à década, os bispos católicos
novamente tinham autonomia e autoridade sobre suas congregações iguais às do tempo da criação
do Reich. Na Kulturkampf nem houve vitória decisiva nem derrota. As ordens religiosas não
recuperaram sua antiga posição e a Igreja teve de reconhecer o direito do estado de proteger
aqueles que não tinham religião ou que se houvessem afastado da fé tradicional de seus pais. Tais
concessões estavam de acordo com uma época de fermentação intelectual e de mudanças. Bismarck
não teve de humilhar-se em alguma Canossa atualizada; não foi sequer ao Vaticano, preferindo
mandar o príncipe herdeiro em missão de boa vontade ao Papa Leão XIII; mas aceitou uma
barganha alta com Windthorst, em troca do apoio do Partido do Centro no parlamento. Os nacional-
liberais, em sua época áurea, nunca se venderam tão caro.

Havia outra razão por que ele desejava conquistar o Centro. Pretendia substituir o que Windthorst
chamava “a era liberal falida” por uma era conservadora que desse solidez à sociedade alemã. Os
deputados do Centro, assim como os conservadores, eram homens de recursos e propriedades. Em
1878, mais de um terço de seus representantes no Reichstag era de grandes proprietários rurais. A
Bismarck parecia mais do que razoável que tais homens se juntassem a ele para perpetuarem a
estrutura da velha Alemanha, impondo padrões de qualidade de serviço à burocracia e à indústria.
Ele divisava uma comunidade patriarcal modernizada, basicamente feudal em suas lealdades, na
qual as igrejas, fossem católicas ou protestantes, cumpriríam o papel de instrumento obediente de
autoridade secular. A Igreja Católica Romana interessava-se pelos males sociais da sociedade
industrial desde antes da fundação do Reich. O Bispo Wilhelm von Ketteler, de Mainz, um
aristocrata ordenado em fase adiantada da vida, publicou em 1864 um breve estudo, imaginoso, do
relacionamento entre o Cristianismo e os trabalhadores, e continuou, até sua morte (1877),
concitando o Centro a adotar uma política de reforma social427. Também Bismarck preocupava-se
com o bem-estar dos operários das fábricas: procurou informar-se sobre o assunto em conversações
com o líder socialista Lassale, durante seu segundo ano como ministro-presidente da Prússia428. Só
que, enquanto Bismarck via o estado como benfeitor paternal das massas, o Partido do Centro
suspeitava tanto quanto os Liberais da interferência do estado, e desejava atribuir a
responsabilidade pelo bem-estar social aos industriais e a associações de trabalhadores afiançadas
pela Igreja. Essa diferença de ângulo tornou impossível ao Centro ajudar Bismarck a criar a
sociedade patriarcal que sua mente elucubrara nas solitárias caminhadas em Varzin e
Friedrichsruh. Por outro lado, os deputados do Centro não tinham o espírito de opôr-se a cada
projeto que visasse a dar aos empregadores consciência de suas obrigações sociais para com os
trabalhadores. Por vezes, o meio-apoio do Centro irritava Bismarck tanto quanto a oposição dos
Liberais.

Quando Bismarck preparou a fala do trono para a abertura do Reichstag em 12 de fevereiro de


1879, inseriu uma referência paternalística à imperiosidade de leis que minorassem os males sociais
da industrialização. Essa “promessa de que algo se fará de positivo para remover as causas do
socialismo" lançou o mais amplo programa de seguridade social empreendido por qualquer governo
no século XIX. Em abril de 1881 o chanceler apresentou um projeto de lei introduzindo o seguro
contra acidentes de trabalho, providência desde muito sugerida pelo Bispo Ketteler e considerada
pelo próprio Bismarck mais de uma década antes. O chanceler alimentava esperanças de que
legislação corretiva desse tipo conquistaria a massa de trabalhadores urbanos, destruindo assim os
atrativos do que era, para ele, socialismo subversivo. Contudo, seus projetos causaram grandes
protestos dos liberais e progressistas defensores do laissez-faire: benefícios ao trabalhador com
ajuda do estado “não eram socialismo, mas comunismo”, declarou um de seus líderes. “Se isto é
comunismo e não socialismo, como afirma o orador que me antecedeu, então tudo é a mesma coisa
para mim”, replicou Bismarck, no curso do debate, “chamo-o de Cristianismo prático na sua
conformação legislativa”429.

O Centro não pensava assim. Windthorst insistiu em que o princípio de um esquema de seguro
apoiado no governo era errado e juntou-se a oposição Liberal para derrotar a proposta. Um projeto
de seguro-doença, que não incluía a participação do estado, foi aprovado pelo Reichstag, em junho
de 1888, e o dispositivo original de seguro de acidentes foi, por fim, transformado em lei em julho
de 1884, quando o chanceler concordou em deixar os detalhes de sua administração aos
empregadores e a associações corporativas de trabalhadores. A oposição do Partido do Centro fez,
então, com que esta proposta de grande visão de Bismarck correspondesse, no fim, mais
diretamente à doutrina social católica que a seu próprio conceito de “Cristianismo prático”.

A experiência de Bismarck de colocar o Reichstag em “nova linha” durante a sessão de 1878-79 foi
apenas parcialmente bem-sucedida, portanto. Ele criou tarifas de proteção para a indústria e a
agricultura alemãs; trouxe para o tesouro mais rendas provenientes de impostos de importação,
reduzindo sua dependência dos orçamentos votados pelo parlamento; deu aos estados federados o
poder de combater o socialismo subversivo; e conseguiu desvencilhar-se do conflito com a Igreja.
Mas não conseguiu montar qualquer nova e duradoura combinação política de forças. O rumo que
traçou pode ter dado com os nacional-liberais nos arrecifes e colocados o Centro de vento em popa,
mas deixou o próprio chanceler bordejando em ziguezague entre expedientes momentâneos e
princípios habituais de governo. Nunca teve de improvisar tão freqüentemente em assuntos
puramente internos, montando agrupamentos temporários de bancadas no Reichstag com a
finalidade de fazer passar uma medida ou outra. Não teria sido necessário Bismarck dar tanta
atenção aos problemas internos. Em março de 1878 uma lei complementar especial criara o cargo
de vice-chanceler. Mas Bismarck não demonstrava vontade de abrir mão de qualquer parcela de
autoridade. O Conde Otto von Stolberg-Wernigerode, vice-chanceler de 1878 a 1881, não foi mais
que um chefe nominal de alto bordo. Bismarck tinha esse posto em tão pequena conta que, quando
Stolberg demitiu-se, articulou as coisas para que o secretário de estado do interior, Böttiger,
acumulasse a função de vice-chanceler com seu posto normal. Já que não aceitava preparar alguém
para operar sua máquina constitucional, Bismarck foi forçado a dedicar tempo aos assuntos
parlamentares. Esteve muito mais presente ao Reichstag entre 1879 e 1887 que antes, ou depois,
em sua carreira, e os volumes impressos de seus discursos mostram quão freqüentemente julgou
necessário dirigir-se aos deputados, tentando - nem sempre conseguindo-derrotar emendas a seu
programa legislativo. Tanta atividade não lhe melhorou a saúde. Sentava-se nervosamente à beira
das bancadas, a longa barba patriarcal ocultando-lhe os músculos crispados da face. Observadores
que assistiram aos debates do seguro de 1881, olhando lá de cima aquele gigante irado, de cento e
quinze quilos, impaciente para subir à tribuna, trêmulo de desagrado, talvez lhe dessem apenas um
ou dois anos mais de vida. Como sempre, no que se refere a Bismarck, as aparências eram
enganadoras.

"A única recreação em minha vida cheia de trabalho é conversar sobre política externa”, disse a
Odo Russell, no início daquele ano430. Esse oblíquo comentário tinha fundamento. Enquanto a cena
interna continuava obscurecida, a situação internacional mostrava-se cada vez mais
satisfatoriamente estável, após as tensões e o conflito da crise oriental. Isso era, porém, recente. Os
dezoito meses que se seguiram à assinatura do Tratado de Berlim foram marcados por uma
modificação na abordagem de política externa de Bismarck, pelo menos tão importante quanto a
adoção da “nova linha” na política interna. O ano de 1879, particularmente, assistiu ao
entrelaçamento dos primeiros fios de uma rede de alianças que deu a forma das relações
internacionais por um terço de século.

Essa transformação da diplomacia foi, em larga parte, acidental. O legendário sistema


bismarqueano de alianças foi bem mais um produto das circunstâncias que um plano deliberado. Ele
jamais decidiu criar um mecanismo rígido de controles, balanceamentos e harmonias. A estratégia
de manobra livre estava demasiado implícita em sua ação de estado para que a abandonasse
inteiramente. Ele sempre acreditara em levar à frente políticas paralelas alternativas, retardando
sua opção até o último momento, quando se tomasse difícil, a rivais ou adversários, improvisarem
um lance eficiente; e até o fim de sua permanência no poder continuou a contrapor, a cada feito de
sua mão direita, um gesto de independência da mão esquerda. Como ideal, continuava desejando
ser o “honesto corretor”, depois do Congresso como antes dele, ocupado apenas de interesses
essenciais e desprezando a diplomacia de prestígio. Reconhecia, porém, que se permanecesse tão
pouco afirmativa como nos primeiros anos da década, havia o perigo de a Alemanha ver-se
diplomaticamente isolada, frente ao “pesadelo” de uma combinação de França e Rússia, talvez até
de uma coalizão neokaunitziana da França com a Áustria, tendo a Rússia como imprevisível terceiro
associado. A melhor linha de ação para evitar semelhante desastre seria dar substância à nebulosa
Liga dos Três Imperadores. Estava, portanto, no propósito de reforçar os laços entre Berlim e Viena
e, ao mesmo tempo, de convencer os estadistas da Rússia e da Áustria-Hungria a esquecerem seus
diferendos e trabalharem juntos.

As perspectivas não eram brilhantes, Bismarck sabia. Muitos russos, entre eles o Czar Alexandre II,
haviam-se desapontado com os termos do Tratado de Berlim. Também a posição de Andrassy na
Áustria-Hungria era menos segura que no início da crise; em parte, devido à influência antimagiar
em Viena, mas também por um sentimento de que ele andara por demais inclinado a apaziguar seu
sócio russo na velha Dreikaiserbund. Bismarck depositava suas esperanças em Shuvalov, que
passou boa parte do final do verão de 1878 em S. Petersburgo, antes de voltar à Embaixada Russa
em Londres. Gorchakov sentira-se tão enfraquecido pelo trabalho do congresso que tirou cinco
meses de licença de saúde, tempo que passou principalmente na Suíça. Teoricamente, portanto,
Shuvalov tinha uma oportunidade de firmar-se em sua posição de S. Petersburgo. Pareceu fora de
dúvida, a Bismarck, que Gorchakov, já nos oitenta, jamais voltaria a assumir a direção dos negócios
exteriores russos; e nunca ocultara o fato de que Shuvalov seria o sucessor mais aceitável a
Berlim.431

Teve uma decepção, porém. Alexandre II estava predisposto contra Shuvalov, e na verdade, contra
seu padrinho alemão. Afirmava o Czar que o Congresso havia sido uma “coalizão européia contra a
Rússia e sob a liderança do Príncipe Bismarck”. O mais a que se permitiu foi uma abordagem a
Andrassy, em Viena, para ver se algumas cláusulas do Tratado de Berlim poderiam ser modificadas
por negociação direta entre os membros da Liga dos Três Imperadores. Bismarck apoiou a iniciativa
russa, mas Andrassy tomou-se de suspeitas e firmou posição a favor dos termos do tratado. No
Natal, Gorchakov estava de volta a S. Petersburgo. Embora os detalhes de política externa fossem
deixados para outros, recobrou influência suficiente para vetar novas aproximações com Berlim ou
com Viena e para inspirar à imprensa russa artigos hostis a Bismarck432. Assim sendo, em começos
de 1879 o acordo dos Três Imperadores tornara-se tão história do passado quanto a Santa Aliança.
As relações entre Berlim e S. Petersburgo estavam mais tensas que em qualquer outra ocasião
desde antes da subida de Bismarck ao poder.

O próprio chanceler só mui lentamente percebeu o quanto se deteriorara o relacionamento especial


com Petersburgo. O que lhe abriu os olhos foi a campanha de imprensa que começou em fevereiro
de 1879 em Moscou e ecoou logo. O agravo imediato da Rússia foi a tarifa proposta sobre produtos
agrícolas, que a imprensa de Moscou apontou como causa da queda de exportação dos cereais
russos, mas logo surgiram outras queixas - regulamentos de quarentena» postos em vigor na
fronteira russa devido a uma possível peste no Astrakan, comentários desairosos de Bismarck sobre
Gorchakov reproduzidos no Times de Londres, e uma evidente parcialidade em favor dos austríacos
nas comissões de limites criadas pelo Tratado de Berlim. Bismarck ficou atento às manobras
militares russas na fronteira polonesa e às estórias de passos secretos dos russos na direção dos
italianos e dos franceses. Já na primeira semana de abril de 1879 ele mencionava a possibilidade de
aliança com a Áustria-Hungria, numa conversa com o general Schweinitz, embaixador na Rússia,
que estava de visita em Berlim. Relatórios subseqüentes de Schweinitz, durante o verão,
mencionavam com destaque a crescente fúria do Czar com a política alemã, e com o chanceler, em
particular. Na segunda semana de agosto Bismarck havia resolvido empregar sua visita anual a
Gastein como oportunidade para discutir o problema russo com os austríacos. Notícias que recebeu
em 12 de agosto indicavam que Andrassy estava à beira de demitir-se433. Era evidente que não
havia tempo a perder, se Bismarck desejava ficar com a iniciativa.

Bismarck lera com grande atenção os detalhados relatórios sobre a expansão do exército russo,
fornecidos pelo serviço de informações militares, em março, abril e maio. Mas não se perturbou
muito. Ele sabia que a economia russa não poderia agüentar uma guerra. Seu primeiro objetivo
ainda era a saída de Gorchakov e sua substituição por um ministro que quisesse ajudar a Alemanha
não criação de uma segunda e mais eficaz Liga dos Três Imperadores. Em Gastein, no entanto, viu
que não contaria com o auxílio de Andrassy para a ressurreição da Liga. O ministro do exterior
austro-húngaro vivia um desencanto, não somente com os russos, mas com a política internacional
em geral; decidira largar tudo e retirar-se para suas propriedades na Hungria. Dispunha-se, porém,
a permanecer no cargo algumas semanas, se pudesse consolidar as relações austro-germânicas por
meio de uma aliança que protegesse a monarquia Habsburgo (e a Alemanha) do ataque russo.
Bismarck saudou a proposta como boa maneira de manter a continuidade da política austríaca. Mais
que tudo, julgou que uma mostra bem ostensiva de amizade austro-prussiana levaria os russos a
mudarem de atitude. Após os encontros de Gastein ambos os ministros do exterior, o alemão e o
austro-húngaro, preparam minutas de acordos para servirem de base para negociação434. O mais
sério obstáculo aos cômputos de Bismarck foi a atitude do Imperador Guilherme. Pois o Czar
Alexandre agora detinha uma vantagem negada aos delegados russos no congresso do ano anterior,
quando o imperador permanecera sob cuidados médicos como resultado do atentado de Nobiling
contra sua vida. Em 15 de agosto, Alexandre enviou uma carta pessoal a Guilherme, reclamando da
“hostilidade sistemática” demonstrada pelos alemães à Rússia435. Perplexo pelo que Bismarck
descreveu como “um sopapo no ouvido” que lhe dera o sobrinho, Guilherme viajou até a fronteira da
Polônia russa, no início de setembro, e encontrou-se com o Czar em Alexandrovo. Tio e sobrinho
saudaram-se calorosamente, em meio a lágrimas de remorso e de reconciliação. Guilherme voltou a
Berlim luzindo de sentimentalismo sublimado. Não estava em espírito de receber de Bismarck uma
proposta de tratado com Áustria-Hungria que levava um preâmbulo especificamente anti-russo.
Semelhante aliança, declarou sem meias palavras, refletir-se-ia de maneira terrível sobre “sua
consciência, seu caráter e sua honra”436.

Seguiu-se o costumeiro drama de confrontação, embora desta vez a longa distância, e com os
acessos de cólera em tom menor. Bismarck (de Gastein) insinuou pedir demissão, Guilherme
insinuou abdicar. Holstein, que estava com o chanceler, assustou-se com os antagonismos pessoais
acessos pela proposta de aliança. Sugeriu que o Príncipe Hohenlohe, o aristocrata bávaro que
sucedera Arnim como embaixador em Paris, atuasse como intermediário. Hohenlohe, um liberal e
católico romano, gozava de alta estima do imperador, quando mais não fosse, porque sua formação
e sua personalidade destacavam-no de qualquer outro servidor do estado. Não tinha entusiasmos
por uma aliança com a Áustria mas disciplinadamente fez o papel de emissário do chanceler.
“Encontrei o imperador bastante receptivo à argumentação”, escreveu em seu diário em 22 de
setembro “mas o tempo todo receoso de que pudesse parecer desleal para com seu sobrinho e
amigo”437. O mais com que Guilherme concordaria era um “acordo em princípio” sobre um
entendimento com os austríacos. Chamava atenção, porém, se era essencial para a Alemanha
assinar um pacto militar com os austríacos, que, pelo menos, o acordo devia ter como alvo tanto os
russos quanto os franceses sedentos de vingança.

Havia pouca chance de induzir Andrassy a entrar em compromissos contra a França, ao que
Bismarck suspeitava. Quando visitou Viena, em fins de setembro, encontrou Andrassy reticente.
Tampouco fez progressos com o Barão Haymerle, o diplomata profissional nomeado sucessor de
Andrassy - “um burocrata vienense, feito de pau, sem cor, sem brilho”, como o descreveu Bismarck.
Andrassy estava determinado a manter os alemães adstritos ao acordo anti-russo inicialmente
esboçado em Gastein; e Haymerle, de um ódio quase patológico à Rússia, adotou a mesma posição.
Bismarck comoveu-se com a calorosa recepção que pessoalmente teve em Viena. Os russos,
também, não podiam ter deixado de notar demonstração tão evidente de concórdia austro-
prussiana, e quando Bismarck chegou de volta a Berlim, encontrou um enviado especial do Czar,
Pedro Saburov, ansioso por melhorar as relações entre os dois impérios[1]. Bismarck ainda fez uma
última tentativa de obter apoio austríaco para uma rediviva Liga dos Três Imperadores, antes que
Andrassy passasse o ministério a Haymerle438. Mas em 1.° de outubro Andrassy afastou de vez a
iniciativa de Bismarck: desejava uma aliança militar com a Alemanha, nem mais, nem menos. O
mais que concedería seriam discretas modificações no preâmbulo do tratado secreto, que o
Imperador Guilherme achara tão perturbador. No dia 3 de outubro, ante a ameaça de perder não
apenas seu chanceler, mas todo o governo prussiano, Guilherme capitulou. “Que aqueles que me
forçaram a dar este passo respondam por ele aos céus, na vida futura", anotou, implacavelmente, ao
lado de sua assinatura, quando finalmente autorizou que se concluísse o tratado439. “Uma só coisa
que seja, não posso fazer, nesta atual administração”, queixou-se alguns dias depois; porém, aos
oitenta e dois anos, não se animava a procurar substitutos.

A aliança austro-alemã foi firmada em Viena, no dia 7 de outubro de 1879. Estipulava ajuda mútua
em caso de ataque russo, e neutralidade benevolente se o atacante fosse outra potência, a menos
que esta fosse apoiada pela Rússia, caso em que a aliança aplicar-se-ia contra ambos os
combatentes inimigos. A aliança tinha a duração inicial de cinco anos. Na prática, embora isso
estivesse longe das intenções de Bismarck, a aliança foi renovada regularmente, até o Império
Alemão e a monarquia austro-húngara afundarem juntos, trinta e nove anos depois.

Na terceira semana de setembro, quando as negociações entre Bismarck, em Gastein, e Andrassy,


em Viena, estavam em seu ponto crucial, houve uma virada pouco normal da diplomacia alemã, uma
tentativa evidente de entendimento com a Grã-Bretanha440. Em 16 de setembro, o Conde Munster,
embaixador alemão em Londres, recebeu instruções de sondar Beaconsfield sobre “a atitude da
Inglaterra caso a Alemanha fosse obrigada a “resistir à pressão russa” em conseqüência de “um
apreço muito especial pela amizade que dedicamos à Áustria-Hungria e a Grã-Bretanha”. Munster
avistou-se com Beaconsfield em Hughenden, a 26 de setembro; porém, ou o embaixador ou o
primeiro-ministro, alguém entendeu mal a inquirição de Berlim. Beaconsfield assegurou a Munster
que via a Alemanha e a Áustria “como os mais naturais aliados para a Inglaterra” e declarou que
sempre fora a favor de um bom entendimento com a Alemanha; mas definiu que a discussão de uma
aliança anglo-germânica só era possível com o ministro do exterior, Salisbury. O episódio todo é
meio confuso. A versão do encontro de Hughenden passada por Munster a Bismarck é
marcadamente diferente, em tom e substância, do relato bem mais extenso remetido por
Beaconsfield à Rainha Vitória. Pelo menos um ponto fica evidente: em Londres foi entendido que
Bismarck propunha uma aliança; em Berlim, o Ministério do Exterior tinha em vista relacionamento
menos preciso. Provavelmente, o aproche alemão, tendo origem principal na deterioração das
relações russo-alemãs, foi parte do que Bismarck chamava ‘‘campanha publicitária” para convencer
o Czar de que a Alemanha procedia para valer, ao buscar um clima de estreitas consultas com Viena
sobre política russa; pois Bismarck bem sabia que a gestão anterior junto aos ingleses (em fevereiro
de 1877) chegara ao conhecimento dos russos em questão de dias. Os ingleses não entenderam o
fato de não se haver mais tocado no projeto de aliança esboçado em Hughenden. Se Bismarck não
queria que sua consulta tomasse tanto vulto, seu silêncio posterior, na realidade, não é
de surpreender[2].

Havia outra razão, ainda, por que Bismarck não desejava, nestes meses finais de 1879, relações
mais chegadas com Beaconsfield. O primeiro ministro inglês nunca escondera a má vontade com o
que chamava de “ Kaiser-Bund”; mas Bismarck sempre preferia uma associação dos Três
Imperadores a qualquer outro alinhamento. Em S. Petersburgo (mais precisamente, em Livádia,
pois Alexandre II estava passando o verão na Criméia), aos rumores da aliança austro-alemã
seguiram-se relatórios de grande atividade diplomática em Londres: saber que Munster estivera a
portas fechadas com Beaconsfield em Hughenden, e com Salisbury em Hatfield, já por si era
inquietante. O Czar começou a apaziguar os alemães441: asseverou a seu tio compreender a
necessidade que tinha a Alemanha de boas relações com a monarquia Habsburgo; nomeou o ativo
Pedro Saburov embaixador em Berlim; e, malgrado fosse impossível mover cuidadosamente
Gorchakov para fora do ministério, providenciou para que as decisões de políticas passassem a ser
tomadas por seu segundo, Nikolai Giers, um protestante descendente de suecos, que Bismarck
tinha em alta conta[3].
Alexandre II instruiu Saburov a que encontrasse para a Rússia “o necessário apoio em uma firme
entente com a Alemanha”. Era uma inversão total de política, mas Bismarck aceitou-a muito bem.
De início, Giers e Saburov desejavam um simples tratado de aliança bilateral. Bismarck não
apreciou muito o arranjo. “O único sistema que realmente oferece o máximo de estabilidade à paz
na Europa” era o restabelecimento da Liga dos Três Imperadores, disse ele a Saburov em
outubro442. E afavelmente explicou ao embaixador que seu principal propósito, ao formalizar um
entendimento com a Áustria-Hungria, fora “cavar um fosso entre ela e as Potências ocidentais”.
Eram boas novas para Alexandre: em janeiro de 1880 ele autorizou Saburov a propor um novo
tratado de aliança entre os Três Imperadores, melhor especificado que os acordos políticos de 1873
sobre os quais descansara tão desconfortavelmente a liga original443. Pareceu que a tortuosa
política de Bismarck estava coroada de sucesso.

Mas ainda não. Passaram mais dezoito meses até que se completassem as negociações. As primeiras
dificuldades foram criadas por Haymerle, que declarou preferir um acerto em que Áustria-Hungria
controlasse a Turquia européia, e a Grã-Bretanha dominasse a Turquia asiática. Porém Bismarck
jamais subscrevería uma política que não levasse em conta o interesse da Rússia nos Estreitos. “Um
império como a Rússia não se pode deixar engaiolado pela Inglaterra no Mar Negro”, havia dito a
Saburov, e neste caso pensava assim, mesmo. Convinha-lhe ter a Rússia ameaçando os interesses
ingleses e franceses no Mediterrâneo oriental e no Levante.

Logo, porém, surgiu um obstáculo muito maior à política de Bismarck, que poucos haviam previsto.
A vitória de Gladstone, nas eleições gerais britânicas de abril de 1880, ameaçou virar pelo avesso o
balanceamento do sistema diplomático. Nos discursos de sua campanha no condado de Midlothian,
na Escócia, Gladstone trovejara contra os “objetivos egoístas” de cada Potência, na Europa. Aí
estava, agora, um primeiro-ministro que enunciara princípios de política externa antes de subir ao
poder: necessidade de bom governo, internamente; paz; manutenção do “Concerto da Europa”;
abstenção de “compromissos desnecessários e intricados”; igualdade de direitos entre as nações;
amor à liberdade. Gladstone pregava “a consecução de um comum acordo na Europa,
corporificando num só órgão a voz da humanidade civilizada”. Tal linguagem colidia frontalmente
com a Realpolitik bismarqueana. Ninguém podia prever no que a entrada de Gladstone e Lord
Granville em lugar de Beaconsfield e Lord Salisbury iria importar para a Grã-Bretanha e para a
Europa. Gladstone, seis anos mais velho que Bismarck, era membro júnior do governo de Peel
durante a primeira visita deste a Londres, em 1842. Mas os dois não se conheciam, e através dos
anos Bismarck formou em sua mente uma impressão hostil ao estadista Liberal, a quem tinha na
conta de vacilante e ineficiente. Disse a colegas, em 1880, que Gladstone cavilava com as palavras
até ser vitimado por elas; que tencionava empreender uma “política revolucionária”, perigosa para
todo o continente; e que sua incapacidade de governar a Inglaterra deixaria a nação “dividida e
republicanizada”. Alguns anos depois, Bismarck perguntava retoricamente como era possível
esperar-se “alguma coisa da amizade de um homem que Lord Palmerston dizia estar convencido de
que ia morrer num manicômio”444. Para Bismarck o primeiro-ministro inglês foi sempre “Herr
Professor Gladstone”, título que empregava com estudado desprezo. Não houve outro estadista que
Bismarck entendesse tão mal.

Essa antipatia de origem intensificou-se com os esforços de Gladstone de cooperação com a Rússia
para compulsar os turcos a cumprirem as obrigações resultantes de tratados sobre os Bálcãs. A
princípio Bismarck preocupou-se seriamente com os indícios de um entendimento anglo-russo. Fez
tentativas escancaradas de apresentar Gladstone a Saburov e Alexandre II como o apóstolo da
revolução radical. Quando nada resultou desta manobra, ele pareceu aceitar a premissa de
Gladstone de que a questão oriental só se resolvería pela ação conjunta das Grandes Potências. No
início de maio, concordou em convocar uma conferência em Berlim, onde os embaixadores
acertariam as relações entre a Turquia e seus vizinhos, Grécia e Montenegro. Bismarck não tomou
parte, em pessoa, na conferência de embaixadores, que foi presidida por Hohenlohe, mas
acompanhou suas atividades com um distanciamento cínico, notando logo que os delegados
mostravam-se tão preocupados com as relações uns com os outros quanto deviam estar com os
problemas da Turquia-na-Europa. O Concerto da Europa começava a apresentar tons desafinados.
No fim de julho, Saburov e Giers já queriam que Bismarck tranqüilizasse Haymerle e retomasse as
negociações para uma aliança dos Três Imperadores.
Os austríacos também mostravam-se desorientados com as posições de Gladstone em política
externa, pois durante a campanha de Midlothian ele denunciara violentamente as atitudes passadas
da Áustria como Potência Européia. No início de setembro, Bismarck convidou Haymerle a
Friedrichsruh, para conversações em particular445. Achou-o perfeitamente acorde na maneira
como as autocracias poderiam cooperar independentemente do Concerto Gladstoniano. Mas para
uma aliança dos Três Imperadores, Haymerle insistia em que a Rússia teria de reconhecer a
primazia austro-húngara nos Bálcãs ocidentais, inclusive o direito de estabelecer (se necessário) um
protetorado sobre a Sérvia e de anexar, no devido momento, os territórios já ocupados da Bósnia-
Herzegovina e do Sanjak de Novi-Pazar. Essas condições surpreenderam Bismarck e, por instantes,
o desagradaram; porém, durante o início do inverno, continuou a dar esperanças a Saburov sobre a
aliança, tomando os cuidados para que os russos não descobrissem a exata natureza das exigências
de Haymerle. Foi a vez de Saburov ser convidado para uns dias em Friedrichsruh. “Nossos
interesses nos dizem que a Áustria não deve ser destruída, mas ela não está garantida contra um
ataque”, informou-o Bismarck. Compreensivelmente, Saburov interpretou esse comentário como
garantia da inexistência de uma aliança austro-alemã especificamente dirigida contra a Rússia, e
informou Giers do comportamento conciliatório de Bismarck. Seguiram-se algumas difíceis trocas
de idéias entre Giers e Kalnoky, o embaixador austro-húngaro em S. Petersburgo, mas enfim, na
primeira semana de março de 1881, Haymerle aprovou uma minuta de tratado de aliança. Bismarck
estava convencido de que esta solução de meio-termo asseguraria colaboração durante muitos anos.
Mas não levava em conta o ponto fraco fundamental de qualquer autocracia. Poucos dias depois, em
13 de março, Alexandre II foi feito em pedaços pela bomba de um assassino, a oitocentos metros do
Palácio de Inverno. Nada garantia que um novo Czar prosseguisse na linha política de seu
antecessor.

O assassínio do Czar alarmou Bismarck. Achou que seria seguido de revolução na Rússia e instruiu
o embaixador a telegrafar diariamente, pela manhã e à noite, até segunda ordem; não chegando o
telegrama, estabeleceu ele, concluiría que S. Petersburgo estava em revolta. Ao mesmo tempo
solicitou relatórios sobre agitação socialista no interior da Alemanha, especialmente na Saxônia, por
julgar que a fúria se espraiaria em várias direções446. Mas logo percebeu que os grupos anarco-
socialistas fora da Rússia eram muito divididos entre si para adotarem uma linha de ação comum.
Além disso, demonstrou-se injustificado seu temor de que a acessão de Alexandre III aumentaria a
influência dos socialistas anti-austríacos e poria um fim no projeto de aliança (temor compartilhado
pelo Imperador Guilherme). Alexandre III era menos inteligente que seu antecessor e não se
comovia com os laços dinásticos que arrancavam lágrimas de seu pai e de seu tio-avô; mas, no
momento, não queria mudanças na política externa. Em poucos dias de sua subida ao trono,
autorizou Giers a continuar nas negociações. Para irritação de Bismarck, Haymerle agora queria
discutir detalhes do texto de certas cláusulas; o chanceler ameaçou desinteressar-se do projeto.
Chegou até a descobrir que “uma dolorosa inchação das veias” tornava inadiável uma viagem a
Kissingen, onde isolou-se de todos os negócios447. Esse desgastado truque diplomático deu
resultado. Sumiram as objeções austríacas; e em 18 de junho de 1881 a Aliança dos Três
Imperadores foi assinada em Berlim por Bismarck e pelos embaixadores da Rússia e da Áustria-
Hungria.

O tratado, secreto, e válido, inicialmente, por três anos, era um documento especialmente
complexo, embora definisse claramente cada uma de suas disposições. Se um dos membros da liga
entrasse em guerra com uma quarta Potência (exceto a Turquia) os outros dois membros
observariam neutralidade benévola. Basicamente as demais estipulações reconheciam que os Bálcãs
orientais eram esfera de influência russa e os Bálcãs ocidentais predominantemente austríacos, Não
haveria modificações territoriais no Império Turco sem prévio acordo entre os três signatários, mas
dispunha-se que não se levantariam objeções à eventual anexação da Bósnia-Herzegovina pela
Áustria-Hungria ou à união da Bulgária e da província artificialmente criada da Rumélia Oriental,
“caso esta questão surgisse por obra das circunstâncias”. O tratado reafirmava o princípio da
oclusão do Bósforo e dos Dardanelos a navios de guerra estrangeiros (gesto antibritânico) mas
adiava qualquer solução dos aborrecidos problemas do Sanjak de Novi-Pazar, o corredor
estrategicamente importante, que separava Sérvia e Montenegro, e que a Áustria aspirava a anexar.

Apesar de o tratado dizer respeito a uma região onde tradicionalmente a Alemanha não tinha
interesses diretos, Bismarck considerou essa consolidação da Liga dos Três Imperadores um grande
triunfo diplomático. Explicou a Guilherme I que o tratado “manterá a paz entre os nossos dois
vizinhos durante anos” além de afastar completamente “a ameaça para a Alemanha, que seria uma
combinação franco-russa”448. A aliança ainda apresentava, a seus olhos, uma vantagem menos
tangível: ela desfazia, em S. Petersburgo e em Viena, as movimentações de Gladstone para reviver o
concerto de seis Potências Européias. Se paz e concórdia houvesse na Europa - e a estabilidade era
do mesmo interesse para a Alemanha Imperial e para a Grã-Bretanha Liberal - Bismarck preferia
comandar ele próprio os acontecimentos, em vez de depender da sabedoria coletiva de
embaixadores convocados para conferências de improviso. Ele era por demais realista para crer que
o tratado resolvería de forma definitiva a questão oriental, mas ao menos permitia prever com
antecedência problemas que se avizinhassem, evitando, assim, avultarem até crises agudas.

A Aliança dos Três Imperadores, garantiu Bismarck a Guilherme I, “tiraria o tapete de baixo dos pês
do grupo belicista antialemão, na Rússia”. Acreditaria ele no que escreveu? Sem dúvida, durante
três meses, permaneceu feliz com seu feito. Em setembro, Guilherme recebeu o Czar Alexandre III e
seu ministro em Dantzig (Gdansk) e o chanceler teve oportunidade para longas conversações com
Giers, a quem encontrou em boa disposição para com a Alemanha. Mas por volta do Natal bateu-lhe
a dúvida sobre se teria, de fato, exorcizado o duende do Leste. Não surgiam os sinais de
reconciliação entre a Rússia e a Áustria-Hungria: Haymerle faleceu subitamente em outubro e,
como gesto de boa vontade dirigido à Rússia, Francisco José nomeou seu sucessor o aristocrata
magiar, Conde Kalnoky, embaixador muito popular em S. Petersburgo por tantos anos. Mas longe de
retribuir o gesto de confiança, o Czar deu sua aprovação ao lançamento de novas ferrovias
estratégicas na Polônia, que ameaçavam tanto a Galícia Austríaca como a Prússia Bismarck também
ficou aborrecido com a nomeação, para chefe do Estado-Maior Geral Russo, de Nikolai Obruchev,
que encabeçara uma missão especial à França no auge da agitação antialemã de imprensa, em
1879. Ainda viria pior; no início de 1882, o general Skobelev, legendário comandante do exército
cujas tropas haviam chegado a Constantinopla quatro anos antes, foi a Paris e, no dia 17 de
fevereiro, fez um discurso a estudantes sérvios no qual apontou a Alemanha como o inimigo da
Rússia e de toda a condição eslava. Embora Giers se desdobrasse em explicações da inconveniência
de Skobelev, Bismarck continuou assaltado de suspeitas. Na primavera de 1882 ele se havia
convencido de que tão-somente o estado caótico das finanças russas dissuadia o Czar de
empreender uma guerra.

Sem dúvida, Bismarck exagerava o perigo. Skobelev era um touro bravio correndo de um lado para
outro; proferiu um inflamado discurso aos poloneses em Varsóvia, voltando de Paris, recebeu uma
repreensão de Alexandre III e morreu de um ataque do coração três meses depois. Mas suas
atividades causaram interessante inflexão na política alemã. Nas últimas semanas de 1881, o
governo italiano abordara a Alemanha e a Áustria-Hungria com uma proposta de aliança e com uma
insinuação de que as boas relações tradicionais entre a Itália e a Inglaterra poderiam servir para
ligar Londres a Berlim e Viena, pela via de Roma. Bismarck não se interessou, inicialmente. Sabia
que o ato italiano era, em parte, conseqüência de suas próprias manobras, pois ele havia,
secretamente, estimulado a França e a Itália a tomarem Túnis, e quando os italianos perderam a
corrida (em maio de 1881) voltaram-se a seu padrinho em Berlim para o apoio futuro contra a
vencedora. Foi fácil a Bismarck esquivar-se e endereçar os italianos a Kainoky, em Viena, que
também jogava por tempo. Mas as declarações de Skobelev em Paris levaram Bismarck à ação:
passou um telegrama a Viena sugerindo a Kainoky que desse vida às negociações com a Itália449.

Bismarck buscava uma garantia comum de fronteiras contra um ataque da França. A Kolnoky isso
parecia falta de senso geográfico e estratégico. Qual Andrassy em 1879, recusou-se a comprometer
Francisco José na defesa da Alsácia-Lorena alemã contra uma invasão puramente francesa. Seu
principal interesse estava em manter a Itália neutra em caso de uma guerra no leste, contra a
Rússia. Bismarck aceitou a maior parte de seus argumentos. Mas fez uma cena de insistência em
que havia real perigo para a Áustria-Hungria na França, criando a imagem de uma situação em que
o exército francês repentinamente atacasse a Alemanha e a Áustria quando as forças destas já
estivessem engajadas num conflito com a Rússia. Concordaram, finalmente: a Itália observaria
neutralidade simpática se a Rússia, sozinha, atacasse a Alemanha e a Áustria-Hungria, e entraria ao
lado delas na guerra, caso fossem atacadas por mais de uma grande potência. A Alemanha e a
Áustria-Hungria prometiam à Itália ajuda na resistência a um ataque não-provocado da França,
obrigação reciprocicada pela Itália em relação à Alemanha. Bismarck estava satisfeito. Tinha em
mau conceito o valor militar dos italianos - “Um enorme apetite, dentes muito ruins”, sintetizou,
certa ocasião -mas sabia que qualquer ameaça partida da Itália limitaria o tamanho de um exército
francês que entrasse em posição na fronteira alemã. “Um cabo italiano, com a bandeira de Itália e
um taroleiro ao lado” bastava, declarou ele450. O tratado não mencionava as ambições italianas,
fosse na África, fosse nos Bálcãs, mas um protocolo em separado afirmava que a aliança não deveria
“considerar-se contra a Inglaterra”, concessão ao sentimentalismo e ao bom senso italianos.
Significativamente, o preâmbulo falava da intenção das três Potências de “reforçar o princípio
monárquico” e de “manter a ordem política e social”. Com o anarquismo republicano às soltas na
Itália, estas palavras foram bem-vindas em Roma, muito além do que seria uma fórmula
convencional.

A formação da Tríplice Aliança Secreta em maio de 1882 marcou o zênite do sistema bismarqueano
na diplomacia européia. Em três anos, a Alemanha fizera acordos formais com a Áustria-Hungria,
com a Rússia e com a Itália. Através da conexão austríaca, os alemães estavam em contato com os
governantes da Sérvia e da Romênia, enquanto o liame com a Itália continha uma possibilidade de
cooperação com a Grã-Bretanha, ao menos no Mediterrâneo e no Mar Egeu. Cada um desses
empreendimentos, para Bismarck, era destinado a enraizar a paz na Europa, impondo comedimento
a seus vizinhos e isolando a França, em sua opinião a principal Potência revisionista do continente.
Havia, contudo, graves defeitos no sistema. A diplomacia de Bismarck não descansava quer sobre o
segredo completo quer sobre a revelação total: o conhecimento impreciso causava receio e suspeita,
levando os governos a buscarem novos aliados, dentro e fora do sistema. Além disso, e embora
Bismarck sempre considerasse a diplomacia um exercício constante, ministros menos talentosos
tendiam a acreditar que acordos assinados e ratificados eram irrevogáveis. Na base, os pontos
fracos da obra diplomática de Bismarck correspondiam a idênticas falhas na Constituição Imperial
Alemã. Eram feitos da mesma pessoa, no apogeu de seu poder e de sua engenhosidade mental.
Enquanto Gladstone anelava compor um Concerto da Europa, o sistema bismarqueano continuava
sendo o som de um só músico.

[1] Saburov, nos últimos nove anos enviado russo em Atenas, deslocara-se, por sua própria
iniciativa, até Kissingen, em agosto, tendo obtido duas audiências com Bismarck. Depois viajou para
S. Petersburgo, onde seu relato favorável sobre a atitude de Bismarck quanto à Rússia chamou
muito atenção de Alexandre II.

[2] As instruções de Munster para sondar Beaconsfield não partiram diretamente de Bismarck
(como teria sido o caso, se a gestão se pudesse classificar como um lance sério para abrir
negociações de uma aliança) mas sim de Radowitz, o mais graduado funcionário a tratar dos
assuntos balcânicos, naquele momento, no Ministério do Exterior em Berlim. A importância que
alguns historiadores diplomáticos alemães e ingleses dão a essa chamada “oportunidade perdida”
de criar uma base firme para a amizade anglo-alemã, parece exagerada e equivocada.

[3] Gorchakov só foi, enfim, pedir demissão na primavera de 1882, e então, Alexandre III,
formalmente, nomeou Giers ministro do exterior (cargo que exerceu até sua morte em 1895).
Gorchakov morreu por intoxicação em Baden-Baden, no ano de 1883, aos oitenta e seis anos.
Bismarck acreditava que ele morrera ao fazer, sob os cuidados de um charlatão, um tratamento
rejuvenescedor (cf. A. Brauer, Im Dieste Bismarcks, p. 187).
14. OS ÚLTIMOS ANOS DE GUILHERME I

Em março de 1882, Guilherme I festejou seu octagésimo quinto aniversário. Ninguém esperava que
ele se recuperasse do ferimento sofrido no atentado de Nobiling; entretanto, quase quatro anos
depois, estava, sob muitos aspectos, em melhores condições fisicas que o chanceler, dezoito anos
mais moço que ele. Guilherme parecia infatigável: treze meses antes havia permanecido seis horas
e meia sentado, sufocantemente vertido, durante as cerimônias do casamento de seu neto mais
velho, o futuro Guilherme II. Ainda montava a cavalo, e divertia-se numa caçada: “Apanhei boa caça,
quatro veados, embora um fosse pequeno, e vinte e um porcos-do-mato”, informou, exultante, a
Bismarck no outubro seguinte451. Negava-se a ser figura decorativa e discutia política
detalhadamente com Bismarck quase todos os dias, sempre que soberano e chanceler estavam
juntos em Berlim. Suas cartas denotam-no bem consciente do gênio político de Bismarck e das
mudanças que ele trouxera para o destino dos Hohenzollerns. A dinastia, sob ameaça de extinção
revolucionária na sua juventude, hoje estava segura. Quando, em maio de 1882, nasceu um bisneto -
o tão difamado “Willyzinho” da Primeira Guerra Mundial - o velho imperador escreveu cheio de
contentamento a Bismarck “Portanto, logo terei diante dos olhos meus três sucessores no
trono!”452

No entanto, embora Guilherme já não se perturbasse com o pesadelo de uma guilhotina do lado de
fora do palácio, ainda sonhava com cenas de pavor no parlamento. Pelo menos uma vez, contou seu
sonho a Bismarck: uma manifestação de grande ferocidade, na qual os deputados resolviam nunca
mais pronunciar o nome do monarca na Câmara. Bismarck foi da maior simpatia com o soberano -e
bem tinha de sê-lo, pois naquela noite ele informara o velho de suas dificuldades no Reichstag453.
Que nunca chegaram a ser tão sérias quanto no sonho do imperador, mas era aflitivas o suficiente.
As eleições de outubro de 1881 constituíram virtualmente uma derrota de Bismarck: os partidos
Conservadores e os Liberais Bismarckistas perderam cerca de noventa cadeiras para os Liberais
Progressistas, os Socialistas e o Partido do Centro. Durante a campanha, os Conservadores haviam
dito ao eleitorado que Bismarck era a favor de um monopólio do fumo exercido pelo estado como
nova fonte de renda indireta; e os fumantes da Alemanha decididamente rejeitaram essa idéia. De
seu feitio, Bismarck obstinou-se em conseguir o monopólio do fumo no Reichstag, durante o início
do verão de 1882. Continuou se recusando a tomar conhecimento do sentimento do público no que
quer que se referisse a aumento de rendas. Porém não houve argumento que levasse o Centro a
apoiar o monopólio do tabaco. O projeto de lei que o formulava foi definitivamente rejeitado pelo
Reichstag454. Um “Ministério Gladstone”, Bismarck bem o sabia, teria caído, após derrota tão
devastadora, mas pela Constituição Alemã o Reichstag não podia retirar o chanceler do cargo, ainda
que a maioria de seus deputados derrubasse uma providência da qual ele fizesse absoluta questão.

Em seis meses, enfrentou novas dificuldades. Era janeiro de 1883, os partidos de oposição lançaram
um ataque totalmente inesperado às despesas do exército. Já era péssimo ter que ouvir Windthorst
a escarnecer dos regimentos de cavalaria de elegante bom gosto e outros deputados ridicularizando
a quantidade de dinheiro destinado a manter as bandas militares. Mas o Progressista Eugen Richter
foi ainda mais longe: pediu que o período de serviço militar fosse reduzido de três para dois anos, e
propôs a abolição do que chamou de “tropa de parada”. O imperador ficou quase apoplético de
cólera e Bismarck assustou-se: nada fazia subir a temperatura política tão rapidamente quanto um
ataque no Parlamento aos privilégios militares455.

Nos tempos de Roon, o ministro teria abafado as críticas afirmando que tais matérias estavam além
da competência do Reichstag, e sua palavra teria sido aceita. Mas Roon deixara o Ministério da
Guerra em 1873 e seu sucessor, o General von Kameke, não tinha o mesmo prestígio e autoridade.
Bismarck já estava enfadado com Kameke, a quem julgava inclinado demais para o príncipe real e
seus amigos liberais. A solução natural do problema, para Bismarck, era induzir Kameke a demitir-
se, deixando o lugar para um ministro da guerra mais resoluto, procedimento que o próprio
Imperador apoiava. Mas onde iria Bismarck encontrar um general ao mesmo tempo aceitável a
Guilherme e não disposto a conspirar com o Estado-Maior para solapar a própria posição do
chanceler? No passado ele tivera disputas em demasia com os chefes militares. Já não se dava mais
com Moltke, o qual, aos oitenta e dois anos, continuava nominalmente chefe do Estado-Maior;
sempre guardara suspeitas tanto do vice de Moltke, o quartel-mestre geral Conde von Waldersee,
como do chefe do gabinete militar do soberano, general von Albedyll. No entanto, era evidente para
Bismarck, se quisesse deter essa nova tentativa de impor controles parlamentares ao exército, teria
de associar-se ou com Moltke e Waldersee ou com Albedyll. As perspectivas não o agradavam e ele
passou várias noites sem dormir. Holstein, estando com o chanceler em meados de fevereiro de
1883 pela primeira vez em seis semanas, tomou nota em seu diário “Nunca o vi tão marcado dos
sinais da velhice”456.

Ainda relutante, Bismarck concluiu que seria melhor para ele colaborar com Albedyll, que não tinha
ambições pessoais pelo cargo. Com aprovação de Guilherme, os dois convenceram Kameke a
demitir-se. Mas Albedyll cobrou um preço ao chanceler. Queria uma redução nos poderes do
ministro da guerra. Dai em diante a administração do pessoal coube exclusivamente ao gabinete
militar do soberano, chefiado por Albedyll. Concomitantemente, ao chefe do Estado-Maior foi dado
acesso direto ao imperador, na paz e na guerra, privilégio que lhe permitiría gerir os negócios
militares com o soberano, sem conhecimento nem do ministro da guerra nem do chanceler. Tais
mudanças significavam que o ministro da guerra deveria, no futuro, negar ao Reichstag qualquer
possibilidade de debater questões detalhadas de organização militar. O exército e seus assuntos
eram colocados, assim, fora da competência do Reichstag, exceto durante a tramitação de um
orçamento militar, uma vez cada sete anos457. Foi um acontecimento extra-constitucional de
grande importância política para o futuro da Alemanha.

Ostensivamente, Albedyll salvaguardava os poderes de comando do imperador; na realidade,


reforçava o corpo de oficiais como um independente Estado do Reich, recuperando a mão que tivera
sobre as decisões políticas e que lhe fora tirada pelo chanceler nos últimos meses da Guerra
Franco-Prussiana. Como para realçar sua vitória, Albedyll conseguiu a nomeação, para ministro da
guerra, de um “semideus” do Grande Estado-Maior, o general Bronsart von Schellendorff, que ainda
como coronel fora um constante crítico de Bismarck durante a campanha de 1870. O único consolo
de Bismarck foi ter obtido não apenas a queda de Kameke, mas a remoção, do Almirantado, do
preferido do príncipe herdeiro, o general von Stosch, contra quem tentara em vão na primavera de
1877458. Mas ao desaparecer um rival potencial para cargo de chanceler, surgiam agora mais dois:
o prestígio do chefe do Estado-Maior, aumentado, certamente beneficiaria o ambicioso Waldersee, já
destinado a suceder Moltke; e se Bronsart fosse capaz de enfrentar um rebelde Reichstag, seria
também candidato à chancelaria. Ninguém esteve especialmente interessado, àquela altura, no
sucessor de Stosch no Almirantado, outro general de gabinete, o Conde Leo von Caprivi.

Todas essas manobras destinavam-se a tirar Bismarck ou eram o início de uma luta pela sucessão no
posto, quando vagasse por morte? No verão de 1883, com certeza, a aparência era de que Bismarck
estaria no túmulo antes de seu senhor imperial. Pesava cento e quinze quilo s e vivia atacado de dor
na perna e nevralgia. Sua esposa, que sempre tendera a mimá-lo e a deliciar seu extraordinário
apetite, ficou alarmada. Os médicos aventavam a hipótese de câncer no fígado e no estômago. Joana
insistiu em mudar de médico. O segundo filho do chanceler, Guilherme, nos últimos dois anos
tratara-se de gota e de excesso de peso com Ernst Schweninger, médico judeu de trinta e poucos
anos, que se desentendera com as autoridades médicas em sua nativa Baviera e montara uma
clínica da moda em Berlim. Schweninger conseguiu resultados tão animadores com seu filho, que
Joana convenceu o marido a mandar chamá-lo na primeira semana de novembro de 1883459. O
doutor revelou-se um autocrata tirano à altura de seu paciente. Colocou Bismarck em dieta,
consistente sobretudo de arenques, proibiu-lhe vinhos pesados e ensinou-o a relaxar para dormir
profundamente.

As conseqüências foram notáveis. Perto do Natal daquele mesmo ano, Bismarck começava a perder
peso; disse a visitantes que estava livre da dor e caminhava, novamente, longas distâncias. No dia
de Natal, como sempre, enviou saudações ao Imperador Guilherme e informou-o de que ‘‘ontem
pude montar algumas horas, em companhia de meus filhos, pela floresta”, surpreendente avanço
para um homem que não sentara numa sela por quase uma década460. Bismarck perdeu vinte e
cinco quilos em quatro meses. Recuperou sua energia e persistência; ganhou uma nova perspectiva
de tempo de vida, coisa para mais quatorze ou quinze anos de trégua com a morte. Não é de
admirar que Schweninger tenha-se tornado membro do círculo fechado da família, nem que boatos
ferinos hajam acusado o médico de enfraquecer o coração do velho com o uso excessivo de
estimulantes. Mas há uma grande diferença entre as fotografias do barbudo e venerável gigante da
primavera de 1883 e o septuagenário lesto, bem barbeado, de dois anos depois. Qualquer que fosse
o segredo do tratamento de Schweninger, ninguém podia negar seu sucesso.

A mudança física refletiu-se numa súbita capacidade de trabalho. Uma vez mais fez notarem, o
Reichstag e a administração, que ele estava no controle dos assuntos. Holstein, intensamente
enciumado do Dr. Schweninger, queixou-se de que os defeitos de caráter de Bismarck estavam
tomando magnitude com a velhice, que ele era “incapaz de aguentar que o contradigam” e que “sua
vaidade avulta à medida em que seu talento diminui”461. Outros, porém, estavam impressionados.
Parecia, de novo, haver um propósito no que ele fazia, que desaparecera um ano antes.

O trabalho a que Bismarck se atirou com tanto vigor dizia respeito a assuntos que até então
ignorava. Durante toda sua carreira pública ele afirmou que colônias eram caríssimos artigos de
luxo, sem qualquer valor para uma grande Potência continental como a Alemanha. No verão de
1883, disse a Guilherme I que “havia seguido coerentemente uma política de não querer territórios
fora da Europa porque tais possessões inevitavelmente seriam, para a Alemanha, fonte de
debilidade, muito mais que uma usina de força”462. Embora aplaudindo a iniciativa comercial de
homens de negócios de Hamburgo e de Bremen, ele ignorou a propaganda da “União Colonial” que
o Oberburgermeister de Frankfurt fundou em 1882. Foi, portanto, para surpresa da imprensa e do
público que, na primavera de 1884, soube-se que o chanceler era um “convertido ao colonialismo”.
Em menos de doze meses, a Alemanha adquiriu territórios que, somente na África, cobriam quase
seiscentos e trinta mil quilômetros quadrados. Longe de deixar o colonialismo parecer uma linha
lateral de sua política, Bismarck fez dele assunto chave para o patriotismo alemão, por si mesmo tão
importante que mereceu a convocação de uma conferência colonial em Berlim e até facilitou uma
reconciliação com o inimigo tradicional de oeste do Reno. Em fevereiro de 1886, o chanceler
perdera o gosto pelas colônias. Mais adiante - em janeiro de 1889 - estava em condições de dizer ao
Reichstag “Jamais fui homem do tipo colonial”463; mas enquanto durou, sua experimentação em
colonialismo de Ultramar foi da maior importância para a Alemanha, na verdade para a diplomacia
européia.

Os motivos que levaram Bismarck a seu fugaz entusiasmo pelas colônias têm intrigado os
historiadores tanto quanto os contemporâneos464. Houve três razões econômicas e sociais: outonos
de muita chuva em 1882 e 1883 deixaram â Alemanha em crise agrária crônica e frente à ameaça
de depressão industrial, tornando necessário um estímulo governamental ao comércio; o
colonialismo já excitava a geração mais nova, estimulada pela “União Colonial”; e, sobretudo, estava
ficando cada vez mais difícil para o chanceler manter sua posição ideal de uma política comercial de
porta aberta, na África, quando os compromissos imperiais em expansão de outras Potências
ameaçavam os interesses alemães, Cada um desses motivos ajudou a enformar a linha de ação
política de Bismarck; assim como dois outros. O estímulo a empreendimentos coloniais franceses na
África, secundado por um redelineamento do mapa político do continente, diminuiría a tensão
franco-alemã na Europa. Além do mais, naquele particular momento, Bismarck não fazia quaisquer
objeções a uma contenda com o governo Gladstone em Londres, em parte devido a seu temor
obsessivo de um primeiro-ministro com princípios Liberais, porém ainda mais porque percebeu a
oportunidade de desmoralizar os políticos anglófilos que cercavam o herdeiro do trono, e na
verdade, até mesmo de cortar a influência da própria princesa real. O envolvimento com a África
alimentava o preconceito antiinglês de Bismarck.

No começo de 1884, Bismarck estava mais exasperado que nunca com a política inglesa. Um ano
antes ele dera garantias, em particular, à comunidade comercial de Bremen e Hamburgo de que
ofereceria salvaguardas aos estabelecimentos comerciais que o negociante de Bremen, Adolf
Lüderitz, criara na África do sudoeste, entre a pequena possessão britânica de Walfisch Bay e a
fronteira da Colônia do Cabo. Na primeira semana de 1883 Bismarck consultou o governo de
Gladstone se os ingleses tinham qualquer pretensão sobre a região de Angra Pequena[1]. Granville,
o ministro do exterior, não viu urgência nessa consulta, nem a viram, tampouco, a bem da verdade,
o embaixador inglês em Berlim ou o embaixador alemão em Londres. Bismarck recebeu a
informação de que o governo central teria de consultar o governo da Colônia do Cabo. Não houve
qualquer outra manifestação de Granville durante nove meses, quando, então, veio a informação de
que os ingleses consideravam-se entitulados por legítima reivindicação, e com direito, a todo litoral
do sul da África, de Angola ao Cabo, mais de mil quilômetros de costa. Bismarck aborreceu-se, com
razão: não entendia a demora; e não via base para a reivindicação. Na véspera do Ano Novo,
Bismarck enviou protesto formal a Granville e pediu explicações. Novamente responderam que
Londres teria de consultar Capetown.

Mas nos primeiros meses de 1884 Bismarck sofreu a pressão das comunidades comerciais do norte
da Alemanha e das casas bancárias de Berlim com às quais tinha chegadas relações, o Berliner
Handesgesellsckaft, de Bleichroeder, e o Disconto Gesellschaft, de David Hensemann. No dia 24 de
abril, Bismarck telegrafou a seu cônsul-geral em Capetown instruindo-o a informar as autoridades
coloniais britânicas de que Angra Pequena fora colocada “sob a proteção do Reich”. No mesmo dia,
sugeriu ao embaixador francês que a Alemanha, a França e outros países neutros deveríam juntar-
se numa liga destinada “a defender-se contra as irritantes usurpações da Marinha Inglesa”. A
hostilidade do chanceler ao governo britânico surpreendeu o embaixador: “Para a Europa manter
sua confiança na Inglaterra”, informa o embaixador ter dito Bismarck, “a sugestão mais útil seria a
remoção desse inepto gerente de seus negócios, o sr. Gladstone”. “Porém”, acrescentou com
tristeza evidente, “não se pode dizer uma coisa dessas”465.

No começo de junho de 1884, os ingleses estavam irremediavelmente confusos quanto ao que


queria Bismarck. Muito além do protetorado de Angra Pequena, surgiram a notícia da “missão”
comercial no Camerum, informações sobre grande atividade de colonos alemães nas ilhas Fidji e
alarme considerável na Austrália porque os dois bancos haviam fundado um consórcio para
fomentar o comércio alemão na Nova Guiné e nas ilhas adjacentes (rebatizadas “arquipélago
Bismarck”, no fim do ano)466. O governo inglês estava a braços, na época, com os problemas
financeiros da administração do Egito e engajado numa disputa com a França sobre os territórios
da foz do rio Congo. Ninguém desejava, em Londres, ainda mais um conflito com a Alemanha. A fim
de explicar seus atos aos ingleses, Bismarck enviou a Londres o filho mais velho, Herbert, que já
servira quatorze meses como primeiro-secretário na embaixada do Carlton House Terrace, mas era
agora, estritamente, ministro alemão em Haia. Em menos de uma semana, após a chegada de
Herbert a Londres, Granville informou-o de que os ingleses reconheciam o protetorado alemão
sobre a África do Sudoeste; e estavam dispostos a discutir as pretensões alemãs no Camerum, na
Togolândia, nas ilhas Fidji, enfim, em qualquer lugar467. Ainda que Granville pudesse ter resolvido
o assunto, sem problemas, com o Conde Munster, se o embaixador estivesse devidamente instruído,
o crédito do acordo foi para o jovem Herbert, em seus trinta e quatro anos de idade.

Bismarck fez grande alarde do sucesso do filho, não deixando dúvida no Imperador Guilherme
quanto aos talentos de Herbert. Porém Bismarck não queria uma Inglaterra passivamente
aquiesciente. Queria uma falsa briga. Desde o começo de maio os jornais sob sua influência - a
chamada “Imprensa Réptil” -agitava o colonialismo como tema eleitoral contra os Liberais-
Progressistas e os Radicais (agora reunidos num novo “Partido Liberal Alemão”) e contra o Centro.
Durante o verão os companheiros políticos do chanceler perceberam que, por mais que ele forçasse
uma pose imperial perante o Reichstag, as vantagens eleitoreiras de uma política colonial avançada
ocupavam importante lugar em sua mente. No fim de julho, explicou ele a Lucius von Ballhausen ter
esperanças de que toda aquela excitação sobre as colônias aumentasse o apoio para o que restava
dos Nacional-Liberais (pró-Bismarck), à custa dos Liberais Alemães, que ele insistia em classificar
como o “partido do príncipe herdeiro”; e quando Bismarck encontrou-se com Alexandre III, chegou
a dizer ao Czar que “o único objetivo da política colonial alemã é meter uma cunha entre o príncipe
real e a Inglaterra" [2] 468.

Essa super-simplificação impressionou Alexandre III pelo seu ar de sutileza: ele não gostava da
Inglaterra, e não gostava do príncipe herdeiro. Porém Bismarck estava muito longe de vencer no
seu jogo de faz-de-conta. Gladstone e Granville sabiam, ambos, que ele “está a usar-nos com
propósitos eleitoreiros” e os Liberais ingleses não iriam servir de whipping-boys, os meninos criados
com um príncipe para receberem os castigos em lugar dele. No décimo quarto aniversário de
Sedan, Guilherme I prestou homenagem à “grande coragem... em duas guerras” de Bismarck,
conferindo-lhe a condecoração militar mais alta, a ordem Pour le Mérite com folhas de carvalho;
mas a satisfação do chanceler durou pouco, pois logo chegaram notícias de um discurso proferido
no mesmo dia por Gladstone. É que, em vez de atacar as ambições coloniais dos negociantes de
Hamburgo e Bremen, o primeiro-ministro manifestou ao eleitorado escocês de seu distrito sua
“grande satisfação, simpatia, alegria mesmo”, pela “expansão da Alemanha naquelas desertas
paragens”469. Ficava difícil apresentar Gladstone como um demônio revolucionário quando ele
demonstrava tal virtuosismo em dar a outra face.

A imprensa alemã atacou a atividade colonial inglesa no delta do Nilo e no Camerum, e Bismarck
tentou provocar uma reação hostil em Londres ao destacar seu perfeito entendimento com os
franceses nos assuntos africanos. Finalmente, em 15 de outubro de 1884 - menos de quinze dias
antes da eleição do Reichstag - ele proclamou o estabelecimento da soberania alemã no sudoeste da
África (do sul de Angola à foz do rio Orange), em Togolândia e no Camerum. Houve algum agitado
comentário editorial nos jornais britânicos, mas nenhuma explosão colérica de parte do governo,
engolfado demais em problemas no Egito, no Sudão e na Irlanda para comprar ainda uma suspeita
questão eleitoral germânica.

O gambito eleitoral antibritânico de Bismarck não lhe valeu uma bancada forte. Quando os alemães
foram às, urnas, em 28 de outubro, de fato os Conservadores e os Nacional-Liberais remanescentes
cresceram às expensas do “partido do príncipe herdeiro”, os Liberais-Alemães; acontece que os
socialistas dobraram sua bancada e o centro continuou a ser o fiel da balança entre os partidos. A
massas urbanas não se motivaram com as colônias nem se comoveram com as denúncias patrióticas
de perfidias políticas por parte da Inglaterra. As eleições mostraram que o operariado alemão
estava tão indignado com a legislação anti-socialista quanto os católicos romanos com os restolhos
da Kulturkampf. Já a segunda vantagem indireta da política colonial de Bismarck, uma reconciliação
com a França, prometia melhores resultados. No fim de junho de 1884 o chanceler concedeu aos
franceses algumas frases de encorajamento protetor, num discurso no Reichstag: louvou a sensatez
do governo de Jules Ferry, destacando que, enquanto a França não tentasse “restaurar a situação
antinatural proveniente do reinado de Luís XIV”, não haveria obstáculo à amizade franco-alemã470.
Quatro meses mais tarde, disse ao embaixador francês, “Gostaria que os senhores perdoassem
Sedan, da mesma forma como, após 1815, perdoaram Waterloo”. Os franceses, porém, desejavam
mais que belas palavras e alusões históricas. Jules Ferry, o radical imperialista que se tornara
primeiro-ministro e ministro do exterior em fevereiro de 1883, foi cauteloso. Durante a conferência
de três meses sobre a África ocidental, aberta em Berlim no dia 15 de novembro, os franceses
reivindicaram menos liberdade de competição para comerciantes na Bacia do Congo do que
desejavam a Alemanha e a Inglaterra. Bismarck começou a reclamar das “dificuldades que tenho
para dobrar a França”, e mencionou o quanto lamentava que os franceses não estivessem “dispostos
a esquecer o passado”471.

A verdade é que Ferry necessitava de uma concessão - pelo menos de um gesto conciliador - sobre a
Alsácia-Lorena. Não havia outra maneira de salvar seu ministério ante os ataques dos patriotas
radicais tipo Clemenceau. Mas Bismarck não estava em condições de discutir assuntos da Europa
ocidental, muito menos a matéria potencialmente explosiva das “províncias perdidas”. Uma séria
derrota das armas francesas em Tonkin (Vietnã), no fim de março de 1885, derrubou Ferry e
desmoralizou os empreendimentos coloniais. Por alguns meses, Bismarck tentou cooperar com o
sucessor de Ferry, Freycinet, com quase nenhum resultado472. Era o Reno que interessava, agora,
à França, e não o Nilo ou o Congo. Com eleições marcadas para aquele verão, nenhum político
desejava parecer muito nas boas graças de Bismarck.

Entrementes, a tensão colonial com o gabinete Gladstone amainou após a eleição do Reichstag.
Agora, Bismarck tendia a explorar o problema colonial para atender a objetivos relativamente
insignificantes. A publicação, pelo governo Gladstone de papéis oficiais sobre questões africanas
num livro azul, publicação oficial do parlamento inglês, causou uma extraordinária explosão de
Bismarck no Reichstag, em 2 de março de 1885, que se refletiu adversamente no controle de
Granville sobre os acontecimentos, bem como nas críticas que ele havia feito à Alemanha na
Câmara dos Lordes473. Essa crise, em boa parte artificial, bem pode ter sido engendrada pelo
chanceler com o fito de dar força às pretensões de promoção de seu filho mais velho. Pois,
novamente, Herbert viajou a Londres e executou seu truque de prestidigitação. Hospedou-se com
um velho amigo, o Conde de Rosebery (que recém entrara no ministério de Gladstone como Lord do
Selo Privado) e, com apenas cinco dias de conversações, retornou a Berlim com todos os problemas
resolvidos e uma reafirmação de que o governo inglês bem compreendia as necessidades alemãs
tanto na África quanto na Nova Guiné. Dois meses depois, o imperador aprovou a nomeação de
Herbert como subsecretário-geral. A posição do secretário-geral titular, Hatzfeldt (que passara um
quarto de século no serviço diplomático), era desconfortável: “Um senhor que fica entre os dois
Bismarcks, pai e filho, é metade ridículo, metade digno de pena”, comentou Holstein,
impiedosamente474.

Ninguém tinha dúvidas de que Herbert Bismarck, em pouco tempo, assumiría inteiramente o lugar
de Hatzfeldt [3]. Seu pai, tudo indicava, preparava-o para ser o próximo chanceler. Possuísse
Herbert as qualificações do pai e a elas adicionasse um conhecimento próprio da geração que
amadurecera após 1870, muito havería em favor desse projeto. Herbert, porém, sempre copiara as
atitudes mais brutais do pai, sem o encanto pessoal compensador que tantas vezes surpreendeu os
antagonistas do velho. Frustrações na vida particular agravaram os erros e defeitos de Herbert
Bismarck475. Em 1881 o chanceler criara um imenso caso contra a idéia de Herbert casar-se com a
divorciada Condessa Carolath-Beuthen, chegando a dizer, dramaticamente, que se suicidaria.
Herbert curvou-se ao veto de seu pai, mas buscou consolo na bebida. Hábito em que teve como
colega seu cunhado, o Conde Rantzau, que se casara com a filha de Bismarck Marie, em 1878. Era
alarmante ver o filho e o genro do chanceler a dispararem uma espingarda de pequeno calibre das
janelas do Ministério do Exterior. Ocorria, também, freqüentemente, a inconveniência de diplomatas
estrangeiros darem com o subsecretário-geral acometido de “excitação alcoólica, à noite”, “de uma
certa ressaca pelas manhãs” e, “depois do almoço”, a tirar “uma soneca reparadora, tendo um
jornal sobre os joelhos”476. Herbert não era nada popular. A princesa real dizia, em particular, ter
desejos de que alguém achasse o jeito de embarcá-lo para a China. Quatro anos antes ela o
descrevera à Rainha Vitória como “estreito de inteligência, violento e vingativo”. Não achou motivos
para mudar de idéia: repensar melhor era-lhe alheio ao caráter. Olhando para trás, simpatiza-se
com o Conde Herbert. De fato, uma longa estadia na China poderia ter sido benéfica. Na época, era
um aspirante, já não tão moço, tentando igualar-se à personalidade de seu pai. “Quatsh nicht,
Herbert” (Não diga bobagens, Herbert) replicava o chanceler quando o jovem companheiro emitia
uma opinião, na mesa de reuniões. Não era bem a maneira de granjear, para o filho favorecido, o
respeito da equipe do Ministério do Exterior que já reagia aos modos com que ele exercia a
autoridade. Os atos do chanceler para acelerar a carreira de Herbert provocaram críticas de toda a
família. Dizia-se que o critério “do chefe” estava decaindo; que sua vida era regulada por seu
banqueiro, Bleichroeder, e por seu médico, Schweninger; e que, sob a influência deles, tornara-se
num megalomaníaco avarento obsecado por uma suspeita patológica das ambições de outros
homens477.

A legenda de Bismarck ainda encantava a maior parte de seus compatriotas, mas houve um sinal de
alerta de desilusão logo após as festividades de seu septuagésimo aniversário. O povo havia feito
uma subscrição para um presente de 1 200 000 marcos (mais de duzentos e cinqüenta mil libras
esterlinas) que ele podia usar como quisesse “para um fim público” em celebração da efeméride.
Com parte do dinheiro ele criou um “Schönhauser Fund” para ajudar cientistas e acadêmicos a
prepararem-se para altos postos no sistema educacional, mas o restante foi destinado à recompra
de terras ou de arrendamentos em torno de Schönhausen, áreas de que a família fora obrigada a se
desfazer na difícil década de quarenta. Já sendo ele um grande proprietário de terras, beneficiário
de privilégios fiscais especiais, achou-se que o montante todo da subscrição devera ter sido usado
para fins de benemerência e não apropriado pela família Bismarck. Holstein, que até a fulminante
elevação de Herbert mantivera-se um caloroso admirador, jantou à mesa de Bismarck naquele
Natal, após dezoito meses de distanciamento e anotou com tristeza em seu diário, “Ele ainda vê
tudo com clareza, mas tem a atenção voltada para considerações e interesses ainda mais pessoais
do que sempre foram”478. Houve até mesmo o rumor de que ele esperava poder casar Herbert com
uma das netas do imperador, a despeito da inaplacável hostilidade dos pais da princesa.

Mas quaisquer que sejam as críticas a sua conduta pessoal, não havia sinais de queda da
capacidade do estadista. Nada abalou a Aliança dos Três Imperadores durante seus primeiros três
anos de existência e ela foi renovada por mais três anos em março de 1884. Seis meses depois,
Bismarck acompanhou Guilherme I a Skierniwice, na Polônia russa, para um encontro com
Alexandre III e Francisco José479. Num sentido negativo, Skierniwice foi um acontecimento
histórico: a última das reuniões dos autocratas da Europa-centro-oriental, iniciadas em Teplitz, em
1813, durante a grande cruzada contra Napoleão I. Naquela ocasião, Metternich havia aglutinado
Áustria, Rússia e Prússia por meio de declarações altissonantes que habilmente ignoravam as
grandes diferenças entre as Potências. Setenta e um anos depois, Bismarck, em Skierniwice, quis
aplicar uma técnica parecida, embora não pretendesse tornar público nem mesmo o pouco sobre o
que os três impérios concordavam. Ninguém se enganou com Skierniwice, exceto, talvez, o único
sobrevivente de Teplitz, Guilherme I, aliviado por encontrar Alexandre III exteriormente disposto a
trabalhar em conjunto com a Alemanha. Tanto Giers quanto Kalnoky sabiam que a aliança havia
sobrevivido principalmente porque ainda não houvera problemas balcânicos para pô-la à prova.
Mesmo Bismarck temia que a questão búlgara fosse logo reaberta, fosse por iniciativa de um dos
“aliados” rivais, fosse por Alexandre de Battenberg, o governante que as Grandes Potências haviam
imposto ao Principado da Bulgária em 1879.

Alexandre de Battenberg - tio de Lord Mountbatten e tio-avô do Príncipe Philip, Duque de


Edinburgo - pertencia a uma dinastia que sempre exasperara Bismarck. Seu pai, o Príncipe
Alexandre de Hesse-Darmstadt, combatera como general austríaco na batalha de Solferino, em
1859, e comandara um dos exércitos sul-alemães contra a Prússia, em 1866. O próprio Alexandre,
sobrinho do Czar Alexandre II pelo casamento, combatera no exército russo contra a Turquia, em
1877. Foi esse alinhamento de conexões alemãs, russas e austríacas que conduziu à sua
proclamação, sob apadrinhamento do czar, como Príncipe da Bulgária, em abril de 1879, aos vinte e
dois anos de idade. Bismarck recebera o moço pouco antes de sua partida para a Bulgária e
explicitou-lhe que a Alemanha não tinha interesses diretos no principado; aconselhou-o a observar
estritamente o Tratado de Berlim e a não tentar a restauração da “Grande Bulgária” dos agitados
pan-eslavos480. Alexandre foi entusiasticamente apoiado pela Rainha Vitória, que apreciava a
aparência elegante e as maneiras polidas de toda a família Battenberg. Não causou, porém, boa
impressão em seu primo, Alexandre III da Rússia, e de 1882 em diante passou a mostrar uma tal
independência que Bismarck assustou-se com a impetuosidade do príncipe. Alexandre, estando em
Sofia, era, para Bismarck, um aborrecimento potencial, mas distante. Em abril de 1884 Bismarck
ficou sabendo que já iam doze meses completos de noivado secreto entre o príncipe e a Princesa
Vitória da Prússia, a filha de dezoito anos do príncipe herdeiro (a qual, muitas vezes se disse, era
tida por Bismarck como a mulher ideal para Herbert). A princesa real era forte defensora de um
casamento Hohenzollern-Battenberg. Seu marido não se entusiasmava muito com a perspectiva e
seu filho mais velho fazia aos Battenbergs a objeção de serem descendência de uma união
morganática, já que o pai se havia casado com uma condessa polonesa. A objeção de Bismarck era
tão-somente política: julgava instável o trono do príncipe na Bulgária e não desejava ligação real
prussiana com uma região em que a Rússia e a Áustria-Hungria já eram ciosas competidoras pela
supremacia. Em 12 de maio de 1882, teve uma tensa entrevista com o Príncipe Alexandre, na qual
avisou-o de que o Governo alemão era obrigado a opor-se ao anúncio formal de seu noivado com
uma princesa prussiana. Bismarck aconselhou-o a “casar-se com uma milionária ortodoxa”, pois
estaria reforçando sua posição na Bulgária e teria dinheiro para gastar em suborno, o maior auxiliar
do sucesso em governo no que o chanceler chamava “Oriente Próximo”. O Príncipe Alexandre não
se comoveu.

No início de 1885, a princesa Beatriz, filha mais moça da Rainha Vitória e irmã da Princesa Real da
Prússia, ficou noiva de Henrique de Battenberg, irmão de Alexandre. Este romance real arruinou os
humores de Bismarck. Os Battenbergs, reclamou ele, inglesavam-se: o projetado casamento
berlinense não passava de uma conspiração entre a viúva de Windsor e a princesa real com o fito de
aumentarem a influência inglesa na Corte alemã. Tão grande foi o temor que, em março, ele levou
Guilherme I a informar o Príncipe Alexandre de que o casamento com a Princesa Vitória seria
contrário às tradições da Casa de Hohenzollern. O casamento Battenberg foi suspenso: parecia ter
pouca chance de voltar a ressurgir, a menos que Guilherme falecesse e seu filho subisse ao trono
antes que Vitória ou Alexandre encontrassem um consorte. Como Guilherme andou tendo seguidos
ataques de tontura naquela primavera, a possibilidade não era afastada.

Em setembro de 1885, o Príncipe Alexandre, já um problema dinástico para Bismarck, tornou-se, da


noite para o dia, importante figura na política internacional. Nacionalistas búlgaros na província
nominalmente turca da Rumélia Oriental repudiaram a autoridade do sultão e declararam-se pela
união com a Bulgária, debaixo da soberania de Alexandre. O czar, já irritado com o príncipe,
condenou a atitude búlgara, quebra do Tratado de Berlim; Áustria-Hungria e Alemanha
acompanharam a Rússia, como também a Turquia. A maior preocupação de Bismarck era evitar que
as atividades do Príncipe Alexandre levassem a Europa à beira da guerra, e atuou
desesperadamente para manter em harmonia a Liga dos Três Imperadores. Foi auxiliado pela
mesma conexão inglesa dos Battenbergs de que tanto desconfiava. O gabinete Conservador de
Salisbury, que estava no governo desde o verão de 1885, apoiou calorosamente a postura
independente de Alexandre e chamou sobre si boa parte das iras que, doutra forma, cairiam sobre a
Áustria-Hungria. A Aliança dos Três Imperadores continuou existindo durante o inverno de 1885-86,
mas considerável marca deixou sobre Bismarck o esforço de sua atuação como intermediário.

No fim, foi o grupo militar russo que agiu com violência. A maioria dos búlgaros apoiava
calorosamente o Príncipe Alexandre, especialmente depois que o exército búlgaro havia rechaçado
uma invasão sérvia na batalha de Slivnitza (novembro de 1885). Mas havia dissidentes em Sofia e as
suspeitas russas contra o príncipe chegaram a um ponto tal que em agosto de 1886 um grupo de
conspiradores, organizado pelo adido militar russo, tomou o palácio e prendeu Alexandre.
Seguiram-se três semanas de caos balcânico: o príncipe foi sequestrado e forçado a abdicar; depois,
voltou a Sofia, reassumiu o poder e contrariou muitos de seus súditos pela evidente colaboração
com os russos; mais adiante, cansou-se do caso todo, assinou uma abdicação definitiva e, no dia 9
de setembro deixou a Bulgária para sempre481. Tudo parecia indicar que, em coisa de semanas, a
Rússia marcharia para o sul e ocuparia o país. Nesse caso, como reagiría a Áustria-Hungria? O
primeiro-ministro húngaro, Tizza, declarou ao parlamento, em Budapest, que governo nenhum tinha
direito de “empreender a intervenção armada por conta própria ou estabelecer algum protetorado
na região da península balcânica”. Em S. Petersburgo, como em Berlim, as palavras de Tizza foram
interpretadas como a marca do fim da Liga dos Três Imperadores. Apenas Bismarck negava-se a
reconhecer o colapso completo da aliança de 1881. “Temos que continuar girando a Liga dos Três
Imperadores enquanto houver nela um fio”, insistia ele, pouco antes do Natal482. Nenhum de seus
funcionários teve coragem de dizer-lhe que a roca de fiar já estava vazia.

Para sorte de Bismarck, remanescia em S. Petesburgo uma facção firmemente a favor da tradicional
política de cooperação. O próprio Giers ainda esperava poder operar em conjunto com os alemães,
da mesma forma Pedro Shuvalov, que tão boas relações estabelecera com o chanceler durante a
crise oriental dos anos setenta Em janeiro de 1887 Pedro Shuvalov veio de novo a Berlim, onde seu
irmão, Paulo, agora era embaixador. Os Shuvalovs, em conversa com Bismarck, discutiram os meios
de substituir a Liga dos Três Imperadores por uma entente russo-alemã. Mas essas preliminares
não deram grande resultado, pois Alexandre III negou-se a aprovar qualquer acordo com a
Alemanha. Somente quando Giers demonstrou os perigos da posição isolada da Rússia, o Czar
autorizou Paulo Shuvalov a avançar nos contatos com Bismarck; mas não podia fazer concessões.

Um entendimento com a Rússia, mesmo nos termos do czar, era preferível a uma separação entre
Berlim e S. Petersburgo. Pelo menos daria a Bismarck a opção adicional de política, tão
característica de sua arte de estado. Estava decidido a ceder a Paulo Shuvalov tudo que este
desejasse. No início de junho ambos haviam forjado um acordo que seria a base do notório “Tratado
de Garantia” (18 jun. 1887), um entendimento secreto, válido inicialmente por três anos. A Rússia e
a Alemanha comprometiam-se com a neutralidade em qualquer guerra maior, exceto se a Rússia
atacasse a Áustria-Hungria ou se a Alemanha atacasse a França. Os alemães reconheciam a
influência dominante da Rússia na Bulgária, aceitavam jamais “consentir na restauração do Príncipe
de Battenberg” e apoiavam o princípio de manterem-se os Dardanelos e o Bósforo fechados a navios
de guerra estrangeiros em tempo de guerra. Nove anos depois, quando já não se julgava peado pelo
compromisso de segredo, Bismarck começou a vender a lenda de que o Tratado de Garantia fora um
golpe de mestre que reconstruira a supremacia alemã na diplomacia da Europa Mas o Tratado de
Garantia era um feito negativo, uma improvisação que mais limitava a liberdade de ação de
Bismarck que a Aliança dos Três Imperadores, seis anos antes. O Tratado de Garantia propunha
problemas, não resolvia nada; era tudo que, em 1887, Bismarck desejava. Pois se o tratado não
aliviava as tensões da Europa, pelo menos mantinha a continuidade, por três anos, das relações
russo-alemãs, independentemente da política que, eventualmente, um novo governante em Berlim
quisesse adotar.

Pelos anos de 1886 e 1887 a possibilidade de uma mudança de soberano dominou a vida política
alemã. A saúde de Guilherme deteriorava-se e havia um ar geral de incerteza e apreensão. Bismarck
ainda se perturbava só em pensar no príncipe real querer criar um “ministério Gladstone” após
subir ao trono. A expulsão de Alexandre de Battenberg da Bulgária em setembro de 1886, fizera
renascer um antigo receio na mente do chanceler. Para muitos dos compatriotas de Bismarck, o
Príncipe Alexandre era uma figura popular - vencedor de Slivnitza, um bom alemão escorraçado por
russos e austríacos, um belo ídolo de vinte e nove anos. A princesa real escrevia, entusiasmada, a
ele e sobre ele; e agora que não estava mais envolvido nos negócios da Bulgária, voltou a pensar
nele como pretendente à mão da Princesa Vitória Uma das irmãs da princesa real disse mesmo à
mãe, em Windsor, que “Sandro” de Battenberg “lembra-me Papai”, e para a filha preferida do
príncipe consorte não poderia haver melhor distinção. Bismarck aborreceu essa onda de idolatria de
Battenberg na Corte e alterou-se com a popularidade do príncipe, o suficiente para incomodar
Guilherme I, no início de outubro de 1886 com um extenso catálogo dos defeitos de Alexandre483.
O imperador foi, então, informado de que ele era politicamente perigoso, fraco e irresponsável e, se
fixasse residência na Alemanha, seria o candidato a chanceler de todos os inimigos internos do
Reich - Liberais progressistas, Sociais-Democratas, Católicos irreconciliáveis. Com essa tática de
jogo duro, Bismarck desacreditou de vez o infeliz príncipe. Assegurou-se de que não se levantaria
de novo a questão do casamento, não havería um cargo para Alexandre na Corte alemã, nem
comissionamento no exército alemão - enquanto Guilherme I vivesse.

Essa vingativa campanha contra Alexandre de Battenberg mostra o pior lado de Bismarck-
ciumento, egoísta, mesquinho e morbidamente receoso de intrigas palacianas. Era o estilo com que
combatera Harry von Arnim. No entanto, ao mesmo tempo, aplicava sua costumeira sagacidade
para garantir-se de que o primeiro Reichstag do novo imperador estaria firmemente sob seu
controle. Assim, no outono de 1886, ele deliberadamente confrontou os deputados com o tema
constitucional ao qual eram mais sensíveis: naquele setembro, enviou à Camara, doze meses antes
do prazo obrigatório, as estimativas de gastos militares para o Setenato seguinte. Pedia aprovação
do Reichstag a um aumento da força do exército da ordem de dez por cento, a fim de reequilibrar o
acelerado programa de instrução dos franceses. O projeto chegou às mãos dos deputados num
momento de real preocupação com o desejo francês de uma guerra de desforra. Em janeiro de
1886, Freycinet nomeava Georges Boulanger ministro da guerra. Se Boulanger não existisse, para
inflamar o patriotismo dos franceses, Bismarck teria de inventá-lo. Mas aí estava, pronto e acabado,
um general do tipo herói-cavaleiro, que deu ao desfile militar do Quatorze Juillet daquele ano um
pavoneio provocador como não se via desde Sedan. Até mesmo a oposição parlamentar na
Alemanha concordou com o fato de que, o povo francês saudando em Boulanger um redentor neo-
bonapartista, nenhum cidadão do Reich, patriota, poderia negar a Bismarck o exército ampliado que
ele pedia na Lei Setenal.

Mas ainda que o centro e os Liberais aceitassem um exército maior, não estavam dispostos a dar a
Bismarck um cheque em branco com validade de sete anos. Então, os partidos de oposição no
Reichstag sugeriram que o Setenato fosse mudado para Triênio. No dia 11 de janeiro de 1887, o
chanceler proferiu um potente discurso no Reichstag, tranqüilizando os deputados sobra a situação
internacional em toda parte, exceto no Reno. “Terá ou não acabado a era da guerra de fronteiras
com a nação francesa?”, reptou ele. E sombriamente deu sua própria resposta, “A essa pergunta só
posso manifestar minhas suspeitas pessoais e dizer que não, não acabou - que para tanto teria de
haver uma completa mudança no caráter dos franceses e em toda a situação ao longo da
fronteira”484. Tão empenhado estava Bismarck em despertar a Alemanha para a pretensa ameaça
de parte da França chauvinista, que discursou de novo no dia seguinte, e no outro. Até Moltke, já
com oitenta e sete anos, foi ao Reichstag em seu uniforme de marechal-de-campo e declarou aos
deputados que se o projeto fosse rejeitado “a guerra era certa”. Os deputados não se deixaram
intimidar. Votaram as verbas para três anos e nada mais. Imediatamente, Bismarck subiu à tribuna e
leu um ato imperial, que já obtivera de Guilherme I devidamente assinado, declarando a dissolução
do parlamento. Havería novas eleições - a sexta eleição para o Reichstag em dezesseis anos - no
início da segunda semana de fevereiro.

Durante a campanha eleitoral, os Conservadores e os Nacional-Liberais realçaram o significado,


para a Alemanha, da ameaça boulangista vinda de além-fronteira oeste. No dia 31 de janeiro, o Post
de Berlim, que em abril de 1875 alarmara a Europa ao interrogar se “havia guerra à vista”, tentou
outro sensacionalismo por meio de um artigo intitulado “Sobre o Fio da Navalha”. Desta vez, a
Europa não deu grande importância, mas o eleitorado alemão cerrou com Bismarck, o que não
fizera durante a agitação colonial antiinglesa de 1884. A eleição de fevereiro de 1887 deu aos
partidos conservadores e aos Nacional-Liberais 220 cadeiras num Reichstag de 397. Esse grupo,
então, formou o Cartel (Kartell), que proporcionou a Bismarck uma tranqüila maioria no Reichstag
pela primeira vez em seis anos. A Lei do Setenato foi normalmente aprovada quando se abriu a
sessão parlamentar, na segunda semana de março. Embora o Centro perdesse uma cadeira só, os
Liberais-Alemães- o “partido do príncipe herdeiro” -sofreram sérias perdas, não se reelegendo mais
de metade de sua bancada. O susto dá guerra boulangista causara uma grande vitória na política
interna para Bismarck.

Porém de certa maneira foi uma vitória no vazio. Em março de 1887 a Corte soube que o príncipe
herdeiro estava seriamente enfermo. Envelhecera celeremente no último ano e meio e uma
inchação nas cordas vocais tornava-lhe difícil falar de maneira audível. Em maio, os médicos
diagnosticaram câncer e propuseram uma traqueotomia, operação que quase certamente o teria
matado. Bismarck foi contra a operação, em conversas com o nonagenário Guilherme I e com a
princesa real, e de início aprovou a sugestão de que o doente se tratasse com o especialista escocês
Sir Morrell Mackenzie. O príncipe real melhorou o suficiente para comparecer às celebrações do
Jubileu de Ouro da Rainha Vitória, em Londres, naquele mês de julho, depois desceu para San
Remo, para o que esperava fosse uma convalescença485. Independentemente da terrível
enfermidade, Bismarck começou a ponderar se não teria exagerado o perigo que significava
Frederico Guilherme. A verdadeira ameaça ao sistema não provinha dos Liberais clássicos que
haviam buscado o apoio do herdeiro do trono, mas da geração mais nova e de seu desprezo pela
cautela, de seu arrogante orgulho da superioridade nacional. O filho do príncipe real, o Príncipe
Guilherme, moldara seu caráter nas virtudes e nos vícios dessa geração; e seus desejos, seus
modos, seus rumos não eram do agrado de Bismarck.

“Que chegue logo o dia em que a Guarda de Granadeiros limpe aquilo com baionetas e tambores”,
escreveu a um amigo o Príncipe Guilherme, aos vinte e oito anos de idade, no auge da discussão no
Reichstag a respeito do Setenato486. Era o tipo do arcaísmo irresponsável que o próprio Bismarck
poderia ter pronunciado, naquela idade; mas em 1887, a perspectiva de um golpe militar contra o
parlamento era tão malvista pelo chanceler quanto a formação de um “ministério Gladstone”. Mas
muito mais provável.

Restavam tensões na política externa: a crise Boulanger teimava em não esfriar, depois de ter
servido a seu propósito eleitoral alemão; cada vez ficava mais difícil para Bismarck reconciliar a
lealdade à aliança austríaca com os compromissos secretos com a Rússia sobre problemas búlgaros.
E tais assuntos não constituíam a única preocupação do chanceler. Ao buscar o apoio de Moltke em
seu conflito com o Reichstag, Bismarck havia estimulado o exército a aumentar sua influência nas
decisões políticas. O general von Waldersee, sucessor certo quando Moltke deixasse o cargo, era um
pertinaz politiqueiro, tão à vontade em agir subterraneamente que colegas mais irreverentes no
Estado-Maior chamavam-no “O Texugo”; e Bismarck observava com desconfiança a amizade que o
Príncipe Guilherme fizera com Waldersee e sua esposa de origem americana487.

Estava nas intenções de Waldersee modificar as funções dos adidos militares às principais
embaixadas, transformando-os num serviço diplomático em separado, respondendo diretamente e
apenas ao chefe do Grande Estado-Maior e, através tão-somente deste, perante o imperador488.
Esta concorrência ao controle do chanceler sobre a diplomacia provocou uma séria crise nos
últimos meses de 1887, quando os chefes militares julgaram iminente uma aliança franco-russa e
que a Alemanha devia coordenar planos com a Áustria-Hungria para uma guerra preventiva no
leste. Bismarck era totalmente contrário a uma guerra com a Rússia. Mandou o embaixador alemão
em Viena segurar os austríacos e não deixar em dúvida que a aliança de 1879 era de caráter
defensivo, não criando obrigações para a Alemanha caso a Áustria-Hungria provocasse a guerra
sobre negócios balcânicos. O chanceler ficou indignado com Waldersee por dizer ao embaixador
austríaco que o Estado-Maior era favorável a um ataque à Rússia; e tomou-se de fúria ante a
revelação acidental de que o adido alemão em Viena examinava, com Francisco José e com o chefe
de Estado-Maior austríaco, possíveis movimentos de tropas no leste e meios de aperfeiçoar as
ligações de Estado-Maior entre Berlim e Viena de forma a facilitar o preparo da agressão à Rússia.
Jamais, na era de Bismarck, o Estado-Maior Geral fizera um lance tão decidido para assumir o
controle da política externa

Bismarck reagiu rápida e vigorosamente. Em 7 de dezembro, repreendeu Waldersee por permitir


que “influências contraditórias, autorizadas”, se exercessem sobre diplomatas e governos
estrangeiros. Também falou duramente com Moltke, Albedyll e Bronsart mostrando-lhes que a
Alemanha não podia arriscar-se a uma guerra numa hora em que uma mudança de imperador era
iminente e quando os próprios chefes do exército tentavam obter a extensão do tempo de serviço
militar. O desventurado adido em Viena foi punido e o Ministério do Exterior Austríaco devidamente
lembrado do quão importante era evitar que o privilégio de prestar assessoramento político ao
soberano “escapasse das nossas mãos para o Estado-Maior’. Finalmente, escavando de maneira
astuta, digna do próprio “Texugo”, Bismarck alvejou indiretamente uma das principais fontes da
influência de Waldersee. Um artigo soprado, no Norddeutsche Rundschau, criticou 0 Príncipe
Guilherme por haver comparecido a um almoço no apartamento de Waldersee no qual houve
discursos pregando a criação de um novo movimento político protestante489. Pelo momento, ao
menos, Bismarck conseguiu deter as ambições de Waldersee e avisar o jovem Príncipe que não se
metesse naqueles assuntos.

No entanto, como em 1883, é questionável se Bismarck conseguiría manter o controle do poder se


não estivesse, naquele instante, disposto a ceder nas reformas do exército. Veja-se que em 16 de
dezembro de 1887, em plena crise Waldersee, Bismarck apresentou no Reichstag um projeto de
Reorganização Militar, o qual, mudando os prazos de serviço na reserva, acrescia 700.000 homens
ao efetivo do exército quando mobilizado para a guerra. A eficácia do Cartel garantiu que houvesse
pequena oposição a esse projeto, na câmara. Mas a imprensa bismarckista deu enorme destaque ao
debate da segunda tramitação do projeto, de maneira a fazê-lo parecer um importantíssimo voto de
confiança nos princípios de política externa do chanceler. O discurso com que participou do debate,
em 6 de fevereiro de 1888, foi um de seus mais intensos exercícios de persuasão verbal490. A
Alemanha, afirmou ele, queria paz com a Rússia e com a França. Essa paz, só a fazia perigar o tom
irresponsável e ameaçador dos jornalistas estrangeiros. “Podemos ser facilmente influenciados pelo
amor e pelo carinho”, declarou, “mas, certamente, jamais por ameaças. Nós, alemães, tememos a
Deus e a mais nada no mundo; nosso temor a Deus é que nos faz amar a paz e dar-lhe o valor que
tem”. Em meio aos aplausos que se seguiram a essa peroração, Moltke atravessou o plenário até
onde estava o chanceler e cumprimentou-o, lágrimas descendo pelo rosto. Uma multidão de
partidários de Bismarck acompanhou sua carruagem na volta do Reichstag para a Wilhelmstrasse,
naquele anoitecer e continuou a manifestar ruidosamente seu apoio noite a dentro, junto às janelas
da chancelaria. Dois dias depois, o Projeto de Reorganização Militar era transformado em lei; mas
era do discurso que o povo lembrava e não da ocasião em que fora pronunciado.

Um mês depois, na sexta-feira, 9 de março de 1888, a bandeira que drapejava sobre o Reichstag foi
arriada a meio-pau. De manhã cedo Guilherme I sucumbira à pneumonia, falecendo a apenas
dezesseis dias de seu nonagésimo primeiro aniversário. Logo após o meio-dia “cada deputado estava
em seu lugar, as galerias apinhadas de espectadores”, escreveu o correspondente do Times de
Londres, “Um silêncio solene tomava todo o espaçoso salão, cada um mergulhado em
seu pensamento de dor, no máximo olhando para o companheiro ao lado para compartilhar de sua
triste meditação”. Bismarck, com o uniforme de general e usando o colar da Pour le Mérite, deu
entrada no plenário tendo Herbert a seu lado. Anunciou que “o Imperador Guilherme I foi juntar-se
a seus pais às oito e meia da manhã de hoje” e que “a coroa prussiana, juntamente com a Elevação
Imperial, passou para Sua Majestade Frederico III”. Se mais disse, ninguém lhe ouviu claramente as
palavras. Soluços embargaram-lhe a voz, as pernas cederam e ele deixou-se cair em sua cadeira,
alquebrado. Observadores do momento acharam que o sentimento do chanceler era “um tributo
mais expressivo... que qualquer oração fúnebre491”. Era também um presságio?

[1] Angra Pequena, posteriormente, foi redenominada Lüderitz, em homenagem ao homem de


negócios que ali fundara o entreposto comercial. Mapas modernos mostram Lüderitz como o
principal porto da África do Sudoeste, território que é motivo de freqüentes debates nas Nações
Unidas.

[2] Herbert Bismarck ampliou este aspecto da política de seu pai, em conversa com o general von
Schweinitz, logo após a queda do chanceler em 1890: “Quando iniciamos nossa política colonial,
tínhamos a esperar, no futuro, um longo reinado do Príncipe Real, durante o qual predominaria a
influência da Inglaterra. Para impedi-lo, tivemos de lançar uma política de colonialismo, que é
popular e tem a força de produzir conflitos com a Inglaterra a todo momento”. W. von Schweinitz,
Briefwechsel... Schweinitz, p. 193.

[3] Herbert tornou-se formalmente secretário-geral do Ministério do Exterior em maio de 1886. A


condução da política, naturalmente, era atribuição do ministro do exterior, seu pai.


15. DERRUBANDO JUPITER

Teria sido melhor para a reputação de Bismarck se ele também tivesse morrido em março de 1888,
o discurso de projeto do exército seu canto de cisne. Porque, embora haja permanecido no poder
mais dois anos, nunca mais foi o dono dos acontecimentos; e sua mente já estava fixada sobretudo
no passado, muito antes que ele se retirasse da política ativa. Ainda era capaz de pontilhar sua
conversação de expressões vividas e de sóbrias indiscrições, ou de maquinar uma crise em assuntos
internos ou externos. Porém palavras e ações cada vez mais voltavam-se para a sucessão pacífica na
chancelaria, seu filho mais velho ocupando seu lugar. Não percebia que funcionários que o haviam
servido lealmente não se dispunham a queimar os dedos pelo inepto e grosseiro Conde Herbert.
Sobretudo não soube levar em conta o amplo sentido de entrada numa nova era que, com a morte
do primeiro imperador Hohenzollern, tomava conta da Alemanha.

Essa mudança de espírito não foi, evidentemente, imediata. A gravidade de estado de saúde de
Frederico III já não podia ser escondida e houve um interlúdio de luto frustrado entre muitos dos
velhos críticos de Bismarck, naquela primavera Frederico ainda estava em San Remo quando seu
pai faleceu. Antes, era sua intenção ficar no Mediterrâneo até a chegada do tempo mais quente,
mas vinte e quatro horas depois do emocional anúncio de Bismarck seu trem especial partiu para
Berlim. Bismarck embarcou no trem em Leipzig. Levou um choque com a aparência de seu novo
soberano, sem poder acreditar que aquele trágico esqueleto de gigante, mudo, inerte de cansaço,
fosse reinar mais de algumas semanas. Na realidade, Frederico fugiu ao nevoeiro do misericordioso
oblívio por mais noventa e sete dias. Bismarck, segundo escreveu Herbert, foi profundamente
afetado pela tragédia da doença final de seu antigo adversário. Mas estava permanentemente em
guarda contra qualquer tentativa de melhorar a sorte dos Liberais, na Corte perturbaram-no os
rumores de que o imperador preparava uma Proclamação de Regência, confiando as
responsabilidades da soberania não a seu herdeiro mas à “Imperatriz inglesa”. Correu em Berlim
ter o Príncipe Guilherme declarado -com revelador senso de ordem das prioridades - que “os
Hohenzollerns, o Reino da Prússia e o Império Alemão jamais permitiríam que uma mulher os
governasse”. Nem tampouco Bismarck.

No sábado, 31 de março, o chanceler foi oficialmente informado de que o imperador convidara o


Príncipe Alexandre de Battenberg para vir a Charlottenburg, onde residia a família imperial, na
segunda-feira seguinte. Bismarck soube que Alexandre seria agraciado com uma alta condecoração
e comissionado general no exército alemão. Presumiu, também, a iminência de um anúncio do
noivado de Alexandre com a Princesa Vitória da Prússia. O chanceler disse a Frederico, sem meias
palavras, que tal visita seria interpretada como “uma demonstração anti-russa e uma alteração na
política que seguimos até aqui”: se Alexandre viesse a Charlottenburg ele pediría demissão. O
Príncipe Guilherme implorou a seus pais que mudassem a idéia e passou-se um telegrama a
Alexandre cancelando a proposta visita492. A crise da ameaça de demissão durou apenas algumas
horas, mas deixou a imperatriz mais decidida que nunca pelo casamento Battenberg, que constituiu
uma atividade obsessiva para a pobre mulher durante as semanas terríveis da doença de seu
marido.

Bismarck bem sabia que os russos não estavam mais interessados em Alexandre de Battenberg.
Estavam, sim, por demais preocupados com as ambições do novo Governante da Bulgária,
Ferdinando de Saxe-Coburgo, para incomodarem-se com o príncipe da véspera. A hostilidade do
chanceler baseava-se na convicção de que o casamento “havia sido inspirado pela Rainha da
Inglaterra”. Buscando liquidar o projeto, Bismarck acreditava estar exorcizando o fantasma da
influência anglófila na Corte, coisa que o preocupava desde 1857. Mas a Rainha Vitória já sabia que
Alexandre não se interessava mais no casamento com sua neta Hohenzollern, pois estava
apaixonado por uma atriz. O embaixador inglês o confidenciou a Bismarck no dia 3 de abril e
informou que a Rainha Vitória visitaria Berlim na volta de umas férias em Florença493.
A rainha chegou, portanto, a Berlim no dia 22 de abril; desejava estar com o genro enfermo, de
quem era especialmente amiga; mas também queria consolar a filha e varrer os mal-entendidos a
respeito do projeto de casamento. Mui sensatamente, a rainha aconselhou a imperatriz a não insistir
no noivado da filha, em parte pela mudança nos sentimentos de Alexandre, em parte para atenuar
as tensões na Corte, onde o Príncipe Guilherme continuava firmemente contra os Battenbergs494.
Como etapa de sua política geral de acertar desavenças, Vitória concordou em receber Bismarck em
audiência. Não se avistavam desde o grande baile de Versalhes, a um terço de século de distância.
Enquanto ela não tinha a menor dúvida de que sabería como tratá-lo, Bismarck, por seu lado,
esperou a audiência desconfortavelmente nervoso, o que não conseguia ocultar dos observadores.
Não havia razão para preocupações. Tudo correu bem. Nada foi dito sobre o casamento,
diretamente, pois partia-se de que o projeto estava ultrapassado. Bismarck disse a Vitória julgar que
“seria cruel” estabelecer uma regência aquela altura e ela concordou. Mais tarde ela contou a
Salisbury que encontrara o chanceler cordial, encantador. Diz-se que ele emergiu do breve encontro
enxugando a testa, mas tomado de admiração. “Que mulher!”, exclamou. “Com ela seria possível
negociar!” Foi Lothar Bucher - não o próprio Bismarck - quem depois disse aos funcionários do
Ministério do Exterior “Vovó se houve com muito juízo em Charlottenburg”. O chanceler divertiu a
família descrevendo Vitória alegremente como “uma criaturinha muito animada”495.

Não houve desses momentos de descontração na Corte, naquele verão. No início de junho,
Frederico foi levado num barco, pelo rio Havei, para Potsdam, pois desejava findar seus dias no
Palácio Neues, onde nascera fazia cinqüenta e sete anos. Lá, no dia 13 de junho, ele recebeu
Bismarck pela última vez, na presença de sua mulher. O chanceler garantiu-lhe que jamais
esquecería que a infeliz e profundamente agitada imperatriz “é a minha rainha”. Dois dias depois
Frederico morreu. Bismarck não compareceu ao funeral; nem, até sentir que o poder lhe fugia das
mãos, fez qualquer gesto de boa vontade para com a imperatriz viúva. Solidariedade, para ele, era
parte de um calculismo, a ser usada - como a bajulação - raríssimas vezes.

Guilherme II, o terceiro imperador da Alemanha em quatro meses, estava com trinta anos ao subir
ao trono. Bismarck observara-o a cada estágio de sua maturação. As crianças da família Bismarck
foram às suas primeiras festas de aniversário; e o velho sabia tanto a respeito do moço que podia
enriquecer, naquele outono, sua conversa à mesa do jantar contando dos tempos em que a
preceptora do novo governante fora obrigada a aplicar-lhe boas palmadas por detrás496. Sua
tendência era ver Guilherme como um oficial subalterno de Potsdam que se recusava a ser adulto;
em conseqüência, subestimava-lhe seriamente a inteligência Em 1886 Guilherme I permitira que o
príncipe trabalhasse alguns meses no Ministério do Exterior e ficou evidente que, malgrado sua
aguda percepção intuitiva, ele tinha dificuldade em concentrar-se num estudo minucioso ou em
analisar logicamente uma situação. Da mesma forma, nas duas visitas oficiais que fez a S.
Petersburgo, Guilherme exibira um palavreado extravagante e mostrara-se rudemente opiniático,
mas não se saiu de todo mal. Consciente ou inconscientemente, Bismarck aceitava o fato de que
Guilherme II pertencia a um grupo etário que ele só compreendia em parte. Por isso, a partir de
1885, estimulou Herbert a cultivar o relacionamento com o príncipe, vantajoso ter um Bismarck da
segunda geração junto ao futuro governante, alguém que pudesse compensar a influência dos
Waldersees e do companheiro predileto de Guilherme, o Conde Phillipp zu Eulenburg, que era doze
anos mais velho que Guilherme.

Durante sua meninice Guilherme admirava Bismarck. Como estudante, em Bonn, criticara a decisão
de reunir o Congresso de Berlim e mais tarde discordou da adoção do protecionismo; mas o que
dizia era simples eco das idéias de outros, logo esquecido. Houve até bem pouca discordância entre
o príncipe e o chanceler até os últimos meses de 1887, quando Bismarck desaprovou as ligações
políticas de Guilherme com os Waldersees e o protegé destes, o pastor luterano anti-semita, Adolf
Stöcker. Este incidente, trivial em si, deve ter deixado ressentimentos em Guilherme. No
septuagésimo terceiro aniversário de Bismarck, quando já estava evidente que Guilherme
ascendería ao trono em questão de semanas, ele próprio convidou-se ao jantar na chancelaria e
ergueu um brinde “ao nosso grande chanceler”. Bismarck, disse o príncipe, “é o porta-bandeira
para o qual se voltam, solícitos, quarenta e seis milhões de leais corações alemães”; e acrescentou,
numa exaltação final, “Que ele nos guie. Nós o seguiremos. Muitos anos de vida!” Pensaria
Guilherme, realmente assim? Como outros descendentes do Czar Paulo ele sabia ser, quando queria,
um grande dissimulador. Pouco mais de um mês após a subida de Guilherme, Adolf Stöcker citava-o,
em particular, como “tendo dito, recentemente, ‘Darei seis meses ao velho para recuperar o fôlego;
depois reinarei eu mesmo’ ”497.
A maior parte desse período, o “velho” permaneceu em Varzin e em Friedrichsruh. Não se importou
muito com a atitude do novo imperador e não viu razão para permanecer na capital naquela estação
do ano, já que não havia qualquer crise maior em política externa. Bastava-lhe deixar Herbert
cuidando da situação internacional e do próprio Guilherme. No começo, pareceu que Herbert dava
bem conta do recado. No verão, ele acompanhou o imperador na primeira das muitas viagens do
vapor imperial Hohenzollern, navegando ao Báltico norte, com uma escolta de dez belonaves para
visitar Peterhof, Stokolmo e Copenhague. Em outubro, o imperador partiu outra vez; desta vez o
trem real - doze vagões em azul, dourado e creme - levou-o a Viena e a Roma. Uma vez mais
Herbert Bismarck era um assistente chegado, reportando fielmente o que ocorria a Friedrichsruh e
avisando seu pai que Guilherme já planejava uma viagem marítima a Atenas para assistir ao
casamento de sua irmã com o herdeiro do trono grego498. O imperador, resmungou o velho, “é
como um balão; se não for seguro firmemente pelo fio ninguém sabe onde vai parar”; mas não
criticava com seriedade nada que Guilherme dissesse ou fizesse. Somente o malicioso Holstein
admitia que os sucessos de Guilherme deixavam Bismarck num constante mau humor: “Ele segue
de longe a marcha triunfal do jovem Kaiser com a sensação de uma irascível coquette envelhecida”,
escreveu Holstein numa carta particular em outubro499. Por certo havia dificuldade para Bismarck
em acostumar-se a um governante que demonstrava tamanha vitalidade.

Contudo, durante esses meses da lua-de-mel do reinado, não houve colisões entre o chanceler e o
soberano. A dupla mudança de imperador reduzira a sessão parlamentar, sendo o único importante
ato legislativo de 1888 (votado pouco antes da morte de Frederico) uma extensão do mandato que
teria todo futuro Reichstag a ser eleito, de três para cinco anos. Bismarck não se apressava em
apresentar novas reformas ao Reichstag em funcionamento, a despeito da segura maioria que lhe
assegurava o Cartel. Avaliava Guilherme II e os homens a quem ele se voltava em busca de
conselhos. Não se tratava, também, apenas de uma questão de personalidades em conflito político.
Ambos os Bismarcks estavam inquietos com a atitude arrogante de Guilherme com relação ao
protocolo da administração, já ocorrera um episódio significativo, na primeira semana de julho,
quando 0 general von Caprivi pediu demissão da chefia do Almirantado porque 0 imperador teimou
em tratar pessoalmente com o diretor de construção naval, sem antes avisar o próprio Caprivi500.
Todo mundo ficou a imaginar o que aconteceria se Guilherme orientasse o imprudente entusiasmo
demonstrado pela construção naval para a direção da política externa e começasse a ultrapassar a
exclusividade da família Bismarck.

Com Guilherme II, tal qual sob Guilherme I, Bismarck estava decidido a manter laços fortes entre
Berlim e S. Petersburgo. Alegrou-se, portanto, ao saber, pelo embaixador alemão, da boa impressão
causada pelo imperador durante seu aparecimento naval um tanto espetaculoso em Peterhof. Pelo
menos esse cultivo dos Romanovs parecia indicar que Guilherme não seguiría às cegas Waldersee e
a escola de pensamento da guerra preventiva. Era difícil, porém, para qualquer dos Bismarcks,
entender os sentimentos de Guilherme com relação aos ingleses, aquela estranha, fortemente
emocional mistura de admiração, inveja e desprezo, que não se alteraria durante todo seu reinado e
exílio. Tampouco tinham certeza quanto a sua atitude com a França. No ano de 1888 o General
Boulanger, embora relegado a um comando regional na província, continuava a despertar
entusiasmo popular pelo seu programa neobonapartista. Bismarck tendia a considerar o
boulangismo mais um mito que ameaça, mas Guilherme II prestava a Boulanger a homenagem de
levá-lo a sério, talvez porque no fundo o general era um exibicionista como ele próprio. Até certo
ponto, Bismarck foi vítima de sua própria engendração: exagerara o espantalho boulangista, nas
eleições de 1887; ainda cinco semanas antes da acessão de Guilherme, ele lhe chamara a atenção
para a ameaça boulangista de além-Reno como forma de desapegá-lo de Waldersee e dos russófobos
do Estado-Maior Geral. Se Guilherme aprendeu a considerar os franceses inimigos naturais da
Alemanha, não há dúvida quanto a quem foi o tutor.

Apesar disso, quando Bismarck voltou às pressas para Wilhelmstrasse em janeiro de 1889, não foi
devido às atividades do imperador. Herbert havia, desastradamente, lançado confusão nas relações
anglo-alemãs no exato momento em que seu pai pretendia reforçar os contatos com Londres. Num
discurso ao Reichstag, em 14 de dezembro, Herbert fez uma referência, com ligeiro tom de
superioridade, à maneira prestativa com que os ingleses estavam a cooperar com os alemães para
evitarem disputas na África oriental: “Fui vigorosamente aplaudido quando elogiei a Velha
Inglaterra”, escreveu Herbert, em inglês, a seu amigo Rosebery, dois dias depois501. Mas os
benefícios desse gesto foram logo descompensados por uma esquisita briga que Herbert decidiu
tornar pública pouco antes do Natal. Ele trouxe à tona uma antiga acusação contra Sir Robert
Morier, embaixador inglês em S. Petersburgo; afirmou que Morier, quando servia em Darmstadt, em
agosto de 1870, usara de canais diplomáticos em Londres para revelar deslocamentos militares
alemães ao marechal Bazaine e que essa informação capacitara os franceses a montarem a ação de
Mars-la-Tour, na qual Herbert Bismarck foi seriamente ferido. Morier trabalhara na embaixada de
Berlim por muitos anos, antes de seguir para a Rússia e o chanceler via com maus olhos sua
influência sobre Frederico e esposa, mas nada havia de vantajoso numa discussão com Morier agora
que Guilherme II estava no trono. As afirmações de Herbert Bismarck, feitas em particular nove
meses antes, eram tão fantásticas que tanto Salisbury como o próprio chanceler alemão preferiram
abafá-las502. Elas lançavam dúvidas, não tanto sobre Morier quanto sobre o cavalheiro que
Salisbury não resistia a chamar de “o abominável Herbert”. O incidente confirmou as suspeitas,
havia muito circulantes em Berlim, de que o filho do chanceler não era suficientemente capaz para
desincumbir-se das responsabilidades que seu pai lhe atribuira; e não contribuiu em nada para
aumentar, em Londres, o respeito pela forma como os Bismarcks dirigiam a diplomacia alemã. Isso
foi lamentável para o chanceler, naquela etapa dos acontecimentos.

Antes de deixar Friedrichsruh, Bismarck tivera uma longa conversa com Hatzfeldt, agora
embaixador em Londres. Remeteu-o de volta a seu posto com reiterações de boa vontade a serem
transmitidas a Salisbury. Dois anos antes, Bismarck dera todo apoio aos governos italiano e austro-
húngaro para que firmassem os “acordos do Mediterrâneo” com Salisbury, de forma a associar a
Inglaterra, indiretamente, na Tríplice Aliança. Agora, em janeiro de 1889, a possibilidade de um
golpe boulangista levou Bismarck a propor uma aliança anglo-alemã formal. Queria um tratado de
caráter aberto, não apenas um entendimento secreto. Em fins de janeiro Bismarck, qual seu filho
seis semanas antes, enalteceu os ingleses num discurso ao Reichstag: “Vejo a Inglaterra como velha
e tradicional aliada, cujos interesses não colidem com os nossos”, declarou. “ É meu desejo manter
as amistosas relações que temos tido com a Inglaterra nestes últimos cento e cinqüenta anos, e
também nas questões coloniais”. (“Aplausos e ‘bravo’ dos deputados à Esquerda”, diz o registro da
sessão do Reichstag.)503 Raridade, o chanceler referir-se tão calorosamente a outra Grande
Potência.

Salisbury considerou durante dois meses a abordagem de Bismarck. Compreendeu que a


publicidade que Bismarck desejava para um tratado anglo-alemão não significava apenas uma
concessão conciliadora à praxe parlamentar britânica. Tinha sua lógica presumir-se que os
franceses, sabedores da existência de laços formais comprometendo a Inglaterra e a Alemanha,
fossem dissuadidos de qualquer imprudência militar. Mas já em março de 1889 o perigo boulangista
(se é que existiu) não era mais visível, pois a popularidade do general entrara em declínio. Daí,
quando naquele mês Herbert Bismarck veio a Londres, encontrou Salisbury em ótima disposição
com a Alemanha, disposto a trabalhar “lado a lado” com os aliados da Alemanha no Mediterrâneo,
porém o Governo Britânico rejeitava a proposta de uma aliança formal. Não lhe era possível, disse
Salisbury a Herbert, concluir tal acordo, porque não se sentia capaz de garantir sua maioria
parlamentar. Essa indiferença foi um golpe na posição pessoal do chanceler. Um tratado anglo-
alemão, anunciado ao público, teria sido tanto um estímulo ao prestígio cadente da dinastia
Bismarck como um dissuasor para os chauvinistas franceses. Na primavera de 1889 o chanceler
necessitava de algum tipo de sucesso. Acabara a lua-de-mel do reino e seus inimigos em Berlim já
tramavam sua queda. Um deles, Adolf Stöcker, era tão abertamente hostil que Bismarck não teve
dificuldade em conseguir uma proibição formal das atividades políticas do pastor, mas subestimou a
influência de Stöcker na sociedade de Berlim. Ele parece ter, também, suposto que Waldersee -
enfim substituto de Moltke como chefe do Grande Estado-Maior - desistira da idéia de criar um
serviço exterior militar, que o enfurecera tanto em 1887. Mas a subida de Guilherme II acirrou as
ambições de Waldersee e afastou as inibições que a reclamação do chanceler havia criado504.

Na primavera de 1889 Waldersee entregava regularmente ao imperador os relatórios dos adidos


militares no exterior que contrariavam as informações do Ministério do Exterior. “Tenho a
possibilidade de, a qualquer momento, fazer chegar informações políticas às mãos de Sua
Majestade”, disse ele ao attaché em Roma; mas vinham do Leste as notícias que ele estudava com
maior interesse505. Afirmava, em suas conversações com Guilherme II, que a Rússia estava a
rearmar-se rapidamente, comprando armamento na França e concentrando os novos depósitos
militares na Polônia, justamente a mais vulnerável fronteira alemã. Foi fácil para Waldersee
convencer o imperador de que a política de amizade com a Rússia era irrealística e de que o
chanceler ocupava-se em preparativos para as campanhas já empreendidas e vencidas vinte anos
atrás. A tendência de Bismarck, em seus últimos discursos, de andar para trás, para os 1860s e
mesmo antes, dava peso às afirmações de Waldersee. Quando o embaixador na Turquia foi recebido
pelo imperador em Berlim, naquele mês de abril, notou as crescentes suspeitas de Guilherme sobre
os russos: “Se Bismarck não nos acompanhar contra os russos" disse ele, “será necessário que
nossos caminhos se separem”.

Logo após a acessão de Guilherme os conservadores da cabala anti-Bismarck decidiram não fazer
quaisquer acusações diretas contra o chanceler na presença do imperador. Parecia-lhes melhor
tocar à frente certas políticas especialmente calculadas para aborrecerem Bismarck, provocando-o
e talvez levando-o a pedir demissão. O primeiro emprego dessa tática para tirar Bismarck parece
ter ocorrido na segunda semana de maio de 1889. Embora Holstein, no Ministério do Exterior, e
Waldersee, no Estado-Maior, estivessem cientes do esquema, o campo do conflito escolhido não foi
diplomático ou militar, mas social. Naquela primavera, o grande cinturão industrial da Vestfália
sofreu ameaça de paralisação por uma greve nas minas de carvão de Ruhr. As condições de
trabalho, ali, eram quase tão primitivas e duras quanto nas minas inglesas quarenta anos antes.
Malgrado sua visão aberta no caso do seguro de trabalho, Bismarck tinha uma atitude curiosamente
antiquada no que tocava a disputas decorrentes de condições e horários de trabalho. Limitar a
duração da jornada de trabalho de um operário, e evitar que sua mulher e seus filhos trabalhassem
também, significaria limitar a quantia de dinheiro disponível cada semana para o trabalhador e sua
família, argumentava ele; e nunca admitira criar restrições aos empregadores. Os mineiros, por
conseguinte, estavam em greve pelos mais elementares direitos. Embora sem terem atrás de si
nenhum sindicato mais organizado, seus líderes conseguiram parar entre 150 e 200 mil homens.
Bismarck tinha um certo interesse na disputa, uma vez que o complexo de minas Hibérnia fora
originariamente financiado por seu banqueiro, Bleichroeder, e vinha sendo, nos últimos sete anos, o
principal comprador da madeira de suas propriedades. Sua inclinação, portanto, politicamente, era
ignorar o que ocorria no Ruhr; os proprietários das minas, achava ele, tinham apenas de agüentar
firmes até que a fome e a miséria forçassem os grevistas a ceder.

Guilherme II era de outra opinião. Na mocidade, ele visitara as fábricas e minas do Ruhr muitas
vezes. Quase sempre acompanhado de seu tutor principal, Georg Hinzpeter, um vestfaliano de
nascimento. Guilherme continuou a aconselhar-se com seu ex-tutor depois de subir ao trono.
Hinzpeter era um rigoroso calvinista que apoiava os pontos de vista “Sociais Cristãos” de Adolf
Stöcker, não gostava de Bismarck, e menos ainda de Bleichroeder. No dia 14 de maio, por sua
própria vontade ou por incitação de Hinzpeter, Guilherme repentinamente interrompeu uma sessão
do conselho ministerial prussiano, presidido por Bismarck. O imperador- no caso, agindo como Rei
da Prússia - deu instruções aos ministros para tomarem providências que acabassem imediatamente
com a greve do Ruhr. Se necessário, deviam compelir os mineradores a atenderem às exigências
dos grevistas. Dito o que, saiu altivamente da reunião, ficando Bismarck a lamentar publicamente
que seu soberano fosse um jovem tão perigosamente impetuoso, tendente a impor despóticas
ordenações à vida prussiana como se fora Frederico Guilherme I. A greve dos mineiros foi resolvida
em questão de dias506.

Bismarck aborreceu extremamente o descaso de Guilherme pelo protocolo constitucional. Mas não
mordeu a isca da tática, e não pediu demissão. Em vez disso, retirou-se para Friedrichsruh no fim
de maio e passou fora da capital a maior parte dos cinco meses seguintes. Não foram, porém, meses
de inatividade. Deu jeito para que o Norddeutsche Allgemeine Zeitung, influente jornal de
Hamburgo começasse a publicar artigos de ataque a Waldersee507. A série, que chegou ao máximo
no dia 7 de julho, teve o efeito de obrigar o chefe do Estado-Maior Geral a pisar com cuidado até o
fim do ano, mas não de fazê-lo reconciliar-se com os Bismarcks. Ao mesmo tempo o chanceler
passou a estudar cuidadosamente a situação política no Reichstag, planejando a maneira como iria
conduzir-se nas eleições seguintes, marcadas para fevereiro de 1890. Apoiaria ele o Cartel, na
esperança de que os partidos Conservador e Nacional Liberal repetissem a vitória de 1877 e lhe
dessem o esteio substancial no Reichstag? Ou deveria basear sua futura política numa combinação
diferente, por exemplo, os Conservadores moderados e o Partido do Centro? O imperador já se
pronunciara diversas vezes no sentido de que considerava o Cartel a base natural do governo.
Waldersee, ainda que mais relutante que seu soberano em dar a público suas opiniões, assegurava
aos lideres partidários, em particular, que também era favorável ao Cartel. Mas Bismarck tinha que
chegar a uma conclusão não apenas sobre quem eram seus aliados políticos, mas também
identificar seus inimigos internos - a Igreja Católica, como sempre, os trabalhadores, o Grande
Estado-Maior, ou, novo nos cálculos, o palácio? Houve bastante em que meditar e muito o que
avaliar, naquelas semanas em Friedrichsruh e Varzin.

Mas a decisão do chanceler de ausentar-se de Berlim no fim de maio foi um erro tático. Ele já
causara o início de uma disputa política externa, potencialmente tão séria que demonstrava a
insensatez de governar pelo telégrafo. Em abril, um inspetor de polícia alemão, de nome
Wohlgemuth, foi detido pelas autoridades suíças em resultado da desastrada maneira pela qual
estava investigando as atividades socialistas e anarquistas dos exilados em território suíço.
Bismarck protestou junto à Suíça e instruiu o embaixador em S. Petersburgo a providenciar uma
gestão conjunta russo-alemã em Berna, com o objetivo de obter dos suíços a repressão dos grupos
que estariam tramando revoluções em suas pátrias. Mas, com a ausência de Bismarck, os
funcionários do Ministério do Exterior permitiram que o caso com a Suíça escapasse do controle.
Tomaram-se medidas alfandegárias na fronteira e pelo menos uma via de acesso foi fechada. Os
liberais sul-alemães, que nunca haviam tido problemas com a Suíça, indignaram-se; e o comércio
em Baden, Württemberg e Baviera sofreu consideravelmente. O Grão-Duque Frederico de Baden,
casado com uma tia do jovem imperador, sempre fora favorável à política de Bismarck, mas afastou-
se totalmente do chanceler com o Caso Wohlgemuth e a subseqüente guerra de nervos com a Suíça.
O Grão-Duque era pessoa respeitada por Guilherme II; seu representante pessoal em Berlim,
Marschall von Bieberstein, era o mais considerado e capaz enviado de um dos estados pequenos.
Bismarck não podia permitir-se o luxo de transformar em inimigo figura tão influente na Corte como
o Grão-Duque de Baden508.

Num dado momento, em julho, Herbert Bismarck admitiu ao Grão-Duque que julgava
incompreensível a atitude de seu pai. O Caso Wohlgemuth já era ruim o bastante, mas antes que se
resolvesse, os críticos do chanceler encontraram novo motivo de queixa. O Governo Russo desejava
colocar certas apólices na bolsa de valores alemã a fim de levantar dinheiro para completar o
sistema ferroviário estrategicamente tão importante, na Polônia e na Ucrânia. O agente principal
desse negócio era Bleichroeder, já longamente especializado em transações russas. Ao saber desse
negócio, Waldersee protestou ao imperador, este também inquieto com as grandes quantidades de
ações russas em poder de bancos e de investidores privados alemães. Guilherme enviou mensagens
a Friedrichsruh determinando a Bismarck providências para que o público alemão fosse alertado
contra as ações russas e Bleichroeder suspendesse a operação de colocação. Bismarck, no entanto,
sustentou que os russos considerariam esse tipo de pressão econômica um ato hostil e se voltariam
para a França em busca de apoio financeiro que abriría caminho a um entendimento político e
militar franco-russo. Guilherme, impêrvio, não se convenceu. Após consultar Bleichroeder, Bismarck
informou o imperador que, embora fosse impossível evitar a colocação de títulos russos na Bolsa de
Berlim, autorizaria uma campanha não-oficial de imprensa para desestimular os investidores
alemães de comprarem ações russas. Guilherme deu-se por satisfeito: sentiu que vencera de novo
seu chanceler, desta vez num assunto que atingia Waldersee e o Grande Estado-Maior; e estava
especialmente feliz por haver frustrado maquinações de tão tradicionais espíritos do mal, os
banqueiros judeus. O episódio deixou-lhe profundas suspeitas sobre Bleichroeder e suas
atividades509.

Seguiram-se outras causas de dissenção entre o chanceler e seu senhor. As autoridades


eclesiásticas da Baviera pediram permissão para o retomo à Alemanha de uma das ordens
religiosas, os Redentoristas, expulsas com os Jesuítas no auge da. Kulturkampf. O chanceler não se
opunha ao regresso, em princípio: mencionou a Herbert a possibilidade de apoio papal nos assuntos
poloneses e desejava compensar as péssimas conseqüências do Caso Wohlgemuth por meio de um
gesto que fosse bem recebido no sul da Alemanha. Mas a idéia da volta dos Redentoristas, não só à
Baviera mas às regiões católico-romanas da Prússia, acendeu o zelo protestante de Guilherme.
Apoiado por Hinzpeter, opôs-se firmemente à idéia. Ponderou que se os Redentoristas pudessem
voltar num ano, no ano seguinte os Jesuítas também se esgueirariam de volta. Guilherme não via
lógica em que um chanceler dependente do Cartel no Reichstag fizesse concessões aos católicos - a
menos, é claro, que se estivesse preparando para abandonar a coalizão governamental existente.
Guilherme não tinha dúvida de qual devia ser sua posição em tais assuntos: no dia 2 de outubro, o
diário oficial, o Reichsanzeiger, saiu com uma proclamação formal de que Sua Majestade Imperial
apoiava, sem reservas, o Cartel510. Três dias depois, o Conselho de Estado prussiano, reunido em
Berlim a despeito da continuada ausência de seu presidente, decidiu que os Redentoristas não
teriam permissão de regressarem à Prússia.
Era ridículo para Bismarck demorar-se em suas propriedades num momento daqueles e na primeira
semana de outubro ele, enfim, reapareceu na capital. Não porém, devido à política interna. Em 11
de outubro o czar iniciou uma visita de três dias a Berlim. Bismarck julgou essencial tranqüilizar os
russos, bem-informados da hostilidade da panelinha de Waldersee em relação a eles. Guilherme II
não esteve na melhor de suas atuações. Levantou um brinde à longa duração da centenária amizade
entre os Romanovs e os Hohenzollerns. Naquele instante ele estava tomado de espírito militar -
indulgente, Waldersee permitira que ele vencesse, nas manobras de outono - e ficou satisfeito ao ser
convidado por Alexandre III para ir à Rússia no ano seguinte, estudar os exércitos russos no campo.
Bismarck ficou menos feliz com a visita. Notara a fria recepção que o povo de Berlim dera aos
hóspedes russos. Tão aflito estava Bismarck por que o czar fixasse uma impressão favorável que,
pela primeira vez em vinte anos, foi à Ópera e agüentou uma apresentação de gala da Rheingold,
malgrado sua falta de simpatia pela música de Wagner. Atenuou as apreensões imediatas do czar
sobre a atitude belicosa de Waldersee e sobre a intenção de Guilherme II de fazer, em novembro,
uma visita de grande pompa a Constantinopla. Mas nem Alexandre nem seus acompanhantes
voltaram com ilusões quanto à capacidade de Bismarck controlar os acontecimentos por muito
tempo. Notaram como envelhecia rapidamente. Parecia tão abatido que Alexandre, ao recebê-lo em
audiência, ofereceu-lhe uma cadeira, permanecendo ele próprio em pé. Cortantemente, Alexandre
perguntou-lhe se contava continuar como chanceler nos anos à frente. Pergunta desconcertante,
mas Bismarck deixou claro que pretendia morrer na sela - e não muito em breve. O czar talvez não
estivesse tão interessado na saúde dele quanto Bismarck preferiu inferir ao dar-lhe a resposta.

Alexandre deixou Berlim no dia 13 de outubro. Guilherme, com Herbert de assistente, partiu para
Atenas e Constantinopla cinco dias depois. O chanceler disparou de volta para Friedrichsruh na
manhã seguinte: semana e meia em Wilhelmstrasse foi o suficiente para ele, que não voltou à
capital, naquele ano. Quando desejava ter consultas com líderes partidários e embaixadores, estes
tinham de pegar o Expresso de Hamburgo e passar uma ou duas noites em Friedrichsruh como
hóspedes do chanceler. Kalnoky - em seu nono ano de ministro do exterior austríaco - ao pretender
discutir a situação da Tríplice Aliança, naquele novembro, teve, também ele, de fazer a viagem do
norte a fim de avistar-se com Bismarck. O estilo de governo do chanceler nunca foi tão furtivo
quanto nos últimos meses, até o colapso.

Ninguém em Berlim tinha dúvidas de que o incorrigível ilusionista ia fazer um dos seus truques, de
novo. Em 1887 ele havia engendrado uma ameaça externa, espectralmente suspensa do outro lado
do rio Reno, um ato que ficava a dever à crise da “Guerra à Vista” de vinte anos antes. Parecia,
agora, que as eleições de 1890 deviam seguir o modelo de 1887, o chanceler entrando em cena com
sua segunda fantasia favorita, a de defensor da igreja e da família contra o socialismo vermelho e a
anarquia. Durante a greve dos mineiros do Ruhr de maio de 1889 ele solicitara ao Reichstag a
aprovação de um dispositivo pelo qual o estado contribuiría para um fundo de pensão para a
velhice, e este último item de seu programa de seguridade social foi devidamente votado com a
maioria assegurada pelo Cartel, no verão, ainda que com muitas abstenções. Mas, como sempre,
com Bismarck o bem-estar social e a repressão andavam de mãos dadas, e em outubro ele aprovou
um anteprojeto de lei anti-socialista destinada a tornar permanentes as “Medidas Excepcionais”,
que eram revalidadas a cada três anos desde sua aprovação no Reichstag em 1878. O projeto
continha um artigo que estatuía a expulsão de agitadores socialistas, proposta a que se opunha com
vigor o resto de nacional-liberais pertencente à coalizão do governo. Os Conservadores queriam
medidas anti-socialistas fortes. Também o Centro, desde que o chanceler fizesse concessões na
política religiosa. Enquanto o imperador estava em Constantinopla, Bismarck afirmou aos líderes do
Partido do Centro ser favorável à legislação isentando os padres do serviço militar e foi bem longe
na intimidação de seus colegas prussianos para que aceitassem essa isenção. Por mais que dissesse,
em público, que desejava manter funcionando o Cartel, poucos observadores davam-lhe crédito. Ao
chegar o fim do ano era largamente admitido que o Cartel podia ser a “Coalizão do Kaiser”, mas não
de Bismarck511.

Quando voltou da Turquia, Guilherme atirou-se à política com um empenho que chegava à
indiscrição. Sugeriu que se preparasse anteprojeto de lei regulando a jornada e as condições de
trabalho em minas e fábricas, com vistas, principalmente, a proteger mulheres e crianças. Heinrich
von Bötticher, secretário-geral de estado do interior, surpreendeu-se com o súbito interesse do
imperador por legislação social. Sendo ele, nominalmente, o vice-chanceler, achou de seu dever
deslocar-se a Friedrichsruh para colocar Bismarck a par do quadro. Segue-se um episódio obscuro,
que bem pode ser o resultado de incompetência e confusão em Friedrichsruh, mas pelo qual
Bismarck culpou o próprio secretário de estado. O secretário particular de Bismarck recomendou a
Bötticher que não fizesse a viagem, pois o chanceler não estava passando bem. Era verdade: nessa
ocasião ele escreveu à irmã queixando-se da asma, de nevralgia e de reumatismo. Mas não existe
explicação para não haverem mostrado o papel ao chanceler, quando Bötticher remeteu a
Friedrichsruh um memorando sobre a questão social. Herbert mantinha o pai bem a par dos
assuntos diplomáticos e militares. Parece, entretanto, ter-lhe passado desapercebida a importância
da mais recente obsessão do imperador. Foi então, a 7 de janeiro de 1890, quando Bötticher, afinal,
viajou a Friedrichsruh, que Bismarck ficou sabendo quão interessado se tornava Guilherme em
legislação trabalhista, Não se tocou: esse “embuste humanitário” só serviría para aumentar o
descontentamento nas massas urbanas, disse a Bötticher512. Tão logo voltasse a Berlim abriría os
olhos do imperador para toda essa tolice. Mas recusou-se a ir logo: Herbert disse-lhe que sua
presença não era necessária; e repetiu-lhe o conselho de permanecer no campo quando veio vê-lo
no fim da semana seguinte.

Guilherme II impacientava-se. Não queria Bismarck de volta em Berlim, onde ele entraria em
contato com os líderes dos partidos rivais no Reichstag, mas estava decidido a impor seu programa
trabalhista ao governo antes das eleições, marcadas para fevereiro. Em vista disso, foi passado um
telegrama para Friedrichsruh na manhã da quarta-feira, dia 23 de fevereiro, informando Bismarck
de que sua presença era solicitada e necessário seu comparecimento à sessão do Conselho da Coroa
às seis horas da tarde seguinte. O imperador calculava que poderia apresentar suas idéias ao
conselho antes que Bismarck tivesse a oportunidade de pôr todo mundo em forma atrás dele.

O chanceler estava pronto para o combate. Chegou de volta a Wilhelmstrasse, no mais agressivo
dos humores, no início da tarde de quinta-feira. Entre os ministros houve, como sempre, “uma
aterrorizada agitação só em pensar na chegada de Júpiter” (para empregar a clara metáfora de
Eulenburg); e o chanceler imediatamente convocou uma reunião. Foi acertado que o Conselho da
Coroa aceitaria quaisquer propostas feitas por Guilherme, reservando-se julgamento sobre elas até
que os detalhes ficassem mais nítidos. Os ministros, disciplinados, seguiram Júpiter até o
palácio513.

O Conselho da Coroa não transcorreu conforme Guilherme pretendia. Ele fez uma eloqüente
exposição em favor de melhores condições nas fábricas e solicitou, especialmente, a publicação de
um manifesto imperial, antes das eleições, que fizesse saberem seus súditos que o soberano
“tinhacomo algo de seu peito o bem-estar dos trabalhadores e aspirava a poder ajudá-los, embora
determinado a mantê-los na estrita obediência da lei e a punir atos de violência”. Foi lido, então,
para o conselho, um programa de reformas que incluía limitações ao trabalho aos domingos e ao
emprego de mulheres e crianças. Bismarck, falando inicialmente com moderação, apenas pediu
tempo para examinar as propostas, mas, à medida em que Guilherme começou a insistir em ação
imediata, a ira do chanceler subiu e ele expôs, de maneira mais vivida, os perigos contidos em se
inflamarem os operários às vésperas de uma eleição. Nesse ponto, Bötticher perguntou quando
seria dissolvido o Reichstag. Guilherme estava disposto à dissolução no dia seguinte, mas esperava
que, então, o parlamento já houvesse concluído a terceira leitura do Projeto Anti-Socialista. Na
opinião do imperador, o polêmico artigo que permitia a expulsão de agitadores devia ser retirado a
fim de manter no Cartel os Nacional-Liberais e os Conservadores moderados. Bismarck, entretanto,
não cedeu: nada de acomodação, nada de apaziguamento, nada de “arriar a bandeira”. O Projeto
Anti-Socialista permanecería como estava. Se o Reichstag o rejeitasse, ele apresentaria à nova
câmara um projeto ainda mais drástico, após as eleições, trazendo os dissidentes para debaixo do
controle. Ou o imperador se aprestava a uma prolongada luta contra o socialismo subversivo ou
teria de achar outro chanceler514.

Guilherme, por enquanto, perdia a parada. Ainda não estava pronto para aceitar a demissão de
Bismarck; mas mesmo assim, fez questão de declarar, não desejava manchar o início de seu reinado
com o sangue de trabalhadores. Em desespero, Guilherme apelou para os ministros do Conselho da
Coroa. Cada um deles, como de costume, apoiou Bismarck. O mais observador dos ministros, Lucius
von Ballhausen, anotou em seu diário, “Retiramo-nos com todas as divergências sem solução. Sente-
se que uma brecha irreparável abriu-se entre o chanceler e o soberano. Evidentemente, Sua
Majestade tentou mostrar bom humor com relação ao chanceler, mas estava fervendo por dentro.
Pelo menos ele é dotado de um inacreditável autocontrole”515.

A brecha cresceu nas quatro semanas seguintes. A primeira reação de Guilherme foi iniciar a busca
de um possível sucessor. Waldersee era politicamente reacionário demais e muito ostensivamente
ambicioso. Cinco dias apenas, depois da reunião do Conselho da Coroa, o Grão-Duque de Baden foi
informado por seu representante, Marschall, que o general Caprivi seria o próximo chanceler do
Reich; de fato, no dia 1º de fevereiro, Caprivi chegou de Hanover, convocado ao palácio, e ouviu do
imperador que estava sendo cogitado para o posto516. Havia muito bom senso nessa idéia. Caprivi
era um homem íntegro, respeitado tanto pelos bismarckistas como pelos chefes militares.
Demitindo-se, em 1888, por uma questão de procedimento administrativo, provara a Guilherme que
não era um simples autocrata militar, mas um ministro imbuído de crença na observância da forma
constitucional. Daí em diante, embora Caprivi não se quisesse considerar candidato, Guilherme
passou a julgar-se em condições de pagar para ver, a qualquer momento, quando Bismarck jogasse
no velho blefe de ameaçar demitir-se.

Bismarck desconhecia o contato com Caprivi. No começo, os acontecimentos seguiram o curso que
ele previra. O Projeto Anti-Socialista foi rejeitado pelo Reichstag em 25 de janeiro. Guilherme
dissolveu a assembléia e convocou eleições para o dia 20 de fevereiro. Houve, entretanto, um
estranho incidente, no dia 31 de janeiro, quando o imperador interrompeu inesperadamente uma
reunião do ministério prussiano (tal como fizera por ocasião da greve do Ruhr) e quis saber se
Bismarck estava providenciando o que ele desejava a respeito da questão trabalhista. O chanceler
afirmou-lhe que supervisionava pessoalmente a redação dos dois manifestos que Guilherme
pretendia lançar: não esclareceu, porém, que sua pena os estava editando e adaptando de forma tão
livre como o fizera com o Telegrama de Ems. A gazeta oficial de 4 de fevereiro publicou duas
proclamações: uma afirmava ao povo alemão o desejo do soberano de promover uma legislação
trabalhista; a outra tinha a forma de um convite do imperador alemão a todos os governantes da
Europa para que enviassem representantes a uma conferência internacional do trabalho, em Berlim,
no mês de março seguinte. Nenhuma das proclamações era referendada com a rubrica de Bismarck,
conforme o hábito desde a fundação do império; e ninguém, fora do Governo Prussiano, sabia que o
tom incisivo, quase radical, de ambos os pronunciamentos imperiais se devia muito mais a Bismarck
que a Guilherme. Estranhamente, o próprio imperador não parece ter feito objeções nem à
editoração nem à ausência da assinatura de endosso517.

As eleições para o Reichstag foram uma derrota para o Cartel, com todo o apoio de Guilherme a
suas linhas políticas. A maior bancada singular foi a do Centro, enquanto os Social-Democratas
tiveram o maior número total de votos. A legislação trabalhista do imperador aumentara a
“respeitabilidade” do socialismo, embora os limites dos distritos fossem desenhados de tal forma
que o milhão e meio de eleitores que votaram nos Social-Democratas fizeram, pelo voto distrital,
apenas trinta e cinco deputados. Bismarck não considerou o resultado derrota sua. Ele já se
mostrara com tendências para uma coalizão Conservadora-Centro e o veredito das umas confirmou
suas previsões. Mas o imperador opunha-se a concessões aos católicos. Cinco dias após a eleição
Guilherme II e Bismarck mantiveram uma longa conversação a respeito do futuro programa
legislativo do recém eleito Reichstag518. Um não entendeu o outro. Bismarck achou que o
imperador estava tão alarmado com a ameaça do socialismo que lhe permitiría medidas repressivas
e um projeto de orçamento militar acrescido, contanto que, em primeira prioridade, anunciasse
alguma legislação sobre o trabalho industrial. Guilherme II concluiu que o chanceler estava
atendendo a suas duas principal exigências: reforma social e exército maior. Ambos partiram de que
não havería “rendição” ao socialismo; Bismarck porque tencionava proibir sua propaganda.
Guilherme porque confiava em que um aumento no padrão de vida do operariado destruiría o
encanto do dogma revolucionário.

A reconciliação não durou mais que alguns dias. Guilherme percebeu que Bismarck cabalava contra
ele. Quando o chanceler visitou a imperatriz viúva, na véspera das eleições, Guilherme fez um
gracejo irônico em vez de aborrecer-se, mesmo sabendo que dele não falariam bem. Mas foram as
tentativas visíveis do chanceler de torpedear sua conferência internacional do trabalho que
realmente o encheram de raiva. Ele descobriu que Bismarck estimulava os embaixadores em Berlim
a recomendarem que seus governos declinassem do convite de Guilherme, usando como desculpa o
fato de se haverem comprometido com uma representação a conferência similar na Suíça[1]. Pior,
no próprio dia seguinte ao da aparente reconciliação, Bismarck expediu um memorando insistindo
em que nenhum anteprojeto corporificando as idéias sobre proteção dos trabalhadores deveria ser
apresentado até que acabasse a conferência, no fim de março. Finalmente, Guilherme ficou
sabendo, aparentemente por Bötticher, que Bismarck, no dia 2 de março, relembrara aos membros
do governo prussiano que eles estavam circunscritos, por uma ordem do gabinete imperial ao
ministério, emitida por Frederico Guilherme IV, em 1852, a somente tratarem de seus negócios com
o soberano através do chefe do governo. Dois dias depois, o imperador remeteu a Bismarck uma
ordem do paço proibindo-o de apresentar qualquer legislação anti-socialista. Para surpresa sua,
Bismarck obedeceu imediatamente. Mesmo com sua pouca experiência no trato com o chanceler,
Guilherme percebeu que ele deveria ter uma política alternativa já engatilhada, ou não teria
concordado tão prontamente com a exigência do soberano.

Ambos os filhos de Bismarck agora estavam preocupados com a tática do pai. O mais moço,
Guilherme, achava que não havia reconciliação possível entre o senhor e seu chanceler: “Cada vez
receio mais estar certo em minha previsão de que eles não chegarão juntos ao fim do verão”, disse a
Holstein em 2 de março519. Entrementes, Herbert tentava dirigir a política externa alemã, em
especial avaliar o ar estranho dos russos, que repentinamente chamaram de volta seu embaixador
em Berlim, a 27 de fevereiro, e pareciam em vias de obter a colocação, no mercado de Paris, dos
títulos de um considerável empréstimo. Andava tão mal de saúde que dependia do Dr. Schweninger
quase tanto quanto seu pai; exausto das exigências do cargo, faltava-lhe a volúpia do poder, aquela
estranha, demoníaca energia que possuía o chanceler. No dia 5 de março, Herbert enviou um
bilhete triste a seu cunhado, o Conde Rantzau, valendo-se do idioma inglês, presumivelmente
cautela contra a curiosidade dos criados: “Estamos perdendo terreno em todas as frentes porque
agora é inútil tentar consertar os erros fatais já inapelavelmente cometidos”520, escreveu ele.

Em particular, também o pai começava a ter dúvidas sobre o futuro. No fim de semana de 8-9 de
março, esteve em constante contato com seu banqueiro, Bleichroeder. Nos primeiros quatro dias da
semana seguinte, Bleichroeder liqüidou toda a considerável posição de Bismarck em títulos do
governo alemão, comprando Obrigações Estatais Egípcias a bom preço521. Mas o chanceler ainda
estava na luta, e usou seu banqueiro para fazer contato com os líderes do Partido do Centro. Em 12
de março, Bismarck recebeu Windthorst em sua residência oficial e tentou estabelecer, por fim, uma
coalizão Centro-Conservadora. Porém Windthorst exigiu privilégios para a Igreja Católica Romana
que Bismarck, mesmo no presente espírito aguerrido, sabia impossível conceder. A conversa foi
inútil. “Acabo de ver um grande homem no seu leito de morte política”, disse Windthorst, pouco
depois.

Quando soube do encontro, o imperador realmente chegou ao máximo furor. E não foi o encontro a
causa única. O chanceler prosseguia deliberadamente não cooperativo sobre a conferência
internacional do trabalho, e no dia 13 de março aprovou uma ordem diretiva, preparada pelo
Ministério da Guerra, para prender agitadores socialistas nas celas dos quartéis do exército e um
plano para a eventualidade de emprego de tropa contra rebeliões e levantes socialistas. Não
pareceu impossível a Guilherme que chegassem à tentativa de provocar uma manifestação de
trabalhadores durante o funcionamento da conferência. Esta devia ter sua sessão de abertura no
sábado, 15 de março, no mesmo Grande Salão onde se realizara o Congresso de Berlim. O
imperador não tencionava deixar que Bismarck o enganasse. Sexta-feira, tarde da noite, enviou uma
nota a Bismarck informando-o de que iria pessoalmente à chancelaria no sábado de manhã522.

A nota não chegou a Bismarck antes que se deitasse; e ele ainda estava na cama, quando o
imperador chegou, na manhã seguinte. Ao terminar de vestir-se, já estava de pavio curto. Guilherme
também. Exigiu saber com que direito Bismarck havia recebido Windthorst sem consultar,
previamente, o soberano. Por que estava a ligar-se com “judeus e jesuítas?” Por que fizera reiterar e
circular a ordenação ministerial de 1852? Deve ser imediatamente tornada sem efeito, pois o
soberano precisa ter o direito de discutir assuntos com seus ministros, “já que o senhor passa um
largo período de cada ano em Friedrichsruh”. Bismarck tentou esconder alguns papéis que estavam
sobre sua mesa. Guilherme exigiu vê-los. Bismarck hesitou. Guilherme apanhou um dos
documentos, uma mensagem confidencial de S. Petersburgo e leu - como queria Bismarck - um
comentário a seu respeito, feito pelo czar: “C'est un garçon mal élevé et de mauvaise foi!”. O rapaz
mal-educado e desonesto voltou para o palácio. Seu último comentário, ao sair, foi uma reiteração
de que a ordem ministerial de 1852 fosse anulada523.

Naquela tarde, o imperador recebeu Waldersee em audiência. O chefe do Estado-Maior queixou-se


da constante política do chanceler de apaziguamento dos russos. Guilherme solicitou a Waldersee
que ampliasse melhor suas idéias. Constavam de um longo ataque a Bismarck por este não apoiar
os chefes militares; e no fim, Waldersee disse ao imperador, francamente, que parecia não haver
razão por que o chanceler não fosse exonerado do cargo. No dia seguinte, o imperador estudou
informações sobre movimentos de tropas russas na Ucrânia, remetidas a Berlim pelo cônsul alemão
em Kiev. Pareciam corroborar as alegações de Waldersee. Uma apressada nota foi enviada ao
chanceler protestando por ter ele deixado de chamar a atenção de seu imperador “para esse perigo
terrível que nos ameaça”. No mesmo dia um dos ajudantes-de-ordens do imperador foi mandado a
Bismarck para perguntar se já havia cancelado a ordem ao ministério de 1852. Bismarck explicou
que não podia ceder neste ponto pois ele solaparia os poderes do chefe do governo. Na segunda-
feira de manhã, o ajudante-de-ordens retornou à presença do chanceler: ou Bismarck recolhia a
ordem ministerial ou devia apresentar sua demissão. À noite, sem notícias do chanceler, Guilherme
enviou um assistente civil a perguntar por que a carta de demissão ainda não chegara ao palácio.
Por fim, na terça-feira, 18 de março, Bismarck remeteu formalmente ao imperador seu pedido de
demissão, vazado num manifesto cuidadosamente redigido, no qual não havia menção à lei anti-
socialista, ao direito de receber Windthorst quando o desejasse ou a seus pontos de vista sobre
relações de trabalho. A carta de demissão realçava a necessidade de preservar as praxes
constitucionais (como demonstrado por seu apego à ordem ministerial de 1852) e, acima de tudo, à
necessidade de manter a paz na Europa e não ser levado a atitudes de pânico por um Estado-Maior
belicista. Dois dias depois, a demissão de Bismarck foi formalmente aceita. A Alemanha e o mundo
foram informados pela gazeta oficial na noite de quinta-feira, 20 de março: publicava a carta cortês
de Guilherme II aceitando “com profunda emoção” e “com coração contristado” a decisão de seu
chanceler de deixar o cargo. A gazeta não publicou a carta do chanceler.

Seguiram-se nove dias de interregno político. No salão de festas do Palácio Radziwill, o ministro
prussiano do comércio presidiu a conferência internacional do trabalho. As atenções, porém,
estavam noutras paragens. Depois de dominar o palco diplomático por vinte e oito anos, Bismarck
tinha direito a uma série de aparições finais, ao baixar o pano, e ele as executou com uma
combinação de dignidade e patos. A última visita para depositar três rosas no túmulo de Guilherme
I; uma visita de cortesia para receber a solidariedade da viúva de Frederico III; e, na companhia do
general Caprivi, que tomava as rédeas do poder, uma grande procissão até o palácio, onde
Guilherme II fê-lo Duque de Lauenburgo (“Usarei esse título quando quiser viajar incógnito”) e
promoveu-o a Coronel-General com honras de Marechal-de-Campo. “Meu pai diz que é tudo muito
estranho”, escreveu Herbert a Rosebery, “o imperador nomeia seu melhor general Chanceler e faz
do seu melhor chanceler um Marechal-de-Campo”524.

Telegramas de manifestação de simpatia, cartões de visita, buquês de flores chegaram à


Chancelaria durante vários dias e a semelhança a um funeral não escapou a Bismarck. Foi difícil
encontrar tempo para cada visitante. Nem todos foram bem recebidos: um pastor luterano com uma
homília sobre o tema “Amai Vossos Inimigos” foi mandado à vida por Joana com uma sem-cerimônia
religiosa digna da Rainha Elizabeth I. Pequenos príncipes alemães, líderes partidários e
embaixadores foram tratados mais respeitosamente. Como foram dois visitantes totalmente
inesperados: o Príncipe de Gales e seu segundo filho (o futuro Eduardo VII e o futuro George V)
estavam de visita em Berlim. O Príncipe de Gales foi levado a ver o chanceler caído, segundo seu
biógrafo, por “ardente curiosidade”. Interessou-o notar como ele lutava para conter sua raiva de
Guilherme, ao mesmo tempo em que, com naturalidade, previa desastres para uma Alemanha e para
uma Europa privadas de sua liderança. O Príncipe George, por sua vez, não notou nada disso: seu
único registro no diário foi, “Ele fala inglês perfeitamente”525.

No sábado 29 de março, Bismarck deixou a residência oficial pela última vez e foi de carruagem, em
meio à multidão que o saudava, até a estação de Lehrter, onde se postava uma guarda de honra e
uma banda militar de seu próprio regimento. Muitos grandes personagens estavam na multidão,
dando adeus à saída do trem, com Bismarck em pé junto à janela do vagão. O imperador,
evidentemente, não esteve presente526. Mas a Bismarck não seria dado esquecer seu jovem senhor.
Na terça-feira seguinte ele comemorou seu septuagésimo-quinto aniversário, com serenatas das
bandas locais, em Friedrichsruh. Chegou um presente do palácio; e Bismarck descobriu que para
seu consolo, na forçada aposentadoria, ele agora possuía um retrato enormemente ampliado do seu
soberano. Desta vez, faltaram-lhe as palavras.

[1] A fim de frustar o golpe baixo de Bismarck, Eulenburg foi mandado à Legação Suíça em Berlim
com uma solicitação para que a conferência na Suíça fosse cancelada. Os suíços cederam e
receberam de Eulenburg a garantia de que poderiam contar, daí em diante, com a eterna gratidão
do imperador. De outra forma não teria havido conferência do trabalho em Berlim. (Eulenburg, Aus
50 Jahrey pp. 231 -32).
16. DEPOIS DA QUEDA

“Não posso deitar-me feito um urso a hibernar”, queixou-se Bismarck, logo após sua volta a
Friedrichsruh527. Ele apreciava andar pela propriedade, a cavalo, de carruagem, a pé; divertia-se
com as brincadeiras das crianças de sua filha Marie; interessava-se pela situação dos serviçais e de
suas famílias nos vilarejos vizinhos. Mas sentia- se por demais agastado e ainda vigoroso para
aceitar a aposentadoria de bom grado. Quando estava no poder, escapava para Friedrichsruh com
um certo sentido de falta ao trabalho, de vadiagem, e embaixadores, ministros, personagens de
estado, seguiam-no até o Sachsenwald, o “Bosque dos Saxões”, junto à residência, a ponto de
parecer que a mansão de dois pisos e arquitetura irregular, junto a estrada de ferro de Flamburgo,
era o posto de comando central dos assuntos da Europa. Agora, porém, no verão de 1890, nem um
só político veio visitá-lo. Os trens expressos já não recebiam pedidos de parada na estação de
Friedrichsruh. Por vezes, sentia-se muito, muito entediado.

Teria sido melhor que viajasse. Lord Rosebery convidou Herbert para visitar a Inglaterra e esperou
que seu pai o acompanhasse. Mas aos setenta e cinco anos o velho já não tinha ânimo para
atravessar o Mar do Norte e Herbert fez a viagem sozinho528. Bismarck, aliás, viajou para
Kissingen em agosto, como de hábito, e recebeu o tratamento normalmente dado a visitantes da
realeza, mas não tinha desejo de ver novos lugares ou de exercitar a mente em novos prazeres
intelectuais. Tudo que desejava era vingar-se dos "intrigantes ambiciosos e incapazes” que,
afirmava, haviam envenenado o soberano contra ele.

Ao voltar de Kissingen, Bismarck começou a trabalhar em suas memórias. Lothar Bucher, que
servira no Ministério do Exterior vinte e dois dos vinte e oito anos em que Bismarck esteve à testa
dos negócios, chegou a Friedrichsruh em setembro. Durante todo o inverno tentou pôr em ordem o
estilo de narrativa de seu chefe. Bucher desesperava com freqüência; reminiscências não
constituíam refrigério para o espírito perturbado de Bismarck. Ao ditar certas passagens a Bucher,
velhos agravos vinham colocar-se ao lado de acontecimentos mais recentes, em sua mente. Às vezes
caía em profundo silêncio, deitava-se no sofá por meia hora e curtia sua cólera com ressentimento
do passado. Bucher teve dificuldade em fazer coincidir algumas estórias contadas por Bismarck com
a massa de documentos que o chanceler demitido retirara da Wilhelmstrasse nos dez dias que se
seguiram a sua queda. Não que deliberadamente falsificasse a história: a memória pregava peças,
vendo acontecimentos pelo telescópio e convencendo o narrador de que ele estivera presente a
ocasiões nas quais as evidências eram claras de que se encontrava noutro lugar. Depois de mais de
vinte anos ele já não conseguia separar, mentalmente, a versão oficial de certas ocorrências do que
realmente havia sucedido. Pelo menos uma vez, Bucher viu-se na embaraçosa situação de ouvir o
ex-chanceler negando uma iniciativa diplomática, referente à candidatura Hohenzollern, em que ele
próprio, Bucher, fora o executante da gestão529. Foi necessário todo o tato e a experiência de
Bucher para evitar que a narrativa degenerasse numa distorção dos fatos paralela à das famosas
memórias de Talleyrand, publicadas justamente nos meses em que Bucher ajudava Bismarck a
escrever as dele.

Ainda que quisesse, Bucher não conseguiría induzir Bismarck a demonstrar objetividade. Teve de
aceitar a versão do chefe de que a unificação alemã seguira um grande roteiro preestabelecido. Da
mesma forma, foi-lhe impossível diluir no texto o rancor de Bismarck para com aqueles que
considerava seus inimigos na Corte. Uma que outra vez até o fiel Bucher empacou em sua tarefa:
“Ele conta um caso de certa maneira, hoje, e de maneira completamente diferente amanhã”,
queixou-se a Moritz Busch; e ainda mais ilustrativamente, “Ele jamais admite ter tido algum papel
nas coisas que saíram erradas”530. O esforço de tratar com seu temperamental “chefe” foi demais
para Bucher, especialmente em Varzin. “Durante meses”, conta ele a Busch, “a temperatura de meu
quarto, lá, esteve dez graus abaixo de zero e isso me liqüidou”531. Depois de fazer um terço do
trabalho, Bucher adoeceu gravemente. Em outubro de 1892, faleceu. Bismarck perdeu o interesse
pelo projeto original da obra, que era de larga escala. Embora revisasse cuidadosamente as provas
de Gedanken und Erinnerungen, criando uma obra-prima literária como ainda não houvera em
autobiografia, ele nunca procurou outro amanuense para substituir Bucher. Remendou o manuscrito
incessantemente, até o mês de sua morte, reorganizando a ordem dos capítulos, atenuando algumas
referência a pessoas, tentando tornar mais coerente sua filosofia política, diferenciando o que era
possível do que era ideal. Mas o modelo básico do trabalho - um registro pessoal de fatos passados,
refletidos no espelho de insatisfações presentes - permaneceu o mesmo de quando o pobre Bucher
trabalhava para decifrar suas notas taquigráficas, nas correntes de ar da mansarda em que morou,
em Varzin.

Bucher lamentou muitas vezes que o “pensamento (de Bismarck) ainda está no presente, que deseja
influenciar”. O comentário era justo. Em março de 1891 Bismarck escreveu a Waldersee (agora,
também caído em desgraça): “Uma paixão sempre consome a outra. A política foi a última de
minhas paixões e absorveu todas as demais. Eis-me aqui, parado, sem poder acompanhá-la, e isso é
duro para mim”532. Tinha ímpetos de criticar muitos aspectos da política de Caprivi: tentativas de
apaziguamento dos trabalhadores; concessões coloniais à Inglaterra em troca da Heligolândia; más
relações com a Rússia. Sem porta-vozes no Reichstag, Bismarck encontrou uma alternativa para
tornar públicas suas opiniões. Aceitou uma proposta dos donos e dos editores do Hamburger
Nachrichten para escrever-lhes regularmente um comentário sobre a cena política interna e
internacional. Os artigos de Bismarck, ditados às pressas e mal revisados, não estão à altura de
seus anteriores ensaios de jornalismo. A idade endurecera-lhe o estilo e tornara-o professoralmente
obscuro, às vezes aborrecidamente repetitivo. Mas se as expressões eram menos brilhantes, havia
sempre uma agradável sensação de expectativa sobre que segredo revelaria ele, a seguir, em sua
coluna. Logo, seus artigos estavam também nos jornais de Munich e Leipzig. Era muito, e
extensamente, citado na imprensa estrangeira. Também recebia jornalistas simpáticos a ele, em
Friedrichsruh, Varzin e Kissingen: uma entrevista exclusiva saiu no Le Matin, dizendo ao povo
francês o quanto ele sempre se esforçara por manter a paz; já os leitores do Daily Telegraph foram
tranqüilizados de que uma guerra anglo-alemã era impensável, não parecendo provável que jamais
fosse haver quaisquer desentendimentos mais sérios entre as duas nações. Em março de 1891,
quando Bismarck utilizava o Hamburger Nachrichten para desabonar seu ex-vice Bötticher, os
ministros em Berlim consideravam o ex-chanceler um poderoso adversário. É de notar que, embora
ele sempre se tomasse de cuidados para não atacar seu soberano pessoalmente, Guilherme II ficou
tão irritado com as campanhas de imprensa que deixou de enviar cumprimentos a Bismarck em
qualquer dos aniversários pessoais ou datas nacionais de 1891. Em julho daquele ano, Guilherme
comentou com seus oficiais generais que Bismarck estava sistematicamente em oposição a ele.
“Qualquer dia desses o príncipe acaba na prisão de Spandau”, avisou os comandantes, e eles
deviam pensar na forma como explicariam a detenção a suas tropas. “Deus meu! Bismarck em
Spandau!" exclamou um deles, em conversa privada. “Seria uma bofetada no povo alemão”533.

Mas seria Bismarck, de fato, um sério perigo para o imperador e seus ministros? Em abril de 1891
ele foi convencido a candidatar-se pelo Partido Nacional-Liberal, numa eleição complementar para o
Reichstag, pelo distrito hanoveriano de Gessetemunde. Não fez uma campanha muito ativa; mesmo
assim, aborreceu-se ao constatar que seu nome não era o suficiente para uma vitória por maioria
absoluta no primeiro turno. Teve de concorrer ao segundo turno e seu opositor, pelo partido Social-
Democrata, foi um operário de uma pequena fábrica de charutos. Bismarck, então, elegeu-se, mas
somente pelo apoio do Partido do Centro local534.

Houve um grande interesse na aparição do ex-chanceler como deputado comum, na Câmara.


Semanas se passaram e ele não ia a Berlim; semanas, meses e anos. Posteriormente, no outono de
1892, explicou a um jornalista francês, porque não tomara posse em sua cadeira de deputado. “Não
tenho residência em Berlim e detesto hotéis, sobretudo camas de hotéis”, foi sua justificativa, não
muito convincente. “Em Berlim, ser-me-ia impossível atravessar uma rua sem causar um
espetáculo... Cada palavra minha seria comentada, explorada e contraditada.” E acrescentou, mais
reveladoramente, “a autoridade que advém da ocupação de cargos já não seria minha. Eu ficaria
como simples soldado na bancada, e talvez constituísse até um estorvo”535. Para sossego de
Guilherme II ele nunca penetrou no edifício do Reichstag depois de sua queda. É muito provável
que, consciente da quase humilhação das eleições de Gessetemunde, não se quisesse expor ao
ridículo que lançariam sobre ele os experimentadíssimos táticos parlamentares que tratara com
tanto desprezo durante sua hegemonia.
Na primavera de 1892, a posição de Caprivi estava abalada por uma longa disputa, no Reichstag e
em todo pais, em torno de um projeto sobre educação. Também desagradara seus companheiros
generais (principalmente Waldersee) e muitos influentes industrialistas, que reagiram a sua política
social. Foram os industrialistas e Waldersee que tomaram a iniciativa por uma reconciliação entre o
imperador e Bismarck. Em 4 de maio de 1892, os jornais participaram o noivado de Herbert
Bismarck com a Condessa Marguerite Hoyos, filha de uma família aristocrática húngara que vivia
em Fiume (Rijeka). O imperador Guilherme II imediatamente enviou um efusivo telegrama de
felicitações a Herbert, ignorado desde sua demissão do Ministério do Exterior, após a queda do
chanceler. Os jornais alemães e austríacos começaram a especular que o casamento de Herbert
seria aproveitado por Guilherme II como oportunidade de reconciliação com o “leão ferido” de
Friedrichsruh536. O imperador, porém, fazia questão de que a iniciativa partisse de Bismarck. No
fim do mês enviou o Barão von Stumm a Friedrichsruh, na esperança de que este persuadisse
Bismarck a fazer o gesto de boa-vontade. Não se pode dizer que a missão foi um sucesso. “Ele veio
pedir que eu me rebaixe”, disse Bismarck a sua futura nora, ao partir Stumm537. Quinze dias
depois, o trem imperial passou junto à propriedade de Bismarck, vindo de Berlim: não parou em
Friedrichsruh.

Herbert casou-se em 21 de junho de 1892, não na relativa obscuridade de Fiume, mas em Viena, ao
pleno brilho da publicidade. Assim, longe de servir para uma reconciliação entre seu pai e o
imperador, a cerimônia levou ao auge essa briga mesquinha. Pois, tão logo soube que o casamento
teria lugar na capital austríaca, Guilherme escreveu pessoalmente a Francisco José pedindo-lhe que
não recebesse seu “desobediente súdito” Bismarck em audiência; e Caprivi deu instruções ao
pessoal da embaixada em Viena para de forma alguma aceitarem convites para o casamento. A
notícia dessa baixa atitude ganhou as ruas e foi explorada por Bismarck e pelo Hamburger
Nachrichten. A simpatia popular em Viena ficou toda do lado dos Bismarcks, pai e filho. Aonde quer
que fosse, o ex-chanceler era saudado e aplaudido. Ninguém parecia lembrar mais a tragédia da
Guerra Entre Irmãos538.

E não foi apenas em Viena que o povo lhe demonstrou solidariedade. Ele seguiu até Kissingen, via
Munich e Augsburg, proferindo discursos de improviso para os agrupamentos de gente nas estações
ferroviárias, simples declarações de patriotismo da parte de um idoso senhor de sobrecasaca negra
e gravata, tão difícil de identificar como o Chanceler de Ferro à paisana. Após a estância de águas
em Kissingen, viajou a Schönhausen via Iena. Lá também fez discursos. Na velha praça do mercado,
falou principalmente a professores, formandos e estudantes da antiga universidade. Temia, disse
ele, ter feito por demais forte a Coroa ao redigir a Constituição Imperial e lamentou ter “diminuído,
assim, a influência do Reichstag ’. Os parlamentares precisam de liberdade para “criticarem
construtivamente, alertarem, e, em certas circunstâncias, dirigirem o governo”. “O povo não deve
achar que está obedecendo a Deus, quando, na realidade, está a obedecer um funcionário público
de alto nível”, declarou539. Ele nunca fizera discursos em comícios, pelo país, naquele tom.
Estranho, para quem sempre verberara a possibilidade de um “ministério Gladstone”, começar a
pregação da soberania do parlamento em idade tão avançada.

A extemporânea descoberta da oratória popular, pouco adiantaria a Bismarck: fez com que o público
lesse com maior interesse seus artigos de jornal; trouxe jardineiras lotadas de peregrinos de
Hamburgo a Friedrichsruh; criou embaraços para Caprivi e convenceu Guilherme II de que, mais
cedo ou mais tarde, teria de silenciar Bismarck, ou de cortejar-lhe a vaidade. Mas não havia a
menor possibilidade de sua volta ao ministério. Tempos atrás, ele dissera a Napoleão III que, na
Prússia, eram os reis que faziam revoluções, agora o aforisma valia para o conjunto da Alemanha.
Por mais que lamentasse o sistema autocrático, aquele ele mesmo criara; e nele não havia espaço
para um eficiente líder da Oposição. Nos doze meses seguintes, Caprivi despertou cada vez maior
hostilidade, mas não se uniu a Bismarck. Quando este viajou para Kissingen, em agosto de 1893, já
aceitara, pela primeira vez, o caráter terminante de sua exclusão do ministério. No início de agosto,
Bismarck fez uma visita de cortesia a outro veranista de Kissingen, Lord Randolph Churchill (cujo
filho mais velho acabara de entrar na academia militar de Sandhurst como cadete de cavalaria).
Lord e Lady Randolph jantaram com os Bismarcks no dia seguinte: saíram impressionados com a
vivacidade mental do ex-chanceler e Lord Randolph descobriu que tinham algo muito forte em
comum, ambos detestando a atuação parlamentar de Gladstone. Lady Randolph deliciou-se com a
galanteria do tipo antigo de Bismarck - ele mencionou-lhe a beleza dos olhos - mas achou sua esposa
distante e muito enfraquecida540. Na verdade, o próprio Bismarck não estava nada bem de saúde:
chegara a Kissingen com herpes-zoster e Schweninger alarmou-se com uma evidente inflamação
dos pulmões. A notícia da doença só foi liberada para os jornais na terceira semana de setembro,
quando já não havia maior perigo. Guilherme II mandou a Bismarck um telegrama com votos de
pronto restabelecimento e ofereceu-lhe um castelo real para a convalescença. Com Schönhausen,
Varzin e Friedrichsruh à disposição, a generosidade do imperador era desnecessária, mas ensejou a
Bismarck enviar-lhe um agradecimento cortês541. Sendo essas trocas de correspondência
invariavelmente publicadas, os jornais de novo especularam sobre uma reconciliação.

Guilherme II não possuía uma clara mentalidade política. Era, porém, sensível a cambiantes de
popularidade, e a doença de Bismarck tocara os sentimentos do público. O imperador avaliou que,
se seus súditos pudessem assistir ao soberano tratar Bismarck como o Grande Ancião da Alemanha,
tal gesto viria em favor de seu prestígio, num momento em que o chanceler que ele nomeara como
sucessor de Bismarck estava em desfavor com todo mundo. Em 18 de janeiro de 1894, Herbert
Bismarck foi convidado para uma recepção na corte, pela primeira vez desde a demissão de seu pai.
Quatro dias depois chegou um ajudante a Friedrichsruh com uma garrafa de Steinberger Kabinett e
um convite para as comemorações do aniversário do imperador no fim da semana. Bismarck reagiu
a esta aproximação do palácio com cautelosa desconfiança: sua saúde, justificou, não lhe permitia
comparecer a solenidades formais, mas teria imenso agrado em poder agradecer pessoalmente as
solicitudes do imperador542. Desta forma evitou aparecer na capital apenas como mais um entre
muitos leais súditos a celebrar o aniversário de seu soberano. Se fosse a Berlim, decidira ser
homenageado e não prestar homenagens.

Guilherme foi consentâneo. Convidou Bismarck à capital em 26 de janeiro, véspera do aniversário; e


tornou a visita uma ocasião de grande estilo. Quando o trem chegou à estação de Lehrter, o Príncipe
Henrique da Prússia recebeu o ex-chanceler como um alto personagem real e ele foi escoltado até o
Schloss pela Cavalaria de Guarda. Estava acompanhado dos filhos, Herbert e Guilherme. Enquanto
os Bismarcks estiveram no palácio, uma multidão, do lado de fora, cantava, intermitentemente,
canções patrióticas. Dentro, a conversa foi banal, cordialmente superficial, sem menção à política. À
tarde, quando o imperador saiu cavalgando, foi vivado com raro entusiasmo, e os Bismarcks
receberam outra calorosa recepção ao serem escoltados de volta à estação543. Três semanas
depois, enfim, o trem do imperador parou em Friedrichsruh, e houve mais uma conversação entre
os dois, “conversa de salão de baile”, classificou Joana, inflexivelmente. Bismarck sabia que a
reconciliação era apenas superficial, mas entendeu que facilitaria a vida de Herbert. Tinha
esperanças de tornar-se um “estadista mais antigo”, algo como Metternich fora nos últimos oito
anos de sua vida, uma força respeitada, por detrás do trono. Tal não era, porém, a intenção de
Guilherme. “Agora podem erguer-lhe arcos-do-triunfo em Viena e Munich”, sumarizou Guilherme,
após a visita do ex-chanceler a Berlim, “estou sempre um passo à frente dele”544.

Oito meses depois, Caprivi demitiu-se e Guilherme nomeou seu sucessor o Príncipe Hohenlohe, um
católico bávaro, apenas quatro anos mais moço que Bismarck. Hohenlohe viajou a Friedrichsruh
logo ao início de seu período de chanceler mas não fez qualquer convite a nenhum dos Bismarcks,
nem expurgou da administração os que estes consideravam seus inimigos - Bötticher, o Barão
Holstein e Marschall von Bieberstein (que sucedera Herbert no Ministério do Exterior). Hohenlohe
apoiou-se mais em Bötticher e Marschall que em qualquer outra pessoa, e Holstein havia tido um
papel preponderante, favorável a sua candidatura ao cargo. Com esses homens indispensáveis na
Wilhelmstrasse, não havia espaço para qualquer Bismarck.

Se o velho decepcionou-se, não demonstrou. Em pouco tempo ficou de luto. Durante meses Joana
vinha passando mal, enfraquecida pela asma, com a mente turvada e confusa. No dia 27 de
novembro de 1894, faleceu durante o sono. Bismarck chorou como uma criança, como lhe
acontecera quase cinqüenta anos antes, quando Marie von Thadden morreu tão moça. Joana não
era bela, ou intelectualmente brilhante, mas era leal. Se não se alçou facilmente às eminências de
seu marido, pelo menos amparou-o nos passos em falso de sua carreira. No dia seguinte ele
escolheu uma rosa branca de uma das coroas de flores mandadas em tributo a Joana, retirou um
livro de história da estante de sua biblioteca e começou a ocupar sua mente com o passado da
Alemanha545. Descobriu que a leitura era a única distração de suas tristezas.
Pouco depois, deixou Varzin para sempre. A maior parte dos seus restantes três anos de vida,
passou em Friedrichsruh. Recebia mais visitantes que na era de Caprivi, mas às vezes sentia-se
intensamente solitário e com tendência à melancolia. Poucos dos antigos amigos estavam vivos:
Kathy Orloff falecera em 1875; John Motley, dois anos depois; seu colega de escola, Blanckenburg,
em 1888; o talentoso companheiro dos dias universitários, Alexander von Keyserling, em 1891; e
seu irmão Bernard pouco antes de Joana. Apenas tinha a companhia da irmã, Malwine, com filhos e
netos. Pateticamente, tentou encorajar o marido de Malwine, Oscar von Arnim, a visitá-lo546.
Haviam estado juntos no Gynmasiun da Friedrichstrasse e ele recordou como bebiam cerveja, às
escondidas, na escola, mas essas reminiscências não motivaram o “ruivo Oscar”. Ainda persistia
muita tensão entre o ex-chanceler e o clã dos Arnims, para permitir a retomada de velhas amizades.
Bismarck teve de contentar-se com o apoio prestativo de Malwine e com a admiração de sua
sobrinha e nora, Sibylle, de quem gostava muito. Outros visitantes, que vinham às pressas de
Hamburgo para umas poucas horas de conversa ou para a pousada de uma noite em Friedrichsruh,
ficavam com a impressão, às vezes, de que ele tinha mais satisfação com os enormes mastins da
casa do que com os hóspedes. Bem possivelmente tinham razão. Na véspera do octagésimo
aniversário de Bismarck, o imperador anunciou que desejava visitar Friedrichsruh. Desta vez,
trouxe com ele um esquadrão de cavalaria e mandou prestar continência ao coronel-general com
todas as formalidades de apresentar armas a cavalo. O velho meteu-se uma vez mais no uniforme,
mas teve de abandonar qualquer veleidade de também aparecer montado e contentou-se em sair ao
pátio apoiado numa sólida bengala, um cão negro ao lado, tão empertigado quanto a guarda do
imperador. Waldersee, de há muito desiludido com Guilherme II, observou esse encontro entre o
imperador e o estadista a que um dia aspirara suceder, com cínica isenção: “Permanece a frieza de
ambos os lados”, anotou em seu diário, “Usam da mais amistosa linguagem e o imperador concede-
lhe toda atenção, mas jogam um jogo um com o outro. A quem não conhece, parece tudo muito
satisfatório; mas não passa de fingimento”547. Guilherme II passara a considerar Bismarck uma
legenda viva, politicamente inofensiva. Foi, portanto, com a maior consternação e fúria que leu, em
outubro, que o ancião incorrigível havia revelado a existência do Tratado de Garantia com a Rússia,
num de seus artigos para o Hamburger Nachrichten. Foi tamanha a ira de Guilherme que, mais uma
vez, falou em alta traição. No entanto, sabia que sua popularidade não poderia sobreviver a uma
ação contra o gigante caído. Havia, na entourage do imperador quem achasse a bênção de Bismarck
essencial a qualquer novo acometimento do Reich. O almirante Tirpitz buscou seu apoio para uma
Esquadra de Alto Mar, mas sua atitude foi de perplexidade ao tomar conhecimento do plano, pois
este, achou ele, enfraquecería inevitavelmente a posição relativa de força do exército. Bismarck de
forma alguma entendeu por que motivo a Alemanha havia de precisar de uma marinha maior que a
da Holanda: um grande programa de construção naval parecia-lhe luxo desnecessário, e ele sacudiu
negativamente a cabeça, descrente, ante os argumentos de Tirpitz548.

Houve muita coisa, naqueles últimos anos de sua vida, que o deixou perplexo. Em junho de 1896, o
mais importante estadista da China, Li Hung-Chang, ao voltar da coroação do Czar Nicolau II, veio a
Friedrichsruh e pediu-lhe conselhos sobre a maneira de modernizar o Império Chinês. Era assunto
para muito além dos limites das idéias de Bismarck. “Não posso formar um juízo sobre problemas
tão distantes”, respondeu a Li. O máximo que chegou a recomendar foi a criação de “um exército
pequeno mas eficiente”. Li Hung-Chang mostrou-se grato, mesmo por essa vaga e imprecisa
sugestão. Com a tradicional cortesia dos chineses, fez a Bismarck a observação: “O senhor olhará
para trás e verá sua vida com satisfação”. Mas Bismarck foi pessimista: “Aqui, como na China, o
velho provérbio grego é válido”, respondeu, “tudo está em movimento: no fim, tudo passa”549. Esse
desalento dominou os últimos meses de Bismarck. Em dezembro de 1897, recebeu Guilherme II em
Friedrichsruh pela última vez. Guilherme pretendia que a conversa fosse amena, cordial, irradiando
o espírito natalino. Aos acompanhantes do imperador pareceu que Bismarck tinha algo importante a
dizer. Cada vez que ele tentava levar o diálogo para um nível sério, Guilherme conseguia baixá-lo de
novo para caçoadas de camaradagem. Entre os presentes encontrava-se o general von Moltke,
sobrinho do grande soldado, ele próprio futuro chefe do Grande Estado-Maior, em 1914. Ficou
chocado com o tom brincalhão do imperador. “Isto está horrível”, cochichou a Tirpitz, ao seu lado.
Mas Bismarck não se deu por achado. “Majestade”, disse por fim, “enquanto existir o atual corpo de
oficiais, podereis agir como quiserdes. Mas quando já não for esse o caso, tudo vos será muito
diferente”550.

Foi o último aviso de Bismarck. Pouco mais podia fazer. Praticamente não saía mais de uma cadeira
de rodas, nem conseguia enxergar os bosques e os campos de sua propriedade sem óculos
fortíssimos. Ao avançar o verão, contraiu uma inflamação pulmonar e Schweninger raramente
deixava a casa. Durante semanas Bismarck lutou contra a doença e pareceu melhorar, mas teve uma
recaída em 30 de julho. A família reuniu-se à volta de seu leito, tentando compreender o que ele
balbuciava. Era uma noite quente e ele sofria terrivelmente de sede. Súbito, reunindo suas forças
conseguiu segurar um copo de refresco, tomou-o todo, gritou “Vorwarts” (“Para a frente”) e afundou
de novo no travesseiro. Minutos depois das onze da noite, sua filha notou que ele não mais
respirava551.

Moritz Busch imediatamente liberou para a imprensa o texto da carta de demissão de Bismarck, de
1890. Ele acusava Guilherme II de querer mudar a política externa da Alemanha, de destruir a
amizade com a Rússia, que fora a primeira e essencial condição para a Prússia desvencilhar-se da
subserviência à Áustria, na Alemanha, e à França, na Europa. A carta, firmemente, colocava sobre
os ombros do jovem imperador a responsabilidade de preservar o Reich. A atitude de Busch ia
revivendo a acrimônia entre a família Bismarck e a Corte. Não era, absolutamente, do interesse de
Herbert, perpetuar antigos desentendimentos, e ele impôs uma terminante proibição à publicação
de quaisquer documentos ou reminiscências de seu pai relativas ao soberano reinante.

Guilherme navegava pelo litoral na Noruega no iate imperial quando foi noticiada a morte de
Bismarck. Mandou o navio voltar imediatamente para Kiel e passou um telegrama a Friedrichsruh
sugerindo um funeral de estado em Berlim. Sabiamente, decidiu ignorar a revelação de Busch; se
possível, desejava incorporar a lenda de Bismarck para que refletisse sua própria glória, e era
melhor manter silêncio sobre os acontecimentos de 1890. No dia 2 de agosto, Guilherme
desembarcou na estação de Friedrichsruh, recebido afetuosamente por ambos os filhos de
Bismarck, e dirigiu-se em companhia deles para a casa, onde o esquife do pai jazia no que fora seu
dormitório. O quarto já estava repleto de flores, coroas e tarjas: só a homenagem do banco de
Bleichroeder era tão grande que ocupou toda uma carruagem. O imperador depositou outra enorme
coroa de flores junto ao caixão e seguiu-se breve encomendação rezada por um pastor luterano.
Guilherme tentou persuadir Herbert a concordar com um funeral em Berlim, porém Bismarck já
deixara os planos de um mausoléu a ser construído numa clareira entre as coníferas da propriedade
e Herbert o convenceu de que o pai decidira que seus restos não deviam sair de Friedrichsruh552.
O imperador estava amargurado: o status de Grande Potência da Alemanha exigia solenidades pelo
menos tão espetaculares quanto as que haviam marcado o sepultamento de Gladstone na Abadia de
Westminster, nove semanas antes. Com menos de meia hora em companhia da família Bismarck,
Guilherme retornou a seu trem e partiu para Berlim.

No dia seguinte, a gazeta oficial publicou que “Sua Majestade Imperial” visitara Friedrichsruh a fim
de homenagear “o homem em quem o Senhor Deus corporificara o instrumento da realização da
idéia imortal da Unidade e Grandeza da Alemanha"553. A esmerada redação era característica de
um governante que tinha a si próprio na conta de ajudante-geral do Todo-Poderoso. Não menos
característica veio a resposta de além-túmulo. Bismarck deixara instruções de que em seu jazigo
não se inscrevessem postos e títulos concedidos por Guilherme II. Quando o mausoléu foi
consagrado, o túmulo ostentava a mais simples das inscrições: Fürst von Bismarck... Ein treuer,
deutscher Diener Kaiser Wilhelms I (“Um leal alemão, servo do Imperador Guilherme I”).

Se Herbert, o novo Príncipe von Bismarck, imaginava ter algum ativo papel na política alemã, após
a morte do pai, foi um desapontamento. Ninguém o considerou para o ministério, nem lhe ofereceu
uma embaixada, como ele desejava. Foi eleito para o Reichstag e, durante alguns anos, pronunciou-
se à miúde sobre política externa, pregando a importância de boas relações entre a Alemanha e a
Rússia. Mas o hábito da bebida, e seu desânimo, impediram que conquistasse adeptos no Reichstag,
e sua saúde declinou rapidamente. Faleceu em 1904, aos cinqüenta e quatro anos de idade. Seu
filho mais velho, nascido no último ano de vida do velho chanceler e batizado com o nome dele,
serviu nas embaixadas alemãs em Londres e em Roma durante o período de Hitler; um segundo
filho foi preso pelos nazistas após o complô de 20 de julho de 1944 e acabou a guerra no campo de
concentração de Sachsenhausen.

Guilherme Bismarck, durante muitos anos doente com terrível excesso de peso, malgrado o
tratamento de Schweninger, sobreviveu a seu pai apenas três anos. A mais forte da geração foi a
primogênita, Marie, Condessa von Rantzau, que viveu além do Reich criado pelo pai e faleceu em
1926, com setenta e oito anos. A mais longa sobrevivente do círculo familiar foi a viúva de
Guilherme, Sibylle, filha da irmã de Bismarck, Malwine. Sibylle viveu em Schönhausen durante toda
a república de Weimar e a era nazista. Em abril de 1945, ao saber que o Exército Vermelho
aproximava-se do rio Elba, vindo do Leste, a condessa de oitenta e um anos suicidou-se com um tiro,
para evitar um internamento pelos russos. Horas depois de sua morte, os invasores incendiaram o
lugar de nascimento do Chanceler de Ferro, não deixando pedra sobre pedra554.

A destruição de Schönhausen pelos russos, foi, militarmente, um ato sem sentido; mas simbólico.
Pois se o Império Alemão deixara de existir ao fim de uma guerra mundial foi a própria Prússia que
sumiu do mapa, no fim da outra. A cidade da coroação dos Hohenzollerns tornou-se Kaliningrado,
cidade soviética; os velhos nomes provinciais desapareceram; logo a própria Berlim foi dividida,
mais efetivamente que a Alemanha da mocidade de Bismarck. Também as propriedades rurais dos
junkers foram, finalmente, despedaçadas, muitas delas - inclusive Varzin e Kniephof- absorvidas nas
novas fronteiras da Polônia. Cinqüenta anos após a morte de Bismarck, nada restou de seu trabalho
no coração da Prússia. Tampouco é muito grande seu legado à República Federal: a bandeira preta,
vermelha e dourada sobre Holstein e o sul de Schleswig; um limite permanente a separar a Baviera
da Áustria independente; uma tradição de previdência social; e alguns aglomerados de árvores em
Friedrichsruh. Richelieu, Napoleão I, mesmo Napoleão III, deixaram, todos, muito maior efeito
sobre a França, que Bismarck, sobre a Alemanha. Ele não foi, como tantos contemporâneos
acreditaram, uma estrela fixa no firmamento, marcando a orientação do segundo Reich; foi, antes,
um meteoro, de brilhante incandescência e por um curto período, caído à terra pedaço disforme de
dura siderita. Os homens relembram ainda melhor o brilho do cometa porque não deixou luz
remanescente, tornando de novo à escuridão.

Ficou na moda retratar Bismarck o derradeiro expoente da diplomacia de gabinete do século XVIII,
como os estadistas que planejavam a paz na Europa no ano em que ele nasceu555. Exatamente o
que não foi. Metternich, Casdereagh e o Czar Alexandre I, foram, em certo sentido, ideólogos:
inspirados, embora, em fontes diferentes, acreditavam todos na conveniência de estabelecer-se uma
sociedade ordeira e equilibrada num mundo em mutação. Bismarck afastou-se dessa tradição
clássica. Para ele a política nunca foi ciência exata ou lógica; era uma arte, que ele praticava
inteiramente destituto de restrições doutrinárias. Seu domínio das minúcias e a habilidade em usar
e criar oportunidades permitiu-lhe, em nove anos, fazer uma Grande Prússia e dar-lhe o nome de
Alemanha. A partir daí, sua capacidade de abarcar e manter um emaranhado sistema de alianças e
alinhamentos impôs a paz do equilíbrio, que os diplomatas clássicos perseguiram em vão.

No interior da Alemanha, Bismarck fracassou num importante aspecto: jamais tentou criar a forma
segura de governo para o Reich. Este defeito é ampliado por seu desinteresse na formação de um
sucessor, além de seu filho, ou pela instrução de quem quer que fosse nas artes e limitações de sua
ação de estadista. As razões dessa omissão situam-se nas profundezas da personalidade de
Bismarck. Na juventude, não se tomou de entusiasmo por nenhum credo político, embora adotasse,
da boca para fora, as posições de momento da classe junker. Em última instância, a impulsão inicial
de sua carreira foi o desejo de poder pelo poder, pelo controle dos mecanismos da máquina do
estado. Uma vez no topo, ocupou-se tanto de sua sobrevivência quanto da criação de uma ordem
suportável; e em seus últimos anos como chanceler, pensou demais na dinastia dos Bismarcks e não
o suficiente na Alemanha e na Europa. Perpetuou, então, um sistema artificial baseado numa
constituição que improvisara em torno de sua própria autoridade: impôs ao eleitorado alemão uma
revolução vinda de cima, sem raízes naturais no passado do país. Embora, a partir de 1871, ele
buscasse manipular o eleitorado a cada três anos, o Reichstag que trouxe à vida política era pouco
mais que uma válvula de segurança para a opinião pública alemã. Os deputados podiam questionar,
criticar, censurar, mas não podiam governar. A única instituição respeitada, com tradições próprias,
independentes, era o exército.

Triste comentário sobre a obra de Bismarck, o fato de que, no fim, a Alemanha Imperial foi obrigada
a buscar liderança junto àquela mesma casta militar que dominara a Prússia desde muito antes do
seu nascimento. O marechal-de-campo Paul von Hindenburg, veterano de Königgrätz e vencedor de
Tannenberg quase meio século depois, era o arquétipo do herói militar prussiano, na forma como
Bismarck jamais conseguira ser, por mais que aparecesse em público de pickelhaube à cabeça e
envergando um casacão de general. E foi Hindenburg, o representante de confiança da velha
oficialidade, que despediu com mesuras os Hohenzollerns, em 1918, e que estendeu sua mão a
Hitler, quinze anos depois. Roon, como fazedor-de-chanceler, tinha melhor critério sobre o valor dos
homens que Hindenburg.

Não há ligação de origem entre a técnica bismarqueana da política de poder e o recurso


demagógico à conquista mundial da era nazista. Os mais recentes defensores de Bismarck entre os
historiadores acadêmicos têm demonstrado exaustivamente a que ponto as práticas de Hider
colidiam frontalmente com todos os seus preceitos556. Com precisão, apontam o caráter limitado
das ambições de Bismarck para a Alemanha, seu desgosto pelo fanatismo nacionalista, sua aversão
a guerras preventivas, e sua batalha sem fim para manter o Estado-Maior refreado. Três semanas
antes do atentado contra Hider em 1944, um dos principais conspiradores, Ulrich von Hassel,
visitou Friedrichsruh e anotou em seu diário, “tudo parecia pequeno ante a memória do grande
homem... estive à beira das lágrimas ao pensar no trabalho destruído”557. Porém, muito embora
Bismarck haja-se tornado, tarde demais, o herói símbolo da resistência conservadora ao nazismo,
não é possível exonerá-lo inteiramente da responsabilidade pela rápida expansão da anarquia
diplomática no século XX. Sua manipulação da imprensa, sua deliberada inflação de uma ofensa
menor em grave crise, seu recurso astuto a estratagemas no sentido contrário de compromissos
assumidos, seu emprego das meias-verdades, das explosões temperamentais e da intimidação -
esses aspectos todos de seu sistema haviam de tornar-se lugar comum numa época em que a
política externa passou a ser formulada por homens pequenos, destituídos de sua capacidade de
evitar guerras. A suprema qualidade da ação de estadista de Bismarck foi sua admissão de que
política alguma podia aplicar-se além de certo limite de perigo, e que era preciso ter sempre
alternativas à mão, para um recuo honroso e uma reorganização da frente. Pouquíssimos políticos,
na Alemanha e noutras terras, têm demonstrado essa flexibilidade mental.
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REFERÊNCIAS

Melhores especificações sobre livros e artigos citados nesta seção de notas de referência do texto
podem ser encontradas na bibliografia selecionada. Para facilitar, usei as seguintes abreviaturas:

Am. Hist. Rev.: American Historical Review APP: Die Auswartige Politikpreussens, 1859-71

Busch, Secret Pages: Moritz Busch, Bismarck, Some Secret Pages ofhis History

DDF: Documents diplomatiques françaises, 1871-1914

Eyck: Erich Eyck, Bismarck, Leben und Werk

GP: Die grosse Politik der europaischen Kabinette, 1871-1914

GW: Bismarck,.Diegesammelten Werke (Friedrichsruher ausgabe) 1924-1935

HZ: Historische Zeitschrift

JMH: Journal of Modern History

Keudell: R. von Keudell, Fürst und Furstin Bismarck

Kohl: Horst Kohl, Die politischen Reden des Fursten Bismarck

Lucius: Lucius von Ballhausen, Bismarck-Erinnerungen

Marcks: Erich Marcks, Bismarck, Eine Biographie, 1815-1851

Orig. dipl.: Les origines diplomatiques de la guerre de 1870-71

Orloff: Nicolai Orloff, Bismarck und Katharina Orloff

Pflanze: O. Pflanze, Bismarck and the Development of Germany, vol. I

Reiners: Ludwig Reiners, Bismarck

Srbik, Quellen: Heinrich Ritter von Srbik, Quellen zurdeutschenPolitik Osterrtichs 1859-66

1. Marcks, pp. 3-23.

2. Busch, anotação no Diário, 10 de jan. 1871, GW VII, n.° 362, p. 468.

3. Vide as cartas de Wilhelmine von Bismarck a seus dois filhos, publicadas (com um comentário
de apresentação por Charlotte Sempell) em HZ, n.° 214 (1972) pp. 557-79.

4. Marcks, relatório referente a 1822, p. 48; relatório de 1826, p. 49.�

5. GW XV, p. 14; cf. Keudell, p. 161.

6. Bismarck à esposa, 18 fev. 1851, GWXIV, n.° 300, pp. 195-96 (cf. Bismarck a Harnisch, 16 fev.
1849, Rothfels, Bismarck Briefe, p. 121).
7. Artigo de H. Holborn no Joumal of History of Ideas XXI, (1960), p. 85. Vide também carta de
Bismarck a Puttkammer, 23 fev. 1847, GW XIV, n.° 85, p. 67, e sua conversa com Ludwig von
Gerlach, 26 mar. 1865, GW VII, p. 100.

8. GW XV, p. 5; Lucius, p. 492.

9. Modey, Morton’s Hope, I, pp. 172, 173, 205 e 210; Marcks, pp. 77-84.

10. GW XV, pp. 7-8.

11. Idem, p. 11; Marcks pp. 118-20; Bismarck a seu irmão, 10 ago. 1836, GW XIV, n.° 17, p. 8.

12. Quanto às famílias Loraine e Loraine-Smith vide o Register of members of Cambridge


University (Christ’s College); há referências ao Dr. Loraine-Smith na Victoria County History de
Northamptonshire e no Gentleman's Magazine do ano de 1857 (pp. 98-99). As relações eclesiásticas
do período nâo contêm nenhum outro ministro de nome Loraine, isolado ou composto com outro
nome. Devo maiores informações sobre os Loraine-Smiths à neta de Isabella Loraine-Smith, a
senhorita Katherine Bevan. Ver, ainda, Marcks, p. 120, e as cartas para Savigny e Scharlach em GW
XIV, citação abaixo.

13. Marcks, p. 122-24; Bismarck a K. F. von Savigny, 30 ago. e 3 set. 1837, GW XIV, n.°s 19 e 21,
pp. 8 e 10; Eyck I, pp. 27-29.

14. Bismarck a Scharlach, 13 set. 1837, GW XIV, n.° 22, p. 11.

15. Bismarck a Savigny, dezembro de 1837, GW XIV, n.° 24, p. 11.

16. Bismarck a seu pai, 25 jan. 1838, GW XIV, n.° 25, p. 12.

17. Marcks, pp. 129-34; cartas ao pai, 29 set. 1838; a Savigny, 21 dez. 1838; ao chefe de polícia de
Griefswald, 25 mar. 1839; GWXIV, n.°s 27, 28, 29, pp. 13-18.

18. Marcks, pp. 134-35; Bismarck ao pai, GWXIV, n.° 27, p. 15.

19. GWXV, p. 14.

20. Eyck I, p. 32; Werner Richter, Bismarck, p. 34.

21. Reiners I, pp. 27-31; Marcks, pp. 157-59,


22. Bismarck a Puttkammer, 21 ( ) dezembro 1846, GW XIV, n.° 71, p. 46.

23. Sobre a viagem inglesa, vide carta de Bismarck a seu pai, 28 de julho 1842, GW XIV, n.° 30, pp.
18-19; Busch Secret Pages /, pp. 241-42; e outras cartas de Bismarck, GW XIV, n.°s 34, 35 e 47.

24. Marcks, pp. 217-29.

25. Bismarck a sua irmã, 4 dez. 1844, GW XIV, n.° 46, p. 29.

26. Vide cartas de Bismarck ao pai e à irmã, ago.-set 1844, GW XIV, n.°s 44-45, pp. 26-29.

27. Bismarck a Puttkammer, dezembro de 1846, GW XIV, n.° 71, p. 47; quanto ao “estético grupo
de chá” de Kardemin, vide carta de Bismarck a sua irmã, 27 abr. 1845 GW XIV, n.° 50, p. 34.

28. Bismarck a seu irmão, 31 jan. 1847, GWXIV, n.° 76, p. 50; tb. Marcks, pp. 300 e 403-4. Sobre
Joana, ver ibid., pp. 272-74; e Sell, Fürst Bismarcks Frau (especialmente pp. 12-36 quanto a esse
período de sua vida).

29. Ibid, pp. 277-78; vide, também, três cartas de Joana para sua mãe, julho 1846, Marguerite von
Bismarck, Braut-Briefe der Furstin Johanna von Bismarck, pp. 11-13.

30. Artigo de Meinecke, HZ 90 (Neue Folge 54) (1903), pp. 56-92, A. O. Meyer, Bismarcks Glaube,
pp, 2-3 e a carta a Puttkammer já citada, GW XIV, n.° 71, pp. 46-49.

31. Bismarck a Joana von Puttkammer, 17 fev. 1847, GWXIV, n.° 81, p. 59.

32. Bismarck a Joana, 17 fev. e 4 mar. 1847, GW XIV, n.°s 81 e 88, pp. 59 e 73.

33. Idem, 8 maio. 1847, GW XIV, n.° 99, p. 86.

34. GW XV, p. 17, Kohl I, pp. 8-10.

35. Bismarck a Joana, 18 e 21 maio. 1847, GWXIV, n.° 102, 103, pp. 88-90.

36. Valentin, 1848, Chapters in German History, p. 48.

37. GWXV, p. 17.

38. Metternich, Memoires, VII, p. 382.


39. Bismarck ao irmão, 5 abr. 1847, GW XIV, n.° 94, p. 83.

40. Bismarck a Joana, l.°jul. 1847, GWXIV, n.° 115, pp. 96-97; Marcks, pp. 369-73.

41. Bismarck à irmã, 24 out 1847, GWXIV, n.° 123, p. 100; Marcks, pp. 373-79.

42. Bismarck ao irmão, 24 out 1847, GW XIV, n.° 122, p. 100; vide também a carta ao irmão, de
Innsbruck e Vicenza, ibid., n.°s 119 e 120.

43. Marcks, pp. 378-83.

44. Bismarck ao irmão, l.° mar. 1848, GW XIV, n.° 127, p. 102.

45. GWXV, pp. 18-19.

46. Idem, pp. 19-21; Marcks, pp. 426-27.

47. GW XV, p. 22; Craig, Politics of the Prussian Army, p. 100.

48. Bismarck ao irmão, 28 mar. 1848, GWXIV, n.° 138, p. 102.

49. Kohl, I, pp. 45-46.

50. Bismarck à esposa, 3 abr. 1848, GWXIV, n.° 133, p. 104; e seu artigo no Kreuzzeitung de 11 jul.
1848 reproduzido em Bismarck Jahrbuch I, pp. 478-80.

51. Conversação de 9 jun. 1848, registrada por Wagener, GW VII, n.° 7, p. 13.

52. Vide cartas de Bismarck a Wagener e a Ludwig von Gerlach, 5 jul., 7 jul.,25 ago. 1848, GW XIV,
nº 142, 143 e 148, pp. 109-11; Pflanze, p. 63.

53. GW XV, pp. 47-48; Bismarck a Scharlach, 4 jul. 1850, GW XIV, n.° 238, p. 161; Marcks, p. 467.

54. GW XV, p. 84; Petersdorff, Friedrich Wilhelm IV, pp. 13-14; Marcks, p. 452.

55. Esboço de petição a Frederico Guilherme, agosto de 1848, GW I, n.° 1, p. 1.


56. Bismarck a Puttkammer, 21 ago. 1848, GW XIV, n.° 146, pp. 110-11 (e outras cartas nas
páginas imediatamente seguintes).

57. Marcks, p. 467.

58. Bismarck à esposa, 10 nov. 1848, GW XIV, n.° 160, p. 116.

59. Marcks, p. 472; GW XV, p. 39 (com comentários).

60. Marcks, pp. 480-81; Bismarck a seu irmão 10 fev. 1849, GW XIV, n.° 173, pp. 123-24.

61. Carta ao irmão, 2 fev. 1849, GW XIV, n.° 171, pp. 122-23.

62. Marcks, pp. 488-89.

63. Kohl, I, pp. 81-96; Eyck I, p. 125.

64. Bismarck à esposa, 23 jul. 1849, GW XIV, n.° 186, p. 131.

65. Kohl, I, pp. 103-15.

66. Bismarck à esposa, 19 abr. 1850, GW XIV, n.° 230, p. 155.

67. Kohl, I, pp. 228-41.

68. Bismarck a Wagener, 7 nov. 1850, GW XIV, n.° 265, p. 180.

69. GW XV, pp. 52-53; Bismarck à esposa, 18 nov. 1850, GW XIV, n.° 268, p. 181; Srbik, op. cit, II,
pp. 44 e 55; Roon, Denkwürdigkeiten, I pp. 261-62.

70. Kohl, I, pp. 257-79.

71. Pflanze, p. 194; Marcks, p. 601.

72. Cartas de Bismarck a sua esposa, 20e23jan., 3 e28fev., 3e5mar. 1851, GW XIV, n.°s 288 (p.
189), 290 (p. 191), 295 (p. 193), 302 (p. 196), 303 (pp. 196-97), 304 (p. 197).
73. Leopold von Gerlach, Denkwürdigkeiten, pp. 737-38; Ludwig von Gerlach, Auszeichnungen, II,
p. 124; Bismarck à esposa, 25 abr. 1851, GW XIV, n.° 317, p. 205.

74. Bismarck à esposa, 28 abr. 1851, GW XIV, n.° 319, pp. 206-207.

75. Bismarck à esposa, l.° de maio 1851, GW XIV, n.° 320, p. 207.

76. Diário de Marie de la Motte-Fouqué, maio de 1851, citada por Meyer, Bismarcks Kampf p. 505.

77. Bismarck à esposa, 18 maio 1851, GW XIV, n.° 238, p. 213.

78. Bismarck a O. Manteuffel, 26 maio 1851, GW I, n.° 4, p. 3; Bismarck a Wagner, 5 jun. 1851, GW
XIV, n.° 334, p. 217.

79. Bismarck a O. Manteuffel, 29 jun. 1851, GW I, n.° 9, p. 17.

80. Bismarck à esposa, 18 maio 1851, citada; ver também cartas a ela em 4 e 26 jun., GW XIV, n.°s
333 e 343.

81. Bismarck à esposa, 3 jul. 1851, GW XIV, n.° 346, p. 229.

82. Diário de Melanie Metternich, agosto de 1851; Metternich, Mémoires VIII, pp. 105-106; Srbik,
Metternich, der Staatsmann und der Mensch, II, pp. 414-15; Palmer, Metternich, p. 326; Bismarck à
esposa, 5 ago. 1851, GW XIV, n.° 354, p. 235 (e carta à esposa, 11 ago., ibid. 355, p. 236). Vide
Também oi comentários gerais de Bismarck após sua segunda visita a Metternich em Johannisberg
no dia 5 de julho de 1857, GW II, n.° 261, p. 246.

83. Busch, Secret Pages, I, p. 370 (cf. GW VII, p. 437).

84. Meyer, Bismarcks Kampf pp. 41-42; Reiners I, pp. 208-209; Wertheimer, Bismarck
impolitischen Kampf, pp. 9-10; GW VII, p. 354; Bismarck a sua sogra, 4 abr. 1852, GW XIV, n.° 390,
p. 258.

85. Bismarck à esposa, 23 jun. 1852, GW XIV, n.° 408, p. 268.

86. Idem, p. 269; Bismarck a O. Manteuffel, 25 jun. 1852, GWI, n.° 176, p. 195; Bismarck a
Gerlach, 25 jun. 1852, GW XIV, n.° 409, p. 269.

87. Reiners, I, p. 205; Eyck I, pp. 210-11.


88. Bismarck a O. Manteuffel, 15 fev. 1854, GW I, n.° 473, pp. 425-27.

89. Pflanze, pp. 97-100; artigo de S. A. Kaehler, HZ, Vol. 174 (1952), pp. 436-78; GW XV, p. 73.

90. Bismarck a Leopold von Gerlach, 11 maio 1857, GW XIV, n.° 648, p. 469.

91. Bismarck a sua irmã, 28 jun. 1854, GW XIV, n.° 518, p. 361.

92. Bismarck a O. Manteuffel, 13 abr. 1855, GWII, n.° 45, pp. 40-42; Bismarck a Leopold von
Gerlach, 27 abr. 1855, GW XIV, n.° 566,,pp. 397-99.

93. Bismarck à esposa, 2 set 1855, GW XIV, n.° 580, p. 414.

94. Rainha Vitória, Leaves from a Journal, pp. 125-26.

95. Corti, The English Empress, pp. 20-26; Elizabeth Longford, Victoria R. /., pp. 326-28.

96. Bismarck a Leopold von Gerlach, 19 mar. 1856, GW XIV, n.° 603, p. 436.

97. Bismarck a O. Manteuffel, 26 abr. 1856, GW II, n.° 152, pp. 138 e seg.; Bismarck a Leopold von
Gerlach, 28 abr. 1856, GW XIV, n.° 608, pp. 440-41; Taylor, Struggle for Mastery in Europe, p. 86.

98. Bismarck à esposa, 6 abr. 1857, GW XIV, n.° 637, p. 459.

99. Idem, 9 abr. 1857, GW XIV, n.° 639, p. 460.

100. Bismarck a O. Manteuffel, 13 abr. 1855, GW II, n.° 45, pp. 40-42.

101. Bismarck a Leopold von Gerlach, 2 maio 1857, GW XIV, n.° 647, pp. 464-69; Eyckl, pp. 270-71;
tb. Bismarck a O. Manteuffel, 29 abr. 1857, GW II, n.° 236, p. 207.

102. A Leopold von Gerlach, 2 maio 1857, GW XIV, n.° 647, p. 465.

103. A O. Manteuffel, 18 maio 1857, GW II, n.° 246, pp. 217-22; Taylor, Struggle..., p. 97.

104. Memorando de fins de março, 1958, GW II, n.° 343, pp. 302-22.
105. Eyck I, pp. 305-306; Pflanze, p. 122; Hamerow, Social Foundations, pp. 38-48.

106. Bismarck à esposa, 15 jan. 1859, GW XIV, n.°s 689-90, pp. 496-97.

107. GW XV, p. 142; Bismarck a seu cunhado, 6 fev. 1859, GW XIV, n.° 691, pp. 497-98; Bismarck a
G. von Wethern, 6 fev. 1859, ibid., n.° 692, p. 498; Bismarck a Gustav von Alvensleben, 8 fev. 1859,
ibid., n.° 694, p. 500; Bismarck à esposa, 29 mar. 1859, ibid., n.° 712, pp. 507-508; Bismarck à irmã,
10 dez. 1858, ibid., n.° 686, p. 495.

108. Bismarck à esposa, 4 abr. 1859, GW XIV, n.<> 715, p. 510.

109. Idem, 19 abr. 1859 (descrevendo S. Petersburgo), GW XIV, n.° 719, pp. 513 e seg.; e 6 jun.
(descrevendo Moscou), ibid., n.° 738, pp. 525 e seg.

110. Muitas das cartas de Bismarck de S. Petersburgo em GW XIV tocam nesse ponto: para a
esposa, 5,6 e 7 maio 1859, n.° 725-27; para a irmã, l.° maio, n.° 723; para o irmão, 8 maio, n.° 728.
Vide também sua carta a Alvensleben, de 5 maio, em Rothfels, Bismarck Briefe, p. 246.

111. Schlõzer, Petersburger Briefe, pp. 122-23; Gooch, Studies in German History, p. 322.

112. Bismarck a Schleinitz, 4 maio 1859, GW III, n.° 27, p. 28; Bismarck a Alvensleben, 5 maio
1859, Rothfels, Bismarck Briefe, n.° 128, pp. 244 e seg. (extratos em GW XIV, n.° 724).

113. Nolde, Petersburger Mission, pp. 67-68; Pflanze, p. 127.

114. Bismarck à irmã, 29 jun. 1859, GW XIV, n.<> 744, pp. 530-31.

115. GW XV, pp. 158-59; Keudell, pp. 71-72; Bismarck à esposa, 22 out. 1859, GW XIV, n.° 772, p.
542.

116. Bismarck a Otto von Wentzel, 3 fev. 1860, GW XIV, n.° 776, p. 544; Bismarck a Moritz von
Blanckenburg, 12 fev. 1860, Rothfels, Bismarcks Briefe, n.° 141, p. 266.

117. Pflanze, pp. 131-32; Nolde, op. cit., p. 204, Kohl, Bismarck Jahrbuch 7F(1897), pp. 154-57.

118. GW XV, pp. 161-62; Bismarck a Wentzel, 10 abr. 1860, GW XIV, n.° 778, p. 545.

119. Bismarck a Schleinitz, 6 abr. 1861, GW III, n.° 176, p. 207.

120. Idem, 10 dez. 1860, ibid., n.° 127, pp. 147-48.


121. Rich e Fisher, Holstein Papers 7, p. 5.

122. Bismarck à irmã, 26 mar. 1861, GW XIV, n.° 815, pp. 567-68.

123. Sobre E. von Manteuffel vide: Ritter, Sword and Sceptre /, pp. 180-81; Craig, Politics of the
Prussian Army, pp. 148-54; e o artigo de Craig no Political Science Quarterly LXVI (1951), pp. 1-36,
transcrito em Craig, War, Politics and Diplomacy.

124. Memorando de Bismarck 11-16 jul. (revisto em outubro) 1861, GW III, n.° 234, pp. 266-70.

125. Rich e Fischer, Holstein Papers, I, p. 21; Bismarck à irmã, 17 jan. 1862, GW XIV, n.° 836, p.
581.

126. Bismarck à esposa, 23 maio 1862, GW XIV, n.° 848, p. 587.

127. A Rainha Vitória à princesa herdeira, 11 jun. 1862, Fulford, Dearest Child, p. 72.

128. Bismarck à esposa, l.°jun. 1862, GW XIV, n.° 854, pp. 89-90; Bismarck a Bemstorff, 6 jun. 1862,
GW III, n.° 323, p. 363.

129. Idem, 28 jun. 1862, GW III, n.° 354, p. 380; Mitchell, Bismarck and the French Nation, p. 23.

130. Vide, especialmente, as cartas de 2, 8 e 22 jun. 1862, GW XIV, n.°s 855, 858 e 864.

131. Bismarck a Bernstoríf, 28 jun. 1862, GW III, n.° 354, p. 380; Bismarck a seu filho Herbert,
mesma data, GW XIV, n.° 867, p. 597.

132. Bismarck à esposa, 5 jul. 1862, GW XIV, n.° 872, p. 599.

133. Robert Blake, Disraeli, p. 430; Vitzthum von Eckstaedt, St. Petersburgand London, II, p. 176;
Bismarck à esposa, 30 jun. 1862, GW XIV, n.° 870, p. 598.

134. Bismarck à esposa, 25 jul. 1862, GW XIV, n.° 882, p. 604.

135. Orloff, pp. 38-39; Bismarck à irmã, 20 ago. 1862, GW XIV, n.° 897, p. 613; Bismarck à esposa,
11 ago. 1862, GW XIV, n.° 894, p. 611.

136. Bismarck à esposa, 19 ago. 1862, GW XIV, n.° 896, p. 612.


137. Keudell, p. 96.

138. Bismarck a Roon, 12 set. 1862, GW XIV, n.° 908, p. 619.

139. Busch, Secret Pages I, pp. 244-45.

140. Orloff, pp. 65-66; (tb. nota de pé-de-página 3, em GW III, p. 399).

141. GW XV, p. 177.

142. Bismarck à esposa, 21 set. 1862, GW XIV (ii), n.° 911, p. 620.

143. Promnitz, Bismarcks Eintritt, pp. 67-99 e pp. 117-54; Pflanze, p. 167; artigo de Ludwig Dehio,
HZ 144 (1931), pp. 31-47; e vide o artigo de Michael Howard, “William I and the Reform of the
Prussian Army” em Martin Gilbert (prep.), A Century of Conflict, pp. 91-103.

144. Corti, English Empress, pp. 92-93; Frederico III, Tagebncher 1848-66, pp. 494-97.

145. Corti, op. cit, pp. 93-94; Pflanze, pp. 167-68.

146. GW XV, pp. 177-80; para a versão do rei, ver o Tagebucher de Frederico III, pp. 497-500.

147. Bismarck à esposa, 24 set. 1862, GW XIV, n.° 916, p. 621; Keudell, pp. 110-12.

148. Promnitz, op. cit, pp. 99-101; Hamerow, Social Foundations, pp. 158-62; Eyck, Bismarck and
the German Empire, p. 58; Marx e Engels, Briefwechsel, III, pp. 125 e 134; Reiners, I, p. 354.

149. Kohl, II, pp. 15-18; Reiners I, p. 356; Eyck I, p. 428.

150. Kohl, II, pp. 19-20; GW X, pp. 140-41; Bismarck ao rei, 3 out 1862, GW XIV, n.° 916, pp. 622-23;
GW XV, p. 194.

151. Treitschke a Wilhelm Nokk, 29 set 1862, citada em Gooch, Studies in German History, p. 275;
vide também Simon, Germany in the Age of Bismarck, p. 118.

152. GW XV, p. 194 (tb. Pflanze, p. 175 e nota).


153. Schlõzer, Petersbwrger Briefe, p. 261.

154. GW XV, pp. 194-95; Poschinger, Bismarck und die Parliamentarier, III, p. 209.

155. Pflanze, pp. 194-95; GW X, p. 158.

156. Bismarck à esposa, 31 out. e 2 nov. 1862 GW XIV, n.°s 926 e 927, p. 626; Bismarck ao Príncipe
Reuss, 29 nov. 1862, ibid., n.° 932, p. 629.

157. Circular às embaixadas em Londres, Paris e Viena, 8 nov. 1862, GW IV, n.° 6, pp. 10-11;
Bismarck a Reuss, 18 nov. 1862, GW XIV, n.° 929, p. 627.

158. Karolyi a Rechberg, 5 dez. 1862APPIII, n.°60, p. 100; Bismarck a Werther, 13 dez. 1862,APPIII,
n.° 71, pp. 114-18; Drouyn aTalleyrand, 25 dez. 1862, APP III, n.° 88, pp. 140-43.

159. Pflanze, pp. 184-85.

160. Bismarck a Kathy Orloff, 28 Jan 1863, Orloff, pp. 141-42.

161. Bismarck à irmã, 14 Mar 1861, GW XIV, n.° 815, p. 568; Pflanze, p. 186.

162. Alvensleben ao rei Guilherme, 6 Fev 1863, APP III, n.° 164, pp. 231-32; Bismarck a
Alvensleben, 7 Fev 1863, APP III, n.° 165, pp. 232-33.

163. Mosse, The European Powers and the German Question, p. 115.

164. Bismarck a Redern, 27 fev. 1863, GW IV, n.° 45, p. 69 (e notas); Rei Guilherme a Alexandre II,
17 jun. 1863, APP III, n.° 557, pp. 626-29; Mosse, op. cit., p. 119; Srbik, Deutsche Einheit, III, pp.
480-84.

165. A princesa real à Rainha Vitória, 11 maio 1863, Corti, op. cit., p. 102; Fulford, DearestMama,
p. 211.

166. Frederico III, Tagebucher, p. 198; Anderson, Social and Political Conflict, pp. 205-208; Pflanze,
pp. 204-205; Corti, op. cit, pp. 103-104; Eyck I, pp. 502-507.

167. Francisco José a Guilherme I, 31 jul. 1863, APP III, n.° 610, pp. 683-84; Memorando austríaco
sobre a reforma federal, 3 ago. 1863, APP III, n.° 617, p. 688; Bismarck ao Ministério do Exterior
prussiano, 4 ago. 1863, APP III, n.° 623, p. 701. Vide Também a Declaração Ministerial preparada
em Viena a 9 jul. 1863, Srbik, Quellen III, n.° 1.163, p. 229 e seg.
168. Reiners, I, p. 441, Hohenlohe-Ingelfingen, Aus meinem Leben, II, p. 354; GW XV, p. 234.

169. Grant Robertson, Bismarck, p. 153, Busch, Secret Pages I, pp. 175-76.

170. Orloff, pp. 141-43.

171. Richter, Bismarck, p. 141; Keudell, p. 126.

172. Busch, Secret Pages (20 out 1877) II, p. 337. Para o problema geral dos ducados, vide Steefel,
The Schleswig-Holstein Question.

173. O Rei Leopoldo à Rainha Vitória, 2 fev. 1864, Queen Victvria’s Letters (2.a Série), vol. I, p. 155.

174. Vide, por exemplo, Bismarck a Manteuffel, 27 maio 1856, GW II, n.° 158, p. 155; e Bismarck a
Schleinitz, 28 jun. 1861, GW III, n.° 231, pp. 263-64; conferir em Eyck I, pp. 553-54 e Steefel, op.
cit, pp. 48-52.

175. Blanckenburg a Ludwig von Gerlach, 4 dez. 1863, Gerlach, Aufzeichnungen II, p. 259.

176. Bismarck a Goltz, 24 dez. 1863, GW XIV, n.° 999, pp. 658-59.

177. Fleury a Napoleâo III, 24 dez. 1863, Orig. dipl. 7, pp. 2-4; Geuss,Bismarck und Napoleon III,
pp. 97-98.

178. A princesa real à Rainha Vitória, 25 dez. 1863, Fulford, Dearest Mania, p. 283.

179. Srbik, Deutsche Einheit, IV, pp. 126-33; Craig, Politics of the Prussian Arrny, pp. 185-87.

180. Steefel, op. cit, pp. 227-36; Eyck I, pp. 618-25; Mosse, European Powers and the German
Question, pp. 187, 193-95 e 201-202.

181. Karolyi a Rechberg, 14 jan. 1864, Steefel, op. cit, pp. 311-14; vide tb. Srbik, Quellen III, p. 621,

182. GW XV, p. 254; Steefel, op. cit., pp. 108-109; Friedjung, Strugglefor Supremacy, p. 51.

183. Talleyrand a Drouyn, 9 fev. 1864, Orig. dipl., p. 282.

184. GW VII, p. 85.


185. Memória sobre o encontro com Augustenburgo, 3 jun. 1864, GW IV, n.° 394, pp. 448-50j
Schüssler e Buchner, Bismarck, Werke in Auswahl, III, apresenta extratos de um memorando do
Príncipe (n. 265, p. 299).

186. GW XV, p. 256; vide a longa análise crítica sobre o encontro de Schõnbunn feita por Srbik, na
HZ, vol. 153 (1935-36), pp. 43-88, especialmente, quanto a esta questão, a página 53; Clark,
Franzjoseph and Bismarck, apêndice B, pp. 573 e seg.; Steefel, op. cit, p. 258.

187. Orloff, pp. 145-46; Bismarck à esposa, 7 out 1864, GW XIV, n.° 1.059, p. 681.

188. Bismarck a Rechberg, 4 out 1864, GW IV, n.° 481, pp. 565-66; memorandos de Bismarck, 10
out. e 16 out. 1864, GW IV, n.°483 e486, pp. 569-72; Bismarck a Roon, 16 out. 1864, GW XIV, n.°
1.064, pp. 683-84.

189. Bismarck a Kathy Orloff, 25 out 1864, Orloff, pp. 146-47,

190. Oubril a Gorchakov, 9 nov. 1864, APP V, n.° 382, p. 474.

191. Bismarck à esposa, 30 out. 1864, GW XIV, n.° 1.071, p. 687.

192. Oubril a Gorchakov, 21 nov. 1864, APP V, n.° 346, p. 498.

193. Bismarck a Werther, 25 nov. 1864, APP V, n.° 355, pp. 509-10; Bismarck a Ladenburg, 13 dez.
1864, APP V, n.° 401; pp. 557-61.

194. As condições de Fevereiro, Bismarck a Werther, 22 fev. 1865, GW V, n.° 62, pp. 96-103 (tb.
publicadas em APP V, n.° 471, pp. 687 e seg.); Clark, op. cit, p. 197.

195. Conselho da Coroa de 29 maio 1865: ata em APP VI, n.° 100, pp. 174-79; vide tb. a anotação
separada de Moltke em APP VI, n.° 101, pp. 179-80.

196. Craig, op. cit, pp. 172-73; Ritter, Sword and Sceptre, I, p. 182; Stadelmann, Dasjahr 1865, pp.
39 e 79-81.

197. Ata do Conselho da Coroa, APP VI, n.° 100, p. 179, Pflanze, pp. 256-57.

198. Taylor, Strugglefor Mastery, p. 157; vide especialmente as cartas de Bismarck a Roon, de
Carlsbad, 3 e 7 jul. 1865, GW XIV, n.° 1.104, pp. 697-98 e GW V, n.° 131, pp. 223-25.

199. Eyck, II, p. 79; Friedjung, op. cit, p. 75.


200. Reiners, II, pp. 91-95; Clark, op. cit., p. 190.

201. Vide, p. ex., cartas de Bismarck, datadas de 28 jun., 17 de jul., I.°e21 ago. 1865, a sua esposa,
e de 12 jul. à irmã, GW XIV (ii), n.°s 1.101, 1.111, 1.117, 1.123, 1.107, pp. 696-703, passim.

202. Bismarck a Kathy Orloff, 21 out e 30 out 1865, Orloff, pp. 148-50; Joana von Bismarck não
parece ter achado tão ruim: Sophie von Sell, Fürst Bismarcks Frau, pp. 142-47.

203. Lefebvre a Drouyn, 27 set 1865, Orig. dipl. VII, n.° 1.590, pp. 89-91.

204. Bismarck ao rei, 5 out. 1865, GWV, n.° 188, pp. 306-7 (tb. em APP VI, n.° 313); Bismarck ao rei,
11 out, idem, n.° 190, pp. 307-11. Sobre as conversações de Biarritz, vide artigo de Paul Bemstein
na Revue d’Histoire diplomatique, vol. 78 (1964), pp. 330-39.

205. Bismarck a Thile, 23 out. 1865, GW XIV (ii), n.° 1.129, p. 707.

206. Bismarck a Werther, 26 jan. 1866, GWV, n.°s 229 e 230, pp. 365-69.

207. Craig, Politics of the Prussian Army, pp. 143-44; Eyck, I, p. 362.

208. Moltke, Gesammelte Schriften ///, p. 427, citado por Craig, Battle of Kõniggrátz, p. 15.

209. Corti, English Empress, p. 145; atas do Conselho da Coroa prussiano, 28 fev. 1866, APP VI, n.°s
499 e 500, pp. 611-19.

210. Karolyi a Mensdorff, 14 abr. 1866, Srbik, Quellen V (i), n 2545, pp. 486-87.

211. Roon, Denkwürdigkeiten II, pp. 400-402 e p. 421.

212. Karolyi a Mensdorff, 21 mar. 1866, Srbik, Quellen V (i), n.° 2.418, pp. 336-37.

213. O Rei Guilherme I a Alexandre II, 29 mar. 1866, APP VI, n.° 662, pp. 780-81; Clark,
Franzjoseph and Bismarck, p- 398.

214. Anotações de 4 abr. 1866, William I and Bismarck Lctters I, p. 60; Clark, op. cit., pp. 374-76.

215. Sobre o plano Gablenz, vide especialmente Clark, ibid., p. 414 e Apêndice 18, p. 568 e seg.;
Eyck II, pp. 174-79; Friedjung, Strugglefor Supremacy, pp. 170-75; Becker, Bismarcks Ringen, pp.
121-59; Taylor, Struggle for Mastery in Europe, pp. 162-63.
216. Reiners, II, p. 135; Clark, op. cit, p. 346 (citando as Memórias do General Gavone).

217. Vide conversação de Bismack com Karl Schurz, no fim de janeiro de 1868, GW VII, p. 231.

218. Eyck II, p. 183; Keudell, pp. 261-62 (cf. GW VII, n 105, pp. 116-117).

219. Eyck II, pp. 185-88; Hamerow, op. cit, p 273; Frederico III, Tagebucher, p. 424.

220. Narrativa de Gerlach sobre aentrevista, GW VII, pp. 119-22; Keudell, p. 263.

221. Bismarck a Goltz, 30 mar. 1866, GW V, n 283, p. 430.

222. Taylor, op. cit, p. 164.

223. Bismarck a E. Manteuffel, 2 jun. 1866, GW V, n.° 365, pp. 519-20; Circular de Mensdorff, 29
maio, Srbik, Quellen V (2), n.° 2.828, pp. 800-801; Kubeck a Mensdorff, l.° jun. ibid., n.° 2.828, pp.
815-16.

224. Bismarck a Manteuffel, 4 jun. GWV, n 372, pp. 526-27, e 9 jun. 1866, GWXIV, n 1149, p. 714.

225. Clark, op. cit, pp. 346-51; Friedjung, op. cit, pp. 190-94; Pflanze, p. 297.

226. Loftus, Diplomatic Reminiscences /, p. 60.

227. Bismarck a Kathy Orloff, 29 jun. 1866, Orloff, p. 151.

228. Craig, Politics of the Prussian Army, pp. 195-97.

229. Cartas de Bismarck à esposa, de l.° e 2 jul. 1866, GW XIV, n.°s 1.155-56, pp. 716-17; e
reminiscências orais suas em 1892, GW IX, p. 268.

230. A melhor descrição da batalha de Kõniggratz-Sadowa em inglês, encontra-se em Battle of


Kòniggrãtz, de Craig, pp. 99-175; Bismarck à esposa, 9 jul. 1866, GW XIV, n 1157, p. 717.

231. Craig, Battle..., p. 122; Keudell, pp. 288-92.

232. Craig, Battle..., p. 206 (citando as memórias de Wartenleben, Ein Lebensbild, p. 44).
233. Craig,Battle..., pp. 174-75; Bismarck à esposa, 11 jul. 1866, GW XIV, n.° 1.158, pp. 171-78;
Bush, Secret Pages, I, pp. 494-95.

234. Napoleão III ao Rei Guilherme, 4 jul. 1866, Orig. dipl. X, n 2861, pp. 314-15; Keudell, p. 191; e
conversação do dia 5 jul. registrada em GW VII, pp. 137-38.

235. Bismarck à esposa, 9 jul. 1866, GW XIV, n 1157, p. 717.

236. Bismarck a Redern, 10 jul. 1866, GW VI, n 465, pp. 48-49.

237. Drouyn a Benedetti, 14 jul. 1866, Orig. dipl XI, nP 2980, pp. 30-32.

238. GW XV, pp. 271-73; Keudell, pp. 296-97; Craig, Politics of.., pp. 200-203.

239. Idem; Drouyn a Benedetti e Benedetti a Drouyn, 19 jul. 1866, Orig. dipl. XI, n.°s 3048 e 3053,
pp. 106-108 e 112-15.

240. Corti, loc. cit., p. 154.

241. Bismarck ao Rei Guilherme, 24 jul. 1866, GW VI, nP 498, pp. 78-80.

242. Vide a nota do rei no documento acima, com data de 25 jul., ibid., p. 81; sobre o desespero de
Bismarck, vide GW XV, p. 279 (conferir, na mesma página, sua versão dos comentários do rei com a
anotação citada acima).

243. Vide GW VII, n 122, p. 140; Corti, op. cit., p. 155.

244. Vide artigo de G. R. Mõrk sobre Bismarck e o liberalismo alemão, JMH, vol. 43 (I), mar. 1971,
pp. 59-75.

245. Frederico III, Tagebucher, p. 454; Corti, English Empress, pp. 155-56; Pflanze, p. 322.

246. Vide extrato dos artigos de Treitschke em Simon, Germany in the Age of Bismarck, pp. 120-22.

247. Eyck II, p. 305.

248. Eyck II, pp. 298-99; Becker, Bismarck Ringen, pp. 200-10.
249. Bismarck a Goltz, 31 jul. 1866, GW VI, n 515, pp. 92-93; Bismarck a E. Manteuffel, 7 e 9 ago.
GW VI, nP s 535 e 543, pp. 103-104 e 114-15.

250. Bismarck a Goltz, 5 e 8 ago. 1866, GW VI, nP 530, p. 101, e n 538 pp. 106-10.

251. Idem, 20 ago. GW VI, nP 579, pp. 135-37; Pflanze, pp. 373-75.

252. Bismarck a Goltz, 7 set 1866, APP VIII, nP 20, pp. 61-62; Goltz a Thile (Ministério do Exterior
francês), 20 e 27 out 1866, APP VIII, n s 58 e 65, pp. 110-121.

253. Keudell, pp. 309-10 (cf. GW VII, p. 160).

254. Shell, Bismarcks Frau, pp. 155-57; Keudell, pp. 319-42.

255. Memorandos ditados por Bismarck, 30 out., 19, 21 e 26 nov. 1866, GW VI, nPs 615, 617-18 e
620, pp. 167-72.

256. Eyck II, pp. 325-26; Pflanze, pp. 337-38; Grant Robertson, Bismarck, p. 226.

257. Minuta do texto constitucional, GWVI, n 629, pp. 187-96. Análise detalhada em Becker, op. cit,
pp. 241-75.

258. Conversação com Friesen, início de janeiro, 1867, GW VII, n 147, pp. 173-77 (citação àp. 174),

259. Becker, op. cit., pp. 273-77 e 359-63.

260. A mais completa discussão do problema constitucional, em edição inglesa, está em Pflanze, pp.
348-63. Vide também Hamerow, Social Foundations... Struggles, pp. 322-34.

261. Kohl III, pp. 167-80.

262. Bismarck a Goltz, 15 fev. 1867, APP VIII, n 243, pp. 393-94; vide também Goltz a Bismarck,
mesma data, ibid. n 245, pp. 395-98.

263. Bismarck a Eichmann, 19 fev. 1867, GW VI, n 689, p. 273; circular de Bismarck às cortes
germânicas, 20 fev. ibid. nP 690, pp. 273-74; Bismarck às missões diplomáticas na Alemanha do Sul,
8 mar., ibid., n 704, pp. 296-97.

264. Ritter, Sword and Sceptre, I, pp. 219 e 311.


265. Conversação com Bethusy-Huc, mar. 1867, GW VII, nP 156, pp. 186-87.

266. Kohl III, pp. 263-65.

267. Ritter, op. cit, p. 219.

268. Keudell, pp. 365-66; Grant Robertson (op. cit, p. 250) cita os comentários de Madame Calette,
bem como os de Leboeuf e Vaillant.

269. Bismarck a Rosenberg, 20 ago. 1867, APP IX, nP 128, pp. 181-82.

270. Bismarck a Reuss (relatando conversa com o embaixador russo), 22 mar. 1868, APP IX, n 680,
pp. 799-803 (também GWVI (a), n 1108, pp. 318-22).

271. Idem, 18 jan. 1868, GW VI (a), n 1024, pp. 214-15; Bismarck às missões diplomáticas da
Alemanha do sul, 1 fev., ibid n 1037, pp. 227-28.

272. Stehlin, Bismarck and the Guelph Problem, passim; e sobre o Fundo Guelfo, especificamente,
vide pp. 194-211.

273. Pflanze, pp. 391-94 e 399-401; Eyck II, pp. 391-92 e 401.

274. Bismarck a Werthern, 26 fev 1869, GWVI (b), n 1327, pp. 1-2.

275. Busch, Secret Pages I, p. 4.

276. Becker, op. cit., pp. 612-24; circular de Bismarck, 10 jan. 1870, GW VI (b), n 1469, p. 201;
Bismarck aWerther, 11 jan., GWVI (b), nP 1470, pp. 201-202.

277. Bonnin, Bismarck and the Hohenzollern Candidature, p. 28.

278. Telegrama de Bismarck, procedente de Varzin, ao Ministério do Exterior, 3 out. 1868, GW VI


(a), n 1186, p. 412.

279. Bismarck a Solms, 11 maio 1869, GW VI (b), n 1389, p. 78.

280. Lord, Origins of the War, pp. 14-16.

281. Bonnin, op. cit, pp. 62-65.


282. Eyck II, p. 445; Keudell, pp. 430-32.

283. Memorando de Bismarck, 9 mar. 1870, GW VI (b), n 1521, pp. 266-68.

284. Anotações tomadas por Carlos Antônio, 16 mar. 1870, Bonnin, op. cit., pp. 291-94. Vide
também a interessante carta de Carlos Antônio a seu filho, o Príncipe da Romênia, em 20 de março,
da qual há extratos traduzidos para o inglês em Medlicott.e Coveney, Bismarck and Europe, pp. 68-
69.

285. Bismarck a Arnim, 25 mar. 1870, GWVI (b), n 1540, pp. 301-302; Bismarck a Bernstorff, 25
mar., ibid. n 1541, pp. 302-305.

286. Relato de Bucher, 14 abr. 1870, Bonnin, op. cit., 114-18; Diário de Versen, ibid., pp. 261-62.

287. Bismarck(Varzin) aThile (Ministério do Exterior), 18,20,27 abr., Bonnin, op. cit, pp. 122,131-34
e 139-43; Diário de Versen, ibid., p. 264.

288. Bismarck a Carlos Antônio, 28 maio, ibid., p. 158; Carlos Antônio a Bismarck, 31 maio, ibid.,
pp. 162-63; Thile à Legação Prussiana, Madrid, 11 jun., ibid. p. 178; Bismarck a Versen, 11 jun.,
ibid., p. 179; Bismarck ao príncipe real, 11 jun. ibid., pp. 180-81.

289. Idem, pp. 196 e 233-34; Pflanze, p. 452 (citando VEmpire liberal, de Ollivier); Lynn Case,
French Opinion.pp. 244-51; Keudell, p. 429.

290. Fritz Stern, “Gold and Iron”, Am. Hist. Rev., vol. 75 (i), 1969, p. 43 (publica extratos dos
arquivos de Bleichroeder).

291. Bismarck (Varzin) ao Ministério do Exterior, 11 jul. 1870, GWVI (b), n.° 1591, p. 354.

292. Bonnin, op. cit, pp. 244, 248 e 250.

293. Idem, pp. 248-49; vide artigo de Langer sobre “Bismarck as a Dramatist” em Sarkissian,
Studies in Diplomatic History, p. 202. A. J. P. Taylor, Bismarck, pp. 116-22 oferece interessante
interpretação da política do chanceler em 1870.

294. Bismarck a Abeken (Ems), 12 jul. 1870, GWVI (b), n 1601, p. 360; Langer, loc. cit., p. 203.

295. Langer, loc. cit., pp. 202-204; C. W. Clark, “Bismarck, Rússia and the War of 1870H, vol.

XIV, n 2 (1942) publica relatórios de Gorchakov a Alexandre II, um enviado em 12 jul. (pp. 200-201)
e dois em 13 jul. (pp. 201-202).
296. Langer, loc. cit., p. 208; Lord, op. cit, n s 159 e 181.

297. A lenda do “Telegrama de Ems” é analisada criticamente por Langer, loc. cit, pp. 210-11. Há
muitas versões bismarqueanas, culminando com a famosa narrativa contida em suas memórias, GW

XV, pp. 307-11. Vide também a estória conforme contada a Lucius von Ballhausen (set. 1876, em
Lucius, pp. 91-92) e duas vezes aMoritz Busch, dez. 1870 (SecretPages I, pp. 404-405) eout. 1877
(ibid. II, pp-340-41).

298. Steefel, Bismarck, the Hohenzollern Candidacy... War of 1870, pp. 208-209 sobre os
acontecimentos em Paris e p. 216 sobre a declaração de guerra; Case, op. cit., pp 254-57; Frederico
III, War Diary, p. 9.

299. Busch, Secret Pages, I, p. 64; Bismarck à esposa, 16 ago. 1870, GW XIV (ii), n.° 1321, p. 785.

300. Busch, Secret Pages, I, pp. 88-89 e 95; Howard, Franco-Prussian War, pp. 144-66; Bismarck à
esposa, 16, 17 e 19 ago., GW XIV(ii), n s 1320-25, pp. 784-86.

301. Frederico III, War Diary, pp. 64-65; Howard, op. cit., pp. 162 e 167-82.

302. Ibid., pp. 212-23; Busch, Secret Pages, I, pp. 140-43; Keudell, p. 455; Bronsart,
Kriegstagebuch, pp. 58-59.

303. Howard, op. cit., pp. 218-21; Bronsart, op. cit., p. 61; Frederico III, op. cit, pp. 90-93; Busch,
Secret Pages, I, pp. 143-47.

304. Bismarck à esposa, 3 set 1870, GW XIV (ii), n 1374, p. 789.

305. Bismarck, op. cit, p. 65; Busch, Secret Pages, I, p. 159.

306. Bismarck a Bernstorff, 16 set 1870, GWVI (b), n 1805, pp. 497-98; Bismarck a Bernstorff et al.,
16 set 1870, ibid. n 1808, pp. 500-502.

307. Circular de Bismarck, 27 set. 1870, GWVI (b), n.° 1835, pp. 519-21; Busch, Secret Pages, I pp.
191-94.

308. Ibid., p. 194.

309. Frederico III, op. cit., p. 215.


310. Home, Fali of Paris, p. 144; Busch, Secret Pages, I, pp. 215, 246 e 250.

311. Ibid., p. 246 (sobre o que disse Keudell); Keudell, pp. 458-60.

312. Frederico III, op. cit., pp. 150-51 e p. 181 (lançamentos de 9 out. e 6 nov. no diário).

313. Craig, op. cit., pp. 204-209; Feder (compil.) Bismarck grosses Spiel, p. 207; Ritter, Sword and
Sceptre I, pp. 219-22.

314. Bismarck à esposa, 20 out. 1870, GW XIV (ii), n 1350, p. 796; Bismarck ao Rei Guilherme, 5
dez. GW VI (b), n.° 1950, pp. 615-17; Busch, Secret Pages I, p. 254.

315. Craig, op. cit, pp. 209-11; Howard, op. cit., pp. 350-57.

316. Busch, Secret Pages I, pp. 293, 306, 315, 325, 332 e 336; Bronsart, op. cit, p. 212 (7 dez.
1870).

317. Bismarck a Bernstorff, 24 nov. 1870, GWVI (b), nP 1928, pp. 597-98; Taylor, Strugglefor
Mastery, pp. 214-15.

318. Há uma perfeita impressão da tensão reinante em Versalhes nas memórias de Holstein: Rich e
Fisher, Holstein Papers, I, pp. 49-52.

319. Bismarck a Roon, 7 nov. 1870, GWVI (b), n 1910, pp. 583-84; Becker, Bismarcks Ringen, 727-
29.

320. Vide a contribuição de Wilhelm Schõssler em Gohring e Scharf (eds.) Geschichtliche Krafte, pp.
206-209, especialmente a carta de Bismarck a Ludwig da Baviera, 27 nov. 1870 (p. 207); vide,
também, Acton, Historical Essays, pp. 204-205. Entre os trabalhos recentes, Stehlin, Bismarck and
the Guelph Problem, pp. 206-207 é preferível à versão superdramatizada em Noll v.d. Nahmer,
Bismarcks Reptüienfondspp. 150-65.

321. Frederico III, op. cit., p. 212.

322. Ibid., pp. 180, 224, 251, 253, 257-59 e 263; Bronsart, op. cit., p. 301.

323. Ritter, op. cit, I, pp. 222-23 e 310; Bismarck ao Rei Guilherme, 14 jan. 1871, GWVI (b), n 2005,
pp. 665-69; general Stosch ao príncipe real, mesma data, em Hollyday, Bismarck’s Rival, pp. 85-86.

324. Frederico III, op. cit., pp. 261-62, 265-68; GW XV, p. 327.
325. Ibid., pp. 328-29; Frederico III, op. cit., pp. 268-74; Bronsart, op. cit., p. 298; Rich e Fisher,
Holstein Papers I, p. 79. A proclamação, escrita por Bismarck consta de GW VI (b), n 2007, pp. 671-
72. W. H. Russel escreveu uma fulgurante descrição da cena ocorrida na Galeria dos Espelhos. Está
em seu livro “My Diary during the last Great War” (1874), porém é menos conhecida na Inglaterra
que outros escritos anteriores de Ussel. Há um trecho em Home, Fall of Paris, p. 301.

326. Bismarck à esposa, 21 jan. 1871, GW XIV (ii), n 1389, p. 810.

327. Eyckll, pp. 563-64.

328. Craig, op. cit., pp. 213-14; Bronsart, op. cit., pp. 309-11.

329. Howard, op. cit., pp. 438-43; Busch, Secret Pages I, pp.486-87; Frederico III, op. cit., p. 282.

330. Howard, op. cit., pp. 446-49

331. Frederico III, op. cit., p. 317; Bronsart, op. cit., pp. 270-73.

332. Frederico III, op. cit., pp. 319-22.

333. Bismarck à esposa, 5 mar. 1871, GW XIV, n 1410, p. 816; Bronsart, op. cit., p. 372; Busch,
Secret Pages, I, pp. 563-64.

334. Fredrico III, War Diary, pp. 336-37; Imperador Guilherme a Bismarck, 21 mar. 1871, William I
and Bismarck Letters I, p. 130.

335. Schmidt-Volkmar, Der Kulturkampf p. 24.

336. Bismarck a Amim, 20 jul. 1870, GWVI (b), n 1689, p. 409.

337. GW XV, p. 330; Busch, Secret Pages I, pp. 294-95; Kent, Amim and Bismarck, p. 42; EycklII, pp.
83-84.

338. Atas do Conselho de Ministro prussiano, 1 nov. 1871, A. Constabel, Die Vorgeschichte des
Kulturkampfes, n 119, pp. 136-41.

339. Stehlin, Bismarck and the Guelph Problem, p. 101.

340. Schmidt-Volkmar, op. cit., pp. 77-79; Ruhenstroth-Bauer, Bismarck und Falk, pp. 23-31.
341. Schmidt-Volkmar, op. cit., p. 119.

342. Ibid., p. 79.

343. Eyck III, p. 100 e seg.; vide os discursos de Bismarck perante os deputados prussianos em
janeiro e fevereiro de 1872, Kohl V, pp. 225-81, e na Câmara Alta, 7 mar. 1872, ibid., pp. 305-307.

344. Kohl V, pp. 336-37.

345. Odo Russel a Granville, 18 out. 1872, Knaplund, Letters from the Berlin Embassy, p. 71.

346. GW XV, p. 333. Para comprovação contemporânea da importância do aspecto polonês, vide
comentários de Russell em março de 1872; Taffs, Ambassador to Bismarck, p. 13. Falk destacou a
importância da Polônia ao escrever a Guilherme I em 5 mar. 1872, Constabel, op. cit, n 153, pp. 187-
89.

347. Bismarck a Reuss, 22 ago. 1872, GWXIV(ii), n 1462, pp. 836-37; Wertheimer, Andrassy, II, p.
71; Langer, European Alliances and Alignments, pp. 21-22.

348. Gorchakov a Brunnow, 11 set. 1872, citado em Sumner, Rússia and the Balhans, p. 89;
Schweinitz, Denkwürdigkeiten I, p. 299.

349. Bismarck à esposa, 3 maio 1873, GW XIV (ii), n 1486, p. 849.

350. Convênio de 6 maio 1873, GP I, n 127, pp. 203-204.

351. Protocolos de 6 jun. e 22 out. 1873, GP I, n 129, pp. 206-207; Pribram, Secret Treaties of
Áustria-Hungary I, apêndice A, pp. 184-87.

352. Bismarck ao Imperador, 14 out 1872, GP I, n 91, pp. 153-54 (conf. também GP I, n 95); Kent op.
cit., pp. 70-72 e 92.

353. Amim a Bismarck, 3 out. 1872, GP I, nP 90, pp. 150-53; Kent, op. cit., pp. 187-88.

354. Bismarck a Arnim, 20 dez. 1872, GP I, n 95, pp. 157-62.

355. Kent, op. cit., pp. 91-94 e 96-106.

356. Ibid., pp. 93-94.


357. O Imperador Guilherme I a Bismarck, 12 dez. 1872, ibid., p. 101.

358. Bismarck a Arnim, 19 jun. 1873, GP I, nP 115, pp. 189-91; Kent, op. cit., pp. 116-21.

359. Nota de página em GP I, 191; Kent, op. cit., pp. 121-22.

360. Lucius, pp. 35-36; Sell, Fürst Bismarcks Frau, p. 196; BismarckaE. Bulow, 7 jul. 1873,
GWXIV(ii), nP 1494, pp. 852-53.

361. Kent, op. cit., pp. 124-27.

362. Lucius, p. 46; Eyck III, p. 70; Craig, Politics of the Prussian Army, pp. 220-21.

363. Kent op. cit., pp. 129-40; Lucius, p. 64.

364. Kent, op. cit., pp. 144-49 e 194-97; Rich e Fischer, Holstein Papers I, pp. 95-96.

365. Snyder, Blood and Iron Chancellor, pp. 237-39, publica interessantes recortes do New York
Times narrando a tentativa de assassínio de Bismarck; Bismarck a Reuss, 30 jul. 1873, GW XIV (ii),
n 1521, p. 862; Guilherme I a Bismarck, 17 jul. 1874, William I-Bismarck Letters I n.° 197, p. 155.

366. Kent op. cit., pp. 152-53; extratos das memórias de Hohenlohe, out. enov. 1874, GWVIII, n.°s
88 e 89, pp. 123-26; Lucius, pp. 60-61.

367. Discurso em 4 dez. 1874, Kohl VI, pp. 214-26; outros discursos no Reichstag, nesse período,
ibid., pp. 190-239.

368. Taffs, op. cit, pp. 45-46. Sobre o Julgamento Arnim, em geral, Kent op. cit., pp. 163-70.

369. Rich, Friedrich von Holstein I, pp. 81-83. O depoimento de Holstein ao tribunal está em Rich e
Fisher, Holstein Papers III, pp. 31-36.

370. Memórias de Tiedemann’s, 25jan. 1875, GWVIII, n 97, pp. 138-39. A tradução das observações
de Bismarck em Eyck, Bismarck and the German Empire, p. 205, é mais epigramática, porém mais
desorientadora.

371. Bismarck a Nicolau Orloff, 10 fev. 1875, Orloff, pp. 162-163.

372. Bismarck a Hohenlohe, 26 fev. 1875, GP I, n.° 155, p. 245.


373. Andreas Hillgruber, artigo sobre a crise da “Guerra à Vista”, Schulin (editor), Gedenkeschrift
Martin Gohring, pp. 239-53.

374. Hillgruber, loc. cit, especialmente pp. 247-48; Mitchell, Bismarck and the French Nation, p. 86.
Vide também nota de página em GP I, n 160, pp. 253-54.

375. Eyck III, p. 161; o Imperador Guilherme I ao Ministério do Exterior, 11 abr. 1875, GP I, 162, p.
255; Bülow (por instruções de Bismarck) ao imperador, 12 abr., GP I, n 163, pp. 255-57.

376. Ibid., p. 85; Rich e Fisher, Holstein Papers I, p. 94; Gontaut-Biron aDecazes, 21 abr. 1875, DDF
I, n 395, pp. 415-21; versão de Radowitz, 12 maio 1875, GP I, n 177, pp. 275-77.

377. Circular de Decazes, 29 abr. 1875, DDF I n 399, pp. 426-33; Taffs, op. cit., pp. 85-86.

378. Bismarck a Munster, 12 maio 1875, GP I, nP 176, pp. 273-75. Bem como Taffs e Hillgruber, loc.
cit., vide o exame geral de Taylor, Stmgglefor Mastery, pp. 225-26; Sumner, op. cit, pp. 95-99 e
Seton-Watson, Disraeli, Gladstone and the Eastem Question, pp. 11-14.

379. Conversação de Bismarck com Aegidi, maio 1875, GWVIII, n 104, pp. 144-45; Sumner, op. cit.,
p. 98; Eyck III, pp. 173-74 (comparar, porém, com Berchem ao Ministério do Exterior, 14 maio, GP I,
n 182, p. 295).

380. Eyck III, p. 181; Russel a Robert Morier, maio 1875, Medlicott, Bismarck and Modem Germany,
p. 117.

381. Wertheimer, op. cit, II, p. 243.

382. Bismarck ao Imperador Guilherme I, 4 maio 1875, GW VI (c), pp. 58-59 (também William-
Bismarck Letters I, n.° 207, pp. 162-63); Guilherme a Bismarck, 11 maio, ibid. I, n.° 208, p. 164.

383. Bismarck a Modey, 6 jul. 1872, GW XIV (ii), nP 1458, p. 835.

384. Comparem-se, especialmente, os dois discursos de 22 nov. e 3 dez. 1875 (Kohl VI, pp. 291 e
seg. e 309 e seg) com os provocantes discursos de 4 dez. 1874 (Kohl IV, pp. 214 e seg.).

385. Eyck, pp. 191-96.

386. Sumner, Rússia and the Balkans, pp. 137-52.

387. Russel a Derby, 29 nov. 1875, Taffs, op. cit., pp. 112-15.
388. Kohl VI, pp. 446 et. seg.

389. Wertheimer, Andrassy II, pp. 271-73.

390. Taffs, op. cit., pp. 118-22; Bulow a Munster, 4jan. 1876, GP II, n.° 227, pp. 29-31.

391. Ensaio de Medlicott sobre “Bismarck e Beaconsfield” em Sarkissian (editor), Studies in


Diplomatic History, p. 228; Monypenny e Buckle, Disraeli V, p. 420.

392. Taffs, op. cit, pp. 122-26; Monypenny e Buckle, op. cit., VI, pp. 18-21; Medlicott em Sarkissian,
op. cit., p. 229.

393. Oubril a Gorchakov, 5 jan. 1876, Goriainov, La Question d'Orient, pp. 65-66, citado
originalmente em Le Bosphore et les Dardanelles, do mesmo autor, com base em documentos
obtidos quando era arquivista no Imperial Ministério do Exterior russo.

394. Wertheimer, op. cit, II, pp. 295-99; Sumner, op. cit, p. 164; Schweinitz, Denkwürdigkeiten I, pp
329-30.

395. Blake, Disraeli, pp. 588-90; Monypenny e Buckle, op. cit., VI, pp. 22-23; Seton-Watson, Disraeli,
Gladstone and the Eastem Question, p. 33.

396. Medlicott em Sarkissian, op. cit., pp. 233r36.

397. Disraeli a Derby, 4 set 1876, Monypenny e Buckle, VI, pp. 52-53.

398. Quanto ao Acordo de Rechstadt e suas conseqüências, Sumner, op. cit, pp. 173 e seg. e 583-8ÍI
quanto à proposta do.Congresso, ibid., p. 199 e a nota editorial à p. 32 de GP II; correlacionando
sugestões transmitidas por Schweinitz em 6 e 7 de agosto à carta citada imediatamente aqui abaixo.

399. Bismarck a Bulow, 14 ago. 1876, GP II, n 228, pp. 31-34.

400. Sobre a missão Manteuffel vide Sumner, op. cit, pp. 201 -207; Schweinitz, Bnefwechsel, pp.
115-16 ü Denkwürdigkeiten I, pp. 348-50; diretriz de Bismarck, 30 ago. 1876, GP II, nP 229, pp.
34-37; Manteuffel a Guilherme I, 6 set, GP II, nP 231, pp. 38-44. Sobre o episódio Werder, vide
Werder ao Ministério Exterior, 25 set. GP II, n 237, p. 52 e 1 out., ibid., nP 239, p. 53. Quanto à
abordagem austríaca (l “Missão Munch”), vide Sumner, p. 210 e respectiva nota de página. O
aborrecimento de Bismarck, sobretudo com Werder, está evidente em seu memorando de 2 out., GP
II, nP 240, p. 54.

401. Schweinitz, Denkwürdigkeiten I, pp. 355-56 e 359-64; Schweinitz, Briejwechsel, p. 120;


Schweinitz ao Ministério do Exterior (de Yalta), IP e 2 nov. 1876, GP II, n 252 (pp. 80-81) e n 253
(pp. 82-84).
402. Medlicott, em Sarkissian, op. cit., p. 242; Taffs, op. cit., pp. 177-79. Vide extrato de carta de
Shuvalov a Gorchakov, 20 fev 1877, publicada (da Slavonic Review, IV, pp. 746-47) em Medlicott e
Coveney, Bismarck and Europe, pp. 100-101.

403. Quanto a Stosch em geral, vide sua biografia, Bismarck’s Rival, escrita por Frederick Hollyday.
A crise de 1877 está nas pp. 164-70. Sobre a hostilidade de Bismarck a Stosch em 1874 vide Lucius,
p.57.

404. Busch, Secret Pages II, pp. 269-72; a Princesa Real à Rainha Vitória, 7 abr. 1877, Corti, English
Empress, p. 201.

405. Feder (ed.) Bamberger, Bismarcks grosses Spiel, p. 322.

406. Busch, Secret Pages II, p. 328.

407. Eyck III, pp. 204-207; GW XV, p. 368-70: o Imperador Guilherme I a Bismarck, 30 déz. 1877,
William I - Bismarck Letters I, n 229, p. 185.

408. Schmidt-Volkmar, Der Kulturkampf, pp. 219-36.

409. Discurso de 19 fev. 1878, GW XI, pp. 520-29; sobre a expressão “honesto corretor”, e seu
recebimento na Câmara, p. 526.

410. BulowaStolberg, 3 mar. 1878, GPU, n 332, p. 207; Wertheimer, op. cit., III, p. 86; Saint-Valliera
Waddington, 2 mar. 1878, DDF II, n 256, pp. 261-63.

411. Sumner, op. cit, p. 493; Munster a Bismarck, 2 jun. 1878, GP II, n 425, p. 323.

412. GWXV, p. 372; Eyck III, pp. 220-29; Lucius, pp. 139-40; telegrama de Bismarck a Bulow, 11
maio 1878, GW VI (c), n.° 119, p. 109; vide também comentário de Bismarck a Busch sobre a
dissolução do Reichstag, Secret Pages III, p. 32 (15 nov. 1881).

413. Sumner, op. cit., p. 501; sobre o aborrecimento de Bismarck com a decisão de Gorchakov de vir
a Berlim, vide suas manifestações a Shuvalov, citadas por Waller, Bismarck at the Crossroads, p. 75.

414. Beaconsfield à Rainha Vitória, 17 jun. 1878; Monypenny e Buckle, op. cit., VI, p. 322; Taffs, op.
cit, pp. 236-40.

415. Cecil, Salisbury, II, pp. 286-87.

416. Caratheodory Paxá (delegado turco), citado por Sumner, op. cit., p. 511.
417. Medlicott, em Sarkissian, op. cit, p. 250.

418. Beaconsfield à Rainha Vitória, 17 jun. e5jul. 1878, Monypenny e Buckle, op. cit, VI pp. 322 e
335.

419. Beaconsfield a Tenterden, 2 jul. 1878, citado em Sumner, op. cit, p. 505.

420. Eyck III, p. 264.

421. Sobre a combalida saúde de Bismarck, vide Medlicott, Congress of Berlim, p. 71; cf. Richter,
Bismarck, p. 244.

422. Eyck III, pp. 237-38 e 278-79; Lucius, pp. 142-45.

423. Eyck III, p. 282. Ofício ao Conselho Federal (datado de Friedrichsruh), 15 dez, 1878, GW VI (c),
n 138, p. 128.

424. Vide dois artigos de Fritz Stern: sobre “Money and Morais in Bismarck’s Society”, Central
European History III, pp. 55-56, e sobre Bleichroeder e Bismarck, em Am. Hist. Rev., vol. 75 (I), p.
42.

425. Artigo de Vagt sobre “A Fortuna de Bismarck”, Central European History I, p. 210.

426. Poschinger, Bismarck und die Parliamentarier I, p. 144; Schmidt-Volkmar, Kulturkampf pp. 249-
53; Ruhenstroth-Bauer, Bismarck und Falk, pp. 82-83.

427. Vide extrato de ‘‘O Cristianismo e o Problema dos Trabalhadores”, do Bispo Ketteler (1864),
em Simon, Germany in the Age of Bismarck, pp. 185-186, juntamente com os comentários editoriais
do Professor Simon, ibid., pp. 71-72.

428. Eyuck I, pp. 295-97 e 599-600; Taylor, Bismarck, p. 60; Pflanze, pp. 227-29.

429. Discurso de Bismarck em 2 abr. 1881, Rothfelds, Bismarck und der Staat, p. 358; extrato, em
tradução inglesa, em Simon, op. cit., pp. 200-202; conf. Busch, Secret Pages II, p. 483.

430. Russell a Granville, 17 Jan. 1881, Knaplund, Letters from the Berlin Embassy, pp. 188-89.

431. Sumner, Rússia and the Balkans, pp. 489-90 e 555-56; Waller, Bismarck at the Crossroads, pp.
80-83.
432. Ibid., pp. 82-83; a análise detalhada do Dr. Bruce Waller sobre esses acontecimentos supera
todas as narrativas anteriores.

433. Schweinitz, Denkwürdigkeitn II, p. 60; Waller, op. cit., p. 190; Windelband, Bismarck und die
europaischen Grossmachte, p. 66.

434. Windelband, op. cit., pp. 66-89; Waller, op. cit., pp. 192-93.

435. Alexandre II a Guilherme II, 15 ago. 1879, GP III, n 446, pp. 14-16.

436. Radowitz (Berlim) Bismarck (Gastein), 9 set. 1879, GP III, n.° 463, pp. 59-60 e resposta de
Bismarck, ibid., nP 464, pp. 60-61; memorando do Imperador Guilherme, 9 (P) set. 1879, ibid., n
465, pp. 62-64.

437. Hohenlohe, Memoirs III, pp. 245-47 (22 set. 1879).

438. Bismarck a Andrassy, 29 set. 1879, GW XIV (ii), n.° 1619, pp. 908-9; extratos em inglês (junto a
comentários de Andrassy, de uma versão preservada nos arquivos de Viena) em Medlicott e
Coveneyi Bismarck and Europe, pp. 116-17.

439. Windelband, op. cit, p. 83; Guilherme I a Bismarck, 2 e 4 out. 1879, GP III, nP s 495 e 496,

pp. 111-16.

440. Medlicott, em Sarkissian, op. cit., p. 249; conf. Medlicott Congress of Berlin and after, pp. 385-
98 Taylor, Struggle for Mastery, p. 263; Beaconsfield à Rainha Vitória, 27 set 1879, Monypenny e
Buckle, Disraeli VI, p. 386, Munster a Bismarck, 27 set. 1879, GP IV, n 712, Cecil, Salishury II, p.
373.

441. Windelband, op. cit, 71-74; Waller, op. cit, p. 215.

442. Simpson, Saburov Memoirs, pp. 70-92; Medlicott, Congress... and After, pp. 390-92.

443. Sobre este parágrafo, vide, além das referências precedentes, a conferência feita por Medlicott
sobre Bismarck e a Aliança dos Três Imperadores, Transactions of the Royal Historical Society (4
série, vol. 27), 1945 especialmente as pp. 66-70.

444. Bismarck, a Schweinitz, 26 fev. 1884, citado (dos arquivos do Ministério do Exterior Alemão)
por Medlicott, Bismarck Gladstone and the Concert of Europe, p. 343.

445. Ibid., pp. 178-86; Bismarck a Rantzau, 8 set. 1880, em Windelband, op. cit, pp. 195-97; conf.
ibid., pp. 173-74.
446. Medlicott, Bismarck..., pp. 283; Lucius, p. 205.

447. Medlicott, op. cit., p. 300.

448. Bismarck ao Imperador Guilherme I, 15 jun. 1881, GP III, n 531, pp. 173-76

449. K. A. Busch a Reuss, 28 fev. 1882, GP III, n 548; pp. 211-12.

450. Langer, European Alliances, p. 244; Taylor, Bismarck, p. 212.

451. Guilherme I a Bismarck, 30 out. 1882, William I - Bismarck Letters I, n 269, p. 213.

452. Idem, 10 maio 1882, ibid. I, n 266, p. 210.

453. Idem, 18 dez. 1881, e Bismarck a Guilherme I (mesma data), ibid., n.°s 261 e262, p. 207;GWXV,
pp. 276-77.

454. Discurso de 12 jun. 1882, GWXII, pp. 343-66; discurso de 14 jun. ibid., pp. 366-98; Lucius, pp.
330-32.

455. Bismarck a Guilherme I, 24 fev. 1883, GW VI (a), n 264, pp. 274-76 (comentários editoriais de
Werner Frauendienst, pp. 273-74).

456. Lucius, pp. 249 e 258-59; Rich e Fisher, Holstein Papers II, p. 35 (18 fev. 1883).

457. Craig, Politics of the Prussian Army, pp. 228-30; Weldersee, Denkwürdigkeiten I, pp. 224-25.

458. Hollyday, Bismarck’s Rival, pp. 210-11.

459. Vide o diário do Dr. Eduard Cohen dos dias 1 e5nov. 1883, GW VIII, n s 354 e358, pp. 480 e
484; Lowe, Bismarck’s Table-Talk, pp. 276-79.

460. Bismarck a Guilherme I, 25 dez. 1883, GW XIV (ii), n 1709, pp. 945-46.

461. Rich e Fisher, op. cíl, II, p. 167 (diário de Holstein, de nov. 1884).

462. Bismarck a Guilherme I, 2 jun. 1873, citado por Wehler em seu artigo “Bismarck’s
Imperialism”, em Past and Present, n 48 (ago. 1970), p. 129.

463. Discurso no Reichstag, 26 jan. 1889, GW XIII, p. 384.

464. Além do artigo de Wehler, já citado, vide seu detalhado estudo Bismarck und Imperalismus
(1969) e o artigo de Hartmut Pogge von Strandmann sobre as origens internas da política colonial
de Bismarck, em Past and Present, n 41 (fev. 1969), pp. 140-59; vide, também, a contribuição de H.
A. Turnersobrea “aventura imperialista” de Bismarck em Gifford e Louis, Britain and Germany in
África (1967), pp. 47-82. Estudos mais antigos incluem A. J. P. Taylor, Germany’s First Bidfor
Colonies (1938) e M. E. Townsend, The Rise and Fali of Germany’s Colonial Empire (1942).

465. Courcel a Ferry, 25 abr. 1884, DDF V, n 249, pp. 267-71.

466. Taylor, Germany’s Bid, pp. 66-67; Wehler, Bismarck und Imperialismus, pp. 393-94.

467. Herbert Bismarck a Bismarck, 16, 17 e 22 jun. 1884, GPIV, nPs 745, 746 e 747, pp. 64-74;
Taylor, Germany’s Bid, pp. 40-44.

468. Lucius, pp. 297-98 (22 jul. 1884); RicheFisher, op. cit.,II,p. 161. O Próprio Holstein admitia que
a questão colonial tinha fortes ligações com a campanha eleitoral; vide Rich, Friedrich von Holstein
I, pp.

145-46; e também a interessante carta de Guilherme Bismarck a Holstein, 27 ago. 1884, Rich e
Fisher, op. cit, III, pp. 128-29.

469. Ramm, Political Correspondence... Gladstone e Granville II, pp. 242-43 e 251.

470. Discurso de 25 jun. 1884, GW XIII, pp. 4-5.

471. Courcel a Ferry, 12 nov., e 3 dez. 1884, DDF V, n.° 450 (pp. 469-70) e n.° 475 (pp. 501-503).

472. Vide, por exemplo, Courcel a Freycinet, 11 abr., e 10 maio 1885, DDF VI, n.° 6, p. 6 e n.° 23,
pp. 21-27; e, em contraste, Raindre (Berlim) a Freycinet, 6 ago. 1885, DDF VI (2), n.° 2, pp. 5-9. Ver
também Windelband, Bismarck und die europãischen Grõssmachte, pp. 640-56.

473. Discurso no Reichstag,, 2 mar. 1885, GW XIII, pp. 4-5.

474. Rich e Fisher, op. cit., II, p. 237 (ago. 1885).

475. Eulenburg, Aus 50Jahre, pp. 81-107; artigo de Snyder sobre “The Political Implications of
Herbert von Bismarck’s Marital Affairs”,J M H XXXVI, n.° 2 (jun. 1964), pp. 156-61.
476. Rich e Fisher, op. cit, II, p. 200 (maio 1885); sobre o incidente da espingarda, ver ibid., pp. 288-

84. Holstein era, porém um observador parcial e rancoroso. Lord Randolph Churchill, ao visitar
Berlim dois anos depois, mencionou a “gostosa” companhia de Herbert von Bismarck, em carta para
casa, comentando sua franqueza e honestidade; e Lady Randolph descreve Herbert como um
conviva encantador; vide Ralph Martin, Lady Randolph Churchill, vol. I, pp. 205-206.

477. Richeter, Bismarck, p. 263; Eyck sobre “Holstein as Bismarck’s critic”, em Sarkissian, op. cit.,
pp. 255-57.

478. Rich e Fisher, Holstein Papers II, pp. 272-73 (29 dez. 1885).

479. Bismarck ao Imperador Guilherme I, 29 set. 1884, GWVI (c), n.°295, pp. 304-306; vide também
a nota editorial, GP III, p. 369.

480. Corti, English Empress, pp. 208-209; Corti, Alexander of Battenberg, pp. 88-92; diário da
Rainha Vitória referente ao dia 8 jun. 1879, Letters of Queen Victoria, 2.a Série, III, p. 26; Langer,
European Alliances and Alignments, p. 337.

481. Corti, Alexander of Battenberg, pp. 203-49.

482. Vide memorandos de Bismarck, minutados por Rantzau em Friedrichsruh, 14 e 16 dez. 1886,
GP V, pp. 96 e 149, com notas editoriais; Lucius, p. 359.

483. Eyck, III, pp. 447-48; Lucius, p. 359 (sobre os receios de Bismarck em dezembro de 1886); Rich
e Fisher, op. cit., II, pp. 388-93 e III, p. 188.

484. Discurso do Reichstag, 11 jan. 1887, GW XIII, p. 213.

485. Corti, English Empress, pp. 235-49.

486. Príncipe Guilherme a Eulenburg, 8 jan. 1887, citado dos arquivos de Potsdam por Rõhl,
Historical Journal, vol. 9 (1966), p. 68; conf. Rõhl, Germany without Bismarck, p. 29.

487. M. Balfour, The Kaiser and his Times, pp. 91-92 e 114; Rich, Friedrich von Holstein I, pp. 228-
29.

488. Craig, Politics of the Prussian Army, pp. 268-70.

489. Balfour, op. cit., p. 115; Rich e Fisher, op. cit., II, p. 87; artigo de Rõhl, loc. cit., p. 70.
490. Discurso no Reichstag, 6 fev. 1888, GW XIII, p. 347.

491. The Times (Londres), 10 mar. 1888.

492. Corti, Alexander, pp. 287-94.

493. Corti, English Empress, pp. 273-74.

494. Corti, Alexander, p. 294.

495. Lucius, p. 450; Busch, Secret Pages III, p. 1887; Rich e Fisher, Holstein Papers I, p. 142;
Longford, Victoria R. I., p. 634.

496. Busch, Secret Pages III, p. 231.

497. GW XV, pp. 458-71; Waldersee, Denkwürdigkeiten I, pp. 338-39, 343-44 e 353-55.

498. Balfour, The Kaiser and his Times, pp. 125-26.

499. Carta de Holstein, 15 out 1888 citada (da biografia de Holstein escrita por Rogge) por Rith,
Friedrich von Holstein I, p. 246.

500. Nichols, Germany after Bismarck, p. 31; Waldersee, Denkwürdigkeiten II, p. 4.

501. Herbert Bismarck a Rosebery, 16 dez. 1888, Bussmann, Staatssekretar Graf Herbert von
Bismarck, n.° 374, p. 533.

502. Sobre o Caso Morier, vide artigo de F. B. M. Hollyday na Central European History I, n.° 1
(mar. 1968), pp. 56-79.

503. Extrato do discurso de Bismarck, 26 jan. 1889, GW XIII, p. 380; Bismarck a Hatzfeldt, 11 jan.
1889, GP IV, n.° 943, pp. 400-402.

504. Waldersee, Denkwürdigkeiten II, pp. 42 e 48; Craig, Politics of the Prussian Army, p. 270.

505. Ibid., (citando Waldersee a Engelbrecht, 13 fev. 1889); Rich, Friedrich von Holstein I, pp. 249-
50.

506. Eyck III, p. 560; Lucius, p. 496; Nichols, op. cit., p. 13; Balfour, op. cit., pp. 76-79.
507. Waldersee, op. cit, II, pp. 54-56; artigo de Rôhl, “The Disintegration of the Kartell”, Historical
Journal, vol. 9 (1966), p. 73.

508. Rich, op. cit., pp. 250-54; Waldersee, Denkwürdigkeiten II, pp. 58-63; Eulenburg, Aus
50Jahren, p. 284. Em 1972, o Dr. RenkHansjõrg publicou um minucioso estudo da Crise
Wohlgemuth, colocando-a no contexto da política geral de Bismarck com relação à Suíça, Bismarck
Konflikt mit der Schweiz (quanto à crise em si, vide pp. 128-358).

509. GW XV, p. 559; Waldersee, op. cit., II, pp. 54-56 e 65-66; Rich, op. cit., I, p. 251.

510. Artigo de Rõhl, loc. cit., pp. 77-79; Lucius, pp. 502-503; Herbert Bismarck a Rantzau, 27 jun,
1889, Bussmann, op. cit., jun. 1889, n.° 380, p. 538.

511. Artigo de Rõhl, loc. cit, pp. 81-83; idem, Germany without Bismarck, pp. 47-50.

512. Rich, op. cit., I, pp. 264-65.

513. GW XV, pp. 490-91 e 592-93; Lucius, pp. 506-507. Sobre o uso, por Eulenburg, da expressão
“Júpiter”, vide Craig, op. cit, p. 271.

514. Há extratos, traduzidos, das minutas do Conselho da Coroa em Simon, Germany in the Age of
Bismarck, pp. 224-27; a versão de Bismarck vide em GW XV, pp. 491-94; a narrativa de Herbert von
Bismarck (datada de abril de 1890) vide em ibid., pp. 593-94.

515. Lucius, p. 509;

516. Nichols, Germany after Bismarck, pp. 32-33. Vide também excerto do diário de Marschall
referente a 29 de janeiro, publicado por Rôhl em seu artigo de crítica na Historical Review IX, p.
383.

517. Eyck III, pp. 573-79; GW XV, pp. 499-502; Lucius, p. 515.

518. Quanto à eleição, vide o artigo de Rõhl sobre o Kartell, loc. cit., pp. 85-86 e Nichols, op. cit.,
pp. 18-19. Vide também GW XV, p. 508; Waldersee, op. cit., II, p. 106; Eulenburg, op. cit., pp. 293-
94.

519. Willy Bismarck a Holstein, 2 mar. 1890, Rich e Fisher, op. cit., III, n.° 307, pp. 329-30.

520. Herbert Bismarck a Rantzau, 5 mar. 1890, Bussmann, op. cit., n.° 403, pp. 562-63.

521. Artigo de Fritz Stern sobre Bleichroeder e Bismarck, Am. Hist. Rev., vol. 75 (i), 1969, p. 43.
522. Rõhl, Germany without Bismarck, p. 89; sobre a irritação crescente do imperador, vide
Waldersee, op, cit., II, p. 115; e sobre a nota de Bismarck na noite de sexta-feira, vide Eyck III, p.
589.

523. Narração de Bismarck sobre o encontro, em GW XV, pp. 512-15. A versão de Guilherme II está
em K. F. Nowak, Kaiser and Chancellor, pp. 204-208. Vide, também Eulenburg, op. cit., pp. 223-35;
Lucius, pp. 521-22.

524. Herbert Bismarck a Rosebery, 30 mar. 1890, Bussmann, op. cit., n.° 407, p. 567.

525. Nicholson, George V, p. 75. O Príncipe George estava em Berlim para ser investido Cavaleiro
da Ordem da Águia Negra.

526. The Times (Londres), 30 mar. 1890.

527. Gooch, Studies in German History, p. 380.

528. Herbert Bismarck a Rosebery, 30 mar. 1890, Bussmann, Staatssekretar... Bismarck, n.° 407, p.
567.

529. Bucher a Busch, l.° set 1891, Busch, Secret Pages III, pp. 373-74.

530. Ibid., p. 377.

531. Ibid,, p. 374.

532. Waldersee, Denkwürdigkeiten II, p. 202 (mar. 1891).

533. Nichols, Germany after Bismarck, p. 107, citando as memórias do Conde Wedel.

534. Ibid., pp. 105-106.

535. Entrevista concedida a Henri de Houx, nov. 1892, GW IX, n.° 92, pp. 292-99, citação da página
293.

536. Nichols, op. cit, pp. 190-95.

537. Vide artigo de Louis Snyder “The political implications of Herbert von Bismarck’s marital
affairs”, J M H, vol. XXXVI, n.° 2 (jun. 1964), pp. 162-66; Nichols, op. cit, p. 194.
538. Meyer, Bismarck, Mensch und Staatsmann, pp. 691 -93; Bismarck ao editor do Neue Freie
Presse (Viena), 23 jun. 1892, GW IX, n.° 76, pp. 215-19.

539. Eyck III, pp. 620-21; artigo de Snyder, loc. cit., p. 167.

540. Churchill, Lord Randolph Churchill, II, pp. 477-81; Ralph Martin, Lady Randolph Churchill, vol.
I, pp. 263-65.

541. Bismarck a Guilherme II, 19 set 1893, GW XIV (ii), n.° 1891, p. 1.011; Nichols, op. cit., p. 298.

542. Ibid., p. 299; Eulenburg, op. cit, pp. 256-58; Hohenlohe, Memoirs II, p. 451.

543. Nichols, op. cit, p. 301; Eulenburg, op. cit, p. 268; GW IX, pp. 383-88.

544. Hohenlohe, op. cit., II, p. 452; sobre a visita de Hohenlohe a Friedrichsruh, ver ibid., pp. 461-
62.

545. Sobre os últimos dias de Joana, vide Sell, Fürst Bismarcks Frau, pp. 252-53; Eyck III, p. 633;
Bismarck à irmã, 19 dez. 1894, GW XIV (ii), n.° 1908, p. 1017.

546. Bismarck a Oscar von Amim, 18 maio 1895, ibid., n.° 1918, p. 1020.

547. Waldersee, Denkwürdigkeiten II, pp. 341-42 (28 mar. 1895); Gooch, op. cit., p. 388.

548. Conversação com Tirpitz no verão de 1897; GWIX, n.° 161, pp. 477-79; Tirpitz, Erinnerungen,
pp. 88-90.

549. Conversação com Li Hung-chang, 25 jun. 1896, GW IX, n.° 157, pp. 465-69; a citação está na
página 468.

550. Conversação com Guilherme II e seu séquito, 15 dez. 1897, GW IX, n.° 166, pp. 488-89; Tirpitz,
op. cit., pp. 93-95.

551. Whitman, Personal Reminiscences... Bismarck, pp. 256-63; Taylor, Bismarck, p. 265.

552. Snyder, Blood and Iron Chancellor, pp. 401-403; Eulenburg, op. cit., pp. 276-79.

553. Waldersee, op. cit, II, p. 418; Eulenburg, op. cit, p. 280.
554. Golo Mann, Germany since 1789, p. 525.

555. Gerhard Ritter, Europa und die deutsche Frage, pp. 83-86; conf. Henry Kissinger, “Bismarck,
the White Revolutionary”, Daedalus, verão de 1968, pp. 918-22.

556. Vide interessantes pesquisas em Hans Kohn (compil.), German History, some new German
views, em especial as pp. 11-43, e Michael Stürmer, “Bismarck in Perspective”, Central European
History, vol. 4, n.° 4 (1971), em especial pp. 326-31; vide também Taylor, op. cit., pp. 271-73 e
Pflanze, pp. 3-8.

557. Ulrich von Hassell, The Von Hassel Diaries, p. 316 (10 jul. 1944).
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A compilação geral dos trabalhos de Bismarck, Die Gesammelten Werke Bismarcku (preparada por
H. von Petersdorff, F. Thimme, W. Frauendienst, W. Schüssler, W. Andreas, W. Windelband, G. Ritter,
et al) ainda continua sendo fonte básica para qualquer estudo do homem e sua obra. Foi publicada
em Berlim, entre 1924 e 1985, com quinze volumes numerados, mas o Volume VI tem quatro partes
e 0 Volume XIV duas partes. O Volume XV é o texto definitivo das memórias de Bismarck,
inicialmente editadas em 1898 com o título Gedanken und Erinnerungen; nesta edição, levam o
nome que preferiu o próprio Bismarck, Erinnerung und Gedanke (“Memória e Pensamento”). Os
Gesammelten Werke não são, todavia, absolutamente completos: os discursos dos Volumes X, XI, XII
e XIII podem ser suplementados por Die Politischen Reden, de Horst Kohl (organizador), Berlim,
1892-95; as cartas do Volume XIV, por The Correspondence of William I and Bismarck with other
letters (tradução inglesa, Londres, 1903), pela seleção feita por Herbert von Bismarck das cartas de
seu pai para sua mãe (uma tradução inglesa em dois volumes, impropriamente chamada The Love
Letters of Prince Bismarck, foi publicadl em Londres, em 1900) e por outras coleções. Em 1962,
comemorando 0 centenário do convite a Bismarck para assumir o governo, a editora alemã
Kohlhammer Verlag iniciou a publicação de uma nova série, Bismarck, Werke in Auswahl. Esse
projeto de obra abrange trechos de importantes documentos diplomáticos alemães e complementa
substancialmente os Gesammelten Werke, malgrado algumas omissões surpreendentes. Em fins de
1973 já haviam saído cinco volumes de Werke in Auswahl, com a Seleção chegando aos últimos
meses de 1876. Uma nova edição crítica de Erinnerung und Gedanke foi publicada como Volume 8
(a) de Werke in Auswahl, no início de 1975.

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