Você está na página 1de 9

11/12/2018 Mises Brasil - Você trocaria um aumento de até 30% em seu salário pela manutenção da previdência social?

Mises Brasil - Você trocaria um


aumento de até 30% em seu salário
pela manutenção da previdência
social?

Uma pergunta: você, empregado com carteira assinada, trocaria um


aumento de uns 20% a 30% em seu salário, hoje, por uma promessa,
feita por políticos, de que você irá receber algum dinheiro daqui a 20,
30, 40 anos?

Se você defende a previdência social[1], então, por definição, a sua


resposta a essa pergunta deveria ser positiva, sem titubear. "Sim,
senhores políticos, troco! Fiquem à vontade para levar até quase um
terço do que eu ganho. Pela previdência, vale a pena!"

À primeira vista, defender a previdência social pode não parecer o


mesmo que abrir mão de um aumento imediato de 20% a 30%. Mas
é.
https://www.mises.org.br/Article.aspx?id=2961 1/9
11/12/2018 Mises Brasil - Você trocaria um aumento de até 30% em seu salário pela manutenção da previdência social?

O seu próprio comprovante de pagamento, ao fim do mês, traz um


desconto que certamente você já notou (caso seja minimamente
atento). Esse desconto pode chegar a 11% do seu salário, o que não
é pouca coisa. Essa é a fatia que você paga compulsoriamente ao
INSS (embora tal pagamento seja eufemisticamente chamado de
"contribuição").

Mas não pára por aí. Adicionalmente, há outro custo da previdência


social que equivale a outros 20% do seu salário. No entanto, tal custo
não aparece descontado em seu comprovante de pagamento; ele fica
escondido na contabilidade do empregador. Pior: a cortina de fumaça
contábil faz parecer que esses 20% adicionais são pagos ao INSS
pelo "patrão", e não por você, assalariado.

Ledo engano.

Na aparência, as coisas são assim: o assalariado paga ao INSS de 8


a 11% do seu salário bruto. Já o patrão paga, também ao INSS, mais
20% sobre esse mesmo salário bruto. E muitos acreditam que esses
20% são um custo exclusivo do patrão, não sendo arcados pelo
assalariado.

Mas eis o que realmente ocorre.

1) Você é meu empregado. Eu lhe pago R$ 1.000 de salário bruto


mais R$ 200 de contribuição patronal ao INSS (e mais R$ 80 de
FGTS, mas deixemos isso de lado).

2) Isso significa que você, para me ser útil, tem de produzir no


mínimo R$ 1.200 (o valor correto seria R$ 1.280 por causa dos R$ 80
do FGTS, mas, de novo, vamos ignorá-lo para simplificar o debate).

https://www.mises.org.br/Article.aspx?id=2961 2/9
11/12/2018 Mises Brasil - Você trocaria um aumento de até 30% em seu salário pela manutenção da previdência social?

3) Esse é o seu custo para mim: R$ 1.200 (estou também


desconsiderando vários outros encargos, apenas para facilitar o
raciocínio).

4) Se você não me valer pelo menos R$ 1.200, não irei lhe contratar.
Logo, esses R$ 1.200 (salário bruto de R$ 1.000 mais R$ 200 de
INSS) são um dinheiro que poderia ir perfeitamente para você. Esse
é o valor que você me custa.

5) É óbvio que esses R$ 200 dados ao INSS saíram do seu salário.


Trata-se do seu custo para mim. Se eu, o patrão, estou arcando com
ele é porque você, o assalariado, está produzindo esse valor. É
exatamente da sua produção como empregado que saem esses R$
200. Você, como empregado, não ganhou nada a mais. (E, não fosse
essa alíquota de 20%, você poderia ter esses R$ 200 acrescidos ao
seu salário.)

Ou seja, muita gente acredita que esse pagamento de 20% ao INSS


"sai do lucro" do empregador, e não do salário dos empregados.
Chegam a rotular todo esse esquema de "conquista social", como se
fosse uma "vitória" dos trabalhadores sobre empregadores,
finalmente forçados a temperar sua "ganância", a reduzir seus
ganhos e a fazer "contribuições patronais" para a aposentadoria de
seus empregados. Doce ilusão.

Como o empreendedorismo e a geração de empregos são


afetados

Eis um exemplo prático.

João economizou R$ 100 mil e resolveu ganhar um dinheiro extra,


sem deixar o seu emprego principal. Ele sabe que investindo os R$

https://www.mises.org.br/Article.aspx?id=2961 3/9
11/12/2018 Mises Brasil - Você trocaria um aumento de até 30% em seu salário pela manutenção da previdência social?

100 mil no mercado de capitais, livre de grandes riscos e com quase


nenhum esforço pessoal, conseguiria ganhar R$ 500 por mês.

Logo, não vale a pena se arriscar e se esforçar para ganhar menos


que isso. Esse é um ponto chave. Há um lucro mínimo abaixo do qual
empreendimentos se tornam inviáveis por não oferecerem retorno
compatível com alternativas de investimento disponíveis no mercado.
Sem esse mínimo de lucro, João desistirá da empreitada.
Literalmente, partirá para outra.

Com isso em mente, João resolve avaliar o seguinte plano de


investimento: comprar um bom automóvel, se filiar a um aplicativo de
mobilidade urbana e contratar um motorista profissional para dirigir o
carro. Repare, ele não quer ser motorista de aplicativo, mas sim o
capitalista que financia tudo isso.

Ato contínuo, os R$ 100 mil serão investidos na compra e


licenciamento do carro e na aquisição de um smartphone. As corridas
geradas pelo aplicativo têm o potencial de proporcionar um
faturamento médio de R$ 5.000 por mês. As despesas com impostos,
seguro, combustível, plano de dados, depreciação e manutenção do
carro, lavagem, água mineral, balinhas etc. devem totalizar cerca de
R$ 3.000 mensais. Se o lucro mínimo pelo qual João está disposto a
seguir com a realização do plano é de R$ 500 por mês, sobram R$
1.500 para pagar o motorista.

Eis a contabilidade:

Faturamento: R$ 5.000
(-) Despesas: R$ 3.000
(-) Lucro mínimo esperado: R$ 500
(=) Pagamento máximo ao motorista: 1.500

https://www.mises.org.br/Article.aspx?id=2961 4/9
11/12/2018 Mises Brasil - Você trocaria um aumento de até 30% em seu salário pela manutenção da previdência social?

Não há mágica possível. Se um motorista custar mais do que R$


1.500 por mês, João desistirá do plano. Preferirá aplicar o dinheiro
em outra das alternativas mais lucrativas que estão disponíveis.

Agora digamos que João, esse empreendedor da mobilidade urbana,


encontre um candidato qualificado, experiente e bem recomendado,
disposto a dirigir o carro. Ao fazer uma proposta de trabalho, no
entanto, João é surpreendido com a seguinte informação: o candidato
a motorista dispõe de uma sentença judicial que obriga seus
eventuais empregadores a pagar pensão de alimentos para seus
filhos, no valor de R$ 300 por mês, em adição ao salário contratado,
sem descontar da remuneração.

A pensão de alimentos, segundo detalha essa hipotética sentença


judicial, deverá ser registrada na contabilidade de João, como
despesa deste. Não pode constar como desconto no comprovante de
pagamentos do empregado.

Restarão então a João duas alternativas: propor ao motorista um


salário de R$ 1.200 ou desistir de contratá-lo, assim conservando
mais um desempregado no mercado.

Caso o candidato aceite a proposta de R$ 1.200, estará pagando


integralmente a pensão de alimentos dos filhos, na forma de um
salário R$300 menor que o empresário estava disposto a pagar,
ainda que o desconto correspondente não conste de seu
demonstrativo de pagamento mensal, mas sim da contabilidade de
João.

O artifício contábil, no entanto, possivelmente fará com que tanto o


juiz quanto (e ironicamente) o próprio empregado comemorem ter
sido lograda uma "conquista social", na crença infundada de que o
custo da pensão de alimentos foi assumido integralmente por João.
https://www.mises.org.br/Article.aspx?id=2961 5/9
11/12/2018 Mises Brasil - Você trocaria um aumento de até 30% em seu salário pela manutenção da previdência social?

Uma objeção ao raciocínio aqui exposto, digna de exame, é a


seguinte: mas e se o empreendedor tiver disponível para gastar com
mão de obra bem mais do que o valor de mercado da remuneração
do empregado? Digamos que o faturamento mensal hipotético gerado
pelas corridas do aplicativo fosse 20% maior que o inicialmente
considerado, chegando a R$ 6.000, mas que os custos fossem os
mesmos:

Faturamento: R$ 5.000 6.000


(-) Despesas: R$ 3.000
(-) Lucro mínimo esperado: R$ 500
(=) Pagamento máximo ao motorista: R$ 1.500 2.500

Nesse caso, uma regra que force o patrão a pagar um "extra" em


cima do salário contratado não estaria, de fato, transferindo parte do
lucro para o trabalhador? Sim, é possível. No entanto, em uma
economia de livre mercado, uma situação de lucros anormalmente
altos como o indicado acima não se sustentaria por um período
prolongado de tempo.

A concorrência entre os aplicativos para servir aos clientes faria com


que eles abaixassem os preços das corridas até que os ganhos se
normalizassem em torno do retorno mínimo exigido pelos
investidores.

Inversa e simultaneamente, o potencial de altos lucros acirraria a


competição para comprar carros, contratar motoristas etc., fazendo
subir o custo total, o que também forçaria os ganhos a retornarem ao
normal.

Esse é outro ponto chave: lucros "anormais", "abusivos",


"predatórios", se eliminam com livre concorrência. Não com
legislação trabalhista.
https://www.mises.org.br/Article.aspx?id=2961 6/9
11/12/2018 Mises Brasil - Você trocaria um aumento de até 30% em seu salário pela manutenção da previdência social?

Uma vez que os lucros sejam normalizados, voltando aos R$ 500


mensais do nosso exemplo hipotético, o trabalhador estará
fatalmente pagando a totalidade do custo da sua "conquista social".
Não tem escapatória. Quem sempre arca com a imposição de um
custo artificial, extra-mercado, é o empregado.

Entendido tudo isso, voltemos à previdência.

Você aceita?

Aqueles 20% de "contribuição" que seu patrão faz ao INSS — mas


você não vê, pois o valor está disfarçado como despesa na
contabilidade do patrão, em vez de claramente destacado no seu
comprovante de pagamento — são equivalentes à nossa pensão de
alimentos fictícia: quem paga, integralmente, é você mesmo, em
adição ao desconto demonstrado no seu comprovante.

Não se deixe enganar pelo jogo de espelhos da contabilidade. O total


da conta que você paga pela previdência pode chegar a mais de 30%
do seu salário: os 20% do patrão mais o 11% descontados do seu
salário.

A experiência no Chile ilustra bem esse fenômeno. A privatização da


seguridade social levada a cabo pelo governo daquele país entre os
anos de 1981 e 1982 resultou em uma queda nos encargos médios
sobre a folha de pagamento dos trabalhadores do setor de
manufatura de 30% para 8,5%, no mesmo período. Este estudo
concluiu que a redução nos encargos parece ter sido integralmente
repassada aos trabalhadores por meio de aumentos salariais, sem
afetar de maneira significativa o nível de emprego[2].

Em troca de sacrificar até quase um terço de tudo o que você produz,


o que você ganha? Tão somente uma promessa, feita pelos políticos
https://www.mises.org.br/Article.aspx?id=2961 7/9
11/12/2018 Mises Brasil - Você trocaria um aumento de até 30% em seu salário pela manutenção da previdência social?

de hoje, de que, daqui a algumas décadas, os políticos do futuro


honrarão o combinado e tomarão dinheiro à força dos seus filhos e
netos — e também dos filhos e netos dos seus familiares e amigos, e
dos demais contemporâneos deles — para entregar a você.

E, obviamente, todo este valor prometido virá descontado, pois é


necessário garantir os proventos dos próprios políticos e burocratas,
pois ninguém irá fazer esse trabalho sujo de graça, certo?

Logo, a pergunta é simples e direta: esse arranjo tem credibilidade? É


justo, com você mesmo e com os trabalhadores do futuro? Vale a
pena?

_______________________________________

Leia também:

No Brasil, empreender e gerar empregos legalmente é tarefa para


heróis. Ou para masoquistas

Uma proposta para uma reforma definitiva da Previdência

Os quatro nós que Bolsonaro e sua equipe terão de desatar

A Previdência Social foi uma criação genial - para os políticos

A Previdência Social brasileira - um esquema fraudulento de


pirâmide

[1] Aqui eu meu refiro ao Regime Geral de Previdência Social –


RGPS, com receitas e despesas diretas devidamente segregadas no

https://www.mises.org.br/Article.aspx?id=2961 8/9
11/12/2018 Mises Brasil - Você trocaria um aumento de até 30% em seu salário pela manutenção da previdência social?

Fundo do Regime Geral de Previdência Social, estabelecido nos


termos dos acórdãos 1204/2012 e 1274/2013 do Tribunal de Contas
da União. Deixo de propósito fora desta discussão os demais
componentes da Seguridade Social brasileira, saúde e assistência
social, e as formas indiretas de financiamento. Entendo que os incluir
complicaria a análise, sem aprimorar as conclusões aqui
apresentadas.

[2] Ver DE CARVALHO, A. Social Security:. MISES: Interdisciplinary


Journal of Philosophy, Law and Economics, v. 6, n. 1, 24 abr.
2018, p.11.

https://www.mises.org.br/Article.aspx?id=2961 9/9

Você também pode gostar