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Introdução
A questão do sagrado dentro da arte se mostra como um dos campos de estudo de maior
complexidade, não só pela diversidade de expressões de fé e religião que existem, mas também
pela própria natureza desses objetos de arte. O sagrado, que por si só é de difícil conceituação,
apresenta um desafio adicional quando é estudado e compreendido dentro de uma perspectiva
que o coloca como objeto em um museu. Dessa forma, a musealização do sagrado constitui um
tema que pode ser abordado sobre diversos aspectos, que vão desde a teoria da arte, a filosofia,
a teologia e religião, a sociologia, a arquitetura, a museologia e etc., sendo que cada uma dessas
disciplinas irá esbarrar na questão do tratamento adequado que deve ser dado a esses objetos
que, para além de qualquer valor estético e documental, possui uma relevância dentro da
dimensão da fé e, portanto, merece devido respeito e consideração na hora em que é apresentado
em um museu.
O presente trabalho irá abordar a questão do sagrado dentro de uma perspectiva dos
museus de arte sacra. Dois exemplares foram escolhidos, o Museu de Arte Sacra de São Paulo
(MAS-SP) e o Museu Arquidiocesano de Arte Sacra do Rio de Janeiro (MAAS-RJ). A
escolha desses dois exemplos se deve a diversos fatores, entre eles: as dimensões do acervo que
possibilita o estudo de soluções complexas e abrangentes para sua exposição; a relevância de
ambos, tanto em exemplares, como em estrutura; o contraste do partido arquitetônico de cada
um dos museus que possibilita uma análise do impacto do ambiente de exibição na percepção
dos objetos sacros; a localização, já que estão situados em duas das maiores capitais do país,
dispondo de recursos materiais e humanos mais abundantes do que teriam disponíveis em outras
localidades, o que permite uma análise comparativa que elimina, ou ao menos atenua, uma
possível disparidade econômica que pudesse ter impacto nas soluções adotadas.
A metodologia adotada terá uma apresentação de cada museu, acompanhada de um
relatório fotográfico e de considerações gerais sobre as características de cada um. Segue-se
então uma comparação entre os museus, destacando as soluções e o tratamento específico dado
por cada um e conclui com uma nota pessoal e algumas considerações finais a cerca do que foi
abordado, que enfatizará as contribuições dessa análise para a compreensão do tema proposto.
1. Museu de Arte Sacra de São Paulo (MAS-SP)
O Museu de Arte Sacra de São Paulo surge de um convênio, celebrado em 1969, entre
o Governo do Estado de São Paulo e a Mitra Arquidiocesana de São Paulo, visando a criação
de um espaço para acolhimento, catalogação, estudo e exposição de peças de arte sacra
recolhidas pela Mitra ao longo do século XX. Em geral, essas peças foram oriundas de antigas
igrejas de todo o país, muitas delas demolidas no século XX. Além dessas peças, o museu
também abriga quadros, prataria e objetos litúrgicos diversos, provenientes de diversas origens,
inclusive doações.
Um outro aspecto que podemos analisar diz respeito a organização das exposições. No
MAS-SP, apesar do espaço do museu ao redor de um claustro favorecer um percurso, em geral
não se percebe uma intenção clara de estruturação do espaço. As peças se encontram nos
corredores do claustro e em salas adjacentes, mas não há evidência de uma setorização ou de
um agrupamento das peças por importância, também não temos qualquer criação de ambientes
distintos com tratamentos arquitetônicos e gráficos próprios. Como exemplo claro disto
podemos destacar a Nossa Senhora das Dores de Aleijadinho (atrib.), talvez a peça mais
relevante do acervo, que se encontra exposta timidamente no canto de uma das salas, sem
qualquer elemento que destaque e valorize sua importância como exemplar da imaginária
colonial brasileira. O MAAS-RJ já esboça a criação de espaços característicos, como o trecho
de entrada com a coleção de Sant’Annas Mestras contendo material gráfico explicativo, uso de
cores e destaques e demonstração da variedade de estilos, técnicas e períodos relacionados a
imaginária. Apesar disso, no restante do Museu não temos mais qualquer intenção de
setorizações e temáticas. Percebe-se também no MAAS-RJ que o espaço físico disponível,
devido a suas dimensões reduzidas, impede a criação de um roteiro de visitação que possa
valorizar experiências de descoberta e surpresa. O que se percebe é que, em geral, os dois
museus fazem pouco uso das suas características arquitetônicas como potencializadoras da
experiência com o Sagrado.
Figura 8 - Espaço do MAAS-RJ mostrando as soluções adotadas para a organização e iluminação das peças
Figura 9 - Local de exposição da Nossa Senhora das Dores de Aleijadinho
Conclusão
As breves análises e comparações aqui apresentadas, com enfoque arquitetônico,
mostram que a questão do Sagrado e o espaço do Museu vai além da problemática filosófica e
teológica a cerca da natureza desses objetos e se insere também no escopo do tratamento dado
ao local que abriga essas peças. Entende-se que o espaço arquitetônico sacro é dotado de
aspectos e propriedades que nem sempre são dependentes puramente de sua materialidade, mas
também de propriedades relacionais do objeto com o fiel, de forma que a correta concepção dos
espaços que abrigam tais peças pode potencializar ou minar a experiência religiosa. Podemos
também destacar que a emulação do espaço sacro, embora tenha algum poder de indução, não
é capaz de transpor corretamente o Sagrado arquitetônico e sua relação com os objetos sacros.
Ao invés disso, parece haver uma necessidade real de se pensar, em termos que lhe sejam
próprios, que características um espaço museológico sacro deve conter. Dessa forma, a
principal problemática que podemos trazer com base nessa reflexão é que o projeto
arquitetônico de Museus destinados a abrigar e expor objetos sacros com o objetivo de ressaltar
não só suas características morfológicas e estilísticas, e seus aspectos históricos, mas também
a dimensão espiritual, ainda está carente de um estudo acerca de suas necessidades específicas.
Faz-se necessário, portanto, um esforço multidisciplinar que culmine na elaboração de métodos
e processos, tanto de projeto, quanto de organização, de ambientes propícios ao contexto do
Sagrado fora de seu ambiente litúrgico.
4. Bibliografia
COSTA, Antônio Manuel Ribeiro Pereira da. Museologia da arte sacra em Portugal
(1820-2010): espaços, momentos, museografia. Tese (Doutorado em Letras, na área de
História, especialidade de Museologia e Património Cultural) – Faculdade de Letras,
Universidade de Coimbra. Coimbra (Portugal). 2011.
FRANCO, Ana Maria Lopes. Proposta de Musealização de Arte Sacra: Projeto para
a exposição temporária. Tese (Mestrado em Museologia e Museografia) – Faculdade de Belas
Artes, Universidade de Lisboa. Lisboa (Portugal) 2016.