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FACULDADE DE SÃO BENTO DO RIO DE JANEIRO

Recredenciamento MEC: Portaria nº 733/13.

PÓS-GRADUAÇÃO LATO SENSU EM HISTÓRIA DA ARTE SACRA


Disciplinas: Museus da Arte Sacra (2018)
Professora Dra. Adriana Sanajotti Nakamuta
Aluno: Luiz Fellipe Mariano de Souza

TRABALHO DE CONCLUSÃO E AVALIAÇÃO FINAL

Introdução
A questão do sagrado dentro da arte se mostra como um dos campos de estudo de maior
complexidade, não só pela diversidade de expressões de fé e religião que existem, mas também
pela própria natureza desses objetos de arte. O sagrado, que por si só é de difícil conceituação,
apresenta um desafio adicional quando é estudado e compreendido dentro de uma perspectiva
que o coloca como objeto em um museu. Dessa forma, a musealização do sagrado constitui um
tema que pode ser abordado sobre diversos aspectos, que vão desde a teoria da arte, a filosofia,
a teologia e religião, a sociologia, a arquitetura, a museologia e etc., sendo que cada uma dessas
disciplinas irá esbarrar na questão do tratamento adequado que deve ser dado a esses objetos
que, para além de qualquer valor estético e documental, possui uma relevância dentro da
dimensão da fé e, portanto, merece devido respeito e consideração na hora em que é apresentado
em um museu.
O presente trabalho irá abordar a questão do sagrado dentro de uma perspectiva dos
museus de arte sacra. Dois exemplares foram escolhidos, o Museu de Arte Sacra de São Paulo
(MAS-SP) e o Museu Arquidiocesano de Arte Sacra do Rio de Janeiro (MAAS-RJ). A
escolha desses dois exemplos se deve a diversos fatores, entre eles: as dimensões do acervo que
possibilita o estudo de soluções complexas e abrangentes para sua exposição; a relevância de
ambos, tanto em exemplares, como em estrutura; o contraste do partido arquitetônico de cada
um dos museus que possibilita uma análise do impacto do ambiente de exibição na percepção
dos objetos sacros; a localização, já que estão situados em duas das maiores capitais do país,
dispondo de recursos materiais e humanos mais abundantes do que teriam disponíveis em outras
localidades, o que permite uma análise comparativa que elimina, ou ao menos atenua, uma
possível disparidade econômica que pudesse ter impacto nas soluções adotadas.
A metodologia adotada terá uma apresentação de cada museu, acompanhada de um
relatório fotográfico e de considerações gerais sobre as características de cada um. Segue-se
então uma comparação entre os museus, destacando as soluções e o tratamento específico dado
por cada um e conclui com uma nota pessoal e algumas considerações finais a cerca do que foi
abordado, que enfatizará as contribuições dessa análise para a compreensão do tema proposto.
1. Museu de Arte Sacra de São Paulo (MAS-SP)
O Museu de Arte Sacra de São Paulo surge de um convênio, celebrado em 1969, entre
o Governo do Estado de São Paulo e a Mitra Arquidiocesana de São Paulo, visando a criação
de um espaço para acolhimento, catalogação, estudo e exposição de peças de arte sacra
recolhidas pela Mitra ao longo do século XX. Em geral, essas peças foram oriundas de antigas
igrejas de todo o país, muitas delas demolidas no século XX. Além dessas peças, o museu
também abriga quadros, prataria e objetos litúrgicos diversos, provenientes de diversas origens,
inclusive doações.

Figura 1 - Fachada do Convento da Luz

O Museu foi instalado, em 1970, na ala esquerda do térreo do Convento da Imaculada


Conceição da Luz, que é um convento de monjas enclausuradas, construído em 1774. O edifício
é o único exemplar restante de arquitetura colonial do século XVIII na cidade de São Paulo e
tem tombamento pelo SPHAN (atual IPHAN) de 1943. Digno de nota é o fato de que o Museu
convive no mesmo edifício que ainda serve as suas funções originais de chácara urbana para as
monjas. Serviços litúrgicos continuam a ser realizados na capela do edifício. Com relação ao
acervo, sua formação inicia décadas antes da criação do museu, através de Dom Duarte
Leopoldo e Silva que a partir de 1907 inicia o recolhimento de peças oriundas de igrejas e
capelas que iam sistematicamente sendo demolidas por ocasião da proclamação da república.
Esse acervo recebe tombamento pelo IPHAN ainda em 1969, permanecendo a única coleção de
arte sacra do país a ser tombada pelo órgão. Em 1982 o Mosteiro da Luz e o acervo do Museu
de Arte Sacra de São Paulo são tombados pelo CONDEPHAAT (Conselho de Defesa do
Patrimônio Histórico, Artístico, Arqueológico e Turístico do Estado de São Paulo) e em 1991
ocorre o tombamento pelo CONPRESP (Conselho Municipal de Preservação do Patrimônio
Histórico, Cultural e Ambiental da Cidade de São Paulo).
O Sagrado e o MAS-SP
A escolha de um edifício de arquitetura colonial como local de exposição de obras de
arte sacra, em sua maioria também do período colonial, proporciona uma experiência de
contemplação dessas peças em um contexto próximo aos de suas origens. Em geral, as peças
estão expostas em vitrines compostas em mobiliário de estilo colonial, em sua maioria oriundos
também de igrejas e capelas demolidas. Por esse motivo existe uma boa contextualização das
peças que permite observá-las com baixa interferência do ambiente do museu. Peças de
imaginária de altar se encontram de maneira que suas características devocionais, como a altura
da imagem e a posição, podem ser observadas como seriam se estivessem no altar de suas
igrejas de origem. A arquitetura do edifício, com seu piso em tablado e seu forro em madeira,
como suas paredes grossas de taipa de pilão e com as janelas coloniais, compõem o restante da
atmosfera contemplativa que favorece as peças de arte sacra ao criar um ambiente formalmente
desconexo do exterior, ou seja, da malha urbana de características modernistas-contemporâneas
da cidade de São Paulo. Peças menores se encontram agrupadas em vitrines, geralmente por
iconografia ou temática, o que muitas vezes pode gerar uma desvalorização de algumas peças
de relevância maior que, ao olhar leigo, se confundem em meio a outras peças de períodos
posteriores ou de menor expressividade. Apesar disso, o Museu é bem-sucedido em incorporar
no seu programa uma valorização do aspecto sacro dessas peças, e não somente de suas
características históricas, estilísticas e formais. Entre as centenas de peças do acervo, podemos
destacar a relevante coleção de imaginária, com exemplares de Frei Agostinho de Jesus (1600-
1661), Frei Agostinho da Piedade (?-1661) e Aleijadinho (1730-1814). O Museu também
possui uma expressiva coleção de peças de devoção popular, alfaias, fragmentos de talha e
ourivesaria.
Do aspecto religioso, podemos destacar que o fato do museu estar instalado em um
edifício de uso da Igreja, que ainda conta com a clausura das monjas e uma capela com missas
regulares, colabora para uma menor perda do valor sacro inerente ao uso original das peças.
Dessa forma, para o fiel, a presença dessas peças no museu não elimina totalmente o sentido
sacro devido à proximidade que elas têm de um ambiente litúrgico.
Figura 2 - Exemplo de imaginária exposta em mobiliário (nesse caso um retábulo) de época

Figura 3 - Exemplo de fragmentos de talha expostos no Museu


2. Museu Arquidiocesano de Arte Sacra do Rio de Janeiro (MAAS-RJ)
A história do Museu Arquidiocesano começa algumas décadas antes de sua inauguração
quando, ainda na década de 1950, o Pe. Ivo Calliari, comissionado pelo Arcebispo Cardeal D.
Jaime de Barros Câmara, inicia a coleta de peças de arte sacra para a futura criação de um museu
a ser instalado na futura Catedral da cidade. A inauguração do Museu ocorre, de fato, somente
em 1976 quando, por ocasião do tricentenário do Bispado da cidade, o Arcebispo Cardeal D.
Eugênio Sales concede a bênção inaugural da Catedral, inaugurando também o Museu
Arquidiocesano, por hora instalado na sacristia da Catedral e tendo em exposição apenas
algumas peças de seu acervo. Nesse momento o museu ainda não era aberto ao público. Em
1979, na mesma data que a solenidade de dedicação da Catedral, o Museu é instalado no subsolo
e somente em 2001, no vigésimo quinto ano da criação do Museu, ele se torna aberto ao público.
O MAAS-RJ conta hoje com mais de cinco mil peças em seu acervo, que incluem desde
obras de imaginária, a prataria, indumentária litúrgica, livros, pintura, mobiliário, bíblias, fac-
símiles de pergaminhos, medalhística entre outros. Algumas de suas peças provém de doações,
como as feitas pelo Papa João Paulo II, e outras provém de acervos anteriores da Arquidiocese.

Figura 4 - Catedral Metropolitana do Rio de Janeiro


O Sagrado é o MAAS-RJ
As atuais instalações do MAAS-RJ se encontram no subsolo da Catedral Metropolitana
do Rio de Janeiro, um edifício que é tanto um marco visual da cidade, especialmente do Centro
do Rio, como também um ícone da arquitetura modernista. Com relação a tipologia do edifício,
existem problemas quanto a visibilidade e acesso ao museu, que hoje se dá principalmente por
uma escada estreita acessível somente pelo interior da nave da Catedral. Não existe sinalização
ou indicação da presença do museu e por esse motivo a frequência de turistas e visitantes é
reduzida.
Apesar dessa dificuldade de acesso e da falta de divulgação, o Museu possui uma
estrutura consideravelmente boa. O Museu em si está locado numa galeria em formato de arco
e sua arquitetura é neutra, com o uso de concreto aparente e tetos e instalações de luz pintados
de preto. Existe controle climático e luminotécnico, além de programação visual orientativa aos
visitantes. O acesso direto ao Museu se dá por uma entrada em vidro, com o nome do Museu
em letras grandes. Esse acesso se constitui como uma espécie de nártex e tem grande relevância
para a criação de uma atmosfera adequada para as obras que serão expostas no Museu, criando
uma divisão psicológica entre o espaço comum e o espaço museológico. Com relação a isso, o
estilo adotado para a exposição das peças se constitui do uso de grandes vitrines onde algumas
peças são agrupadas segundo alguma temática (seja estilísticas, por período ou por iconografia)
e outras, geralmente de dimensões maiores, se encontram em pedestais no centro do espaço.
Com relação ao acervo, este se constitui principalmente de peças do século XVI, XVII
e XVIII, muitas delas provenientes de Portugal. Existem ainda peças dos mesmos períodos cuja
produção é nacional, além de algumas peças do século XIX e XX. A maior parte do acervo é
de obras de imaginária, com alguns poucos quadros e uma coleção considerável de objetos
sacros como incensários, prataria litúrgica e joias. Há também exposição de livros de oração e
catequese e fac-símiles de manuscritos bíblicos em grego. Na parte de mobiliário, existem três
oratórios barrocos de diferentes origens, uma baiano, um italiano e outro português. A
exposição destes, lado a lado, constitui uma boa oportunidade de análise comparativa entre as
produções de um mesmo período em diferentes regiões do mundo católico, especialmente no
que se refere a técnicas e materiais, bem como na estilística e decoração.
Apesar da boa estrutura e de um cuidado museológico, o MAAS-RJ não tem a
preocupação com a problemática do sacro no museu. As peças são dispostas e apresentadas sem
qualquer inferência de sua relevância espiritual, destacando apenas seus aspectos de relevância
para a história e a arte. As vitrines, apesar de terem um tom de neutralidade, ainda trazem um
sentido forte de colecionismo que instiga mais a curiosidade sobre as peças do que uma reflexão
real sobre o sentido e o uso da imaginária na devoção religiosa do Brasil colonial e moderno.

Figura 5 - Vitrine de exposição do Museu

Figura 6 - Sant'Anna Mestra e programação visual específica


3. Análise Comparativa
As análises apresentadas, apesar de breves, se preocuparam principalmente com os
aspectos arquitetônicos dos museus, portanto essa será a característica de comparação entre
ambos. A análise seguirá com base em aspectos subjetivos, ou seja, experienciais e sensoriais
relativos a percepção e psicologia que cada museu confere as peças, além da contribuição,
negativa ou positiva, delas para o problema do Sagrado nos museus.
O primeiro aspecto percebido entre os dois museus é sua implantação. Enquanto o MAS-
SP está localizado em um edifício colonial, o MAAS-RJ se encontra em um edifício modernista.
A diferença entre ambos vai além da pura morfologia arquitetônica. O MAS-SP e seu edifício
tornam difícil a implementação de controle de luz e ambiente para as peças e, na maioria das
vezes, as expõe utilizando a própria luz natural. Apesar de parecer uma boa alternativa, destoa
do ambiente característico das peças, que em geral são do período barroco-rococó e são
pensadas para serem vistas no interior escuro de uma igreja. A atmosfera sacra gerada pela luz
tremeluzente das velas e pelo acolhimento do interior escuro são perdidas com a mudança para
uma luz natural abundante. Apesar disso, o efeito é parcialmente compensado pelo uso de
mobiliário sacro original para expor as peças, além da arquitetura colonial que traz fortes
referências ao passado católico do edifício. Já o MAAS-RJ opta por um controle apurado do
ambiente que envolve não só a climatização, mas também o controle luminotécnico. A solução
adotada por eles consiste em luzes focais sob as peças e vitrines, e iluminação um pouco mais
baixa para os pontos não expositivos. Essa solução tem duas vantagens, a primeira é retirar a
iluminação homogênea e conferir áreas de sombra e luz nas peças, o que ressalta não só seus
aspectos estilísticos e volumétricos, mas também a dramaticidade inerente a imaginária. A
segunda vantagem é a criação de uma atmosfera de desconexão da peça com o entorno através
dos variados níveis de luz, que sugerem um grau de importância da imaginária em relação ao
restante do espaço, conferindo um sentido místico ao objeto.
Figura 7 - Iluminação de uma Nossa Senhora do Carmo no MAAS-RJ

Um outro aspecto que podemos analisar diz respeito a organização das exposições. No
MAS-SP, apesar do espaço do museu ao redor de um claustro favorecer um percurso, em geral
não se percebe uma intenção clara de estruturação do espaço. As peças se encontram nos
corredores do claustro e em salas adjacentes, mas não há evidência de uma setorização ou de
um agrupamento das peças por importância, também não temos qualquer criação de ambientes
distintos com tratamentos arquitetônicos e gráficos próprios. Como exemplo claro disto
podemos destacar a Nossa Senhora das Dores de Aleijadinho (atrib.), talvez a peça mais
relevante do acervo, que se encontra exposta timidamente no canto de uma das salas, sem
qualquer elemento que destaque e valorize sua importância como exemplar da imaginária
colonial brasileira. O MAAS-RJ já esboça a criação de espaços característicos, como o trecho
de entrada com a coleção de Sant’Annas Mestras contendo material gráfico explicativo, uso de
cores e destaques e demonstração da variedade de estilos, técnicas e períodos relacionados a
imaginária. Apesar disso, no restante do Museu não temos mais qualquer intenção de
setorizações e temáticas. Percebe-se também no MAAS-RJ que o espaço físico disponível,
devido a suas dimensões reduzidas, impede a criação de um roteiro de visitação que possa
valorizar experiências de descoberta e surpresa. O que se percebe é que, em geral, os dois
museus fazem pouco uso das suas características arquitetônicas como potencializadoras da
experiência com o Sagrado.

Figura 8 - Espaço do MAAS-RJ mostrando as soluções adotadas para a organização e iluminação das peças
Figura 9 - Local de exposição da Nossa Senhora das Dores de Aleijadinho

Conclusão
As breves análises e comparações aqui apresentadas, com enfoque arquitetônico,
mostram que a questão do Sagrado e o espaço do Museu vai além da problemática filosófica e
teológica a cerca da natureza desses objetos e se insere também no escopo do tratamento dado
ao local que abriga essas peças. Entende-se que o espaço arquitetônico sacro é dotado de
aspectos e propriedades que nem sempre são dependentes puramente de sua materialidade, mas
também de propriedades relacionais do objeto com o fiel, de forma que a correta concepção dos
espaços que abrigam tais peças pode potencializar ou minar a experiência religiosa. Podemos
também destacar que a emulação do espaço sacro, embora tenha algum poder de indução, não
é capaz de transpor corretamente o Sagrado arquitetônico e sua relação com os objetos sacros.
Ao invés disso, parece haver uma necessidade real de se pensar, em termos que lhe sejam
próprios, que características um espaço museológico sacro deve conter. Dessa forma, a
principal problemática que podemos trazer com base nessa reflexão é que o projeto
arquitetônico de Museus destinados a abrigar e expor objetos sacros com o objetivo de ressaltar
não só suas características morfológicas e estilísticas, e seus aspectos históricos, mas também
a dimensão espiritual, ainda está carente de um estudo acerca de suas necessidades específicas.
Faz-se necessário, portanto, um esforço multidisciplinar que culmine na elaboração de métodos
e processos, tanto de projeto, quanto de organização, de ambientes propícios ao contexto do
Sagrado fora de seu ambiente litúrgico.
4. Bibliografia
COSTA, Antônio Manuel Ribeiro Pereira da. Museologia da arte sacra em Portugal
(1820-2010): espaços, momentos, museografia. Tese (Doutorado em Letras, na área de
História, especialidade de Museologia e Património Cultural) – Faculdade de Letras,
Universidade de Coimbra. Coimbra (Portugal). 2011.

FRANCO, Ana Maria Lopes. Proposta de Musealização de Arte Sacra: Projeto para
a exposição temporária. Tese (Mestrado em Museologia e Museografia) – Faculdade de Belas
Artes, Universidade de Lisboa. Lisboa (Portugal) 2016.

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