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Definicoes Tipologias Violência PDF
Definicoes Tipologias Violência PDF
EM SITUAÇÃO DE VIOLÊNCIA
POR PARCEIROS ÍNTIMOS
VIOLÊNCIA:
DEFINIÇÕES E TIPOLOGIAS
FLORIANÓPOLIS | SC
UFSC
2014
VIOLÊNCIA Ficha técnica/Créditos 2
DEFINIÇÕES E TIPOLOGIAS
GOVERNO FEDERAL
Presidente da República
Ministro da Saúde
Secretário de Gestão do Trabalho e da Educa-
ção na Saúde (SGTES)
Diretora do Departamento de Gestão da Educa-
ção na Saúde (DEGES)
Coordenador Geral de Ações Estratégicas em
Educação na Saúde
Responsável Técnico pelo Projeto UNA-SUS
EQUIPE DE PRODUÇÃO
Coordenação Geral de Equipe de Produção
Eleonora Vieira Falcão
Coordenação de Produção Giovana Schuelter
Diagramação Fabrício Sawczen e Thiago Vieira
UNIVERSIDADE FEDERAL DE SANTA CATARINA - UFSC
VIOLÊNCIA:
DEFINIÇÕES E TIPOLOGIAS
FLORIANÓPOLIS | SC
UFSC
2014
VIOLÊNCIA FICHA CATALOGRÁFICA 6
DEFINIÇÕES E TIPOLOGIAS
U588v
Universidade Federal de Santa Catarina. Centro de Ciências
da Saúde. Curso Atenção a Homens e Mulheres em Situação
de Violência por Parceiros Íntimos - Modalidade a Distância.
ISBN: 978-85-8267-038-5
CDU: 316.48
Caro aluno,
Seja bem-vindo!
Bons estudos!
VIOLÊNCIA OBJETIVO DO MÓDULO 9
DEFINIÇÕES E TIPOLOGIAS
CARGA HORÁRIA
A violência é compreendida como um problema Assim, a Organização Mundial da Saúde (OMS) con-
de saúde pública e pode ser definida como Mi- sidera que há relação clara entre a intenção do
nayo e Souza (1998) o fizeram: indivíduo que apresenta ou se envolve num com-
portamento violento e o ato ou a ação praticada.
sos sociais, políticos e econômicos que reprodu- dalidades de expressão, denominadas abusos ou
zem a fome, a miséria e as desigualdades sociais, maus-tratos: física, psicológica, sexual e a que
de gênero e etnia. Em princípio, essa violência envolve abandono, negligência ou privação de
ocorre sem a consciência explícita dos sujeitos, cuidados. Esses quatro tipos de atos violentos
perpetua-se nos processos sócio-históricos, natu- ocorrem em cada uma das grandes categorias
raliza-se na cultura e gera privilégios e formas de antes descritas, exceto a violência autoinfligida
dominação. (KRUG et al, 2002). Esses diferentes tipos de vio-
Ainda de acordo com a autora, a maioria dos ti- lência podem ser caracterizados como:
pos de violência apresentados anteriormente tem • abuso físico – significa o uso da força para
sua base na violência estrutural. Esse tipo de vio- produzir injúrias, feridas, dor ou incapacida-
lência é entendido como aquele que oferece um de em outrem;
marco à violência do comportamento e aplica-se Os atos de violência física são classificados, se-
tanto às estruturas organizadas e institucionali- gundo a OMS (1998), de acordo com sua gravida-
zadas da família como aos sistemas econômicos, de em:
culturais e políticos que conduzem à opressão de • ato moderado: ameaças não relacionadas a
grupos, classes, nações e indivíduos, aos quais abusos sexuais e sem uso de armas; agres-
são negadas conquistas da sociedade, tornando sões contra animais ou objetos pessoais;
-os mais vulneráveis que outros ao sofrimento e violência física (empurrões, tapas, belis-
à morte. cões, sem uso de instrumentos perfurantes,
cortantes ou que causem contusões);
1.2 Tipos de violência por parceiros • ato severo: agressões físicas que causem lesões
íntimos temporárias; ameaças com arma; agressões fí-
sicas que causem cicatrizes, lesões de caráter
A violência também pode ser classificada com permanente, queimaduras; uso de arma.
base na natureza dos atos violentos. Na área da • abuso psicológico – nomeia agressões verbais
saúde ela geralmente é dividida em quatro mo- ou gestuais com o objetivo de aterrorizar, re-
VIOLÊNCIA Unidade 1 15
DEFINIÇÕES E TIPOLOGIAS DEFINIÇÕES DE VIOLÊNCIA
sexo feminino, que tenha ou possa ter como re- psíquico, jurídico, econômico, social, moral ou
sultado um dano ou sofrimento físico, sexual ou sexual. É um tipo de violência complexo, amplo
psicológico, inclusive as ameaças de tais atos, a e com diversas facetas, envolvendo relações de
coação ou a privação da liberdade tanto na vida poder, força física, controle e desigualdade, ide-
pública como na privada. ologias, entre outros (CANTERA, 2007).
É importante ressaltar que não há um consenso
de qual termo utilizar no caso da violência nas
O termo violência entre parceiros íntimos refere-se a relações afetivas. Há uma predominância no con-
todo e qualquer comportamento de violência cometida texto internacional quanto ao uso da expressão
tanto na unidade doméstica como em qualquer relação “violência de gênero”, como ocorre na Espanha
íntima de afeto, independentemente de coabitação, e e no âmbito legislativo de alguns países. No en-
compreende as violências física, psicológica, sexual, mo- tanto, organismos internacionais e ONGs usam o
ral, patrimonial e o comportamento controlador (BRA- termo violência contra a mulher ou contra mu-
SIL, 2006; KRUG et al, 2002). lheres, como é o caso também da legislação es-
pecífica brasileira. Vale destacar que este último
termo limita a definição, mantendo um teor he-
Alguns autores preferem o termo violência no teronormativo e de vitimização da mulher.
casal para especificar um processo que pode
acontecer antes, durante e depois do estabeleci-
mento de uma relação formal entre duas pesso- Violência intrafamiliar: orientações para prática em
as de sexos diferentes ou do mesmo sexo. Além serviço / Secretaria de Políticas de Saúde. – Brasília: Mi-
disso, a violência no casal pode acontecer dentro nistério da Saúde, 2001. Disponível em: http://bvsms.
e fora do espaço físico e social entendido como saude.gov.br/bvs/publicacoes/cd05_19.pdf.
doméstico ou familiar. Entende-se esse tipo de
violência como um comportamento consciente-
mente hostil e intencional que causa dano físico,
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DEFINIÇÕES E TIPOLOGIAS
gridade física em virtude de negligência, como se Exemplo disso é uma pesquisa realizada por
omitir a cuidados e proteção contra agravos evi- Zaleski M. et al (2010), que verificou que o ato
táveis em situações de perigo, doença, gravidez, de violência física mais comum perpetrado por
alimentação e higiene. homens e mulheres foi “empurrar, agarrar ou sa-
Em estudo conduzido por Moura, Gandolfi, Prate- cudir”. O ato mais comum relatado em episódios
si (2009) com mulheres em idade fértil, realizado de vitimização foi a agressão com “tapas”. Cerca
no Brasil, os atos de violência física considerados de 2% dos homens e 5% das mulheres relataram
moderados, de maior prevalência tanto no decor- atingir seus parceiros com alguma coisa. Os ho-
rer da vida como nos últimos 12 meses, foram os mens relataram menos violência mútua do que
empurrões (53%) ou chacoalhões (26%). No entan- as mulheres. As mulheres informaram perpetrar
to, os atos que se apresentaram com maior fre- e sofrer mais agressões que os homens.
quência – isto é, que ocorreram muitas vezes no
decorrer da vida e nos últimos 12 meses – foram os
chutes (61%) ou as surras (56%). Ao menos uma em Vale destacar ainda que alguns estudos conduzidos no
cada quatro mulheres relatou ter sido ameaçada Brasil demonstram que a mulher vem protagonizando
ou ter sofrido lesão por arma branca e de fogo. atos de violência física moderada de modo mais preva-
lente do que os homens; porém, quanto mais grave é a
violência, mais os homens se sobressaem como autores
Ainda que encontremos muitas pesquisas que tratam da agressão.
apenas a mulher como vítima de violência física, exis-
tem estudos que abordam essa temática com casais,
em relatos da mulher não só relacionados ao que ela As mulheres utilizam a violência com maior frequ-
sofre, mas ao que ela comete, e ainda mais recente- ência em situações de autodefesa, ao passo que
mente foram feitas investigações da violência física os homens a utilizam com o objetivo de intimidar
em homens e mulheres separadamente. a parceira e mostrar autoridade (ZALESKI M. et al,
2010).
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DEFINIÇÕES E TIPOLOGIAS TIPOS DE VIOLÊNCIA
(...) Impedir de trabalhar fora, de ter sua liberda- mulheres de Pernambuco. Cabe destacar ainda
de financeira e de sair, deixar o cuidado e a res- que, quando exclusiva, expressa-se de maneira
ponsabilidade do cuidado e da educação dos filhos mais moderada do que quando associada a outras
só para a mulher, ameaçar de espancamento e de formas de violência, sendo mais frequente o ato
morte, privar de afeto, de assistência e de cuidados de insulto (ZORRILA, 2010).
quando a mulher está doente ou grávida, ignorar A violência psicológica ocorre como o evento
e criticar por meio de ironias e piadas, ofender e mais frequente durante a vida de mulheres. Pes-
menosprezar o seu corpo, insinuar que tem amante quisa realizada por Kronbauer e Meneguel (2005)
para demonstrar desprezo, ofender a moral de sua demonstrou que mulheres vítimas de violên-
família (BRASIL, 2005. p. 120 e 121). cia psicológica podem sofrer efeitos permanen-
A violência psicológica é caracterizada pela Lei nº tes em termos de autoestima e autoimagem, e
11.340 como “[...] qualquer conduta que lhe cau- tornarem-se menos seguras do seu valor e mais
se dano emocional e diminuição da autoestima, propensas à depressão. Da mesma forma, a de-
ou que lhe prejudique e perturbe o pleno desen- pressão e os sintomas de ansiedade, durante o
volvimento [...]” (BRASIL, 2006, p. 3). O fato de ano anterior à pesquisa realizada por Wijma et
a violência psicológica finalmente ser reconhecida al (2007) estiveram associados com a violência
por meio de uma lei constitui-se num importante psicológica.
avanço no combate a todos os outros tipos de vio-
lência. Mas, de outro lado, a violência psicológica
ainda está longe de ser considerada pelos servi- Nos últimos anos, estudos demonstram que a violência
ços públicos de saúde e instituições policiais como psicológica também é muito utilizada pelas mulheres
uma problemática social grave. contra seus parceiros.
Estudo da OMS conduzido também no Brasil mos-
tra que a violência psicológica não foi referen-
ciada como episódio único, mas relatado como Assim, em estudo conduzido com homens, 92,4%
algo que aconteceu muitas vezes para 44% das dos entrevistados referiram a violência psicológica
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DEFINIÇÕES E TIPOLOGIAS TIPOS DE VIOLÊNCIA
e tiveram 2,6 vezes mais chance de reportarem zer é motivo para se submeter a relações sexuais
distúrbios psiquiátricos menores, como depressão, forçadas, como ocorreu com 23% das mulheres
alteração no sono, entre outros. Essa pesquisa durante a vida e 12% nos últimos 12 meses em es-
mostra que a dinâmica da violência entre parcei- tudo conduzido por Moura et al (2009). 10,1% de
ros íntimos está se modificando, com homens e mulheres da cidade de São Paulo e 14% da Zona
mulheres começando a assumir papéis diferentes da Mata relataram que haviam sido forçadas fi-
nas relações de violência (REID et al, 2008). sicamente a ter relações sexuais, por medo, ou
forçadas a prática sexual degradante. Observou-
2.3 Violência sexual por parceiros se que mulheres que sofrem esse tipo de violên-
íntimos cia relatam mais problemas de saúde em compa-
ração com as sem histórico de violência sexual
Embora seja difícil o reconhecimento da violên- (Schraiber et al, 2007).
cia sexual entre parceiros íntimos, ela acontece, Ainda que existam muitas e diferentes delimita-
principalmente, em culturas em que a prática ções para essa forma de violência, a Organização
sexual não consensual é tida como um dever da Mundial da Saúde define violência sexual como
esposa. atos, tentativas ou investidas sexuais indeseja-
Quando observamos os índices de violência, a se- dos, com uso de coação e praticados por qualquer
xual é a menos frequente dentre os demais tipos, pessoa, independentemente de sua relação com
sobretudo entre parceiros íntimos. Essa invisibi- a vítima e em qualquer contexto, seja domésti-
lidade da violência sexual se explica pelo cons- co ou não. Inclui atos como estupros (penetração
trangimento que as mulheres apresentam em de- forçada) dentro do casamento ou namoro, por
nunciar, por ocorrer no interior das relações por estranhos ou mesmo em situações de conflitos
parceiro íntimo e estar vinculada a questões de armados. Também inclui assédios sexuais: atos e
poder. investidas, na forma de coerções e de pagamento
No Brasil, estudos identificaram que o medo com ou favorecimento sexual nas relações hierárqui-
relação a algo que o companheiro possa vir a fa- cas (de trabalho ou escolares).
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DEFINIÇÕES E TIPOLOGIAS TIPOS DE VIOLÊNCIA
(ou) ao trabalho; limitar ou monitorar o uso do constantes podem ser interpretados pela mulher
telefone; segui-la. como manifestações de zelo do parceiro íntimo.
Esses atos são divididos em duas categorias: a pri- Enquanto para algumas mulheres o controle par-
meira denomina-se isolamento social, em que o te de uma condição de desigualdade de gênero,
parceiro é impedido ou tem dificuldades de rever outras podem se sentir protegidas, e os atos de
sua família de origem, seus amigos ou até vizi- controle passam a ser percebidos como preo-
nhos; a segunda relaciona-se ao controle propria- cupação, carinho e amor. Neste contexto, per-
mente dito, quando o parceiro exige explicações cebe-se o desafio de reconhecer e mensurar o
e relatórios constantes sobre onde, com quem e comportamento controlador, uma vez que nem
o que fez no seu dia a dia. sempre a pessoa considera o controle algo que
Os comportamentos controladores muitas vezes gera consequências negativas em sua qualidade
evidenciam o sentido de subordinação feminina, de vida. Dessa forma, o comportamento contro-
em que as decisões da mulher são ignoradas, as- lador apresenta uma representativa complexida-
sim como há impedimento do acesso a dinheiro, de, em função de ser intrinsecamente subjetivo e
trabalho, estudo e comunicação, fatores que po- culturalmente diferenciado (KRANTZ & GARCIA-
deriam contribuir para a independência da mu- MORENO, 2005).
lher e sua liberação da situação de violência. Outra concepção de comportamento controlador
corresponde a perseguição, ameaça implícita ou
explícita evidenciada pelo comportamento de in-
O comportamento controlador também foi relacionado vasão, perseguição proposital, maliciosa e repe-
com a violência física, uma vez que o ciúme corresponde titiva, que causa medo ou insegurança à pessoa.
a um dos principais motivos para as agressões. Diante desse universo acerca das naturezas que en-
volvem a violência por parceiros íntimos, é impor-
tante ressaltar que a violência pode acarretar várias
No entanto, de acordo com o meio cultural, os consequências psicológicas a pessoas em situação de
ciúmes excessivos e a exigência de relatórios violência: a ansiedade, a depressão, sintomas de es-
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DEFINIÇÕES E TIPOLOGIAS TIPOS DE VIOLÊNCIA
KRUG, E. G. et al. Lozano R. Relatório mun- WIJMA, K. et al. The association between ill‐he-
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MCCAULEY, J. et al. The “battering syndrome”:
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