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ACÓRDÃO
NOTAS TAQUIGRÁFICAS
VOTO
Trata-se de recurso de apelação contra sentença prolatada nos autos da ação de Indenização
proposta pelo apelado contra o apelante, na qual o magistrado sentenciante, após rejeitar a
preliminar de ilegitimidade passiva do apelante-requerido, julgou procedente o pedido
inicial, condenando o apelante a pagar ao apelado danos materiais no valor de cento e trinta
e três reais e setenta e quatro centavos (R$133,74), cujo valor será acrescido de juros
moratórios de um por cento (1%) ao mês e correção monetária pelos índices da Tabela
expedida pela Corregedoria de Justiça, a partir do desembolso de cada quantia e danos
morais, que arbitrou no valor de quinze mil e duzentos reais (R$15.200,00), sobre o qual
incidirão juros moratórios de um por cento (1%) ao mês e correção monetária pelos índices
da Tabela da Corregedoria de Justiça, a partir da publicação da sentença, condenando
também o apelante ao pagamento de custas e honorários advocatícios de quinze por cento
(15%) sobre o valor atualizado da condenação.
Em suas razões de recurso de fls. 89/96, que serão explicitadas no voto deste Relator, pede
o apelante, em preliminar, seja acolhida a preliminar de extinção do processo sem
julgamento de mérito, por ser o apelante parte ilegítima e, no mérito, caso assim não
entenda o Tribunal, seja reformada a sentença para julgar improcedente o pedido inicial e,
em caso de manutenção da procedência do pedido, seja diminuído o valor da condenação
por danos morais e o percentual dos honorários advocatícios fixados em quinze por cento
(15%), para outro menor, mais justo.
Pede seja reconhecido em seu favor, a culpa única e exclusiva do apelado pelas agressões
por ele sofridas.
Citando o disposto no art. 14 da Lei Federal nº 10.671/2003, que diz expressamente: "a
responsabilidade pela segurança do TORCEDOR em evento esportivo é da entidade de
prática desportiva detentora do mando de jogo e de seus dirigentes que deverão..." .
Entendeu a sentença recorrida que por ser o Cruzeiro Esporte Clube, detentor do mando de
jogo, no Estádio Mineirão, no dia dia dos fatos, se acha patente a responsabilidade do
requerido-apelante para figurar no pólo passivo da demanda.
IV - Por outro lado, o apelante-requerido ao contestar o pedido inicial (fls. 30) nega seja
culpado pelas agressões sofridas pelo autor e praticadas por terceiros, no interior do estádio,
durante o jogo. Diz que todas as exigências previstas no ESTATUTO de Defesa do
TORCEDOR foram cumpridas e todas as providências tomadas.
Assim, nega tenha havido falha na segurança do estádio, o que afasta por completo a
responsabilidade objetiva de que trata o art. 19 da Lei nº 10.671/03, o que por si só já
motiva a improcedência dos pedidos formulados pelo autor.
E continua o contestante:
Ainda na contestação de fls. 31, está escrito: "Não houve falha na segurança, o que afasta
por completo a responsabilidade objetiva de que trata o art. 19 da Lei 10.671, o que por si
só motiva a improcedência dos pedidos formulados pelo autor".
E às fls. 33, o contestante atribui ao autor vítima ter dado causa às agressões sofridas pelo
próprio autor, pelo que requereu a improcedência do pedido inicial, como se vê da seguinte
frase: "Não teve o clube, conforme exaustivamente demonstrado, qualquer culpa em
relação às agressões eis que a segurança fora prestada de forma rápida e satisfatória e,
ainda, pelo fato de que a ação que deu causa às agressões fora praticada pelo próprio autor e
não pelo réu ou qualquer outra pessoa ou instituição, devendo, portanto, ser julgado
improcedente o pedido formulado na letra "b" da peça inaugural".
Ao decidir o feito o MM. Juiz recorrido diz que o art. 14 do Código do Consumidor atribui
responsabilidade objetiva ao prestador ou fornecedor de serviço e que pelo art. 17, do
mesmo Código ficam equiparadas ao consumidor todas as vítimas do sinistro, incluídas as
que, embora não tendo relação contratual com o fornecedor, sofra as conseqüências do
acidente de consumo.
Fundado em tais princípios e normas legais entende o magistrado sentenciante que no caso
se trata de responsabilidade civil objetiva e que caberia ao requerido, no caso autor do
dano, a prova da excludente de responsabilidade civil.
E acrescenta: "Se não demonstra cabalmente a ocorrência de caso fortuito, força maior, ou
de evento que atribua culpa exclusiva à vítima, razão pela qual se torna indiscutível o dever
de indenizar na forma do pedido inicial" (fls. 49).
"Embasado nos documentos apresentados pelo réu às fls. 37/39, alerta o autor para a
insuficiência de agentes de segurança no estádio durante a realização do evento. Essa
alegação, não impugnada pelo réu, indica que foi previsto policiamento para um público de
10 mil torcedores enquanto, no dia da partida, estavam presentes mais de 15.500 pessoas no
Mineirão.
Cumpre destacar, ainda, que o depoimento da testemunha arrolada pelo réu (a senhorita que
teria se encontrado com o autor no banheiro) corrobora para a tese do autor:
"[...] a depoente gritou por socorro porque não viu segurança, nem policial naquele
momento [...]".
Desta sentença recorre o Cruzeiro Esporte Clube, pelas razões de fls. 52/59, onde em
resumo alega:
- Volta a alegar que pelo documento de fls. 37/38 dos autos comprova-se que todas
imposições e obrigações legais foram cumpridas pelo Clube e no que diz respeito à
segurança e à expectativa de público, previu-se um público de 10.000 torcedores,
afirmando a PMMG que seriam necessários 90 (noventa) policiais nas dependências
internas do estádio e 70 (setenta) nas dependências externas, somando-se 160 (cento e
sessenta) policiais, além de 8 bombeiros e 8 policiais civis.
- Que o número de policiais é determinado pela própria PMMG e não pelo Clube.
- Que a lei do TORCEDOR é clara no sentido de que o Clube mandante deve "solicitar os
agentes de segurança, o que foi feito.
- Que valeu-se o julgador do trecho do depoimento de fls. 30/31, onde a testemunha disse
que "...gritou por socorro, porque não viu segurança nem policial naquele momento.
- Que a forma como se dispõe a presença dos PMs nas dependências do estádio não é de
responsabilidade do apelante, mas sim da PM.
- Que conforme documento de fls. 39, no dia dos fatos, compareceram ao estádio 198 PMs
e 22 Policiais Civis, pois cientes da diferença de público, foram providenciando o aumento
de Policiais no estádio, número suficiente para a segurança.
- Que pelos termos da sentença guerreada, o seu prolator entendeu não ter havido a
demonstração de culpa única e exclusiva do apelado pelos danos por ele sofridos.
- Que "Pelos documentos de fls. 13 e 14, fica claro que a alegação do autor de que é fácil
"trocar" os banheiros é inverídica porquanto, como se alegou em sede de contestação, a
diferenciação é feita por letras vermelhas e garrafais, com os dizeres TORCEDOR e
TORCEDORA e, além disso, com desenhos de bonecos que usualmente determinam a
diferenciação entre o sanitário masculino e feminino.
- Que pelas alegações da Sra. Alessandra Paola Dal Zuffo nos termos do BO, à fl. 10, resta
claro que o autor, ora apelado, além de entrar no banheiro errado e deparar com aquela
senhora, proferiu-lhe ofensas verbais e mostrou-lhe os órgãos genitais o que, sem sombra
de dúvidas, foi a real causa para as agressões advindas dos "companheiros" da senhora.
- Desta forma, havendo o Clube cumprido com suas obrigações e, diante dos termos do BO,
inegável a demonstração que a culpa pelas agressões se deu única e exclusivamente pelas
atitudes do próprio apelado, provando a excludente da responsabilidade objetiva, não
podendo o apelante ser condenado na indenização pleiteada.
- Que como o próprio autor narrou em sua peça inicial, possui plano de saúde junto à
Unimed, não arcando por conseguinte com despesas hospitalares, pelo que indevida a
condenação em despesas hospitalares, pelo que pede a exclusão destas despesas pedidas a
título de despesas hospitalares.
Assim, pede seja reformada a sentença para declarar o apelante parte ilegítima para figurar
no pólo passivo da ação, com extinção do processo, sem julgamento do mérito e, em caso
de assim não entender o Tribunal, quanto ao mérito seja reformada a sentença para julgar
improcedente o pedido inicial, pois está configurada a culpa única e exclusiva do apelado
pela agressão por ele sofrida, ou então, seja diminuído o valor dos danos morais e o
percentual dos honorários advocatícios.
Contra-razões às fls. 64/67, pela manutenção da sentença, tal como prolatada, sendo notória
a responsabilidade do apelante, pelos fundamentos nela expostos.
"O que se observa, como ressuma da obra de Caio Mário, é a convivência de ambas: a
teoria da culpa impera como direito comum ou a regra geral básica da responsabilidade
civil, e a teoria do risco ocupa os espaços excedentes, nos casos e situações que lhe são
reservados.
Foi a própria lei citada pelo sentenciante que tornou o clube mandante, responsável pela
segurança do TORCEDOR (art. 14 da Lei 10.671/2003).
DO JULGAMENTO DO MÉRITO
Apesar da cultura e conhecimento técnicos demonstrados pelo MM. Juiz recorrido, em sua
sentença, ouso divergir de sua Excelência, quanto ao julgamento do mérito.
Mesmo sendo o MM. Juiz sentenciante magistrado de excelsas qualidades, desta vez
dormitou ao analisar o feito, não percebendo que na contestação de fls. 31 houve
argumentação do apelante, quanto à falta de segurança alegada pelo apelado em sua inicial.
"Às fls. 31, lá consta da contestação: "Não houve falha na segurança do estádio, o que
afasta por completo a responsabilidade objetiva de que trata o art. 19 da Lei 10.671/03, o
que por si só já motiva a improcedência dos pedidos formulados pelo autor".
Portanto, a falta de segurança alegada na inicial foi contestada, pelo que não é verdade de
que tal alegação de falta de segurança não foi impugnada.
E não só não foi impugnada, na contestação nega-se tenha sido falha a segurança. Lá está
na contestação de fls. 31:
Entende este Relator que houve segurança no estádio, que não houve falha na segurança,
que tanto não houve falha, que os agressores foram presos em flagrante, ainda dentro do
estádio, que houve o devido socorro médico ao autor apelado, ainda dentro do estádio, que
o clube solicitou do Poder Público competente a presença de agentes públicos de segurança
na forma do art. 14, inciso I, do ESTATUTO do TORCEDOR, que nos termos do art. 14,
inciso I, deste diploma legal, os responsáveis pela segurança dos torcedores são os agentes
públicos de segurança e não o clube que pagou a taxa de segurança no valor de R$9.637,64
(fls. 40).
A documentação juntada às fls. 37, demonstra que no dia da partida, estavam presentes no
estádio 15.200 torcedores e que a estimativa era apenas de 10.000 torcedores.
Assim, entendo que não houve falta de segurança, pelo que o clube não pode ser
penalizado.
Por outro lado, a agressão aconteceu não por falta de segurança, mas sim, por culpa
exclusiva da vítima apelada.
Com efeito, quem provocou a agressão foi unicamente o apelado, ao adentrar em banheiro
feminino, sendo ele homem.
As fotos de fls. 13 e 14, trazidas aos autos pelo próprio apelado, demonstram que as placas
estão em letra vermelha, em letras garrafais, as palavras TORCEDOR e TORCEDORA e
ao lado a figura de um homem e de uma mulher, respectivamente.
Além de adentrar em banheiro errado o que se vê do depoimento de fls. 67, prestado pela
torcedora que pediu socorro, Senhorita Alessandra Paola Dal Zuffo, ela encontrou o
apelado lá dentro do banheiro feminino.
Tenho assim que o comportamento do apelado, saindo correndo escada baixo, está a
demonstrar ter agido de forma condenável, tentando fugir da ação policial.
Entendo assim que foi o próprio apelado que com seu proceder desqualificante, com seus
atos condenáveis, reprováveis e censuráveis, provocou a agressão que sofreu, sendo, pois, o
caso de culpa única e exclusiva dele, vítima.
A respeito da teoria da culpa exclusiva da vítima, a doutrina ensina Caio Mário da Silva
Pereira, citando Aguiar Dias:
"Como observa Aguiar dias, a conduta da vítima como fato gerador do dano "elimina a
causalidade". Com efeito, se a vítima contribui com ato seu na construção dos elementos do
dano, o direito não se pode conservar estranho a essa circunstância. Da idéia de culpa
exclusiva da vítima, chega-se à concorrência de culpa, que se configura quando ela, sem ter
sido a causadora única do prejuízo, concorreu para o resultado. De qualquer forma,
argumenta-se que a culpa da vítima "exclui ou atenua a responsabilidade, conforme seja
exclusiva ou concorrente".
"A culpa exclusiva da vítima - pondera Sílvio Rodrigues - é causa de exclusão do próprio
nexo causal... A boa técnica recomenda falar em fato exclusivo da vítima, em lugar de
culpa exclusiva. O problema, como se viu, desloca-se para o terreno do nexo causal, e não
da culpa . (...) Washington de Barros Monteiro afirma que o nexo desaparece ou se
interrompe quando o procedimento da vítima é a causa única do evento. No mesmo sentido
Aguiar Dias, ao dizer: "Admite-se como causa de isenção de responsabilidade o que se
chama de culpa exclusiva da vítima. Com isso, na realidade, se alude ao ato ou fato
exclusivo da vítima, pelo qual fica eliminada a causalidade em relaçao ao terceiro
interveniente no ato danoso".
"É necessário que se estabeleça uma relação de causalidade entre a injuridicidade da acão e
o mal causado, ou na feliz expressão de Demongue, 'é preciso esteja certo que, sem este
fato, o dano não teria acontecido. Assim, não basta que uma pessoa tenha contravindo a
certas regras; é preciso que sem esta contravenção, o dano não ocorreria' (Traité des
Obligations em général, vol. IV, n.66).
O nexo causal se torna indispensável, sendo fundamental que o dano tenha sido causado
pela culpa do sujeito". (Tratado de Responsabilidade Civil, São Paulo, Ed. Revista dos
Tribunais, 5ª ed., 2001, p. 106).
"A indenização por danos morais, como toda forma de responsabilidade civil, demanda
comprovação do nexo de causalidade e dos prejuízos sofridos. Inexistindo prova do nexo
causal, incabível a condenação do suposto agente do dano ao pagamento da indenização,
haja vista que a responsabilidade civil por ato ilícito, ainda que decorrente de dano moral,
segue, em regra, a teoria subjetiva" (TAMG, Apelação Cível nº 252.724-2/000, Rel. Juiz
Wander Marota, j. em 02.03.98, JUIS - Jurisprudência Informatizada Saraiva, CdRom nº
17).
E, ainda:
Pelo exposto, entendo não ter havido falha na segurança, o que por si só implica em
improcedência do pedido. Também entendo que a vítima sofreu agressão provocada por
mau comportamento dele mesmo, ou seja, que se
trata de culpa exclusiva da vítima, fato exclusivo da vítima, sendo, portanto, o autor, vítima
de sua própria torpeza, o que implica a não-procedência do pedido inicial.
Com essas considerações, dou provimento ao recurso de apelação, para reformar a sentença
recorrida e julgar improcedente o pedido inicial.
Custas e honorários advocatícios de 10% sobre o valor dado à causa, pelo apelado,
suspensa a exigibilidade, nos termos do art. 12, da Lei 1.060/50.
VOTO
De acordo.
VOTO
De acordo.
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