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Óxido Etílico

Aleister Crowley
Copyright © 2007 Editora Coph Nia Ltda.

Tradução
Johann Klaus Schneider

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Óxido Etílico

Aleister Crowley

Experimentos conduzidos (em momentos ocasionais começando em Julho de 1916 e.v.) em mi-
nha própria pessoa, convenceram-me de que a administração técnica e particular de Óxido Etílico em
combinação com certos exercícios mentais habilita o experimentador a averiguar:
1. O valor da relação de um determinado pensamento ou faculdade com a soma de suas caracte-
rísticas mentais.
2. A opinião final do experimentador sobre qualquer determinado assunto (no ditado popular, “o
que está no fundo do frasco”).
Quando, naturalmente, a inconsciência completa foi amiúde alcançada (em operações cirúrgicas,
etc.) nunca foi averiguado o que ocorre nesse estado (de anestesia induzida por Éter) com o indivíduo
normal e saudável quando ele treinou manter um pensamento por um período de inconsciência de
forma que haja identidade completa entre o último pensamento antes da perda, e o primeiro depois
da recuperação, da consciência.
Sugere-se que o conhecimento nesse ponto poderia lançar luz sobre:

a. A psicologia da morte.
b. A consciência pós-morte, supondo que depois da morte corpórea, o indivíduo “desperta”
para outra forma de vida.

II

As seguintes condições parecem à luz da experiência e do raciocínio ser favoráveis ao experi-


mento.
1. O experimento deve acontecer em tais condições, físicas e psicológicas, que a distração seja
minimizada. (Por exemplo, escolha um lugar quieto e um momento, deixe a mente tranqüila e despre-
ocupada.) Que o experimentador fique completamente desperto e alerta, isento de fadiga física, e em
gozo de saúde corporal.
2. O processo de intoxicação deve ser excessivamente gradual. A narina livre deve ser aplicada
ao gargalo do frasco, mas sem qualquer tentativa de excluir o ar dos pulmões. O critério da adminis-
tração apropriada é determinado pelo tempo ocupado, o qual não deve ser inferior a 2 horas desde o
princípio até o momento da perda da consciência. Se feito corretamente, uma quantia muito pequena
de Óxido Etílico é requerida, digamos que 1/2 onça. (O tempo variará de acordo com a destreza do
experimentador; pode-se acelerar quando se sabe manter o pleno controle do fluxo de pensamento.)
3. O experimentador já deve ser especialista:

a. Em analisar os seus pensamentos; para poder discernir o caráter de qualquer pensamento


e entender precisamente por que ele substituiu o seu predecessor. (Ele deve ter alguma
experiência em discernir os elos subconscientes entre idéias sucessivas. “As palavras do
insano são cumes de montanhas” etc.)
b. Em controlar a sua mente para poder rejeitar qualquer pensamento que não esteja na su-

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cessão lógica do assunto que se escolheu para a meditação. (Do contrário, um pensamento
aparentemente estranho toma lugar, com importância, no curso da análise.).
c. Em concentrar a sua mente de forma que durante todo o período do experimento ele possa
manter ininterruptamente a análise do assunto escolhido para a sua investigação. (O ini-
ciante deveria selecionar um problema que realmente o interesse de modo tão profundo
quanto possível.)

4. Ele já deve ser especialista em Mantra Yoga ao ponto de quando, tendo ido dormir repetindo o
seu mantra, ele surja instantaneamente à consciência ao despertar (quer naturalmente ou se acordado)
sem qualquer esforço de recordação.
5. Ele deve ser suficientemente especialista em Yoga para poder descobrir o significado oculto
de qualquer pensamento. (Eis a essência do processo. A pessoa começa considerando qualquer opi-
nião particular ou sentimento próprio ao seu caráter, e passa a eliminar as circunstâncias acidentais
que determinaram a sua forma; até que ela descobre a sua raiz em sua natureza original. Por exemplo,
a pessoa começa refletindo que desgosta de uma determinada cor ou é atraída a um determinado sis-
tema de filosofia. Esses fenômenos são somente símbolos da forma da alma da pessoa, tal que uma
aversão à altura esteja relacionada com o seu medo da morte, ou a sua afinidade para com o parecer
de Herbert Spencer sobre os hábitos intelectuais pessoais.) A psicanálise ajuda a pessoa até certo
ponto: mas evita aceitar as conclusões de outras pessoas, ou permitir que qualquer teoria prejudique
a análise.

III

1. O Óxido Etílico parece ajudar a mente a distinguir os pensamentos peculiares à sua própria
natureza daqueles sugeridos a ela por alguma combinação de circunstâncias.
2. Às vezes ele permite que se perceba de imediato cada uma das forças que influenciam o
problema e extrair sem errar a sua resultante. (Em outras palavras, pode-se chegar a uma decisão
definitiva sobre qualquer questão sem medo de ter omitido alguma consideração. Assim ele [o Óxido
Etílico] informa qual é a Verdadeira Vontade da pessoa, ou a natureza do seu Eu íntimo, com referên-
cia a qualquer assunto escolhido.)
3. O curso da análise em geral procede logicamente até certo ponto; mas amiúde acontece que no
último momento, quando se sente que um evento irrevogável é iminente, a análise inteira é percebida
subitamente como uma camuflagem – ainda que perfeitamente sincera – e é rejeitada violentamente e
substituída por uma afirmação aparentemente desconexa, em geral de simplicidade extrema. A análise
consciente subseqüente deve revelar isso como a verdadeira causa da falsa cadeia de pensamento.
4. As primeiras experiências devem, na minha opinião, ser dirigidas para resolver
quaisquer caprichos na consciência do experimentador. Ou seja, ele deve procurar desco-
brir quem realmente é, a verdadeira relação dele com o Universo em oposição à idéia cons-
ciente de si que ele criou, ou foi imposta sobre ele pelo seu treinamento e experiência
anteriores, isto é, analisar de fora os fantasmas do Desejo, os espectros do Medo, as Falsas Idios-
sincrasias, e os preconceitos. Ele deve assim livrar-se do medo, do desejo, do falso idealismo, e
em particular da dúvida que existe (conforme suponho) em praticamente todos os homens quanto
à sua própria validez ultimal. Eu quero dizer que todos nós temos momentos em que nos perguntamos
se realmente existimos, ou somente nos persuadirmos que existimos. Também se nós somos absolu-
tamente honestos conosco mesmos.
5. Complexos pessoais entranhados como os indicados acima, devem ser abolidos antes que
per-turbem a faculdade analítica em momentos críticos. Alcançado-se isso, pode-se proceder para
fazer tais perguntas como a seguinte: Qual é a minha real concepção de tempo, espaço, causalidade,
verdade, etc.? Descobrir-se-á que as definições dessas idéias, ainda que satisfaçam bem a mente nor-

1
Veja-se Sir Palamede, seções sobre o Corcunda e o Cavaleiro que ele era Sir P. e Sir P. um impostor.

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mal, parecem, à luz dessa análise, como de uma ordem totalmente diferente. Por exemplo, o tempo e
o espaço podem perder todas as suas características aceitas e se mostrarem como modos arbitrários de
discriminação entre aspectos de uma idéia. Tais axiomas lógicos como A é A podem ser reconhecidos
como falsos.
6. Tendo percebido “o Universo como o Nada com cintilações” etc., e subseqüentemente enten-
dido que essa forma é determinada pela estrutura do sistema nervoso e assim é de fato um fantasma
dele, pode-se recomeçar daquele ponto de vista a investigar por que o próprio sistema nervoso deve
ser concebido como o é, com base nas indicações anatômicas as quais dependem das mesmas percep-
ções sensórias que sucessivamente determinam a forma da visão original. Isto é, tendo entendido “o
Universo como eu o vejo é uma Imagem do meu sistema nervoso” pergunte; “Por que vejo o sistema
nervoso como eu o vejo? Qual é o significado ultimal dessa concepção? O que implica a minha prisão
nesse ‘argumento circular’?”
7. Um escriba discreto deve ser empregado para registrar o progresso da análise. O tempo deve
ser anotado cuidadosamente. Exclamações aparentemente insensatas muitas vezes provam-se as mais
valiosas indicações de descobertas que talvez sejam ininteligíveis ao próprio experimentador mesmo
no momento.
8. O problema realmente vital é este: “O que acontece a um homem quando ele está inconscien-
te?” Devia ser possível lançar alguma luz sobre essa pergunta com a observação precisa do último
pensamento consciente e o seu sucessor no despertar. Se um experimentador treinado mantiver um
Mantra durante o sono, qualquer diferença entre esses dois pensamentos deveria ser devida a algo que
aconteceu no estado inconsciente.
9. A análise deve constantemente proceder para camadas mais profundas da mente. É essencial
alcançar as camadas subconscientes e torná-las articuladas. O pensamento final deve representar a
natureza do homem despojado de todas as condições terrestres sejam quais forem. (Geralmente admi-
te-se que a intoxicação ajuda a revelar o verdadeiro eu de um homem, e que no momento da morte ele
não falará uma mentira. Esse processo deve ir ainda mais fundo através eliminação inteligente legada
de quaisquer fontes de erro.)
10. O experimentador deve fazer questão de analisar quaisquer pensamentos sintomáticos da
Vontade-de-Viver, isto é, ele deve tratar o estado inconsciente como uma morte real, a fim de ter cer-
teza de que o seu último pensamento não seja contaminado por considerações sobre a sua existência
condicionada. (A Vontade-de-Viver é uma expressão dos complexos corporais e mentais, não do Ver-
dadeiro Eu; caso contrário, a pessoa nunca consentiria em ir dormir como o faz.)
11. O Óxido Etílico também pode ser usado em conjunção com Invocações Mágicas para soltar
as vigas mestras da Alma. O método é exaltar a consciência ao extremo por meio das cerimônias e
encantamentos adequados, e então, selecionar alguma pequena, mas intensa conjuração para usá-lo
como um mantra no clímax dramático do ritual ao mesmo tempo concentrando a Vontade em entrar
em comunicação direta com a Inteligência invocada. O momento de entrar na inconsciência deve ser
através dos clímax desse processo, tal que, conforme a pessoa solta a si mesma, ela se torna essa Inte-
ligência. Não há assim uma verdadeira inconsciência, mas o aparecimento de uma consciência nova,
e ao voltar a si mesmo, a pessoa deve trazer consigo a memória da sua natureza e da mensagem.
12. A natureza das condições científicas, matemáticas, e filosóficas podem ser investigadas com
todo prospecto de sucesso. Por exemplo, devia ser fácil descobrir se uma declaração como duas vezes
2 é 4 realmente afirma algo sobre a natureza das coisas, define uma limitação mental, ou é uma sim-
ples tautologia. Poder-se-ia também indagar se realmente se acreditava em um universo externo, se a
sua idéia do Ego era uma ficção conveniente ou não, o que se queria de fato dizer com Zero, Infinito,
a raiz quadrada de -1, e assim por diante. (Isso é particularmente importante porque todas as verdades,
1
Veja-se os Registros da “Visão da Esponja Estelar” (Livro 4, Parte IV) CCXX Comentos sobre o Capítulo I. v. 59
2
Sono e morte são negativos. O que é então que se retira ou repousa? O fato indica um Eu atrás do Eu Consciente? Se
sim, não podemos alcançar esse Eu explorando o sono?
3
Veja-se O Trabalho de Paris, onde o Mantra começou no início do intercurso sexual efetivo, e teve de ser mantido im-
perturbado por interferência física e moral, até mesmo pelo próprio orgasmo. Veja-se também Liber HHH e 831.

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assim chamadas, podem ser racionalmente solucionadas em formas necessárias da mente, tal que se,
por exemplo, fosse confirmado que a matemática era apenas um sistema para simbolizar os fatos da
lógica, poder-se-ia economizar muito tempo e eliminar uma fonte óbvia de erro.)
13. O Óxido Etílico ajuda a pessoa a confinar a área de sensação consciente a qualquer limite
desejado. Assim, ela pode concentrar a sua atenção em um dedo e assim analisar a sensação dos me-
nores movimentos musculares que não transmitem nenhuma impressão apreciável à mente normal.
Ela se torna consciente de quais partes do corpo sentem a si próprias: por exemplo, as células das
narinas sentem um prazer definido com a passagem livre de ar. (Isso é até onde eu fui; mas parece que
essa linha de pesquisa poderia se provar frutífera nas mãos certas.) Ele [o Óxido Etílico] deve permitir
que a pessoa a distinga a consciência local da centralizada, e determine se o Ego é uma simples Idéia
única, ou uma ilustração composta de elementos complexos diversos e é percebido como uma unida-
de por mera causa da conveniência.
14. A análise das sensações permite que pessoa as separe das idéias de prazer e dor. Ela pode
as-sim se lembrar de eventos normalmente perdidos no oblívio através da operação de proteção Freu-
diana. Ela também pode destruir qualquer determinado medo que tenda a oprimir a mente e preveni-la
de exercitar a sua função livremente. A tradição afirma que nós esquecemos de nossas encarnações
prévias porque o choque da morte ergue uma barreira. Sem concordar com essa teoria, eu direi que
tendo treinado a mim mesmo a enfrentar o fato da Morte sem perturbação mental, eu me percebi
capaz de lembrar da minha última morte, e assim obter muitas recordações de minha vida anterior
como Eliphas Levi; também, que tendo superado o primeiro obstáculo, ficou progressivamente mais
fácil lembrar de vidas prévias a essa. Essa hipótese é sustentada pelo fato de que eu acho difícil re-
lembrar através de erros Mágicos, e estou (em particular) excluído até mesmo agora de lembrar dos
detalhes de uma tremenda catástrofe Mágica no passado distante cujo efeito foi me lançar para fora
de uma série de encarnações nas quais eu fui um alto Iniciado, e das quais eu me lembro de muitos
incidentes, para escalar dolorosamente mais uma vez até o meu presente estadoe. Existe assim uma
lacuna definida em minha Memória Mágica, uma condição de vergonha e horror que eu ainda não
tive coragem de desvelar.
15. O Óxido Etílico ajuda a pessoa a classificar e entender as suas faculdades mentais e a sua
inter-relação. Em particular, ela pode esclarecer a confusão causada pelo fato de que em um estado
mental “A é A” é absoluto; em outro, falso. Ela também aprende como uma faculdade implica e se
envolve com a outra. Isso a ajuda a purificar cada [faculdade] dos seus acidentes, a desenvolvê-la,
e a coordená-la com as outras com o maior proveito... Ela também aprende a não confundir ordens
separadas de idéia, geralmente, a corrigir o pensamento errado.
16. O Óxido Etílico ajuda a pessoa a diagnosticar as doenças da mente. Em experiências iniciais,
especialmente se o Treinamento Mágico da pessoa é imperfeito, é quease certo que o estímulo da
droga traga à tona complexos emocionais ou prejuízos intelectuais. Estes devem, natturalmente, ser
anotados, analisados, e destruídos, antes de se tentar qualquer pesquisa séria. A habilidade de inibir
qualquer interferência semelhante sob a influência da intoxicação fornece uma garantia razoável de
que se dominou quaisquer elementos-sedições semelhantes na alma.
17. A delicadeza do equilíbrio mental produzida pela administração hábil da droga, permite que
pessoa faça medidas precisas dos elementos da consciência. Ela deve fazer um exame sistemático
destes, e desenhar, por assim dizer, um mapa para a escalada, da mente. Isso deve ser feito de fato, por
meio de diagramas ou descrições, e corrigido de tempos em tempos conforme nova informação che-
ga à mão. Isso é particularmente para entender e estimar os componentes de cada faculdade, mais ou
menos é feito na psicologia Budista. A questão dos Skandhas é importante. A pessoa deve assimilar
completamente o fato de o Nåma-Rýpa ser um invólucro da sensação, e o da percepção e assim por
diante: e ser suficientemente experiente em descobrir o Viññåïa relacionado a qualquer pensamento
ou impressão observável sem ter de executar uma análise consciente, e então ser distraído do assunto
principal da meditação.
18. O experimentador aprenderá a reconhecer instintivamente quando ele alcançou o resultado
desejado. Vem como um clímax com a força de uma revelação. Eu creio ser inútil continuar a experi-

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ência depois de isso acontecer. A pessoa deve recomeçar completamente do ínicio, isto é, suponha-se
que ela receba uma revelação no curso do trabalho, mas que não seja a requerida; ela deveria aceitar
a derrota por ora. A questão é que uma revelação genuína exaure a espécie de Energia envolvida
naquele momento. O caso paralelo é a ocorrência do orgasmo no intercurso sexual. Um orgasmo
perfeito não deveria deixar nenhum tesão: se a pessoa quiser continuar, isso simplesmente prova que
ela falhou em coletar todos os elementos da personalidade, e descarregá-los completamente em uma
única explosão.

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