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CULTURA INDÍGENA E OS MEIOS DE COMUNICAÇÃO

Em 06/07/2009 POR REDAÇÃO - REVISTA SESCTV

Entrevista com a educadora Severiá Idiorié

A veiculação da cultura indígena na mídia ajuda a difundir os costumes e


ideais do povo?

Sim, há cerca de 20 anos o pessoal da minha aldeia, Wederã, começou


a trabalhar com a questão da imagem, do que nós queremos manter vivo por
meio de vídeos e documentários que são feitos. Temos videomakers da
comunidade que captam imagens do nosso cotidiano, na tentativa de relativizar
o diálogo entre os povos. Através de um edital do Ministério da Cultura, que
incentiva a nossa própria produção, fizemos umas trilhas e vídeos, como a
Nutrição e Saúde Xavante, que é um trabalho que resgata a alimentação da
mulher xavante. Há também o “Darini – Iniciação Espiritual Xavante”, de Caimi
Waiassé e Jorge Prodoti, que foi selecionado pela 29ª Mostra de Cinema de
São Paulo e ganhou o prêmio de melhor documentário indígena na Mostra de
Cinema da Cidade do México. Outros documentários foram feitos e em
algumas entrevistas o cinegrafista se aproximou mais do povo indígena,
mostrando que a única diferença é a cultura, mas que todos querem educação,
saúde e alimentação melhor no Brasil.

Por outro lado, de que maneira a aldeia é influenciada pela mídia?

Viver isolado ou não para o meu povo é o seguinte: por mais que a
gente quisesse ficar só nas aldeias, já não é mais possível. A Funai [Fundação
Nacional do Índio] e outras políticas que estão sendo feitas no Congresso
visam preservar a cultura indígena, no entanto por mais que exista essa
preocupação, tem alguns momentos que não conseguimos evitar esse acesso.
Quando isso ocorre conosco, há o mesmo efeito que nas comunidades não
indígenas. Nossos jovens, por exemplo, vão achar mais interessante ver um
filme do que o jornal e maior paciência para ouvir músicas, do que um noticiário
no rádio. Dentro da nossa comunidade, levamos para as escolas textos e livros
que despertem questionamentos e análise do que vai servir desta nova cultura.
A preocupação do cacique é de sempre abrir espaço para esses diálogos e de
que os jovens sejam aconselhados pelos mais velhos e professores. A
comunidade inteira tenta fazer esse “conselho social”, sobre o que é positivo
para nós usarmos.

Isso altera a dinâmica da cultura?

Em alguns lugares, sim. No caso o que acho mais perigoso, é a questão


da roupa, a nudez não é um problema, desde que você a observe de um ponto
de vista cultural, mas, quando a nudez é vista pelo olhar do fálico, do não índio,
isto é perigoso. Porque a gente não olha para certas partes do corpo do outro,
como os seios e as genitálias como objetos de desejo, você acaba introduzindo
novos valores. Tem outra questão importante nisto, que é em relação ao
individualismo. Em algumas comunidades, o dinheiro já não é mais um bem
coletivo, e sim um bem individual. Isso se torna um processo capitalista: se
antes a caça e a pesca eram repartidas entre todos, agora, quando o assunto é
dinheiro, que não é um bem próprio da comunidade, os índios dão o mesmo
valor que o não índio. Eles pensam que se trabalharam e conquistaram aquilo,
vão repartir somente com a minha família e os mais próximos. Isso é perigoso
porque o dinheiro levou pobreza a alguns povos. Os índios pensam que todos
os brancos são ricos, com cinco ou seis carros na garagem, morando em uma
bela casa, com a geladeira sempre cheia e que com estas riquezas eles são
felizes.

A introdução destes novos valores traz quais consequências à aldeia?

Há várias histórias de estupros e de raptos que ocorreram ao longo do


tempo e fizeram com que a comunidade indígena criasse estereótipos de que
os homens brancos são maus. Por exemplo, quando uma criança faz
malcriação algumas pessoas da tribo dizem: “se você não ficar quieto, o branco
vai vir te pegar e te levar embora”. Daí, nós temos que falar que não são todos
os brancos que vão chegar raptar e levar embora nossos filhos. É uma relação
dialética entre os povos. Passa por aquilo que alguns estudiosos chamam de “o
caminho do conhecimento”: ele passa pelo pensar, pelo sentir e pela ação.
Então como é que você vai fazer isso e de que maneira transmitiremos essa
aprendizagem? Falamos para eles observarem as pessoas que nos visitam,
que geralmente são funcionários da Funasa [Fundação Nacional de Saúde] ou
da Funai, ou é uma pessoa que veio fazer um trabalho de mestrado ou
doutorado. Essas pessoas chegam e traem respostas paras os
questionamentos deles e os nossos.

Sendo assim é importante registrar e exibir ritos, festas e manifestações


do povo indígena?

É importante desde que a comunidade não indígena deixe claro qual é o


objetivo daquele filme, o que eles pretendem mostrar, de que maneira isso será
apresentado. Os ritos, que são ritos mesmo, de segredo e tudo mais, não são
mostrados, e outros temas que achamos que não serão compreendidos pelas
comunidades não indígenas, nós não gravaram, nem autorizamos sua
reprodução. Eu acho que a comunidade tem de ter essa preocupação de
conviver com as outras pessoas, pois elas saem enriquecidas com esses
trabalhos. Temos alguns cinegrafistas de origem xavante que captam imagens
que mostram que nem todo homem branco segue o estereótipo criado pela
mídia, este outro lado diminui o nosso preconceito.

Atualmente com essa questão da convivência, do viver junto, as relações


entre o índio e o não índio estão mais estreitas, ou ainda estão muito
distantes do ideal?

Para algumas pessoas esta relação está muito próxima, mas para outras
não. Então não dá para fazer algo quantitativo. Antes, as pessoas tinham a
gente como objeto de pesquisa, como seres de uma realidade muito distante,
mas esses núcleos de educadores e de formadores de opinião já não possuem
mais esta imagem do índio. De onde eu venho, nós temos uma filosofia de que,
se em um diálogo com um grupo de dez pessoas, ao menos um refletir sobre o
assunto, já é algo significativo. Dependendo do que ela pensou e foi tocada, ela
começa a agir. Por isso, evoluímos em algumas questões e em outras, não.
Quando há a conscientização de que todos somos seres humanos, iguais
nesta questão do biótipo, mas diferentes somente na visão de mundo, na
maneira como educamos nossos filhos, tendemos a gerar uma convivência
pacífica. Mas isso não quer dizer que os conflitos acabaram, aliás, o conflito até
acrescenta, desde que ele não seja armado, apenas ideológico.
Esta reportagem foi publicada em 06/07/2009 no site intervozes.org.br. Todas as informações
nela contida são de responsabilidade do autor.

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