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Ricardo Cammarota
10.dez.2018 às 2h00
Nem o Satanás está a salvo. Coitado. Entidade espiritual que carregava uma
certa dignidade e consistência ao longo dos séculos de existência, ele
orbitava ao redor do que, grosso modo, se chamava de mal. Sei que já o mal
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12/11/2018 Nem o Satanás está a salvo - 10/12/2018 - Luiz Felipe Pondé - Folha
não existe e que essa diferença entre bem e mal não passa de uma invenção
do cristianismo, do patriarcalismo e uma imposição dessa sociedade que nos
quer apartados dos nossos desejos.
Mas qual era essa dignidade que o coitado do Satanás perdeu e do que nem
mesmo o pobre coitado está a salvo? E quem é esse Demônio suave que
surge em comunidades satanistas agora?
Claro que não vou perder tempo e espaço aqui fazendo diferenças sutis e
obsessivas entre Satanás, Demônio e Diabo. Trato os termos aqui como
sinônimos.
Vamos à primeira questão acima citada. Sua dignidade consistia em seu gozo
em nos torturar. Essa tortura era, basicamente, excitar nossos desejos
levando-nos a transgredir a norma divina. Já no relato do Gênesis, o
personagem aparece tentando Eva, provavelmente, uma gostosa (única
hipótese possível sobre Eva, pois, fosse ela feia, Adão teria dado ouvidos a
Deus). A partir daí, ele enlouquece homens e mulheres, os deixando furiosos
em busca da realização de seus desejos mais obscuros e violentos. Nosso
personagem era conhecido por nos visitar nos sonhos, fazendo sexo conosco
ou nos afogando em projetos de poder, vaidade e violência.
Sua crueldade era tal que sua representação era quase sempre a de um
deformado, deformando corpos e almas para a eternidade, sendo o inferno
seu lar. O medo do inferno formou inúmeras grandes almas ao longo da
história. Alguns de nós chega mesmo a acreditar que talvez Deus não exista,
mas o Satanás sim, devido à simetria moral entre o dito personagem e o
estado do mundo em que vivemos.
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Vamos à segunda questão. Do que nem mesmo o pobre Satanás está a salvo?
Resposta direta: da banalidade do narcisismo de bolso que alimenta nossa
revolução moral moderna, conhecida como egoísmo libertário.
O pobre do Satanás virou a justificativa banal para você ser você mesmo.
Alguém conhece ideia mais descabida do que precisar da autorização de uma
entidade, outrora responsável pelos maiores terrores da alma e pela
destruição do paraíso divino, para você viver suas pequenas taras que cabem
no Instagram? O pobre do Diabo virou uma espécie de coach de bolso para
você justificar seu mau-caratismo e falta de educação.
O Satanás real, aquele que valia a pena respeitar, era o ser que estabelecia o
dilaceramento moral essencial da vida ética. Mesmo acreditando nas
virtudes, você não resistia aos vícios. E não à figurinha teenager que
confunde o Demônio com uma tattoo supercool.
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