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A desigualdade social no ambiente escolar: concepções e possibilidades

Marta Rosani Taras Vaz (UNICENTRO) martarosanni@hotmail.com


Cleide Ferreira da Silva (UNICENTRO) cleideferreira1974@bol.com.br
Dr. Mario de Souza Martins (UNICENTRO) mariosm51@ig.com.br

Resumo:
O presente artigo é o resultado de um trabalho desenvolvido pelas acadêmicas do curso de Pedagogia
da Universidade Estadual do Centro-Oeste (UNICENTRO), na disciplina de Sociologia da Educação.
Embasados por autores que já discorreram sobre o tema, dentro do campo da sociologia e educação.
O texto tem como principal objetivo de refletir sobre o posicionamento dos professores frente às
demonstrações de desigualdade social nas salas de aula, tendo em vista o discurso de igualdade
presente na atualidade e o papel da educação neste contexto. Embasado teoricamente e
metodologicamente pela abordagem crítica-dialética, utilizou como instrumento de pesquisa
questionários a professores de anos iniciais do Ensino Fundamental, de uma escola localizada em um
município do Estado do Paraná, a fim de verificar o posicionamento dos mesmos frente a
desigualdade social na sala de aula.
Palavras chave: Desigualdade social, escola, reprodução e igualdade.

Social inequality in the school environment: concepts and possibilities

Abstract
This article is the result of work carried out by the Faculty of Education Academic State University
Midwest (UNICENTRO), in the discipline of Sociology of Education. Grounded by authors who have
discoursed on the subject within the field of sociology and education. The text's main objective is to
reflect on the positioning of teachers against the statements of social inequality in classrooms, in view
of the discourse of equality present today and the role of education in this context. Grounded
theoretically and methodologically by critical-dialectical approach, used as a research tool
questionnaires to teachers in the early years of elementary school, a school located in a municipality
of the State of Paraná, in order to check the positioning ourselves ahead of social inequality in the
room classroom..
Key-words: Inequality, school, play and equality.

1 Introdução

Na atualidade, a educação brasileira vem sendo amparada por um discurso de


igualdade de oportunidades, no qual todos os envolvidos com a educação, pais, professores,
alunos e toda a comunidade defendem uma ideia de que a escola, sendo uma instituição
pública ou privada, é um ambiente no qual se reproduzirá a justiça entre a raça, gênero e
classes sociais por meio de mecanismos fundamentados em princípios de igualdade visando a
não exclusão dos indivíduos.

No entanto cabe-nos problematizar sobre a prática dos educadores frente a


desigualdade econômica e social presente em sua sala de aula e refletir sobre o discurso de
igualdade e justiça, procurando descobrir em que sentido que a reprodução deste ideário na
escola contribui com o alívio, ou não, da desigualdade social.

Acredita-se que os educadores e toda a escola de modo geral vêm defendendo a


igualdade como um dos princípios fundamental que contribui para a diminuição aparente ou
não da desigualdade social, visto que o trabalho pedagógico que parte deste conceito resulta
em práticas justas e honestas com todos os alunos, desconsiderando a diferença social e
econômica dos mesmos.

Frente a esta hipótese, cabe nos refletir sobre a desigualdade social e seus reflexos no
ambiente escolar, analisando os discursos dominantes na atualidade e investigando de que
maneira a escola vem enfrentando os problemas sociais. Verificando como os professores de
ano iniciais percebem a desigualdade social na sala de aula e de que maneira trabalham a
possibilidade de não exclusão.

Visto que a escola é uma instituição determinada socialmente, que faz parte de uma
contradição econômica presente na sociedade capitalista, na qual esta instituição pode
trabalhar em defesa, combate ou legitimação dos interesses de uma classe dominante,
possuindo um papel significativo na formação da consciência de sujeitos capazes de
reproduzir ou transformar a realidade social e econômica. É necessário refletirmos sobre esta
instituição dentro de seus limites e suas possibilidades perante a realidade social e analisarmos
a visão que os educadores adotam frente a desigualdade presente na sala de aula.

2 A escola e a desigualdade social

Historicamente podemos considerar que a escola tem um papel fundamental no


processo de formação da consciência e conhecimento humano, além de servir como base e
fonte de conhecimento para a construção dos sujeitos em sua vida pessoal e profissional.
Certamente é um espaço de socialização do conhecimento já produzido pela humanidade e
possibilidade de emancipação dos indivíduos.
Na atualidade, a escola vem sendo vista como um ambiente de construção de
cidadania, local no qual se dá a garantia dos direitos e deveres dos sujeitos. Tem-se a crença
social da escola como ambiente de democratização social e amenizadora das desigualdades
sociais.

Reforçado com a legitimação da Constituição Federal e da Lei de Diretrizes e Bases da


educação nacional (LDB nº 9394/96) no Art. 2º sobre os princípios e fins da educação
nacional, a lei determina a educação como dever da família e do estado, sendo que o ensino
deve ser inspirado nos princípios de liberdade, solidariedade e igualdade.

Acontece muitas vezes que a reprodução dos princípios, sobretudo, de liberdade e


igualdade, quando aplicadas na escola, caminha em direção a uma naturalização de realidades
que estão além do controle escolar. Referimos-nos, quando o discurso proferido, aponta a
educação como ambiente ‘salvificador’ dos problemas sociais, uma vez que esta falácia retira
a responsabilidade de um sistema muito mais amplo que o sistema educacional, trata-se da
responsabilidade oculta do sistema capitalista.

Embora não seja o foco do nosso trabalho esclarecer o surgimento da desigualdade


social, mas tendo em vista o viés econômico em que esta sendo embasado esta pesquisa,
consideramos de suma importância apontar brevemente os mecanismos que geram a
desigualdade social no sistema capitalista.

Para Marx, o surgimento da desigualdade social no capitalismo está diretamente ligado


a divisão de classes entre burguesia e proletariado, nesta luta de classes, a miséria gerada pela
desigualdade social é utilizada como mecanismo de domínio dos dominantes (capitalistas)
entre os dominados (proletariado).

Dessa forma, tendo a obra de Marx como ponto de partida, podemos considerar que as
desigualdades existem em decorrência da maneira em que é organizado o trabalho no modo
de produção capitalista que é baseado na propriedade privada dos meios de produção, uma
vez que, a riqueza produzida pelos proletários através da venda de sua força de trabalho, em
troca do salário é propriedade dos donos dos meios de produção (burguesia) que através da
mais-valia aumenta seu capital.

Dessa forma, podemos constatar que o acúmulo de riqueza não é de posse de quem a
produz, ou seja, da grande massa trabalhadora, mas esta sobrevive da venda de sua mão-obra
através do salário. Esta grande exclusão da classe operária dos benefícios do que se produz,
gera a supressão desta classe ao acesso das mercadorias produzidas e sobretudo gera a
desigualdade econômica, uma vez que o capital pertence a minoria da população (donos da
propriedade privada).

No entanto, devemos considerar que o homem é um ser social e histórico,


transformador de si mesmo e da natureza, num processo contínuo de transformação pela
busca de satisfação de suas necessidades materiais, e através desta dialética é que as classes
(burguesia x proletariado) vivem em conflito, uma vez que:

[...] À medida que o homem trabalha para satisfazer suas necessidades, o homem se
organiza de tal forma que pode criar, ao mesmo tempo que necessidades e condições
de vida cada vez mais sofisticadas para alguns, condições de vida e, portanto,
necessidades cada vez mais “simples” para outros. (...) nas sociedades capitalistas
em que para alguns homens ocorre um refinamento das necessidades e, para outros,
ocorre a brutalização. Finalmente, esse movimento expressará sempre as condições
objetivas de um determinado, momento histórico e, nesta medida, as contradições
presentes neste momento. (ANDERY; MICHELEITO; SÉRGIO, 1999, p.407)

Muitas vezes, nos deparamos com políticas sociais, que atribuem uma característica
redistributivista como solução da desigualdade. De acordo com Behring (1998, p.24): “É
irrealizável todo o conjunto de “soluções” para a questão da desigualdade, que remetem
apenas a esferas da distribuição e do consumo, diga-se da circulação, quando a chave do
problema está na produção”.

A desigualdade social é uma realidade inegável, embora muitas vezes passa que
despercebido aos olhos da maioria da sociedade devido a naturalização desses fatos
produzidos socialmente. Esta naturalização é fruto de um olhar normalizador, que passa a
perceber duras realidades como normal, tornando-o natural. Gentili (2003) faz uma analogia
para explicar os conceitos de “normalidade” e “anormalidade”, usando de exemplo a seguinte
situação:

[...] enquanto é “anormal” que um menino de classe média ande descalço, é


absolutamente “normal” que centenas de meninos de rua andem sem sapatos
perambulando pelas ruas de Copacabana pedindo esmolas [...] a possibilidade de
reconhecer ou perceber acontecimentos é uma forma de definir os limites sempre
arbitrários entre o “normal” e o “anormal”, o aceito e o negado, o permitido e o
proibido. (GENTILI, 2003, p.29).

Neste contexto, a escola se apresenta como uma instituição de suma importância no


processo de formação de consciência dos indivíduos e possibilidade de emancipação social
dos mesmos. Uma vez que ela pode contribuir para o reconhecimento das desigualdades e o
fortalecimento de um pensamento transformador.

No entanto, a escola muitas vezes é percebida como um ambiente de “salvação” dos


problemas sociais, de acordo com Paro (1999, p,08), há três falácias construídas sobre a
escola e sua função: “Em primeiro lugar, há, entre boa parte dos educadores, a crença de que a
escola só ganha status de preocupação nacional se ela contribuir com algum retorno para o
sistema econômico”. Neste sentido, acredita-se que a existência da escola esta atrelada ao
econômico, amparado no famoso chavão de “preparação para o mercado de trabalho”,
esquecendo que a escola é historicamente um patrimônio construído pela humanidade e não
passou a existir somente no capitalismo para preparação de mão de obra para mercado de
trabalho.

A segunda falácia apontada por Paro (1999, p.08) diz respeito ao equívoco que se
comete quando associamos a falta de ascensão social com a utilização da escola:

A grande falácia de que as pessoas iletradas ou com poucos anos de escolaridade


não conseguem se empregar por causa de sua pouca formação, [...] supõe que a
escola possa criar os empregos que o sistema produtivo, por conta da crise do
capitalismo, não consegue criar. A não ser como discurso ideológico para que as
pessoas continuem acreditando que sua posição social se deve à falta de escolaridade
e não às injustiças intrínsecas à própria sociedade capitalista, esse argumento deveria
ter sua importância bastante relativizada nas discussões sobre o papel da escola .

A terceira falácia, esta atrelada a ideia de que o sistema produtivo necessita cada vez
mais de um maior número de mão de obra especializada, com formação cada vez melhor e
atualizada:

Na verdade, sob, o capitalismo, a necessidade de uma boa formação acadêmica


sempre se restringiu a um número relativamente pequeno de pessoas, em
comparação com a grande maioria que não necessita desta formação, tendência que
só tem feito se radicalizar, com o desenvolvimento tecnológico. (PARO, 1999,
p.08).

Dessa forma, podemos compreender que a instituição escolar não tem o poder de
abarcar os problemas da sociedade atual e muito menos, acabar com a desigualdade social. O
que se percebe na atualidade é a justificativa de que a escola é um ambiente de democrático,
no qual se faz a justiça por meio de mecanismos de igualdade.

Contudo, o que vemos muitas vezes são perspectivas de uma escola heroica, como se
fosse um local distante das injustiças do capitalismo e produtora de uma liberdade de
pensamentos, longe de censura, longe da desigualdade, de injustiça. No entanto, esta liberdade
fica condicionada e restrita a uma ordem social voltada aos interesses do capital. Essa
liberdade, se é que poderia se chamar liberdade, pode ser executada se não fugir do mando do
capital, essa liberdade é controlada, é manipulada, e institucionalizada de uma forma que não
abale a estrutura do sistema capitalista.

Tende em mente esta abertura ideológica de liberdade, podemos concordar com


Mészáros (2005, p.35) que:

A educação institucionalizada, especialmente nos últimos 150 anos, serviu – no seu


todo- ao propósito de não só fornecer os conhecimentos e o pessoal necessário a
máquina produtiva em expansão do sistema do capital, como também gerar e
transmitir um quadro de valores que legitima os interesses dominantes, como se não
pudesse haver nenhuma alternativa a gestão da sociedade, seja na “forma
internalizada” (isto é, pelos indivíduos devidamente “educados” e aceitos) ou através
de uma dominação estrutural e uma subordinação hierárquica e implacavelmente
impostas.

Cabe nos questionar de que forma que a escola vem assumindo este compromisso tão
idealizado de ambiente “salvificador” atualmente e em que medida o discurso de igualdade
vem contribuir, ou não, para a reprodução e legitimação da desigualdade social.

Quando acreditamos que a escola meritocrática é uma escola justa, estamos supondo
que a sociedade oferece condições iguais a todos e que todos podem desfrutar e levar uma
vida bem sucedida se aproveitar as oportunidades que a escola proporciona. De acordo com
Dubet (2004, p. 541): “as sociedades democráticas escolheram convictamente o mérito como
um princípio essencial de justiça: a escola é justa porque cada um pode obter sucesso nela em
função de seu trabalho e de suas qualidades”.

3 Metodologia

Ao se procurar o conhecimento, muitos caminhos são utilizados de forma a que este se


estabeleça. A necessidade do homem de buscar ampliar seu olhar sobre as mais diversas
situações estimula muitas pesquisas. A pesquisa, seus métodos e instrumentos indicam formas
de colaborar com a descoberta de respostas às indagações. Assim, estratégias são utilizadas
para se obter respostas satisfatórias que indiquem possíveis soluções aos temas que foram
objetivos de investigação. Pode-se entender que a pesquisa, seria nesse sentido:
A pesquisa é considerada como uma estratégia lógica de um estudo. Trata-se de um
plano desenvolvido para responder uma ou mais questões acerca de um fenômeno
(natural ou Social), no sentido de descrever e/ou explicar uma situação ou
comprovar determinada hipótese (TURBAY, 2007, p.219).

Nestas perspectivas, a presente pesquisa se caracteriza, segundo a natureza dos dados


como sendo uma pesquisa quanti-qualitativa. Sobre estes métodos, pode-se analisar de acordo
com Righes et al. que (2007, p.2): “pesquisa quantitativa: considera tudo que pode ser
traduzido em números, opiniões e informações para classificá-las e analisá-las, enquanto que,
pesquisa qualitativa: não requer o uso de métodos e técnicas estatísticas. O ambiente natural e
as teorias são fontes diretas para a coleta de dados e o pesquisador é instrumento-chave”.
Estas duas formas de pesquisa podem ser utilizadas conjuntamente em estudos mistos
podendo assim fornecer informações mais consistentes do que se tivesse utilizado apenas um
estudo.

Segundo as fontes de informação, este estudo se apresenta como uma pesquisa


bibliográfica e de campo. Sobre pesquisa bibliográfica. Estas pesquisas são segundo
Karwoski et al. (2003, p.19) que: “pesquisa bibliográfica: quando elaborada a partir de
material já publicado, constituído principalmente de livros, artigos de periódicos e atualmente
com material disponibilizado na internet.” A pesquisa de campo pode ser descrita como:

Denomina-se pesquisa de campo o tipo de pesquisa que pretende buscar a


informação diretamente com a população pesquisada. [...] é aquela que exige do
pesquisador um encontro mais direto. Neste caso o pesquisador precisa ao espaço
onde o fenômeno ocorre – ou ocorreu – e reunir um conjunto de informações a
serem documentadas (GONSALVES, 2007, p.68).

Segundo os objetivos, considera-se como uma pesquisa exploratória, pois pretende


investigar e esclarecer situações referentes ao estudo, sendo que uma pesquisa exploratória,
para Gonsalves (2007, p.69): “é aquela que se caracteriza pelo desenvolvimento e
esclarecimento de ideias, com o objetivo de oferecer uma visão panorâmica, uma primeira
aproximação a um determinado fenômeno que é pouco explorado.”

4 Analise e discussão dos dados

A análise do presente artigo será embasada através da perspectiva metodológica e


teórica materialista histórica dialética, visando a compreensão do objeto de estudo em seu
aspecto econômico, ideológico e cultural, numa visão de contradição e contextualização.
Para a coleta de dados se utilizou um questionário que descrevia duas distintas
situações, que deveriam ser analisadas pelos educadores:

Caso 1: aluno oriundo de família de classe média alta, filho de empresário no


município, a mãe é advogada e são sempre presentes na escola. O aluno tem acesso a internet,
realiza viagens onde visita museus, cinemas, teatro e shopping, no primeiro dia de aula,
apresenta-se bem asseado e cuidado, seu material é completo e organizado.

Caso 2: aluno oriundo de família pobre, cuja única renda fixa advém do programa
bolsa família, mãe e pai analfabetos, trabalham por dia quando há serviço. Nunca saiu de sua
cidade. No primeiro dia de aula, apresenta-se sem asseio corporal, com roupas velhas e
descalço, o aluno não tem material escolar completo.

Em sequencia pedia-se aos profissionais que descrevessem como agiam diante destes
dois casos no que se referia a:

a) Acolhida inicial (como você visualiza esse aluno pela primeira vez);

b) Processo de ensino/aprendizagem;

c) Tratamento em sala de aula;

d) Avaliação;

e) Tarefas escolares;

f) Acompanhamento familiar;

Foram distribuídos dez questionários, no entanto apenas oito foram devidamente


preenchidos e devolvidos.

De acordo com os questionários devolvidos percebeu-se que a acolhida inicial dos


professores nos dois casos, tende a gerar conflitos internos que acabam por observar que o
“caso um” oferece um tipo de desafio diferente do “caso dois”. Foi possível encontrar
respostas que consideravam a criança filha de pais com maior formação com a possibilidade
de enfrentar problemas pela pressão que estes pais exercem dentro de uma escola, por
demonstrarem maior formação e assim poderiam “ameaçar” sua atuação. Quanto ao que se
referia a criança sem recursos financeiros, encontraram-se respostas que colocavam ideias
como “certamente terei problemas” ou “esta criança apresentará dificuldades”, ou ainda
“precisarei de ajuda provavelmente”. Um dos profissionais colocou ainda que deveria
investigar se a família teria maiores dificuldades financeira para poder atuar nesse sentido e
assim possibilitar que este aluno viesse a ter um atendimento de qualidade. Também se
observou que a primeira vista, todos os profissionais entenderam que o aluno descrito no
“caso um” não teria dificuldades em sua aprendizagem, mas o aluno do “caso dois”
necessitaria de amparo na aprendizagem.

No discurso assumido por estes profissionais se evidencia que o primeiro olhar destes
para estas crianças vem a contemplar a condição financeira como pré-requisito para
aprendizagem, e que também a condição financeira é pré-requisito para interesse da família
pelo aluno na escola. Ressalta-se que apenas um profissional atentou par o fato de que os pais
do caso um teriam menos tempo para participar da vida escolar de seu filho.

Nesse sentido, visualizam-se as condições de uma escola pouco igualitária, quando se


assume já no primeiro olhar, uma postura preconceituosa.

As camadas populares que foram historicamente excluídas das instituições escolares


tem na atualidade o acesso aos bancos escolares. Nesse contexto acabam por surgir situações
como as descrita, onde se observam novas formas de exclusão, um tanto disfarçadas dentro
dos sistemas escolares.

Historicamente se percebia que a exclusão era explícita, pois apenas os membros da


burguesia tinham acesso à escola. A democratização das oportunidades de acesso à escola
trouxe uma falsa concepção de universalização do direito à educação, sendo esta reforçada
pelo Estado que em geral maquia a desigualdade e oculta a negação de um direito básico à sua
população. Houve uma abertura da escola, mas o real direito a sua permanência com
qualidade ainda é privilégio de poucos. Pablo Gentili definiu esse processo de inclusão
excludente:

Assim, enquanto os pobres eram excluídos do acesso à escola, seu direito à


educação era negado por uma barreira difícil de transpor e herdada de geração em
geração. E quando finalmente conquistaram esse acesso, eles foram confinados a
instituições educacionais iguais a eles: pobres ou muito pobres, enquanto os mais
ricos mantinham seus privilégios, monopolizando agora não mais o acesso à escola,
mas às boas escolas. A barreira da exclusão transferiu-se para o interior dos próprios
sistemas educacionais, no âmbito de uma grande expansão quantitativa e de uma
intensa segmentação institucional. (GENTILI, 2008, p. 35).

E o autor prossegue:

Só será possível afirmar que há direito à educação quando todos e todas, sem
distinção de classe, gênero, raça, origem étnica, língua materna, condições físicas ou
orientação sexual, puderem viver em uma sociedade na qual o conhecimento é um
bem comum. Por isso, não existe direito à educação quando a “qualidade” da escola
é um atributo disponível somente para aqueles que têm dinheiro para pagar por ele.
Qualidade para poucos não é qualidade, é privilégio. E o privilégio é diametralmente
oposto aos princípios que fundamentam uma sociedade democrática. (GENTILI,
2008, p. 48).

Considerando estas questões torna-se fácil entender certos tratamentos que ocorrem
nas relações escolares, sendo as que consideram alunos e professores, pais e professores e
Estado e professores. Sempre relações de dominados e dominantes, obediência sem discussão
e autoridade que não aceita ser questionada.

Na sequencia da pesquisa, se observou que cem por cento dos professores acreditam
que há necessidade de adaptar os conteúdos no que se refere ao processo de ensino e
aprendizagem e as tarefas escolares, entretanto, estes profissionais colocaram que esta
necessidade surge pela “bagagem cultural” que estes alunos trazem de casa. Ainda se
observou que sempre o “caso dois” era visto como aquele que precisaria de ajuda.

Pierre Bourdieu entende esta “bagagem cultural” como o capital cultural que um aluno
apresenta ao chegar à escola. Para o autor, a relação estabelecida entre educação e capital
cultural consiste num princípio de diferenciação quase tão poderoso como o do capital
econômico. Esta situação decorre por que o sistema escolar considera suas seleções de acordo
com a manutenção de uma ordem social preexistente, ou seja, dividindo alunos de acordo com
o seu capital cultural. Considera-se ainda que este capital cultural seja herdado das relações
culturais estabelecidas entre os familiares. Assim, se os pais não tiveram uma formação
acadêmica, seu capital cultural transmitido terá menor consistência que aqueles que cursaram
universidades. Entretanto ao observar-se o restrito número de pessoas de origem humilde que
terminam um curso superior em contrapartida aos filhos da elite que adentram nesses locais,
se evidencia que o capital cultural, também está voltado para o capital econômico.

Bourdieu coloca que a noção de capital cultural é uma forma de visualizar a


desigualdade de desempenho escolar das crianças que fazem parte de distintas classes sociais.
Bourdieu (1998, p. 42) enfatiza que: “a influencia do capital cultural se deixa apreender sob a
forma da relação, muitas vezes constatada, entre o nível cultural global da família e o sucesso
escolar dos alunos. Assim, pode-se concluir que a ação do meio familiar sobre o êxito escolar
é quase exclusivamente cultural”.

Entretanto, entende-se que a escola deveria trabalhar de modo a ampliar o capital


cultural de todos os alunos, fato este que não se percebe, pois os profissionais, sequer
entendem que seu trabalho deve ser realizado com equidade. A forma de atender aos alunos
que apresentam um capital cultural menos consistente, deveria ser a de estimular seu
aprendizado, no entanto o que se percebe, é que se tenta “nivelar” as salas de aula de acordo
com alunos considerados mais aptos, em geral os que apresentam um capital cultural maior.

Esta situação foi percebida na pesquisa quando todos os profissionais declararam que
realizam a avaliação, o acompanhamento familiar e estabelecessem a relação entre professor e
aluno de forma igualitária aos dois casos. Esclareceram que independente de qualquer coisa
precisam que estes alunos sejam considerados como iguais.

Consideramos este discurso maravilhoso, porém, estes alunos não são iguais e, avalia-
los da mesma forma, realizar uma relação entre professor e aluno nesse sentido e acompanhar
as famílias do mesmo modo, apenas será suficiente para que este aluno fracasse na escola,
abandonando aquilo que poderia ser o ponto de sua emancipação diante de uma sociedade que
exclui, enquanto afirma estar incluindo.

Bourdieu (1998) ressalta que ao tratar os alunos nessa perspectiva a escola é


responsável por perpetuar a desigualdade social, restringindo a si mesma o papel de proteger
os privilégios e não de transmitir estes privilégios:

Com efeito, para que sejam favorecidos os mais favorecidos e desfavorecidos os


mais desfavorecidos, é necessário e suficiente que a escola ignore, no âmbito dos
conteúdos do ensino que transmite, dos métodos e técnicas de transmissão e dos
critérios de avaliação, as desigualdades culturais entre as crianças das diferentes
classes sociais. Em outras palavras, tratando todos os educandos, por mais desiguais
que sejam eles de fato, como iguais em direitos e deveres, o sistema escolar é levado
a dar sua sanção às desigualdades iniciais diante da cultura (BOURDIEUR, 1998,
p.53).

Nessa perspectiva, ao observar esta pesquisa, entende-se que o papel da escola,


continua a manter e reproduzir as condições de desigualdade social sejam estas em situações
escolares disfarçadas ou em discursos evidentes.
5 Considerações finais

A relação da educação e formação da consciência do homem são fatos produzidos


socialmente, que são influenciados pelos aspectos políticos, e econômicos e ideológicos. Uma
vez que a instituição escola faz parte da contradição da sociedade capitalista, devemos pensar
este ambiente não como redentor dos problemas sociais, mas como uma instituição
fundamental na construção da consciência humana.

Desta forma, a escola deveria ocupar um local de destaque na formação de toda a


sociedade, não com um sentido “salvificador”, mas de repasse do saber elaborado em busca
da emancipação do homem. Esclarece-se que a educação tem papel determinante na formação
de uma sociedade mais justa, entretanto apenas uma mudança em todo o sistema escolar
contribuiria para que esta relação se efetivasse. Além disso, uma mudança em todo o sistema
econômico seria evidente para que a desigualdade social fosse amenizada, estabelecendo-se
melhor distribuição de renda e real diminuição da pobreza.

Nas salas de aula brasileiras o acesso a todos foi permitido, mais a permanência não
está garantida da mesma forma. Através desta pesquisa se evidenciou que em uma escola do
Paraná, a desigualdade social é diariamente reproduzida nas relações que ocorrem entre
professores e alunos. E infelizmente, não apenas nesta escola. O discurso elaborado pelo
Estado de oferecer condições de igualdade se perpetua nas escolas, onde acaba por excluir
aqueles que mais precisariam do saber.

Considera-se ainda que através deste estudo percebeu-se que a reprodução da


desigualdade ocorre silenciosamente no ambiente escolar, fato este evidente nas palavras dos
profissionais, nas entrelinhas do que apontavam, nas exclamações que faziam. Assim sendo,
visualiza-se que o oculto, o escondido, mistura-se aos direcionamentos governamentais e
prossegue efetuando uma inclusão social excludente, que determinará ao aluno oriundo das
classes populares que ele é incapaz, não tem mérito e por isso deverá vender seu único bem, a
força de seus braços. Condenado assim a reproduzir a exploração que seus pais sofreram,
perpetuando a desigualdade nos bancos escolares que se apresentam vazios aos proletários e
ansiosos pela elite econômica. Tudo isso diante dos olhos de profissionais que deveriam atuar
de forma a romper com o sistema, mas ao contrário, perpetuam o círculo da exploração e da
desigualdade social.

Espera-se que este estudo venha a se configurar como ponto de partida para outros que
investiguem a reprodução da desigualdade social na escola e, que possam buscar através
destas breves reflexões, alternativas para desestabelecer estes conceitos que se encontram no
sistema escolar.

Referências
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