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Guerra civil na Síria

Os rumos da Revolução
RONALD LEÓN

HÁ UM ANO E MEIO, a luta de classes na Síria se traduz na linguagem dos fuzis,


do ressoar dos canhões, do combate encarniçado casa a casa para avançar
sobre as posições do inimigo. É a guerra civil aberta e completa.

A
ssistimos ao maior enfrenta- rebeldes armados e a população em Sírio de Direitos Humanos (OSDH),
mento entre revolução e contra- geral, ações de claro caráter nazi-fas- mais de 38.000 pessoas morreram –
rrevolução em nível mundial, e cista, que vão desde bombardeios aéreos entre as quais 3.110 crianças – desde 15
o resultado desta luta impactará profun- e com artilharia pesada, que destroem ci- de março de 2011, quando começou a
damente o curso da situação internacio- dades inteiras, até ataques aéreos seleti- revolução, até o final de outubro de
nal, em particular o rumo das vos contra padarias ou postos de 2012. Somente entre agosto e outubro
revoluções no Norte da África e no gasolina em momentos de desesperada deste ano, 15.152 pessoas morreram e a
Oriente Médio. presença dos civis, bem como a utiliza- média de mortes por dia chegou a 165.
Conforme os meses passam, a situa- ção sistemática de grupos de assassinos Em meio a este banho de sangue, mais
ção se torna mais dramática e sangrenta. armados e pagos pela ditadura – os cha- de 360.000 pessoas fugiram do país para
O regime ditatorial de Bashar Al Assad, mados Shabiha –, que incursionam nos refugiar-se na Jordânia, Turquia, Líbano
que prometeu “viver e morrer na Síria”, bairros em disputa ou controlados pelos e Iraque, onde permanecem em condi-
está cometendo um genocídio contra o rebeldes para torturar, assassinar e estu- ções subumanas. Segundo o Centro
povo sírio, que se levantou em armas prar mulheres e crianças indiscriminada- para a Documentação de Violações na
para derrubá-lo. Presenciamos diaria- mente. Síria, há 32.478 presos políticos apodre-
mente a aplicação de horrorosos méto- Os números dos crimes de Al Assad cendo nas prisões de Al Assad, entre os
dos de extermínio em massa contra os são arrepiantes. Segundo o Observatório quais 806 são crianças1. O drama das

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crianças é reconhecido até pela ONU, o regime sírio não teria como se susten-
que, em um relatório recente, informa tar e continuar seus ataques genocidas.
sobre "casos de crianças a quem é ne-
gado acesso aos hospitais, meninos e me- O curso da guerra civil
ninas mortos nos bombardeios de seus O triunfo militar do campo rebelde en-
bairros ou submetidos a torturas, inclu- frenta um claro problema de armamento
sive à violência sexual". e de direção político-militar. O regime de
Al Assad, apesar de todos os avanços das
A economia síria devastada milícias rebeldes e do Exército da Síria
Antes de analisar o curso da guerra Livre (ESL), continua possuindo um
civil e sua dinâmica, é importante tratar- maior poder de fogo. Al Assad dispõe de
mos da situação econômica atual da um exército que sofre deserções, mas
Síria, após 20 meses do início da revolu- que mantém uma corrente de comando,
ção. além de artilharia pesada e uma força
O jornal libanês The Daily Star infor- aérea de respeito. É importante saber
Bashar Al Assad, ditador da Síria,
mou em 4 de agosto que, segundo o Ins- que o exército sírio sempre foi um dos
parece não ouvir a voz do seu povo.
tituto de Finanças Internacionais, o PIB mais fortes do Oriente Médio e é armado
da Síria cairá 14% em 2012, após uma sejam de U$S 1,1 bilhão, o equivalente diretamente pelo Irã e pela Rússia.
contração de 6% em 2011. Advertiu tam- a 18 dias de importações. A fim de dificultar as deserções, Al
bém que esta queda poderia superar os O jornal Syria Today anuncia que, se- Assad se vale das unidades de elite –
20% no fim deste ano, se a guerra civil gundo dados do governo, o desemprego como a terrível IV Divisão mecanizada,
continuar, o que é muito provável. chegou a 25%. Outras fontes falam em comandada por seu irmão mais novo,
Os principais indicadores econômicos mais de 30%, sem contar os subempre- Maher Al Assad – e, obviamente, dos
estão caindo. Os rendimentos do turismo gos. O índice oficial de pobreza está em mercenários e criminosos shabihas.
diminuíram de 11% do PIB em 2010 a 13%; sem dúvida a cifra é mais alta. A Além disso, nos últimos meses, suas
4% em 2011; em 2012 representarão só indústria síria, que em 2010 representou ações militares se baseiam fortemente
0,6% da economia síria. O investimento 23,7% do PIB, está destruída ou parali- nos ataques aéreos. Isso causa alta mor-
estrangeiro direto passará de U$S 1,5 bi- sada. Conforme reclamam os próprios talidade civil e faz com que os rebeldes
lhão em 2010 a U$S 100 milhões em empresários, a capacidade da produção não possam avançar e inclusive tenham
2012. O total da fuga de capitais entre industrial diminuiu mais de 60%. Em que abandonar certas posições, por ca-
março de 2011 e julho de 2012 representa Aleppo, capital econômica do país, mais recer de armamento antiaéreo ou anti-
21% do PIB. Devido à quase paralisação da metade das fábricas têxteis foram fe- tanques.
da economia, às sanções internacionais chadas, já que os mercados europeus Em toda guerra civil, o problema do
e à queda drástica da produção agrícola, estão praticamente fechados pelas san- armamento é um problema político de
existe escassez de todo tipo de alimentos ções internacionais. primeira importância. Os rebeldes, que
e bens de consumo. A inflação média em Esta é a conjuntura econômica na aumentam em número, não contam com
2012 é de 17%, contra 5,2% em 2011. qual se desenvolve a guerra civil. Por as armas necessárias para manter as po-
O déficit fiscal é de 14% do PIB, quase um lado, o conflito armado aumenta sições e avançar de forma decisiva. “Não
o dobro de 2011, quando ficou em 8%. todas as contradições sociais e a penúria precisamos de mais homens, precisamos
Por causa da guerra civil, as despesas do das massas, que lutam para derrubar Al de mais armas”, diz o comandante
governo aumentaram de forma descon- Assad e conquistar liberdades democrá- Ahmed Abu Ali, à frente de uma katiba
trolada e a arrecadação fiscal quase des- ticas, na perspectiva de melhorar sua (batalhão) de uma centena de milicianos
pareceu. É o caso, por exemplo, dos qualidade de vida, cada vez mais dete- que combate no bairro de Saladino, em
rendimentos provenientes das exporta- riorada pela tragédia social que se apro- Aleppo. Continua dizendo: “O mais difí-
ções de petróleo, que representavam até funda com a guerra civil. Por outro lado, cil que temos que enfrentar são os tan-
30% da arrecadação do governo. Há pre- é claro que a ditadura está ficando sem ques de combate T-82, contra os quais
visão de que as exportações de petróleo oxigênio econômico próprio para conti- nossos RPG são insuficientes”. E acres-
diminuam de 130 mil barris por dia em nuar sustentando sua guerra contra as centa: “Também os caças MiG e Sukhoi,
2011 a 100 mil em 2012. As exportações massas sírias. A situação de Al Assad, além dos franco-atiradores”. Abu Ali la-
de mercadorias em geral diminuíram com a produção em queda livre, com a menta-se também: “Temos franco-atira-
12% em 2011 e estima-se que neste ano maioria dos mercados fechados, com a dores, mas não temos rifles de precisão”,
cairão 20%. As importações também arrecadação fiscal no chão e quase sem e sentencia: “Não podemos controlar
terão queda de 21,5%, depois de uma reservas financeiras, é dramática, pois Aleppo a menos que tenhamos arma-
contração de 14,2% no ano passado. isso o debilita militarmente e faz sua mento pesado (…) Sem ter mais armas
As reservas em divisas da ditadura de base social e política oscilar, a tal ponto ainda não podemos imaginar o futuro”
Al Assad foram reduzidas de U$S 19,5 que crescem os setores burgueses que (El País, 11/8/2012).
bilhões (equivalente a 7,6 meses de im- começam a abandonar o barco de seu Até o momento, nenhum governo de-
portações de bens e serviços) em 2010 a regime. Isso chega ao ponto de que, se cidiu enviar armas pesadas aos rebeldes.
U$S 10,8 bilhões em 2011 (equivalente a não fosse pela ajuda econômica e militar Todas as potências imperialistas e gover-
4,4 meses de importações). Para o final que recebe de seus poucos aliados – nos como os do Egito ou da Líbia mos-
de 2012, estima-se que essas reservas Rússia, China, Irã, Venezuela e Cuba –, traram-se contrários a esta alternativa.
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teiros da população síria (alauítas, cris-


tãos etc.) da luta para derrotar o regime
e fazer a revolução avançar.
Somam-se a isso os problemas no pró-
prio campo rebelde, começando pela di-
reção política e militar burguesa e
pró-imperialista do Conselho Nacional
Sírio (CNS) e da alta cúpula do ESL, que
declararam inúmeras vezes que apoia-
riam uma intervenção militar imperia-
lista, e alguns setores anunciaram sua
disposição em discutir um “governo de
transição” sem Al Assad, mas que pode-
ria incluir seu vice-presidente ou algum
outro representante de seu regime.
Entretanto, apesar do regime de Al
Assad continuar detendo um maior po-
derio militar, desde meados de julho é
possível afirmar que existe uma ofensiva
dos rebeldes armados, com importantes
avanços militares.
Isso se dá no contexto de um aprofun-
damento da guerra civil e se expressa no
fato de que, há mais ou menos três
A luta contra a ditadura começou com grandes mobilizações de massas. meses, os combates acontecem com
força nas duas principais cidades sírias:
Barack Obama expressou o motivo cla- nas, não para apoiar Bashar Al Assad” Damasco e Aleppo.
ramente: “Empregar meios militares ame- (Reuters, 5/11). Em Damasco, a milenar capital do país,
ricanos na Síria é um grande risco. Não Outro elemento favorável ao regime combate-se principalmente nos bairros
podemos colocar armas nas mãos de pes- sírio é o apoio político e militar do Hez- periféricos, apesar de também ter havido
soas que depois possam usá-las contra bollah, que é parte importante do governo breves e intensos combates em pleno cen-
nós” (El País). O imperialismo sabe do Líbano, país onde a guerra civil síria tro da cidade. O regime não consegue es-
muito bem que armar os rebeldes signi- começou a ter reflexos a partir de impor- magar o cerco rebelde a Damasco, a
ficaria armar aqueles que estão levando tantes confrontos entre simpatizantes e ponto de ter que iniciar bombardeios aé-
adiante a revolução. O máximo “apoio detratores de Al Assad. Não se pode per- reos em vários bairros da capital.
material” das potências imperialistas ao der de vista que o Hezbollah controla re- Em Aleppo, o combate se dá centíme-
ESL consiste em armas leves ou em pres- giões inteiras na fronteira sírio-libanesa e tro a centímetro. O ESL afirma que con-
tar serviços de inteligência para algumas que é a organização armada mais bem trola 60% da cidade, apesar de ainda não
operações rebeldes. Isso se dá principal- treinada e com maior prestígio político e ter conseguido tomar o centro. Entre os
mente através do Qatar ou da Turquia. poder militar do Oriente Médio, sobre- escombros de uma cidade praticamente
Contudo, as armas e qualquer ajuda mi- tudo após ter derrotado Israel em 2006. em ruínas pelos incessantes bombar-
litar chegam a conta-gotas, e só para os Além disso, constitui um sério pro- deios, os rebeldes defendem suas posi-
grupos ou setores mais dóceis aos inte- blema a ação dos grupos islâmicos sala- ções. Conquistar Aleppo tem uma
resses do imperialismo ou àqueles que fistas ou jihadistas (alas mais importância estratégica, devido a seu
os EUA consideram que podem desviar fundamentalistas do Islã), como a milícia peso econômico e geopolítico, pois pos-
a revolução por dentro, como os grupos denominada Al Nushra, que não faz parte sibilitaria abrir uma via de abastecimento
jihadistas. do ESL e executa uma série de ações iso- conectada diretamente com a fronteiriça
Enquanto isso, o regime de Al Assad ladas, com o objetivo de dar à guerra civil Turquia.
continua recebendo carregamentos de um caráter sectário e religioso, aprego- No início de novembro, os rebeldes
armas pesadas da Rússia e do Irã. So- ando que o conflito seria entre sunitas e conquistaram outras duas posições estra-
mente em 2011, a Rússia – que tem uma xiitas-alauítas (ramo do Islã ao qual per- tégicas: Maaret al Numan e Saraqeb, ci-
base naval na Síria e importantes interes- tence a família Assad). Assim, dedicam- dades da província de Idlib, onde o
ses comerciais – vendeu armas ao go- se a realizar atentados terroristas de governo perdeu todos os seus postos de
verno sírio por um bilhão de dólares. forma desconexa com as ações militares controle, exceto três. As duas localidades
Isso é admitido abertamente pelo minis- do ESL e algumas vezes contra a popula- são de importância vital, para ambos os
tro russo de Assuntos Exteriores, Sergei ção civil alauíta ou de outras confissões. lados, devido ao controle da estrada que
Lavrov, ao dizer com cinismo que isso A ação desses grupos, apesar de contri- liga Damasco a Aleppo e da que liga esta
acontece “No âmbito da cooperação téc- buir para o esforço militar para derrubar cidade com a localidade costeira de La-
nica e militar entre Rússia e Síria, o obje- a ditadura síria, promove a divisão e de- takia, no norte. Por essas vias, o regime
tivo é apoiar as capacidades defensivas bilita o campo rebelde, pois essas ações transporta suas tropas de substituição
da Síria ante as ameaças políticas exter- sectárias só tendem a afastar setores in- para atacar Aleppo.
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Os combates se intensificaram tam- de civis que organizam o tráfego e con- entre si, é um fato muito progressivo.
bém na base militar de Taftanaz, de onde trolam a segurança, além de coordenar São a mais clara expressão da força da
o regime lança seus ataques contra toda serviços como os trabalhos municipais, revolução síria. É por isso que o regime
a província de Idlib. Em Deir Ezzor, na entre os quais a limpeza das ruas ou a se dedica a destruir essas zonas através
zona leste do país, os rebeldes anuncia- coleta do lixo”2. Há sistemas de adminis- dos bombardeios. Foi o caso, por exem-
ram ter tomado o campo de petróleo Al tração parecidos também em zonas ru- plo, do vilarejo de Kafarnubol, libertado
Ward. Em Hama, um atentado com rais, como Kajarjanaz, Binnish, Atma e em 1° de abril de 2011 e cruelmente
carro-bomba matou mais de 50 soldados Tal’ada. Há informações de que, de bombardeado pelos aviões de Al Assad
e políticos ligados a Al Assad em 5 de forma desigual, incipientes “redes” des- em 5 de novembro de 2012.
novembro. Outros combates e bombar- ses conselhos de milícias estão sendo
deios indiscriminados do regime aconte- constituídas.
cem em Daraa, Homs e Latakia. A existência, ainda que embrionária e As áreas controladas pelas forças
As ações das milícias do ESL desferem precária, de zonas libertadas e das in- rebeldes incluem regiões das cidades
golpes importantes no regime sírio, mas úmeras Tansiqiyyat na Síria, que aparen- mais importantes, como Aleppo, Hama
ainda carecem da força necessária para temente têm algum grau de coordenação e outras.
realizar uma ofensiva avassaladora e de-
cisiva. Entretanto, a profundidade da re-
volução é tal que se estabeleceu no país
TURQUIA
uma clara situação de duplo poder, cuja
maior expressão são os territórios liber-
tados pelas milícias.

Dois poderes na Síria


Atualmente, há dois poderes na Síria.
Por um lado, o governo e o regime de Al
Assad mantêm o controle do aparato es-
tatal e das forças armadas. Por outro, no
âmbito da ofensiva militar rebelde, há te-
rritórios inteiros que já não são contro-
lados pelo ditador.
Um dos primeiros territórios libertados
foi em uma parte importante da cidade
MAR MADITERRÂNEO

de Homs, onde se instalou um “conselho


militar revolucionário” que assumiu ta-
refas próprias do poder político, como o
abastecimento de comida, limpeza, aten-
ção sanitária, segurança e justiça. Deir
Ezzor, com indústrias fortes e campos de
petróleo, é outra cidade do país quase
controlada totalmente pelas milícias re-
beldes. Também há zonas libertadas con-
troladas por conselhos de milícias
(conhecidas como Tansiqiyyat) em REFERÊNCIAS
Hama, Daraa e em boa parte de Idlib. Em Áreas rebeldes
toda a parte da Aleppo controlada pelos
rebeldes armados, são as milícias que se Campos de refugiados
O

encarregam de funções como o mínimo


N
BA

abastecimento e a segurança dos merca-


dos, a evacuação da população etc. Nes-


sas pequenas cidades, como em
Taftanaz, a Tansiqiyyat local publica jor-
nais e outros materiais (ver mapa).
Em Saraqeb, também foi instaurado
uma espécie de conselho de "forças re-
volucionária de segurança" na prática.
Seu presidente, Abu Haya, comentou
como funciona esse organismo e quais
ISRAEL

são suas primeiras tarefas: “(…) abrimos


a lista de voluntários para formar algu-
mas forças revolucionárias de segurança JORDÂNIA
e trabalhamos para a criação de grupos
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O papel nefasto Arábia Saudita à cabeça – apresentem- exterior – das milícias que lutam no te-
do castro-chavismo se de forma cínica como os máximos de- rreno, dificultam o objetivo imperialista
Desde o início da revolução síria, a fensores da “democracia” e dos “direitos de controlar o processo. Aqui é preciso
maioria da esquerda mundial, sobretudo humanos” na Síria. entender que o CNS tem cada vez menos
o castro-chavismo, posicionou-se contra peso e autoridade política, pois seus
a insurreição das massas e em defesa do A política do imperialismo principais líderes estão fora do país e em
sanguinário ditador Al Assad, tal como e do CNS suas declarações aceitam conciliar com
apoiaram política e militarmente Kadafi O imperialismo, que carece de condi- representantes do regime. Com o ESL
na Líbia. Para esses setores, o que existe ções políticas para intervir militarmente, acontece o contrário: goza de ampla
na Síria não é uma revolução, mas uma manobra em todos os sentidos para con- confiança porque é a articulação que
contrarrevolução, na qual “mercenários” trolar e derrotar a revolução síria. Faz conduz as ações militares dentro da
ou “tropas do imperialismo” estariam tempo que Al Assad – apoiado pelo im- Síria. Mas é preciso ter claro que, inclu-
tentando derrubar Al Assad, suposto perialismo até o último momento possí- sive dentro do ESL, a cúpula, composta
líder anti-imperialista e antissionista. vel – demonstrou ser incapaz de cumprir por ex-altos oficiais do regime, dirigida
Hugo Chávez, reeleito recentemente esta tarefa, motivo pelo qual Washington pelo coronel Ryad Musa Al Assad a par-
presidente da Venezuela, afirmou pouco retirou sua "bênção" a ele. tir da Turquia, não tem uma autoridade
depois das eleições: “Como não apoiar o A exigência da saída de Al Assad, por inquestionável sobre as centenas de mi-
governo de Bashar Al Assad se é o go- parte do imperialismo, está a serviço de lícias e conselhos populares que estão
verno legítimo da Síria. Apoiar quem, os se reposicionar para controlar, derrotar e espalhados por toda a Síria. O ESL não é
terroristas?”3. Dito isso, ratificou seu abortar a revolução. O imperialismo foi um exército completamente centralizado
“apoio 100%” ao ditador sírio e acrescen- suficientemente hábil para abandonar e que possua uma cadeia de comando
tou: “Oxalá pudéssemos fazer!, mas o um barco que está afundando, e, agora, unificada, e sim uma espécie de frente
que um país como a Venezuela pode sua principal preocupação é como e com única e ampla que abarca todas as milí-
fazer?”, perguntou-se. Na verdade, Chá- quem encarar o curso da guerra civil e cias que dizem ser parte do ESL, mas
vez não apoia o genocida Assad só no uma possível queda de Al Assad, de que não necessariamente atuam sob as
discurso. Também é um dos países que forma que seus interesses estejam a ordens de sua cúpula.
lhe fornece o combustível usado nos tan- salvo. Nesse contexto, o imperialismo pre-
ques e aviões que assassinam o povo Assim, os EUA e toda a coalizão de cisa ter todas as garantias em relação à
sírio. imperialismos europeus e burguesias na- autoridade e à política do CNS. Por isso,
É preciso dizer as coisas como elas cionais árabes tentam uma saída política Hillary Clinton recentemente fez várias
são: o castro-chavismo está sendo cúm- que passe pela deposição de Al Assad, críticas dizendo que “o CNS não pode
plice das ações genocidas de Al Assad. mas que mantenha as bases essenciais mais ser considerado o líder visível da
Vale-se de seu peso e seu prestígio no de seu regime. Nesse sentido, propuse- oposição”, e exigindo que este se amplie
movimento social e na esquerda para co- ram, em reiteradas ocasiões, diversas e tente abarcar a maioria dos diferentes
locá-los contra uma revolução e ao lado fórmulas de "governos de transição", grupos de oposição, desde os comitês de
de uma ditadura sanguinária e pró-impe- que incluam a oposição e membros da coordenação locais, passando pelas mi-
rialista. Além disso, capitula aberta- atual ditadura. lícias e até as administrações das zonas
mente ao imperialismo que diz Entretanto, as divisões políticas dentro libertadas. Seu objetivo é claro: gerar
combater, pois entrega em suas mãos a da oposição síria, começando pela melhores condições para cooptar toda a
luta pelas liberdades democráticas e, enorme distância que separa o CNS – direção rebelde e abortar a revolução.
assim, possibilita que Obama, a União composto basicamente pela Irmandade Dito e feito. Cumprindo os desígnios
Europeia e a Liga Árabe – com Qatar e Muçulmana e por liberais exilados no de Washington, o CNS convocou uma
reunião em Doha (Qatar) na qual am-
As mulheres participam ativamente pliou seu número de membros e no-
das mobilizações contra o regime. meou como novo presidente George
Sabra, um antigo dirigente do Partido
Comunista, agora do Partido Popular De-
mocrático Sírio. No mesmo ato, com o
fim de constituir um governo transitório
que goze da total confiança do imperia-
lismo, ao estilo do que foi o Conselho
Nacional de Transição líbio, conforma-
ram um novo espaço aglutinador deno-
minado Coalizão Nacional de Forças da
Oposição e Rebeldes (CNFORS), que su-
pera os marcos do CNS.
A nova coalizão, que integrou mais se-
tores curdos, cristãos e alauítas na frente
política, elegeu como presidente o ati-
vista e religioso muçulmano Moaz al
Jatib. Suas primeiras declarações foram
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para pedir respaldo político do imperia- verno das classes exploradas sírias. Po-
lismo, e a França já declarou seu apoio. demos formular esta posição nas pala-
O CNS mantém um peso importante vras de ordem: Fora Assad, NÃO à
dentro da CNFORS, na qual terá 14 ca- intervenção imperialista!
deiras. Trabalhar pela política de um governo
A questão positiva é que os Comitês das classes exploradas sírias significa
de Coordenação Local (CCL) – a rede de concretamente lutar hoje pelo fortaleci-
ativistas locais – anunciaram sua retirada mento e pela centralização de todos os
do CNS, afirmando que, nessa reunião comitês de coordenação locais e dos con-
do Qatar, o CNS foi “incapaz de adotar selhos populares ou Tansiqiyyat que con-
um plano de reforma global para desen- trolam as zonas libertadas pela luta
volver um bom papel de representação armada. Somos a favor de ampliar, for-
política da revolução do povo sírio” (EFE, talecer e criar Tansiqiyyat em todas as
9/11). zonas que as milícias rebeldes conquis-
tarem e libertarem do poder da ditadura!
Uma política revolucionária Defendemos a eleição de delegados re-
para a Síria presentantes, eleitos democraticamente
Nossa posição e nossa política para a por bairros, cidades, províncias, fábricas
revolução síria parte de um apoio incon- e regimentos, para constituir os consel-
dicional ao levantamento das massas hos populares que administram as zonas
contra a ditadura de Al Assad. Conse- O cartaz pede a queda de Assad, libertadas! Estes são os embriões do
quentemente, nesta guerra civil posicio- bandeira majoritária do povo sírio poder operário e popular! Defendemos a
namo-nos no campo militar dos rebeldes em luta contra a ditadura assassina realização de Congressos regionais e na-
armados (o campo da revolução) contra cionais desses Conselhos Populares para
as tropas do regime sírio (o campo da o imperialismo. Essa posição, que se es- coordenar a luta militar e responder aos
contrarrevolução), independentemente forçam em apresentar como de "inde- problemas da administração das zonas
de que a direção política desse campo pendência de classe”, apesar de toda a libertadas! A luta deve ser por mais
militar seja burguesa ou pró-imperialista. fraseologia “esquerdista” com que ten- zonas libertadas e controladas pelos Tan-
Somente a partir desta definição de tam revesti-la, é criminosa em meio a siqiyyat até derrotar Al Assad, tomar o
onde está a revolução e onde está a con- uma guerra civil, pois, aplicada à reali- poder e instaurar o poder operário e so-
trarrevolução, e de lutar consequente- dade, só favorece a permanência de Al cialista. Todos são atos de uma mesma
mente ao lado do povo sírio contra o Assad. Terminam na mesma posição do obra: a revolução socialista.
tirano Al Assad, mantendo a todo o mo- castro-chavismo por outros meios. Somente lutando pelo fortalecimento e
mento a mais absoluta independência Alguns desses setores exigem, para pela centralização dos Tansiqiyyat, con-
política, será possível, por dentro dessa apoiar a revolução, que esta seja dirigida siderando-os como verdadeiros embriões
ampla unidade militar, disputar a direção pelo movimento operário e um partido de poder operário e popular, é que a gue-
desse campo militar com as direções bur- revolucionário. Mas colocar esta condi- rra civil poderá mudar de direção política
guesas e pró-imperialistas. ção significa não entender que o maior e militar. Mas tudo isso, insistimos, só
Na luta militar não somos neutros, obstáculo objetivo para que o movi- pode ser feito a partir da unidade militar
pois qualquer tipo de neutralidade – mento operário se desenvolva e para que com todos os setores que estejam dispos-
aberta ou disfarçada – equivale direta- se construa um partido revolucionário é tos e que tomem em armas para derrotar
mente a negar a revolução e dar apoio a própria existência da ditadura. Essa po- Al Assad. Qualquer posição “neutra” nos
objetivo à permanência de Al Assad. sição significa também fazer coro com o transformaria não só em propagandistas
Esta é a posição do PTS-FT e de outras stalinismo, que defende Al Assad em abstratos e estéreis, mas também em de-
organizações que se dizem trotskistas, nome do “perigo” do que virá depois. rrotistas reacionários que prestam ines-
que defendem “nem um nem outro” É fundamental o combate pela cons- timáveis serviços a Al Assad na
(nem Al Assad nem o campo rebelde), trução de uma direção política revolucio- “esquerda”.
com o argumento de que a direção re- nária para o campo militar rebelde, mas Parte desse combate para que a revo-
belde é burguesa e pró-imperialista e isso só pode ser feito se formos parte da lução derrube Al Assad e avance até o
que, por isso, a “rebelião” (pois nem se- luta para derrubar a ditadura assassina governo operário, camponês e popular
quer consideram que o que acontece na de Al Assad. Enquanto a classe trabalha- na Síria é a denúncia e o combate per-
Síria seja uma revolução) foi sequestrada dora não tiver a consciência e a força su- manente às direções burguesas, intrinse-
de antemão. Em meio a um brutal geno- ficiente para depor essas direções, camente pró-imperialistas e inimigas
cídio e a uma poderosa revolução, esses devemos obrigatoriamente disputar a di- irreconciliáveis dos interesses populares
“revolucionários” se satisfazem fazendo reção no âmbito de uma ampla unidade e do socialismo, como a direção do CNS,
comentários que confundem a realidade militar (não política), lutando e atirando a alta cúpula do ESL, a Irmandade Mu-
com suas aspirações e fazendo exigên- ao lado do povo contra o ditador geno- çulmana, e todos os grupos islâmicos ji-
cias de "garantias” ao próprio processo, cida. hadistas. Mas essa denúncia não pode
sem as quais não o apoiam e se limitam Nossa política é pela queda imediata e ser abstrata, deve ser feita a partir da luta
a criticar seus limites, deixando o ca- pela destruição completa do regime de revolucionária para derrotar o regime de
minho livre para as direções traidoras e Al Assad e pela instauração de um go- Al Assad.
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A esquerda está perante uma prova de Nossa resposta a essas questões é afir- armada do povo sírio será feita contra o
fogo. É preciso escolher um lado nesta mativa. Por isso, fazemos um chamado castro-chavismo e seus repetidores “es-
guerra civil, e qualquer organização que a todos os ativistas sindicais, sociais, de querdistas”, mas é necessário demons-
se defina como revolucionária deve se direitos humanos e à esquerda revolu- trar e fazer os lutadores sírios saberem
questionar: Estamos a favor da vitória cionária a cerrar fileiras em torno ao que existe uma esquerda revolucionária
militar das massas, que derrube a dita- apoio incondicional à revolução síria, le- e socialista que apoia a revolução síria.
dura genocida e pró-imperialista de Al vando adiante todo tipo de ações de so-
Assad, sim ou não? Estamos no mesmo lidariedade com o povo sírio armado,
campo militar das massas que disparam desde atos até campanhas financeiras
contra Al Assad, independentemente de para obter qualquer tipo de ajuda mate-
quem as dirija, mantendo nossa inde- rial. Ao mesmo tempo, é fundamental
pendência política para disputar a dire- exigir de todos os governos a ruptura 1. http://www.vdc-sy.org/
ção com os burgueses do CNS e a alta imediata de relações diplomáticas e co- 2. YARA, Nseir: Síria: os civis nas "zonas li-
cúpula do ESL e o imperialismo, sim ou merciais com o ditador Al Assad e o bertadas" dirigem seus assuntos sob a su-
não? Isso é central para determinar se envio de armas pesadas, comida e me- pervisão dos "militares", publicado em
uma organização de esquerda está a dicamentos para que sejam controlados 18/08/2012 no site “Traduções da revolução
favor do avanço da revolução ou, ao con- pelas milícias rebeldes. É claro que qual- síria”
trário, da contrarrevolução. quer ação de solidariedade com a luta 3. La Nación, Argentina, 10/10/2012

Ativista da revolução síria


realiza série de debates no Brasil
A companheira Sara Al-Suri, ativista revolucionária síria, está rea-
lizando um giro pelo Brasil que inclui uma série de atividades
em solidariedade à revolução síria, a convite da Central Sindical e Po-
pular – CSP Conlutas. Nos debates, expõe a dramática situação do
povo da Síria em sua luta contra a ditadura assassina de Bashar Al
Assad e mostra a necessidade da mais ampla solidariedade - política
e material - internacional, para pôr fim ao atual regime e fazer avançar
a luta revolucionária dos povos árabes e do Norte da África.
No dia 8 de novembro, Sara esteve no Rio de Janeiro, onde visitou
vários sindicatos e a comunidade Chapéu-Mangueira que se encontra
sob a ocupação de uma UPP (Unidade de Polícia Pacificadora). À
noite, realizou uma atividade de solidariedade à revolução no Sins-
prev-RJ, Sindicato dos Trabalhadores da Previdência.
A atividade contou com a presença de diversos sindicatos e oposições
filiados à CSP-Conlutas, além de militantes dos movimentos estudantis
universitário e secundarista. A apresentação foi acompanhada com
grande entusiasmo por mais de 300 ativistas que, após a fala emocio-
nante da companheira, comprometeram-se a realizar a campanha de
solidariedade à revolução síria em seus sindicatos e locais de trabalho.
Sara Al-Suri
Ao final, foi "passado o chapéu” para o apoio material à revolução e
foram arrecadados US$ 237, além de um compromisso aprovado pelas lideranças ali presentes de construir a cam-
panha de solidariedade em suas entidades. Esta arrecadação de fundos foi realizada em todas as atividades e re-
laciona-se à necessidade de concretizar o apoio material à revolução síria.
No dia 9 de novembro, Sara esteve na UFMG (Universidade Federal de Minas Gerais), em Belo Horizonte. No dia
seguinte, esteve na plenária da CSP-Conlutas estadual, em São Paulo. No dia 12, realizou um debate na USP (Uni-
versidade de São Paulo) organizado pela ANEL (Assembleia Nacional de Estudantes - Livre) e pelo SINTUSP (Sin-
dicato dos Trabalhadores da USP). O ciclo de debates continuou em São José dos Campos e, após o fechamento
desta edição, seriam realizadas atividades em Maceió (Alagoas) e outras cidades do nordeste brasileiro, Brasília,
Florianópolis e Curitiba.
Sara participará também do Fórum Social Mundial – Palestina Livre, em Porto Alegre, que será realizado de 29 de
novembro a 3 de dezembro deste ano.

CORREIO INTERNACIONAL
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