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11.340/06, que trata sobre violência doméstica, mais conhecida como “Lei Maria da Penha”.
Os Ministros julgaram em conjunto duas ações relacionadas com a Lei Maria da Penha:
A ADC n.° 19, proposta pela Presidência da República, que tinha como objetivo declarar
constitucionais os arts. 1º, 33 e 41;
A ADI n.° 4.424, proposta pelo Procurador-Geral da República, para o fim de dar
interpretação conforme aos arts. 12, inciso I, 16 e 41, ambos da Lei nº 11.340/2006, e assentar a
natureza incondicionada da ação penal em caso de crime de lesão corporal, pouco importando a
extensão desta, praticado contra a mulher no ambiente doméstico.
A ADC foi necessária porque havia alguns juízes estaduais que declaravam inconstitucional a Lei Maria da Penha porque elas fariam
discriminação entre homem e mulher ao protegerem apenas as mulheres em detrimento dos homens.
A ADC foi julgada procedente por unanimidade, ou seja, o STF declarou constitucional o art. 1º da Lei, afirmando que não há violação ao
princípio da igualdade.
Dessa feita, conclui-se que a Lei Maria da Penha somente protege a mulher.
O homem até pode ser vítima de violência doméstica e familiar (ex: homem que apanha de sua esposa). No entanto, somente a mulher
recebe uma proteção diferenciada. O homem recebe a proteção comum prevista no Código Penal.
A mulher, conforme o Relator, Min. Marco Aurélio, é vulnerável quando se trata de constrangimentos físicos, morais e psicológicos
sofridos em âmbito privado. “Não há dúvida sobre o histórico de discriminação por ela enfrentado na esfera afetiva. As agressões sofridas
são significativamente maiores do que as que acontecem – se é que acontecem – contra homens em situação similar”, avaliou.
O Relator afirmou que a Lei Maria da Penha promove a igualdade em seu sentido material, sem restringir de maneira desarrazoada o direito
das pessoas pertencentes ao gênero masculino.
O Min. Ayres Britto disse que a Lei está em consonância plena com o que denominou de “constitucionalismo fraterno”, que seria a filosofia
de remoção de preconceitos contida na Constituição Federal de 1988.
O Min. Gilmar Mendes lembrou que não há inconstitucionalidade em legislação que dá proteção ao menor, ao adolescente, ao idoso e à
mulher.
As ações afirmativas são medidas especiais que têm por objetivo assegurar progresso adequado de certos grupos raciais, sociais ou étnicos
ou de indivíduos que necessitem de proteção e que possam ser necessárias e úteis para proporcionar a tais grupos ou indivíduos igual gozo
ou exercício de direitos humanos e liberdades fundamentais (REsp 1264649/RS, Rel. Min. Humberto Martins, 2ª Turma, julgado em
01/09/2011).
Desse modo, ao contrário do que muitas pessoas pensam, as ações afirmativas não se restringem à proteção de negros, mas também de
mulheres e outros grupos.
Análise do art. 33 da Lei Maria da Penha:
Nos locais em que ainda não tiverem sido estruturados os Juizados de Violência Doméstica e Familiar contra a Mulher, as varas
criminais acumularão as competências cível e criminal para as causas decorrentes de violência doméstica e familiar contra a
mulher.
Esta determinação, que consta no art. 33 da Lei, não ofende competência dos Estados para disciplinarem a organização judiciária
local.
A ADC também tinha como objetivo declarar constitucional o art. 33 da Lei, que prevê:
Art. 33. Enquanto não estruturados os Juizados de Violência Doméstica e Familiar contra a Mulher, as varas criminais acumularão as
competências cível e criminal para conhecer e julgar as causas decorrentes da prática de violência doméstica e familiar contra a mulher,
observadas as previsões do Título IV desta Lei, subsidiada pela legislação processual pertinente.
Parágrafo único. Será garantido o direito de preferência, nas varas criminais, para o processo e o julgamento das causas referidas no
caput.
Havia uma corrente de juízes e Desembargadores que defendia que este art. 33 da Lei violava os arts. 96, I, a e 125, § 1º da CF:
· Art. 96. I, a: afirma que compete privativamente aos tribunais elaborar seus regimentos internos, com observância das normas de processo e
das garantias processuais das partes, dispondo sobre a competência e o funcionamento dos respectivos órgãos jurisdicionais e
administrativos.
· Art. 125, § 1º: prevê que a competência dos tribunais será definida na Constituição do Estado, sendo a lei de organização judiciária de
iniciativa do Tribunal de Justiça.
Segundo o Relator, a Lei Maria da Penha não implicou obrigação, mas a faculdade de criação dos Juizados de Violência Doméstica contra a
Mulher.
O art. 33 não cria varas judiciais, não define limites de comarcas e não estabelece um número de magistrados a serem alocados aos Juizados
de Violência Doméstica e Familiar. Estes temas seriam concernentes às peculiaridades e circunstâncias locais.
O mencionado artigo apenas faculta a criação desses juizados e atribui ao juiz da vara criminal a competência cumulativa das ações cíveis e
criminais envolvendo violência doméstica contra mulher ante a necessidade de conferir tratamento uniforme especializado e célere em todo
o território nacional sobre a matéria.
Não há qualquer problema no fato de a lei federal sugerir aos Tribunais estaduais a criação de órgãos jurisdicionais especializados, tendo
isso já ocorrido, por exemplo, com o Estatuto da Criança e do Adolescente e com a Lei de Falência, cujas respectivas leis recomendaram a
criação de varas especializadas no julgamento de tais matérias.
O STF decidiu que este art. 41 é constitucional e que, para a efetiva proteção das mulheres vítimas de violência doméstica, foi legítima a
opção do legislador de excluir tais crimes do âmbito de incidência da Lei n.° 9.099/95.
Vale ressaltar que a Lei n.° 9.099/95 não se aplica nunca e para nada que se refira à Lei Maria da Penha.
Obs: o STJ interpretava este art. 41 afirmando que a inaplicabilidade da Lei n.° 9.099/95 significava apenas que os institutos
despenalizadores da Lei dos Juizados é que não poderiam ser utilizados na Lei Maria da Penha, ou seja, transação penal e suspensão
condicional do processo.
O STF foi além e disse que, além dos institutos despenalizadores, nenhum dispositivo da Lei n.° 9.099/95 pode ser aplicado aos crimes
protegidos pela Lei Maria da Penha.
Desse modo, a Lei n.° 11.340/06 exclui de forma absoluta a aplicação da Lei n.° 9.099/95 aos delitos praticados contra a mulher no âmbito
das relações domésticas e familiares.
O Código Penal não diz que o crime de lesões corporais é de ação pública condicionada.
Logo, quando lei não diz que determinado crime é de ação pública condicionada, a regra é de que ele é de ação pública incondicionada (art.
100, § 1º do CP).
Ocorre que a Lei n.° 9.099/95 afirmou, em seu art. 88, que o crime de lesões corporais leves e culposas seria de ação penal pública
condicionada:
Art. 88. Além das hipóteses do Código Penal e da legislação especial, dependerá de representação a ação penal relativa aos crimes de
lesões corporais leves e lesões culposas.
Assim, por exemplo, quando, em uma briga de bar, João desfere um soco em Ricardo, causando-lhe lesões corporais leves, este crime é de
ação penal pública condicionada, ou seja, qualquer providência para apurar este delito e para dar início ao procedimento criminal só se
inicia se o ofendido (no caso, Ricardo) tiver interesse e provocar os órgãos públicos (procurar a polícia ou o Ministério Público).
Repita-se que, se não houvesse este art. 88 da Lei n.° 9.099/95, a ação penal nos crimes de lesões corporais leves e culposas seria pública
incondicionada, considerando que o Código Penal não exige representação para este crime (art. 129 c/c art. 100, § 1º do CP).
Antes do STF proferir o julgamento que estamos analisando, quem primeiro teve que enfrentar a discussão foi o STJ.
Ocorre que esse entendimento mudou e o STJ passou a adotar, de maneira pacífica, a 2ª corrente, ou seja, de que se tratava de ação pública
CONDICIONADA.
Sustentava-se, dentre outros argumentos que “não há como prosseguir uma ação penal depois de o juiz ter obtido a reconciliação do casal
ou ter homologado a separação com a definição de alimentos, partilha de bens, guarda e visitas. Assim, a possibilidade de trancamento de
inquérito policial em muito facilitaria a composição dos conflitos envolvendo as questões de Direito de Família, mais relevantes do que a
imposição de pena criminal ao agressor” (REsp 1.097.042-DF, Rel. originário Min. Napoleão Nunes Maia Filho, Rel. para acórdão Min.
Jorge Mussi, julgado em 24/2/2010).
Na última quinta-feira (09/02), o Pleno do STF julgou a questão e modificou novamente o panorama da jurisprudência pátria.
O resultado do julgamento foi 10 votos a favor da tese, vencido apenas o Min. Cezar Peluzo.
Para a maioria dos ministros do STF, se a ação penal fosse considerada condicionada esta circunstância acabaria por esvaziar a proteção
constitucional assegurada às mulheres.
1) Se uma mulher sofrer lesões corporais no âmbito das relações domésticas, ainda que leves, e
procurar a delegacia relatando o ocorrido, o delegado não deve fazer com que ela assine uma
representação, uma vez que não existe mais representação para tais casos. Bastará que o delegado
colha o depoimento da mulher e, com base nisso, havendo elementos indiciários, instaure o inquérito
policial;
2) Como já exposto acima, em caso de lesões corporais leves ou culposas que a mulher for vítima,
em violência doméstica, o procedimento de apuração na fase pré-processual é o inquérito policial e
não o termo circunstanciado;
3) Se a mulher que sofreu lesões corporais leves de seu marido, arrependida e reconciliada com o
cônjuge, procura o delegado, o promotor ou o juiz dizendo que gostaria que o inquérito ou o
processo não tivesse prosseguimento, esta manifestação não terá nenhum efeito jurídico, devendo a
tramitação continuar normalmente;
5) É errado dizer que, com a decisão do STF, todos os crimes praticados contra a mulher, em sede de
violência doméstica, serão de ação penal incondicionada. Continuam existindo crimes praticados
contra a mulher (em violência doméstica) que são de ação penal condicionada, desde que a exigência
de representação esteja prevista no Código Penal ou em outras leis, que não a Lei n.° 9.099/95.
Assim, por exemplo, a ameaça praticada pelo marido contra a mulher continua sendo de ação
pública condicionada porque tal exigência consta do parágrafo único do art. 147 do CP. O que o STF
decidiu foi que o delito de lesão corporal, ainda que leve, praticado com violência doméstica contra a
mulher, é sempre de ação penal incondicionada porque o art. 88 da Lei n.° 9.099/95 não pode ser
aplicado aos casos da Lei Maria da Penha.
6) Os arts. 12, I e 16, da Lei Maria da Penha não foram declarados inconstitucionais. O que o STF
fez foi tão-somente dar interpretação conforme a Constituição a estes dispositivos, confirmando que
deveriam ser interpretados de acordo com o art. 41 da Lei. Em suma, deve-se entender que a
representação mencionada pelos arts. 12, I e 16 da Lei Maria da Penha refere-se a outros delitos
praticados contra a mulher e que sejam de ação penal condicionada, como é o caso da ameaça (art.
147 do CP), não valendo para lesões corporais.