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Com letalidade de 55,7%, sepse é a

doença que mais mata em UTIs no


Brasil
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Da Agência Fapesp 13/11/201714h21

O Brasil tem uma taxa extremamente alta de morte por sepse em UTIs,
superando até mortes por acidente vascular cerebral e infarto nessas unidades.
Segundo levantamento organizado por pesquisadores da Unifesp
(Universidade Federal de São Paulo) e do Instituto Latino Americano de Sepse,
a cada ano morrem mais de 230 mil pacientes adultos nas UTIs em
decorrência da doença. A estimativa é sombria, 55,7% dos pacientes
internados com sepse vão a óbito.

Os dados são do primeiro estudo nacional de pacientes com sepse atendidos


em UTIs, que teve os resultados publicados na revista Lancet Infection
Diseases. O trabalho é resultado de um Projeto Temático apoiado pela Fapesp.

A sepse é uma resposta sistêmica do organismo a uma infecção, que pode ser
causada por bactérias, vírus, fungos ou protozoários. O sistema de defesa
passa a combater não só esse agente, mas também o próprio organismo,
gerando disfunção dos órgãos. Tanto as infecções de origem comunitária (40%
dos casos) como aquelas associadas à assistência à saúde (60%) podem
evoluir para sepse.

"A prevalência de 30% de sepse não é considerada tão alta. Ela já havia sido
identificada em estudos anteriores. Já a mortalidade por sepse no Brasil é
altíssima, principalmente pelo fato de ser uma doença passível de
prevenção em grande parte dos casos", disse Flávia Machado, professora
do Departamento de Anestesiologia, Dor e Medicina Intensiva da Unifesp e
coordenadora da pesquisa.

"A vacinação pode prevenir sepse comunitária. As estratégias de controle de


infecção hospitalar podem prevenir parte da sepse hospitalar. São medidas
simples e a falta delas mostra que o sistema de atendimento à saúde não está
bom", disse.

O levantamento identificou que, embora a qualidade de atendimento varie


muito de uma instituição a outra, não foi encontrada diferença significativa
entre a taxa de mortalidade no sistema público (56%) e privado (55%). No
geral, dos 420 mil casos tratados por ano, 230 mil terminam em morte.
Para chegar a esses dados, os pesquisadores dividiram as UTIs do país em 40
estratos, de acordo com fatores como região geoeconômica, tamanho das
cidades e se as instituições eram públicas ou privadas. O resultado foi a coleta
de dados de 227 instituições, ou 15% de todas as UTIs brasileiras.

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Medidas simples podem prevenir os tipos mais comuns de infecções20 fotos
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Uma série de fatores leva ao resultado sombrio do tratamento da sepse
nas UTIs brasileiras, como falta de acesso às UTIs, diagnóstico tardio, demora
do paciente na busca por serviço de saúde, tratamento inadequado, problemas
de processo e falta de recursos.

Vale ressaltar que a doença, quando detectada precocemente, é relativamente


simples de ser tratada, necessitando basicamente da administração de
antibióticos, fluidos e do monitoramento do paciente na UTI e da análise de
cultura bacteriana.

"O acesso à UTI é um definidor de letalidade", disse Machado. Ela explica que
estudos baseados apenas em pacientes internados em UTIs apresentam taxas
de letalidade que podem variar bastante de um país para outro conforme o
número de leitos disponíveis em relação à população do país.
"Quando a disponibilidade de leitos é alta, isso implica um maior número de
pacientes menos graves admitidos nas UTIs, consequentemente com menor
letalidade. Já em países como o nosso, onde a disponibilidade é baixa,
sobretudo no sistema público, somente pacientes mais graves tendem a ser
admitidos nas UTIs, com consequente aumento da letalidade", disse.

Infecção hospitalar
Para evitar que uma parcela de pacientes seja excluída do tratamento
intensivo, os pesquisadores defendem a necessidade de unidades
intermediárias. Para eles, a ausência de unidades de cuidados intermédios na
maioria dos hospitais brasileiros pode ter contribuído para uma maior
permanência na UTI e, consequentemente, para uma maior prevalência de
sepse.
Machado destaca ainda uma reação em cadeia desses fatores. "Cuidamos mal
dos nossos pacientes. O diagnóstico também é tardio, pois as pessoas
procuram o hospital tarde, a detecção da sepse é tardia e o tratamento é
inadequado. Com isso, a mortalidade é muito alta. Existe ainda um grave
problema de processo também", disse Machado.

Outro fator que contribui para os quadros de sepse são as altas taxas de
infecção hospitalar devido à baixa adesão às medidas preventivas. De acordo
com o estudo, a maioria dos pacientes que desenvolveu sepse apresentou
infecção hospitalar.

De acordo com o estudo, a baixa qualidade dos cuidados nas unidades de


internação regular limitaria as políticas de alta, bem como a provisão de
suporte básico e monitoramento a pacientes de severidade leve a moderada.
Outra causa possível da alta prevalência de sepse são as diferenças nos
cuidados de fim de vida, como a quase ausência de tratamentos paliativos.

"No Brasil, decisões de fim de vida são incomuns e existem lacunas na


comunicação, escassez de regulação legal, ausência de diretrizes avançadas e
crenças culturais e religiosas que podem resultar em esforços desnecessários
para sustentar a vida", escreveram os pesquisadores no artigo.

Os pesquisadores desenvolveram um escore contendo oito itens necessários


para tratar a sepse. Instituições que não contemplaram seis desses oito itens
mostraram um aumento no risco de morte por sepse. Os itens eram: colher
lactato e oxigenação do sangue (exames de laboratório), ter culturas para a
detecção da bactéria, dispor de antibióticos, soro e cateter, monitorar pressão
venosa (central) e ter noradrenalina.

"Note que são itens simples como antibiótico, colher culturas, dosar
alguns exames que são simples, dar soro. Não precisa ter recursos
elaborados. Isso diz muito das condições que temos no Brasil", disse.
A incidência de sepse é um problema mundial, tanto que em maio deste ano a
Organização Mundial da Saúde aprovou uma resolução para sepse.

"Hoje, a ONU reconhece a sepse como um problema de saúde mundial. Em


breve, teremos que ter um plano nacional de ação como temos para infecção
hospitalar, por exemplo. Acredito que as coisas começarão a mudar, pois os
países-membros da OMS, incluindo o Brasil, vão ter que tomar providências
nesse sentido", disse.

Machado aponta que os dados do estudo poderão ajudar na elaboração de um


plano nacional para a sepse. "Ter esses dados será importante para elaborar o
plano. Queremos fazer novos levantamentos, no modelo do que fizemos,
incluindo novos segmentos como pesquisa em pronto-socorro, UTIs
pediátricas, neonatais e sobre infecção hospitalar", disse.

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