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Ana Sousa Dias e Ana Fazer uma entrevista recheada de gargalhadas sobre uma reforma da
Bela ferreira
31 Janeiro 2016 — 00:04 educação é coisa que não nos tinha passado pela cabeça. Mas foi
assim, e a gravação prova-o. Josep ["chamem-me Pepe"] Menéndez,
ex-jornalista, professor de Literatura Espanhola, tem essa energia
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contagiante de quem põe toda a gente a trabalhar, mesmo os mais
Portugal céticos e preguiçosos. Lidera a profunda mudança que os colégios
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jesuítas da Catalunha estão a pôr em prática e traz os primeiros
resultados. Esclarece que não é padre, é casado e tem filhos adultos.
Participou, em Lisboa, na Conferên-cia sobre Educação Comparada,
da Sociedade Portuguesa de Ciências da Educação, nos dias 25 a 27
EDUCAÇÃO de janeiro. Explique-se desde já: a Ratio Studiorum é a cartilha pela
Quase um terço dos
portugueses quer voltar a qual o ensino se rege desde que os jesuítas a criaram, no final do
estudar em breve
século XVI. Esse é o modelo que ainda hoje é aplicado e que muitos
pedagogos consideram esgotado e desadaptado da vida atual. Pepe
EDUCAÇÃO
Escolas caíram para menos nunca usa a palavra reforma, é sempre de mudança que fala.
de metade desde 2000
Qual é a diferença essencial entre o modelo que estão a criar e o
tradicional?
É quase um país.
... incompatíveis?
Vejam terceiro exemplo, para mim essencial porque, como disse, o que
interessa é o projeto de vida. Os alunos começam o dia sentados na sala,
nuns estrados em degraus, como se fosse uma praça pública. Sentam-se
todos juntos, os 50 ou 60, e partilham como começamos o dia. Todos têm
cadernos iguais, o caderno do projeto de vida. O caderno é de cada um e de
mais ninguém, dizemos aos pais que não o podem ler, e não os podem
mostrar aos companheiros. Eles vão escrevendo sobre o que lhes chama a
atenção. Por vezes começam com uma oração, mas muitas vezes escrevem
sobre o que se passou, se houve uma notícia sobre refugiados, ou alguma
notícia desportiva, por exemplo se o Barça perdeu, o que nunca acontece...
se o Barça perdeu há de haver alguém que pergunta mas o que é isso, a
derrota, o que significa? Ao fim do dia, a mesma coisa.
Qual é o objetivo?
Não damos aos professores projetos fechados, mas antes um quadro geral.
Esta é a ideia geral, agora desenvolvam-na. Porque se o professor não se
apropria, não funciona. Imaginamos diferentes tipos de projetos. Os projetos
ocupam 60% do tempo. Treze por cento é dedicado à reflexão, ao fim da
semana, ao fim do dia. E o resto, 20 e tal por cento, é dedicado a algumas
tarefas que não se fazem por projetos. Por exemplo, alguns conceitos de
matemática são muito complexos. Então o professor dá-os em meia hora,
três quartos de hora. Os professores de Inglês disseram-nos que os verbos
irregulares de inglês têm de ser memorizados. Há áreas que não podem ser
trabalhadas em projetos, e estão nesse caso a segunda língua estrangeira -
todos estudam Francês ou Alemão - a música e a educação física. Não
estamos satisfeitos por termos separado estas áreas, mas estamos a
começar. Por vezes a música integra-se. Há projetos que duram, no
máximo, duas semanas, outros uma semana ou três dias. Depende. Os
mais fortes duram duas a três semanas. Por exemplo, a volta ao mundo em
80 imagens dura duas semanas. E temos o Projeto Leitor, para promover a
leitura livre.
Este Projeto Leitor é muito bonito. O que diz o currículo oficial é que a
escola deve promover o gosto pela leitura. Não é ler três livros e fazer um
teste. Como fazer? Dando-lhes mais liberdade e ampliando o número de
livros. Os alunos têm 100 livros, e têm de ir lendo. Há alunos que leem 10,
12, 14. Outros leem quatro ou cinco, é o mínimo por ano. Num ambiente
digital, os alunos partilham o que leem. Escrevem: li isto, gostei por isto ou
aquilo, e isso é partilhado entre três colégios. Temos alunos de um colégio
que influem muito nos alunos de outro. Todos os alunos têm de ir
escrevendo sobre o que leem. Como o professor não dedica tanto tempo a
explicar, o que faz é observar e ler o que eles escrevem. Um professor
consegue sempre intuir - estás a copiar tudo, tudo o que escreveste foi
copiado, porque eu conheço-te e sei que isto não tem nada a ver contigo.
Tem tempo para lhe dizer - vamos lá... Ou tem tempo para dizer a um
companheiro - vamos tentar que fulano leia mais. O resultado que
observamos é que os alunos leem, uns na sala de aula, outros no chão,
outros no sofá, outros no salão. E leem. Não há disciplina para ler, não estão
todos sentados. Os alunos vão lendo e escrevendo e os professores não
fazem exames sobre os livros, fazem debates. Vamos falar sobre este livro.
Ou sobre este quadro. E fazem debates.
Pela observação. Há uns gráficos onde vão tomando notas, fazem algumas
provas, há a apresentação dos projetos. Os projetos são uma fonte de
informação. Se o professor não dedica tanto tempo a falar, tem mais tempo
para dizer: construíste muito bem o problema mas enganas-te muito nas
operações de cálculo, ou és desorganizado a trabalhar; ou esta equipa - há
avaliação individual e da equipa - não se estrutura bem. Os alunos têm
papeis - de secretário, de diretor - e quem está no papel de diretor pode não
estar a dirigir.
Claro. Nem os grupos são sempre com os mesmos alunos, nem os papeis
são sempre os mesmos.
Porque a mudança mete medo. Sou professor e vejo que não funciona, vejo
que se chateiam na aula, mas o que posso fazer diferente? Os sindicatos
também têm medo. Isto não afeta as condições laborais mas leva-as ao
limite, porque tens de meter muita energia e intensidade. Quando
explicamos isto, há gente de outros países que nos diz: foram muito
corajosos. Nós temos pequenos conflitos, mas há que liderar. Não com
autoritarismo mas com sedução.