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Universidade Estadual de Campinas

Faculdade de Educação

Marina Milanez de Azevedo São Felicio


182000

A CONTRIBUIÇÃO PEDAGÓGICA DE RUDOLF STEINER: leitura da trilogia “A


arte da educação”

Campinas
2017
Universidade Estadual de Campinas
Faculdade de Educação

Marina Milanez de Azevedo São Felicio


182000

A CONTRIBUIÇÃO PEDAGÓGICA DE RUDOLF STEINER: leitura da trilogia “A


arte da educação”

Trabalho de Conclusão de Curso a ser apresentado à


Faculdade de Educação da Universidade Estadual de
Campinas, para obtenção do título de licenciada em
Pedagogia, sob a orientação da Prof.ª Drª Cláudia Beatriz
de Castro Nascimento Ometto.

Campinas
2017
2

Agência(s) de fomento e nº(s) de processo(s): Não se aplica.

Ficha catalográfica
Universidade Estadual de Campinas
Biblioteca da Faculdade de Educação
Rosemary Passos - CRB 8/5751

São Felicio, Marina Milanez de Azevedo, 1987-


Sa61c S_eA contribuição pedagógica de Rudolf Steiner: leitura da trilogia "A arte da
educação"/ Marina Milanez de Azevedo São Felicio. – Campinas, SP: [s.n.], 2017.

Orientador: Cláudia Beatriz de Castro Nascimento Ometto.


Trabalho de Conclusão de Curso (graduação) – Universidade Estadual de
Campinas, Faculdade de Educação.

1. Steiner, Rudolf, 1861-1925. 2. Waldorf, Metodo de educação. 3.


Antroposofia. 4. Pedagogia. I. Ometto, Cláudia Beatriz de Castro
Nascimento,1965-. II. Universidade Estadual de Campinas. Faculdade de
Educação. III. Título.

Informações adicionais, complementares


Titulação: Graduada em Pedagogia
Data de entrega do trabalho definitivo: 14-12-2017
3

Aos professores da minha vida: Leila, Rubens e Regina, a


quem carinhosamente chamo de avó, pai e mãe.
4

RESUMO

A presente pesquisa empreende uma proposta de estudo sobre a obra do filósofo e


educador austríaco Rudolf Steiner (1861-1925) e sua contribuição para o campo
pedagógico. Steiner é fundador da Sociedade Antroposófica, corrente filosófica
concebida a partir de suas pesquisas baseadas nas tradições espirituais da
humanidade, influenciadas, também, pela cosmovisão goethiana. Para além da
Pedagogia, dentro da concepção antroposófica, o conferencista e escritor fez
importantes contribuições no campo da Medicina e Farmacologia, da Economia e
Ciência Política, da Agricultura, das Artes, da Arquitetura e muitos outros. A leitura da
trilogia A arte da educação e as possíveis contribuições pedagógicas de Steiner são
objetos deste trabalho.

Palavras-chave: Rudolf Steiner (1861-1925); Pedagogia Waldorf; Antroposofia.


5

LISTA DE ILUSTRAÇÕES

Ilustração1 – As profundezas da alma humana ........................................................................... 57


Ilustração2 – A tríade anímica e os estados de consciência ..................................................... 59
Ilustração3 – Os doze sentidos ...................................................................................................... 64
Ilustração4 – O ser humano tríplice: homem-cabeça, homem-tronco e homem-membros .. 69
Ilustração5 – A letra F de Fisch [peixe] ......................................................................................... 80
Ilustração6 – Um exemplo com a letra B, de Bär [urso] ............................................................. 94
Ilustração7 – A estruturação do currículo na Escola Waldorf Livre ........................................ 107
Ilustração8 – A disposição dos temperamentos ........................................................................ 119
Ilustração9 – Indicações para aula de contos ............................................................................ 120
Ilustração10 – A constituição física dos temperamentos ......................................................... 124
Ilustração11 – O exercício de dicção ........................................................................................... 127
Ilustração12 – Distribuição das plantas de acordo com as qualidades anímicas da criança
............................................................................................................................................................. 137
6

AGRADECIMENTOS

Os desafios impostos pela vida tornam-se mais prazerosos quando em nosso


coração reina a gratidão, e assim também o é quando reconhecemos que fazer junto
é muito mais feliz do que fazer sozinho. Essa pesquisa não seria possível sem o
carinho e apoio de muitos que estiveram à minha volta.
Em primeiro lugar agradeço à minha família querida pelo suporte emocional e
apoio incondicional. À minha mãe Regina, às irmãs Ana Maria e Mayara e à avó Leila
que conhecem bem o caminho árduo da vida acadêmica, todo meu amor. À Lili, nossa
filhota de quatro patas, agradeço pelos momentos de descontração e afeto sincero. À
avó Alaide devo o exemplo pelo caminho da fé e do amor em Cristo. No plano
espiritual, com infinita saudade, agradeço a meu amado pai Rubens, aos avôs Milton
e João e à querida “vó Bisa”, D. Odila, a quem devo grande parte da felicidade
experimentada na infância. Tenho certeza de que sou protegida e abençoada por
todos eles.
Ao meu esposo Julio César, um agradecimento em especial. Sem seu amor,
carinho, companheirismo, compreensão e incentivo nada disso seria possível.
Obrigada, meu amado, por me conceder a oportunidade de ser estudante em tempo
integral. Da mesma maneira, agradeço também à sua família.
À Prof.ª Dr.ª Cláudia Beatriz de Castro Nascimento Ometto, pela orientação
deste trabalho e à Prof.ª Dr.ª Norma Sandra de Almeida Ferreira, que se prestou à
segunda leitura. Obrigada pela abertura à obra de Rudolf Steiner.
À tão estimada “confraria do afeto”, das queridas Nima, Marli e Mara e do
querido Max, professores que me acolheram com tanto amor e zelo dentro do
GEPEJA – Grupo de Estudos e Pesquisas em Educação de Jovens e Adultos, da
Faculdade de Educação/Unicamp. Vocês são fonte de inspiração e responsáveis pelo
meu desabrochar acadêmico.
À D. Delma Montefeltro Dessen, minha tutora no Curso de Formação de
Professores Waldorf – Educação Infantil e a todos os colegas do meio antroposófico,
agradeço pelo aprendizado e contato com a filosofia steineriana.
Por fim, agradeço a Deus pela dádiva da vida e ao Universo por cada
oportunidade de aprendizado, o que me permite estar em constante evolução.
7

Pois, afinal, que é o homem na natureza? Um nada com relação ao


infinito, um tudo em relação ao nada, um meio entre o nada e o tudo.
Infinitamente afastado de compreender os extremos, o fim das coisas
e seus princípios estão para ele invencivelmente escondidos num
segredo impenetrável. Igualmente incapaz de ver o nada de onde foi
tirado e o infinito em que o absorve, que fará ele então senão perceber
alguma aparência do meio das coisas num desespero eterno de
conhecer quer o seu princípio, quer o seu fim? Todas as coisas saíram
do nada e foram levadas até o infinito. Quem acompanhará esses
espantosos movimentos?
Pascal, Pensamentos
8

SUMÁRIO

INTRODUÇÃO .................................................................................................................................... 10
1. RUDOLF STEINER, A ANTROPOSOFIA E A PEDAGOGIA WALDORF .......................... 18
1.1 Breve contexto histórico.......................................................................................................... 18
1.2 Rudolf Steiner: biografia e produção .................................................................................... 22
1.3 Antroposofia, a sabedoria do homem ................................................................................... 36
1.3.1 A entidade humana .......................................................................................................... 37
1.3.2 Trimembração do Organismo Social ............................................................................. 40
1.4 Pedagogia Waldorf, educar e ensinar de forma integral ................................................... 42
1.4.1 A concepção de desenvolvimento humano: os setênios ........................................... 45
1.5 A trilogia “A arte da educação” .............................................................................................. 50
2. A ARTE DA EDUCAÇÃO I: O ESTUDO GERAL DO HOMEM, UMA BASE PARA A
PEDAGOGIA ...................................................................................................................................... 52
2.1 A primeira conferência ............................................................................................................ 53
2.2 A segunda conferência ........................................................................................................... 55
2.3 A terceira conferência ............................................................................................................. 58
2.4 A quarta conferência ............................................................................................................... 59
2.5 A quinta conferência ................................................................................................................ 62
2.6 A sexta conferência ................................................................................................................. 63
2.7 A sétima conferência ............................................................................................................... 65
2.8 A oitava conferência ................................................................................................................ 67
2.9 A nona conferência.................................................................................................................. 69
2.10 A décima conferência............................................................................................................ 72
2.11 A décima primeira conferência ............................................................................................ 74
2.12 A décima segunda conferência ........................................................................................... 76
2.13 A décima terceira conferência ............................................................................................. 77
2.14 A décima quarta conferência ............................................................................................... 80
3. A ARTE DA EDUCAÇÃO II: METODOLOGIA E DIDÁTICA................................................. 83
3. 1 A primeira conferência ........................................................................................................... 83
3. 2 A segunda conferência .......................................................................................................... 88
3. 3 A terceira conferência ............................................................................................................ 90
3. 4 A quarta conferência .............................................................................................................. 93
9

3. 5 A quinta conferência............................................................................................................... 96
3. 6 A sexta conferência .............................................................................................................. 100
3. 7 A sétima conferência ............................................................................................................ 102
3. 8 A oitava conferência ............................................................................................................. 105
3. 9 A nona conferência............................................................................................................... 106
3. 10 A décima conferência ........................................................................................................ 109
3. 11 A décima primeira conferência ......................................................................................... 111
3. 12 A décima segunda conferência ........................................................................................ 114
3. 13 A décima terceira conferência .......................................................................................... 116
3. 14 A décima quarta conferência ............................................................................................ 118
3. 15 As palavras finais ............................................................................................................... 119
4. A ARTE DA EDUCAÇÃO III: DISCUSSÕES PEDAGÓGICAS .......................................... 120
4. 1 O primeiro colóquio .............................................................................................................. 121
4. 2 O segundo colóquio ............................................................................................................. 125
4. 3 O terceiro colóquio ............................................................................................................... 129
4. 4 O quarto colóquio ................................................................................................................. 129
4. 5 O quinto colóquio .................................................................................................................. 131
4. 6 O sexto colóquio ................................................................................................................... 133
4. 7 O sétimo colóquio ................................................................................................................. 134
4. 8 O oitavo colóquio .................................................................................................................. 136
4. 9 O nono colóquio .................................................................................................................... 138
4. 10 O décimo colóquio .............................................................................................................. 139
4. 11 O décimo primeiro colóquio .............................................................................................. 140
4. 12 O décimo segundo colóquio ............................................................................................. 141
4. 13 O décimo terceiro colóquio ............................................................................................... 142
4. 14 O décimo quarto colóquio ................................................................................................. 143
4. 15 O décimo quinto colóquio .................................................................................................. 144
4. 16 As três palestras sobre currículo...................................................................................... 145
CONSIDERAÇÕES FINAIS ........................................................................................................... 150
OBRAS CITADAS ........................................................................................................................... 160
OBRAS CONSULTADAS............................................................................................................... 162
10

INTRODUÇÃO

Nos últimos seis anos, tive a oportunidade de frequentar o curso de Pedagogia


em três diferentes instituições de ensino superior no Estado de São Paulo: o primeiro
ano em um centro universitário particular e, os subsequentes, em duas universidades
estaduais públicas. Com a experiência de quem pleiteou dois processos de
transferência, quando se faz necessário ler em minúcias o conteúdo programático do
curso, pude perceber que, apesar da semelhança de currículo, as instituições de
ensino trazem algumas particularidades quando analisamos o referencial teórico e as
linhas de pesquisa que oferecem. Curiosamente, em nenhuma delas encontrei
menção à Pedagogia Waldorf, cuja proposta de educação tem práticas reconhecidas
pelo mundo1 afora e, hoje, conta com número significativo (e crescente) de escolas no
Brasil.
Importante dizer da minha relação com a Educação. Há exatos dez anos eu
concluía a licenciatura em Letras. Naquela época, cheguei a estagiar em algumas
escolas na cidade de Ribeirão Preto, local onde nasci, cresci e cursei até o ensino
superior. Não encontrei realização enquanto docente atuando nas séries mais
avançadas do ensino fundamental, muito provavelmente pela imaturidade ao lidar com
adolescentes – afinal, eu tinha apenas vinte e um anos de idade. No entanto, sabia
que a docência era o meu lugar. Tentei outros caminhos até que, anos depois, cheguei
ao curso de Pedagogia e me vi completamente realizada no trabalho com crianças.
Durante três anos pude atuar como professora no ensino particular e constatar que as
práticas de ensino pouco haviam mudado desde que eu deixara a carteira escolar
como aluna. Apesar desta constatação, tive também outra bastante preocupante: o
quanto vivemos a época da medicalização da infância. E então, para onde correr?
Eis que o destino me apresenta a Pedagogia Waldorf em 2015. Recém-
chegada ao município de Campinas, foi em um berçário Waldorf que encontrei chance
de trabalho. Foram dez meses de encantamento com a metodologia da escola, onde
testemunhei práticas pedagógicas que respeitam a individualidade das crianças,

1 Foi apontada pela UNESCO como sendo modelo de pedagogia capaz de responder aos desafios
educacionais de nosso tempo, principalmente nas áreas de grandes diferenças culturais. Além disso,
no Brasil, atende plenamente ao objetivo do Departamento de Políticas de Educação Infantil e Ensino
do Ministério da Educação ao tratar a gestão democrática da escola, os materiais didático-pedagógicos
e a formação do professor como fatores determinantes para a qualidade social da educação.
11

educando-as, de fato, para a liberdade e a autonomia. Profundamente interessada,


busquei grupos de estudo sobre a Antroposofia e atualmente integro o corpo de alunos
do Curso de Formação de Professores Waldorf – Educação Infantil, na Escola Waldorf
João Guimarães Rosa, em Ribeirão Preto/SP.
A vontade de alinhavar as práticas enquanto professora de línguas e os
conhecimentos acerca do desenvolvimento infantil à luz de uma nova perspectiva me
trouxeram a esta pesquisa. Atualmente, inúmeros estudos têm abordado questões
referentes à linguagem. Entretanto, poucas são as pesquisas realizadas no meio
acadêmico que tratam tais questões pedagógicas a partir de uma perspectiva holística
de ensino. Inserida nesta linha holística, encontra-se a Pedagogia Waldorf,
fundamentada nos princípios da Antroposofia de Rudolf Steiner (1861-1925), ciência
espiritual que norteia e explica a compreensão do ser humano em seu tríplice aspecto:
biológico, anímico e espiritual.
O movimento antroposófico foi trazido ao Brasil por imigrantes europeus ainda
na época de Steiner. Contudo, o surgimento da primeira escola Waldorf brasileira deu-
se apenas na década de 1950: a Escola Waldorf Rudolf Steiner de São Paulo, a mais
antiga do país. Hoje, dezenas de escolas Waldorf com ensino fundamental, algumas
com ensino médio, são reconhecidas em grande parte dos estados brasileiros. A
exceção é a Região Norte, que não apresenta nenhuma escola reconhecida pela
Federação das Escolas Waldorf no Brasil2. Uma das principais características dessas
escolas tem a ver com a sua origem, que se dá por meio de movimentos
independentes de pais e comunidade, mantidas, depois, pelas associações advindas
deste processo. Existem centenas de “Jardins” (escolas de Educação Infantil)
mantidos, em grande parte, por iniciativas privadas e, também, algumas organizações
não governamentais e escolas públicas3 que adotaram a Pedagogia Waldorf.

2Entidade representativa das escolas Waldorf no Brasil, que tem como missão defender os interesses
comuns das escolas. Ver: http://www.federacaoescolaswaldorf.org.br/index.php. Acesso em 17 de abril
de 2017, às 17h.
3 O caso de sucesso mais conhecido no Brasil é a Associação Comunitária Monte Azul, ONG fundada

pela pedagoga e antropósofa alemã Ute Craemer, em favela na Zona Sul de São Paulo. A ONG tem
parceria com a Prefeitura do Município de São Paulo e estende seu raio de ação para diversos
segmentos, como a saúde. Ver: http://www.monteazul.org.br/home.php. Acesso em 17 de abril de
2017, às 17h. Das escolas públicas, as experiências de sucesso conhecidas são a Escola Municipal
Cecília Meireles e Escola Municipal Vale de Luz, ambas no Município de Nova Friburgo/RJ, e a Escola
Comunitária Municipal Araucária no município de Camanducaia /MG. Há notícias da inauguração de
mais uma escola no interior de Minas Gerais e outra em Sergipe.
12

Alvo de muitos elogios por considerar a formação integral do ser humano,


valorizando a sensibilidade, o livre brincar, o contato com a natureza e as artes, a
Pedagogia Waldorf também é julgada por adotar práticas não muito convencionais
para a contemporaneidade, como a recusa de tecnologias e a não escolarização na
primeira infância. As crianças iniciam o processo de alfabetização aos sete anos e,
antes disso, trabalham narrativas, canções e poesia por meio da oralidade e da
música. Esta particularidade da alfabetização e valorização da primeira infância está
totalmente de acordo com a concepção de ser humano estabelecida pela
Antroposofia. Também vai ao encontro com a preocupação que instituições em prol
da infância e da educação, como a Aliança pela Infância4, têm atualmente: a de que
estamos antecipando o processo de intelectualização da criança. Nesta toada,
verifica-se, também, um grande número de pais e responsáveis procurando por
escolas que vão contra este processo de escolarização precoce. Por esse motivo,
percebemos o aumento significativo de iniciativas Waldorf no município de Campinas
nos últimos cinco anos (somente em Barão Geraldo encontramos três Jardins de
Infância – alguns já constituídos e outros em formação). A pesquisa, justifica-se,
portanto, por tais razões. A escassez de trabalhos acadêmicos que explorem os
postulados de Rudolf Steiner também justifica a pesquisa.
A complexidade e abrangência de conteúdos da obra de Rudolf Steiner e, até
mesmo, a falta de familiaridade com o meio antroposófico, podem ser motivos da
escassez de estudos mais aprofundados dos conceitos do educador no meio
científico-acadêmico. Grande parte dos Trabalhos de Conclusão de Curso que se
referem à Pedagogia Waldorf encontrados na Biblioteca da Faculdade de Educação
da Unicamp, por exemplo, baseiam-se em obras produzidas por comentadores:
poucos fazem menção às obras traduzidas das originais produzidas pelo educador
austríaco. Apesar de também fazer constatação semelhante no âmbito da pós-
graduação (entre dissertações e teses), escolhemos nos ater às produções
acadêmicas produzidas nos cursos de graduação da Unicamp.

4A Aliança pela Infância é uma ONG cujo movimento se dá em prol do respeito à essência da criança
e ao tempo da infância, buscando parcerias com a sociedade para inspirar e oferecer experiências que
mobilizem a amorosa atenção dos adultos sobre atos cotidianos das crianças, como o aprender, o
brincar, o comer e o dormir. Ver: http://aliancapelainfancia.org.br/. Acesso em 17 de abril de 2017, às
18h.
13

Este trabalho pretende identificar os pressupostos referentes ao ensino no geral


deixados por Rudolf Steiner na obra A arte da educação (2015a, 2016b, 2015b). A
obra em questão foi traduzida e editada em forma de trilogia e é resultado de um curso
pedagógico oferecido por Steiner entre 21 de agosto e 6 de setembro de 1919, em
Stuttgart, Alemanha, por ocasião da fundação da Escola Waldorf Livre, a primeira
escola Waldorf do mundo. O curso com duração de pouco mais de duas semanas,
composto por conferências, seminários, palestras e colóquios auxiliou o preparo dos
primeiros professores da nova escola. Steiner não pretendia publicá-lo em forma de
livro, entretanto a pedido de alunos e outras pessoas interessadas no método
proposto pelo educador, todo conteúdo do curso foi transcrito e editado. No Brasil, a
tradução foi concebida na forma de três livros: o primeiro trata do estudo geral do
homem (um curso de Antropologia Geral para professores Waldorf), o segundo refere-
se à metodologia e didática no ensino Waldorf e, o terceiro, é composto por discussões
pedagógicas referentes à organização do currículo Waldorf e os caminhos para uma
solução de problemas educacionais (reflexões da época).
Reconhecendo a falta de estudos que explorem os postulados de Steiner
(VEIGA, 2015), fundamenta-se a escolha da trilogia, primeiramente, por se tratar do
primeiro curso notadamente voltado à questão pedagógica; também, por ser, no
Brasil, uma obra de referência nos cursos de Formação de Professores Waldorf
porque abarca, de maneira mais geral, diversos conceitos pedagógicos da Pedagogia
Waldorf.
A decisão pelo estudo do conjunto de obras e, mais especificamente, pela
proposta de ensino pensada por Rudolf Steiner (1861-1925) deu-se, também, pela
inquietação em perceber a contemporaneidade do educador com outros autores
amplamente estudados nos cursos de licenciatura. No contexto europeu podemos
apontar Lev S. Vygotsky (1896-1934), Jean Piaget (1896-1980), Mikhail Bakhtin
(1895-1975), Sigmund Freud (1856-1939), Henri Wallon (1879-1962), Maria
Montessori (1870-1952), Antonio Gramsci (1891-1937), Émile Durkheim (1858-1917),
B. F. Skinner (1904-1990), Célestin Freinet (1896-1966). Na América, destacamos
John Dewey (1859-1952). E o que encontramos em comum entre eles? Além do
tempo e espaço de produção e, evidentemente, o contexto social em que produziram,
atinamos ao fato de que muitos não pretenderam, a princípio, postular modelos de
14

educação como fim de sua obra. Apesar disso, muito do que se sabe, pensa e faz nas
escolas contemporâneas deve-se à herança de tais conjecturas. A Pedagogia Waldorf
completará, em 2019, cem anos de existência e, como já dito, com número crescente
e significativo de escolas mundo afora. Explorar Rudolf Steiner, na intenção de ampliar
o sentido e finalidade da educação em meio ao caos social a que assistimos
atualmente, faz, então, todo o sentido.
Isto posto, temos como objetivo geral deste trabalho, realizar uma leitura da
trilogia A arte da educação (2015a, 2016b, 2015b) identificando os aspectos e
conceitos relativos à esfera pedagógica. Os objetivos específicos foram definidos a
fim de nos subsidiar na conclusão do objetivo geral. São eles: 1. Conhecer a vida e a
obra do autor, assim como a Antroposofia que é base de sustentação de toda sua
produção e 2. Aprofundar os conhecimentos acerca da Pedagogia Waldorf, que é
resultado do modelo de educação proposto por Steiner.
Metodologicamente, para o processo de investigação e análise do objeto,
decidiu-se pela pesquisa bibliográfica. Como definem Lima e Mioto (2007, p.2), “a
pesquisa bibliográfica implica em um conjunto ordenado de procedimentos de busca
por soluções, atento ao objeto de estudo, e que, por isso, não pode ser aleatório”,
portanto, não se trata de mera revisão bibliográfica, requisito básico de qualquer
pesquisa científica. Trata-se de leitura exploratória-descritiva em busca de um objetivo
delimitado: o de encontrar as possíveis contribuições de Rudolf Steiner no campo
pedagógico. O método escolhido é amplamente utilizado em casos onde o objeto de
estudo proposto é pouco estudado, como acontece com as obras do educador,
tornando, assim, árdua a prospecção de hipóteses a respeito de seus postulados.

A pesquisa bibliográfica possibilita um amplo alcance de informações,


além de permitir a utilização de dados dispersos em inúmeras
publicações, auxiliando também na construção, ou na melhor definição
do quadro conceitual que envolve o objeto de estudo proposto. (GIL,
1994 apud LIMA e MIOTO, 2007, p. 4).

Como já mencionado, a obtenção de dados para o desenvolvimento da pesquisa


restringiu-se aos trabalhos de conclusão de curso de graduação da Unicamp,
observando-se o período entre os anos de 2000 a 2016. A pesquisa deu-se a partir
de consulta à Base Acervus – Sistema de Bibliotecas da Unicamp, tendo como
delimitação de busca os trabalhos produzidos pelos cursos de licenciatura, uma vez
15

que formam profissionais capacitados para atuar na educação básica. Apenas para
conhecimento do leitor, segue a descrição dos cursos de licenciatura oferecidos pela
Unicamp: Pedagogia, Integrada Química/Física, Educação Física, Enfermagem, Artes
(Artes Visuais, Música ou Dança), Plena em Ciências Biológicas, Letras, Ciências
Sociais, Filosofia, História, Física, Geografia, Matemática e Química.
As palavras-chave empregadas também constituem parte importante desta
preparação. Para a análise dos dados encontrados, foram utilizadas as seguintes
combinações:
Rudolf Steiner (um registro)
Pedagogia Waldorf (cinco registros)
Antroposofia (dois registros)
Waldorf (sete registros)
Rudolf Steiner + Pedagogia (não há registros)

O levantamento de Trabalhos de Conclusão de Curso nos revelou que existem,


dentro dos limites estabelecidos, apenas sete pesquisas relativas aos postulados de
Rudolf Steiner. Observou-se que apenas uma traz como “assunto” o nome do autor;
duas são encontradas com a palavra “Antroposofia”; cinco com a composição
“Pedagogia Waldorf” e todas com a palavra “Waldorf”.
Dos sete estudos encontrados, quatro apresentam temas relacionados à
Educação Infantil; dois exploram especificidades da Pedagogia Waldorf; e um o lugar
do corpo na Pedagogia Waldorf (em contraposição à Pedagogia Tradicional, onde os
alunos permanecem grande parte do tempo sentados e enfileirados). Observa-se,
também, que todos foram produzidos na Faculdade de Educação da Unicamp. Em
ordem cronológica, apresentamos-lhes:
1. REDAELLI, Ana Paula Basso. A pedagogia Waldorf e a educação
infantil. Trabalho de Conclusão de Curso, Universidade Estadual de
Campinas, Faculdade de Educação. Campinas, SP: [s.n.], 2003.
Orientadora: Ângela Fátima Soligo.
2. MEIRELLES, Ana Carolina Trivellato. Interpretação do desenho infantil
à luz da Pedagogia Waldorf. Trabalho de Conclusão de Curso,
16

Universidade Estadual de Campinas, Faculdade de Educação.


Campinas, SP: [s.n.], 2004. Orientador: Guilherme do Val Toledo Prado.
3. TUTIASSE, Sylvia Naomi Akamine. Pedagogia Waldorf: uma pedagogia
inovadora ou uma pedagogia modificada? Trabalho de Conclusão de
Curso, Universidade Estadual de Campinas, Faculdade de Educação.
Campinas, SP: [s.n.], 2004. Orientador: Renê José Trentin Silveira.
4. MANZANO, Elisa Ferrari. A importância do movimento na educação
infantil Waldorf. Trabalho de Conclusão de Curso, Universidade
Estadual de Campinas, Faculdade de Educação. Campinas, SP: [s.n.],
2005. Orientador: Carlos Eduardo Albuquerque Miranda.
5. LIMA, Gabriela Isabel de. Disciplina e conflito numa escola Waldorf.
Trabalho de Conclusão de Curso, Universidade Estadual de Campinas,
Faculdade de Educação. Campinas, SP: [s.n.], 2006. Orientadora: Áurea
Maria Guimarães.
6. AMATTO, Nara de Luna. O lugar do corpo na Pedagogia Waldorf.
Trabalho de Conclusão de Curso, Universidade Estadual de Campinas,
Faculdade de Educação. Campinas, SP: [s.n.], 2007. Orientadora:
Márcia Maria Strazzacappa Hernandez.
7. CERRI, Bianca Cunha. Quais ambientes estão sendo oferecidos às
crianças pequenas? Vivências, pesquisas e sonhos de uma educadora.
Trabalho de Conclusão de Curso, Universidade Estadual de Campinas,
Faculdade de Educação. Campinas, SP: [s.n.], 2011. Orientadora: Ana
Angélica Medeiros Albano.

A leitura exploratória dos Trabalhos de Conclusão de Curso encontrados na


busca pela Base Acervus nos confirma algumas suspeitas que suscitaram a questão
de pesquisa: poucos são os pesquisadores que recorrem a referências de obras
atribuídas a Rudolf Steiner, bem como pouco falam delas. Grande parte dos trabalhos
ocupa-se de especificidades práticas da Pedagogia Waldorf, sem a pretensão de
aprofundamento na teoria steineriana.
17

Eis, então, nossa pergunta de pesquisa: determinados os objetivos e parâmetro


temático, quais serão as contribuições pedagógicas de Rudolf Steiner para o
ensino em geral?
Para tal, o trabalho está dividido em quatro capítulos, concatenados pelos
temas propostos e pressupostos para o entendimento da obra de Rudolf Steiner, mais
as considerações finais.
No primeiro capítulo apresentamos um pequeno esboço da vida e obra do
autor, apontando as passagens pessoais e intelectuais relevantes para o surgimento
da Antroposofia, seu maior legado, e para a Pedagogia Waldorf, decurso não menos
importante e de nosso interesse. A fim de situá-las ao leitor, dedicamos espaços
específicos no texto para sua compreensão.
No segundo, terceiro e quarto capítulos são dedicados esforços para um
compêndio da trilogia A arte da educação (2015a, 2016b, 2015b). Reconhecendo que
muitos leitores desconhecem as terminologias empregadas por Steiner, buscaremos
apresentar, identificar e elucidar os aspectos pedagógicos mais relevantes oferecidos
por ele em seu curso de agosto/setembro de 1919.
A análise dos achados pedagógicos é tarefa das considerações finais, na qual
pretendemos reunir as principais contribuições do filósofo, agrupando-as por área de
conhecimento.
A superação do prejulgamento equivocado que se faz de Rudolf Steiner no
meio acadêmico acerca de sua Ciência Espiritual é o que se espera desta modesta
contribuição, assim como o aceno de diferentes perspectivas, comumente preteridas
como “alternativas”, que possam contribuir na formação de futuros docentes
inquietados pelo modelo tradicional de educação que lhes é imposto desde a mais
tenra infância.
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1. RUDOLF STEINER, A ANTROPOSOFIA E A PEDAGOGIA WALDORF

Filósofo, jornalista, educador, esoterista e artista, Steiner é considerado por


alguns estudiosos um homem à frente de seu tempo. De família humilde e infância
simples, cresceu em meio à tecnologia dos trens e às paisagens naturais do Leste
europeu, vivendo durante muito tempo a solidão daqueles que se põem a questionar
os enigmas da existência humana: de onde viemos? O que somos? Para onde
vamos? Qual a verdadeira natureza da realidade?
Neste capítulo buscaremos introduzir o leitor no contexto de produção da obra
de Rudolf Steiner. Para tanto, trazemos um relato biográfico do autor, pontuando suas
obras5 de maior destaque que têm, como consequência, a Antroposofia e a Pedagogia
Waldorf.

1.1 Breve contexto histórico

Rudolf Steiner (1861-1925) viveu durante grande parte da segunda metade do


século XIX e início do século XX, quando publicou maior número de obras e colocou
em prática/disseminou seu legado antroposófico por toda a Europa. Vida e obra tem
como cenário principal a região centro-leste europeia, mais precisamente as regiões
do Império Austro-Húngaro e do Império Alemão.
A Europa do século XIX é filha do século das luzes6, marcada pelo impacto das
mudanças promovidas pela Revolução Industrial e, segundo Aranha (2006, p.200) “o
século XIX representa o período da consolidação do poder dos burgueses, que até
então tinham sido os opositores ao regime aristocrático e feudal”. A Primavera dos
Povos (1848), uma série de revoluções de caráter nacionalista, liberal e democrático
no centro-leste europeu, marca a abolição da servidão no Império Austríaco e no
Reino da Húngria, trazendo outras mudanças significantes também para Polônia,
França, Alemanha e Itália, tendo a Europa presenciado a unificação destas duas
últimas potências no ano de 1870.

5 Constam aqui os títulos das obras traduzidas para a Língua Portuguesa.


6 O Iluminismo foi um movimento intelectual e filosófico que influenciou toda Europa no século XVIII,
retomando o uso da razão e do pensamento científico, bem como pregando maior liberdade econômica
e política.
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Riqueza e pobreza eram realidades contrastantes nesse século em que o


proletariado se submetia a longas jornadas de trabalho, incluindo mão de obra infantil
e feminina. “[...] o proletariado fortaleceu-se como a classe revolucionária, opondo aos
interesses burgueses suas próprias reivindicações”. Os movimentos de trabalhadores
eram inspirados pelas ideologias críticas do liberalismo burguês: o socialismo utópico
(Proudhon), o anarquismo (Bakunin) e o socialismo científico (Marx e Engels)
(ARANHA, 2006, p.200).
A mudanças econômicas, políticas e sociais do século XIX obviamente
reverberam na esfera pedagógica. De acordo com Manacorda (1997, p. 271) “[...] a
revolução industrial muda também as condições e as exigências da formação
humana”. O século XVIII é aqui lembrado como responsável pelo legado da
universalidade, gratuidade, estatalidade, laicidade, renovação cultural e primeira
assunção do problema do trabalho, ainda que tais preceitos tenham atingido mais o
plano das ideias do que o dos fatos. Manacorda (1997) refere-se à educação na
Europa como instrução, que naquela época tem como pano de fundo teorias
pedagógicas marcadas pela relação educação-sociedade que trazia dois novos
aspectos no movimento de renovação pedagógica: a presença do trabalho no
processo de instrução técnico-profissional (o que era antes apreendido apenas no
trabalho) e a descoberta da psicologia infantil, que intensifica as discussões a respeito
do método de ensino – outra grande preocupação da educação na transição entre os
séculos XIX e XX – e alicerça os conceitos de desenvolvimento infantil.
Recuperando a influência do pensamento iluminista, pode-se dizer que filósofos
como o suíço Jean-Jacques Rousseau (1712-1778) e o alemão Immanuel Kant (1724-
1804) muito contribuíram para o movimento de renovação pedagógica (primórdios do
escolanovismo) que centra seus esforços não mais no professor nem no
enciclopedismo, mas na criança. A modernidade coloca o indivíduo como eixo
principal da sociedade. E é neste sentido que levantamos na introdução deste trabalho
a contemporaneidade de Steiner com a de outros pensadores que também
contribuíram para o campo da educação na transição dos séculos XIX e XX.
A aparente similaridade de Steiner com a italiana Maria Montessori (1870-1952)
dá-se não apenas pelo período de produção, mas pelo entendimento de que a
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educação deve acontecer com base na evolução da criança (cada teórico


descrevendo tal evolução à sua maneira). Montessori, que a princípio concentrou seus
estudos nas crianças pequenas, postulou seis pilares educacionais: 1. Autoeducação;
2. Educação como ciência; 3. Educação Cósmica (no sentido de fazer a criança
perceber que todas as coisas estão conectadas e que dependem umas das outras
para existir, permitindo o sentimento de gratidão com tudo o que há no mundo); 4.
Ambiente preparado; 5. Adulto preparado (aquele que lida com a educação da
criança); e 6. Criança equilibrada (o objetivo da educação). Primeira mulher a tornar-
se médica na Itália, foi a partir de seus estudos em neuropatologia que seu interesse
pela Educação foi desperto. O método Montessori pautado nos pilares já descritos e
principalmente na educação dos sentidos, teve origem no trabalho de Maria
Montessori na educação de crianças deficientes e foi consolidado por meio das
experiências desenvolvidas na Casa dei Bambini (Casa das Crianças), uma espécie
de creche em um bairro pobre de Roma que se ocupava da educação das crianças
que ali residiam. Segundo Röhrs (2010, p.14), para Montessori, essa experiência de
sucesso [...] contribuiu para avivar sua fé na possibilidade de melhorar a humanidade
por meio da educação das crianças”.
No contexto francês citamos Célestin Freinet (1896-1966), pedagogo que
iniciou suas atividades no ano de 1920 em um lugarejo rústico na França. Freinet tem
contato com os clássicos da pedagogia contemporânea e com nova pedagogia, mas
afasta-se tanto de uma como da outra para propor uma educação ativa em torno do
aluno com vistas à livre expressão. Lá, o educador cria a imprensa dentro da escola.
Era membro ativo do partido comunista (com qual rompe no terço final de sua vida) e
do sindicato e é a partir de sua dedicação à causa popular e o senso de justiça social
que pauta seu modelo escolar. O projeto de escola popular, moderna e democrática
desenvolvia atividades hoje bastante comuns, como as aulas-passeio, na qual os
alunos têm contato com o que está além dos muros da escola, e o jornal de classe
com o objetivo de superação do distanciamento entre professores, alunos e a vida
exterior à escola. A Pedagogia de Freinet se esteia em quatro eixos: 1. Cooperação;
2. Comunicação; 3. Documentação; e 4. Afetividade. A pedagogia que engloba
trabalho (formar cidadãos para o trabalho livre e criativo), êxito (o professor não
valoriza o erro) e bom senso (a aprendizagem é resultado de uma relação entre teoria
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e prática, na qual valoriza-se o histórico pessoal de cada aluno) apesar de partir de


pressuposto ideológico bastante diverso do qual partiu Steiner, também é outro
exemplo de modelo alternativo à tradição escolástica europeia daquele tempo.
Por fim, trazemos o exemplo da proposta idealizada e concretizada pelo
educador escocês Alexander Sutherland Neill (1883-1973), a Summerhill School,
fundada em 1921 na Alemanha, tendo passado por um pequeno período pela Áustria
e se consolidado no sul da Inglaterra. Considerado pioneiro na aplicação teórica da
gestão democrática da escola, Neill defendia a liberdade como princípio fundamental
na educação de jovens e crianças, que deveriam ter direito de escolha para decidir o
que aprender e, assim, poder se desenvolver conforme seu próprio ritmo. Para Neill
(1971) liberdade significa dar e receber – é responsabilidade e respeito mútuo. Assim
como Rousseau, parte do princípio de que a criança é boa e é a sociedade que a
corrompe. Por isso, na Summerhill School as crianças viviam em sistema de internato,
convivendo de forma totalmente democrática, haja vista que as decisões entre alunos,
funcionários e professores eram votadas com mesmo peso entre todos. Neill postula
que a educação deve estar de acordo com as necessidades físicas, psíquicas,
intelectuais e emocionais da criança e que os laços que promovem submissão e
dominação devem ser quebrados para que se alcance a independência.
O leitor atento perceberá que a proposta educacional idealizada por Steiner,
apesar de partir de diferentes pressupostos, insere-se neste movimento de superação
do modelo europeu tradicional de ensino daquele tempo, assim como fizeram os
educadores aqui apontados. Há de se considerar, no contexto histórico, que todos
eles vivenciaram os horrores da Primeira Guerra Mundial (1914-1918) e que,
intencionalmente ou não, difundiram modelos educacionais com ares de
transformação social. Modelos que, ainda hoje, continuam a educar milhares de
crianças e são encarados como alternativos pela sociedade.
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1.2 Rudolf Steiner: biografia e produção

Rudolf Joseph Lorenz Steiner nasceu em Kraljevec7, em 27 de fevereiro de


1861, filho dos austríacos Johann Steiner (1829-1910), telegrafista que servia na
estação ferroviária da cidade e Franziska (cujo sobrenome de batismo era Blie)
Steiner (1834-1918). O território de ascendência familiar dos Steiner era a
“maravilhosa região silvestre da Baixa-Áustria, ao norte do Danúbio” (STEINER,
2016c, p.22), como a descreve carinhosamente o autor em sua autobiografia.
A descrição detalhada de paisagens do leste europeu compõe a obra
autobiográfica, atribuindo à compreensão do leitor um significado especialmente
importante quando analisadas suas produções na vida adulta, haja vista ter
fundamentado suas pesquisas na fenomenologia de Goethe8. Segundo suas palavras
recriadas pela memória de adulto, Steiner era um menino curioso e atento, que
dedicava horas à contemplação da natureza que o cercava, buscando compreender
desde os processos mais simples, até as metamorfoses mais complexas que pôde
observar entre plantas e animais. Viveu entre estes dois extremos: o da tecnologia
que envolvia o ofício de seu pai, e da natureza que lhe oferecia paisagens
monumentais e sensações climáticas das mais diversas, dignas do clima temperado
do Norte. Steiner demonstra ter sido uma criança perspicaz, que observava a tudo e
a todos ao seu redor. Cresceu em meio às estações de trem por onde o pai trabalhou:
cinco ao todo. Na cidade natal viveu até seus dezoito meses. Depois de uma breve
passagem por Mödling, perto de Viena, a família viveu maior tempo em cidades na
região da Baixa-Áustria. Em Pottschach, Steiner ganhou uma irmã e um irmão.
Também foi lá que entrou na escola da aldeia, onde não permaneceu muito tempo.
Por causa de um desentendimento com o mestre-escola (um senhor de idade que,

7 Fronteira húngaro-croata, situada junto à linha férrea entre os rios Mura e Drava, a vinte quilômetros
da confluência em sentido oeste, na atual Croácia.
8Johann Wolfgang von Goethe (1749-1832) poeta, pensador e pesquisador científico, considerado

expoente máximo da literatura alemã. Sua obra mais famosa é o poema trágico Fausto, redigido em
forma de teatro e dividido em duas partes. Em relação às ciências, desenvolveu um método de análise
fenomenológica ao estudar botânica, a teoria do conhecimento e das cores. O naturalismo de Goethe
parte de uma compreensão profunda do fenômeno, por meio da intuição sensorial, considerando a
dinamicidade daquilo que se observa. Foi com a obra de Goethe que Rudolf Steiner encontrou sentido
para fundamentar as suas experiências suprassensíveis e, consequentemente, fundamentar sua
Ciência Espiritual, a Antroposofia.
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nas palavras de Steiner, tinha o trabalho docente como um fardo), seu pai preferiu
educá-lo em casa.
Entre seus brinquedos, os favoritos eram livros:

Eram livros ilustrados com figuras móveis, que podiam ser puxadas
por meio de fios presos embaixo. Essas figuras eram acompanhadas
de pequenos contos e recebiam vida própria quando se puxavam seus
fios. Em companhia de minha irmã, eu ficava durante horas sentado
em frente a esses livros. Foi também com eles que, sozinho, comecei
a aprender a ler. Meu pai queria que eu aprendesse cedo a ler e
escrever. (STEINER, 2016c, p. 25).

Steiner fala sobre a dificuldade que tinha em compreender as atividades


“pedagógicas” preparadas pelo pai, que ansiava pelo seu aprendizado da leitura e da
escrita; gostava mesmo era de imitá-lo, principalmente nos afazeres práticos. Aos oito
anos de idade, conheceu sua quarta morada: era a cidade de Neudörfl, na Hungria.
Lá estava longe dos Alpes, mas tinha como lazer vagar pelas florestas e montanhas
das redondezas. Nesta época, era sacristão da igreja católica da cidade. Aliás,
importante ressaltar a relação que Steiner expressa ter estabelecido com pessoas
ligadas à Igreja. Em Pottschach tinha grande afeição pelo pároco de St. Valentin, um
eclesiástico liberal, tolerante e condescendente. Apesar de não ter tido exemplo e
estímulo dos pais, Steiner sempre admirou o Cristianismo e seus ritos. O autor relata
que, em seu íntimo, já vivenciava o mundo espiritual e, apesar do estranhamento
diante de tais experiências, sentia que tudo aquilo ainda lhe faria sentido. Aos nove
anos estava cheio de perguntas e poucas respostas acerca da vida, sentia-se,
portanto, bastante sozinho.
Foi através de um professor auxiliar da escola que lá frequentava que
encontrou conforto para tais experiências suprassensíveis. Heinrich Gangl, também
organista da igreja, apresentou-lhe a geometria. Um encontro do qual Steiner diz ter
sentido muita felicidade, justamente por considerar este o primeiro germinar da
concepção que, inconscientemente, desenvolvia aos poucos. O estudo do livro de
geometria lhe trouxe a compreensão de algo puramente no espírito, livre de
impressões dos sentidos externos. Na fase adulta, pôde elaborar melhor o
pensamento que lhe ocorreu à época entendendo que, assim como a geometria, o
homem devia carregar em si o saber do mundo espiritual.
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O relacionamento com Heinrich Gangl rendeu ainda mais uma contribuição


valiosa. O professor auxiliar, pessoa a quem Steiner dedicava seu tempo o quanto
fosse possível, lhe trouxe o elemento artístico: Gangl tocava piano, violino e
desenhava. Outra figura da qual Steiner recorda com carinho estava ligada à direção
da escola: era o pároco de Neudörfl, um enérgico patriota húngaro. A gratidão ao
eclesiástico se dá por ter sido ele o responsável por um grande aprendizado a que
Steiner teve acesso naquele tempo de escola: o sistema cósmico copernicano. O
contraponto de seu mundo ligado à religião, entretanto, deu-se com o pai, um
pensador liberal que empreendia grandes debates políticos com amigos e funcionários
da estação ferroviária. Steiner conheceu a literatura alemã por meio de um médico
que frequentemente atendia às pessoas da aldeia. Aos dez anos de idade já tinha
contato com as obras de Lessing, Goethe e Schiller9.
É com esta idade que o autor relembra sua relação com o aprendizado da
leitura e escrita:

[...] cresci inteiramente falando o dialeto alemão da Baixa-Áustria


oriental. [...] Minha relação com a leitura era bem diferente do que com
a escrita. Em minha infância, eu ultrapassava as palavras; ia com a
alma diretamente a contemplações, conceitos e ideias, de modo que
eu nada obtinha, da leitura, para o desenvolvimento do senso para a
escrita ortográfica e gramatical. Em contrapartida, ao escrever sentia-
me compelido a fixar as imagens verbais em fonemas tal qual eu as
ouvia, como palavras de dialeto. Assim, só com as maiores
dificuldades encontrava um acesso para a escrita da língua, ao passo
que desde o início me foi bem fácil lê-la. (STEINER, 2016c, p.38)

O futuro estudantil do autor toma mais forma no ano de 1872. O pai,


preocupado com sua formação e desejando que essa lhe fosse útil para conseguir
uma colocação na estrada de ferro como engenheiro ferroviário, encaminha-o para o
exame de admissão na escola municipal. Com o sucesso de seu exame e considerado
adiantado, foi parar no colégio científico de Wiener-Neustadt, cidade próxima à
Neudörfl.
Os anos de estudo no colégio científico proporcionaram a Steiner muitas
vivências importantes. Lá desenvolveu profundo interesse pela física, química e

9Gotthold Ephraim Lessing (1729-1781), Wolfgang von Goethe (1749-1832) e Johann Friedrich von
Schiller (1759-1805).
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matemática. Lia diversos artigos escritos por seus professores e pelo diretor. A
filosofia também sempre esteve presente em seus estudos e foi nesse tempo que teve
o primeiro contato com a obra de Immanuel Kant (1724-1804) Crítica da Razão Pura
– leitura esta que lhe tomou bastante tempo e energia, posto que fazia questão de
compreendê-la em profundidade para poder elaborar sua crítica e obter bases para o
desenvolver de seu próprio pensar. A teoria investigação da razão e seus limites
apresentadas por Kant lhe pareciam insuficientes.
Steiner acreditava que devia se aproximar da natureza, dizia que “só se pode
ter uma adequada vivência do mundo espiritual por meio da alma quando o pensar
adquire uma configuração capaz de aproximar-se da essência dos fenômenos da
natureza” (STEINER, 2016c, p. 43). Sobre o pensar, tinha a crença de que este
deveria ser educado para que todo tipo de pensamento fosse inteiramente “visível”,
pois, para ele, o mundo espiritual era tão claro como o que a visão humana permite
enxergar no plano físico. Buscava estabelecer uma sintonia entre este tipo de pensar
e a doutrina religiosa, que lhe envolvia intensamente. É a religião no seu sentido
etimológico: do latim, religare. Steiner “sentia que o pensar podia ser educado para
tornar-se uma força capaz de realmente apreender em si os objetos e acontecimentos
do mundo” (STEINER, 2016c, p. 45) e uma “matéria” que ficasse meramente como
objeto de “reflexão” lhe era uma ideia insuportável – sentimento que tinha em relação
à obra kantiana e ao pensamento científico dominante na época. A questão que o
motivava era a seguinte: “em que medida se pode demonstrar que no pensar humano
o fator atuante é o espírito real?” (Idem, p. 52). Acreditava que a atividade cognitiva
constituía parte do “eu” humano, o espírito, que pode ser entendido como “essência
divina”, princípio de inteligência ou individualidade, ou seja, aquilo que nos diferencia
do resto dos seres terrestres e que vive no mundo espiritual. Steiner convencia-se
disto exatamente pelas experiências paranormais que experimentava desde garoto.
Aos quinze anos, aproximou-se com mais entusiasmo da literatura
frequentando a casa do amigo médico que havia conhecido anos antes. O doutor fora,
para ele, como um tipo de professor de literatura poética. Por falar em professor,
Steiner relata em muitos pontos de sua autobiografia a importância da afetividade na
relação aluno-professor. Não à toa que os conteúdos aos quais dedicava maior
interesse advinham de relações afetuosas, de respeito e admiração para com seus
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docentes. A paixão pela área de humanas tornou-se tão grande que estudava grego
e latim para cumprir, por conta própria, o currículo do liceu clássico. Nesta idade
também iniciou sua carreira docente: atendia colegas com dificuldades e relata que a
experiência como professor particular lhe proporcionava excelente oportunidade de
aprendizado, não apenas pelos conteúdos que ensinava, mas pela conveniência de
se ocupar da psicologia prática, haja vista que tomava conhecimento das dificuldades
da evolução anímica humana junto de seus alunos.
Com o término do colégio científico, a família Steiner muda-se para Inzersdorf,
na encosta do Monte Vienense. Em 1879 Rudolf Steiner adentrava a Academia
Politécnica, em Viena, onde as portas do conhecimento lhe foram escancaradas.
Leitor voraz e aluno grandemente interessado, estudou tudo o que foi possível na
universidade. Ficava impressionado com a oportunidade de ouvir sobre Filosofia da
boca de filósofos. Estudou vários deles com intensidade, tecendo críticas e
elaborando artigos, sempre com o objetivo de responder aos seus anseios espirituais.
Em seu íntimo estava determinado a encontrar um caminho científico para tais
experiências suprassensíveis.

Naquela época eu me sentia na obrigação de buscar a verdade por


meio da Filosofia. Devia estudar Matemática e Ciências Naturais.
Estava convencido de que não encontraria nenhuma relação com elas
caso não conseguisse basear seus resultados num seguro solo
filosófico. Contudo, via um mundo espiritual como sendo a realidade.
(STEINER, 2016c, p. 60, grifos no original)

Ainda no primeiro ano teve contato com aquele que lhe apresentaria Goethe.
Karl Julius Schröer (1825-1900) era um professor de literatura entusiasta do estilo
espiritual goethiano. Rudolf Steiner tinha por este professor profunda admiração e
inspiração. Foi por meio dele que, aos dezenove anos, leu Fausto, obra literária de
grande relevância escrita por Goethe. Schröer havia editado a primeira parte da obra
e estava trabalhando nos comentários da segunda, que também editaria. Naquela
época, Steiner assistia a muitas aulas de outros dois professores, Robert
Zimmermann (1824-1898) e Franz Brentano (1838-1917), onde ouvia sobre a filosofia
de Herbart e os princípios básicos de ética. Apesar da discordância acadêmica de
Schröer, os dois mantiveram contato bastante fraterno e estabeleceram uma amizade
longeva.
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Steiner, em sua autobiografia, coloca-se como um jovem complexo. Em seu


relato percebe-se que esteve sempre rodeado de amigos com os quais mantinha
diálogos filosóficos. No entanto, dizia-se solitário, porque ninguém queria ouvir nada
a respeito de suas impressões espirituais. Clarividente e médium, conta que
continuava a acompanhar a pessoa falecida em seu caminho para o mundo espiritual.
Foi apenas neste período da universidade que fez a primeira amizade que
corresponderia a inquietação por determinado assunto. Tratava-se de um homem
simples, do povo, que pegava o mesmo trem que ele todos os dias até Viena. Felix
Koguzki (1833-1909), um homem com cerca de quarenta anos, era um iniciado
imensamente conhecedor dos mistérios da natureza.
Em busca da construção de sua própria teoria do conhecimento,
prudentemente, muniu-se das obras dos mais diversos teóricos. Aproveitou muito de
Friedrich Hegel (1770-1831), questionou Charles Darwin (1809-1882) e entusiasmou-
se com Friedreich Schiller (1759-1805), para não citar todos. Para Steiner, o interior
humano era algo muito mais intrincado do que a Ciência Natural fosse capaz de
explicar. Motivado por sua busca, assistia aulas como ouvinte até mesmo no curso de
Medicina. Com a leitura das Cartas sobre a educação estética do homem (1989) de
Schiller, obteve a indicação de que a consciência humana como que oscilaria entre
vários estados e isto se ligava diretamente com a ideia que formara a respeito da
complexidade interior da alma humana. Aos vinte e dois anos de idade sentia-se em
terreno seguro para refletir a respeito da consciência e do pensar humano de acordo
com o vivenciar do espiritual. Sobre a relação com Schröer, grande responsável por
lhe fornecer este “terreno seguro”, diz Steiner:

Schoröer era idealista; e o mundo das ideias como tal era, para ele, o
que atuava como força-motriz na criação exercida pela natureza e pelo
homem. Para mim, a ideia era a sombra de um mundo espiritual
plenamente vivente. [...] Para mim havia vida do espírito por detrás das
ideias, sendo estas apenas sua manifestação na alma humana.
(STEINER, 2016c, p.86)

Com o estudo mais aprofundado das teorias elaboradas por Goethe, Steiner
finalmente encontra subsídios para estabelecer sua teoria em relação ao
desenvolvimento humano à luz da espiritualidade.
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O autor revela que seu grande ganho no campo pedagógico aconteceu no


trabalho como tutor particular em uma família com quatro meninos. Contratado para
ministrar o preparo para o ensino elementar e oferecer aulas de reforço a três deles,
deparou-se com o desafio de educar por completo o quarto filho, um menino de dez
anos que tinha hidrocefalia10 e mal sabia o básico para ler, escrever e contar. Steiner
procurou desenvolver um trabalho amplo com este menino, colocando em prática
abordagens de acordo com a teoria que vinha desenvolvendo. Tal foi seu sucesso que
o garoto em dois anos havia recuperado o tempo escolar perdido. Steiner cuidou da
educação destes meninos por muitos anos, fazendo questão de estar perto do caso
mais delicado. O menino com hidrocefalia, futuramente, ainda se graduou em
Medicina. Sua vida, entretanto, só não foi mais vasta porque faleceu na Primeira
Guerra Mundial. Outro fato que o autor lembra com carinho diz respeito à convivência
com a família, oportunidade de recuperar o seu tempo de brincar e a as aulas que
ministrava à mãe dos meninos, pessoa por quem nutria grande afeição.
Em 1882 foi convidado, no contexto da “Bibliografia Nacional Alemã”, a editar
os escritos científicos de Goethe, ficando responsável pela introdução e comentários
das obras. Tudo isso por intermédio de Schröer, com quem veio a estremecer o
contato quando iniciou a partilha de conversas filosóficas com a poetisa Marie Eugenie
Delle Grazie (1864-1931), uma jovem húngara que nutria antipatia pela obra de
Goethe e de quem Schröer discordava. Foi através dela que Steiner recebeu a
oportunidade de conviver com teólogos, historiadores e filósofos cristãos que se
reuniam com frequência na casa da poetisa para conversar. Era um lugar onde se
manifestava com vitalidade a corrente pessimista e disseminava-se o
antigoethianismo. Steiner deixa bem claro em sua autobiografia o quanto lhe
interessava conhecer os diversos pontos de vista acerca do conhecimento,
principalmente aqueles extremamente contrários ao seu.

10 Doença congênita ou adquirida que é tratável, mas que não tem cura, que se caracteriza pelo
acúmulo do líquido cefalorraquidiano (LCR) nos ventrículos cerebrais (cavidades intercomunicantes
localizadas em áreas do encéfalo) e no espaço subaracnoide entre as membranas aracnoide e pia-
mater das meninges. Esse acúmulo pode ser causado por um desequilíbrio entre a produção e a
reabsorção do líquido cefalorraquidiano ou por algum tipo de obstrução que impeça sua circulação e
drenagem. O fato é que o excesso retido faz os ventrículos cerebrais dilatarem, o que pode provocar
compressão e danos nas estruturas encefálicas. Informação disponível em
https://drauziovarella.com.br/doencas-e-sintomas/hidrocefalia/, acesso em 7 de novembro de 2017, às
15 h.
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Por volta de 1888, quando refletia imensamente sobre a questão de repetidas


vidas do homem na esfera terrestre (a reencarnação), Steiner teve contato com o
movimento teosófico, fundado pela russa Helena Petrovna Blavatsky (1831-1891).
Neste mesmo ano, o autor austríaco teve a chance de atuar como jornalista no
Semanário alemão, um jornal onde ele devia ocupar-se dos acontecimentos públicos
da Áustria. Curiosamente, tal tarefa foi-lhe extremamente árdua, uma vez que
procurava se afastar o quanto podia de convicções partidárias. Não por acaso, foi
neste período que conheceu algumas personalidades envolvidas nas mais variadas
áreas da vida pública. Em contato com líderes socialistas e outros simpatizantes do
referido movimento, teve o impulso de se familiarizar com as obras de Marx (1818-
1883), Engels (1820-1895), Rodbertus (1805-1875), e outros autores de Economia
Política. O socialismo e as demais teorias materialistas não lhe agradavam. Para
Steiner era difícil, dizia até doloroso, acreditar que as forças econômico-materiais
fossem suportes da verdadeira evolução na história humana. Reconhecia a
importância da questão social e sua abrangência e, justamente por isso, entendia que
tal questão só poderia ser reformulada de maneira correta a partir de uma cosmovisão
espiritualista.
Sua primeira viagem à Alemanha aconteceu no ano seguinte, em 1889. Em
decorrência de sua contribuição na edição das obras científicas de Goethe em Viena,
foi convidado a trabalhar na edição de tais obras em Weimar, cidade natal do escritor
alemão. Em posse de manuscritos e diversos textos até então não publicados, Rudolf
Steiner pôde construir uma imagem mais adequada da cosmovisão goethiana, bem
como aprofundar-se no método cognitivo de Goethe. Em 1886, publicou o livro O
método cognitivo de Goethe (1886).
Por meio desta oportunidade e de tantas rodas filosóficas a que teve acesso,
como aquela na qual conheceu Rosa Mayreder (1858-1938), Steiner pôde escrever
sua tese de doutoramento Verdade e Ciência (1891) pela Universidade de Rostock e,
um pouco mais à frente, sua primeira grande obra, A Filosofia da Liberdade (1894).
Naquele tempo Steiner estava na casa de seus trinta e poucos anos e havia decidido
se mudar para Alemanha a fim de trabalhar como colaborador no Arquivo Schiller-
Goethe, em Weimar. Das suas ideias a respeito de liberdade e conhecimento, pode-
se ler:
30

Enquanto se desenvolve em sua existência terrena a partir do


nascimento, o homem se defronta cognitivamente com o mundo.
Primeiro alcança a visão sensorial; mas esta é somente um posto
avançado do processo cognitivo. Nessa visão ainda não se manifesta
tudo o que está no mundo. O mundo possui essência; mas inicialmente
o homem não alcança esse elemento essencial. Ele ainda se fecha
diante deste. Pelo fato de ainda não contrapor sua própria sua própria
essência ao mundo, forma do mundo uma imagem em que falta
essência. Essa imagem do mundo é, em realidade, uma ilusão.
Quando, porém, o pensar livre dos sentidos vem de seu interior para
acrescentar-se à percepção sensorial, a ilusão se embebe de
realidade, deixando de ser ilusão. Então o espírito humano, que em
seu íntimo vivencia a si próprio, confronta-se com o espírito do mundo,
que para os homens não está oculto atrás do mundo dos sentidos, e
sim se entretece a esse mundo e atua nele. (STEINER, 2016c, p.138)

Desta forma, Steiner propunha o resultado de anos de pesquisas realizadas,


segundo seu relato, de maneira isolada, mesmo considerando o constante contato
com pessoas ligadas ao meio acadêmico. Queria mostrar que conhecer é vivenciar,
pois é neste processo que o homem se coloca dentro da essência das coisas.

Se o homem age em seus instintos, impulsos, paixões, etc., ele não é


livre. Impulsos que para ele se tornam tão conscientes quanto as
impressões do mundo sensorial acabam determinando seu agir, mas
não é seu verdadeiro ser que aí atua. Esse homem age num nível em
que sua verdadeira essência ainda não se manifesta de forma alguma.
Como homem, nisso ele se revela tão pouco quanto o mundo sensorial
revela sua essência numa observação meramente sensorial. Ora, em
realidade o mundo sensorial não é uma ilusão; ele vem a sê-la por
obra do homem. O homem, em seu agir, pode realmente tornar ilusões
os impulsos, cobiças, etc. afeitos ao sensorial; nesse caso, deixa atuar
nele algo ilusionista – não é ele próprio quem age. Ele deixa atuar o
lado não espiritual. Seu lado espiritual só atua quando ele encontra os
impulsos para suas ações no âmbito de seu pensar livre dos sentidos,
sob forma de intuições morais. Então é ele próprio quem age, e nada
diferente. Então ele é um ser livre, um ser que age por si próprio.
(STEINER, 2016, pp.139-140)

Os anos em Weimar foram marcados pelo constante empenho de Steiner na


edição das obras de Goethe e Schopenhauer (1788-1860). Em uma de suas visitas
ao Arquivo Nietzsche, conhece Elisabeth Förster-Nietzsche, irmã do autor, então
enfermo. Förster-Nietzsche chega a manifestar a ideia de convidar Steiner para a
edição das obras de seu irmão, mas não o faz. Anos depois, tenta substituir o
31

responsável pela edição das obras de Nietzsche pelo autor austríaco, mas ele declina
ao convite.
Em 1895, Steiner escreve o livro Nietzsche, um lutador contra sua época (1895)
personalidade por quem desenvolveu grande admiração, inclusive ocupando-se
durante bastante tempo de sua obra – a qual sentia ser oposta à sua própria
orientação espiritual. Dizia que Nietzsche tinha determinados pensamentos que
aspiravam ao mundo espiritual, mas que era prisioneiro da mentalidade naturalista do
final do século XIX. Passou muitas de suas horas no Arquivo Nietzsche em Naumburg
e em Weimar e foi pelo meio social proporcionado por este contato com Nietzsche que
Steiner conheceria o seu futuro co-editor do Magazine de Literatura em Berlim, Otto
Erich Hartleben (1864-1905). A amizade começou em uma reunião na qual discutiam
Schopenhauer, a quem chamavam de “gênio bitolado”. Rudolf Steiner encontra
Nietzsche apenas uma vez, em 1896, em uma visita à casa do filósofo, já bastante
enfermo e inconsciente àquela época.
Com a conclusão de seu trabalho como colaborador no Arquivo Goethe-Schiller
e findadas as edições das obras a que tinha se proposto, Steiner espera pela
oportunidade de voltar a Viena com a possível criação da cadeira de Filosofia na
Escola Técnica Superior, instituição onde havia estudado. Contudo, o desejo não se
realiza e o próprio autor reconhece em sua autobiografia que o motivo é, muito
provavelmente, devido às (também) inimizades conquistadas em Weimar, fato
atribuído a uma conferência que havia realizado anos antes para os colegas do
Arquivo. Neste mesmo ano, conjuntamente às atividades de encerramento de seu
trabalho como editor, Steiner escreve A cosmovisão de Goethe, publicando-a um ano
depois, em 1897. Meses depois, muda-se para Berlim para assumir o cargo de editor
na Magazine de Literatura, periódico cultural ao qual teve de se adaptar para escrever,
levando em conta as criações da nova geração de escritores.
Para que a revista angariasse um número maior de assinantes, o autor firma
uma espécie de parceria junto da Sociedade Literária Livre. Em Berlim o círculo
cultural de Steiner expande-se consideravelmente, tornando-se membro, inclusive, da
Sociedade Dramática, onde teve contato mais direto com as artes cênicas. Outro fato
que podemos apontar como significativo nesta época diz respeito ao seu casamento
32

civil com Anna Eunike (1853-1911)11, então viúva e mãe de quatro filhos, a quem
Steiner conheceu e conviveu desde a época em Weimar.
Além de estabelecer maior contato com a vanguarda artística e intelectual,
Steiner envolve-se, ao mesmo tempo, com a classe operária de Berlim. Devido à falta
de recursos, seu sustento como editor na Magazine de Literatura se mostra
insuficiente. Para resolver a questão, aceita o convite da diretoria da Escola de
Formação Cultural para Trabalhadores, para lecionar História e Ciências Naturais.
Mais um momento curioso de sua vida: declara, em algumas passagens de sua
autobiografia, a antipatia que nutria em relação ao materialismo histórico. Dizia que
tal pensamento era incompleto e que o caminho com o alunado não deveria ser de
oposição polêmica. Ao contrário disso, almejava partir do materialismo para fazer
surgir o idealismo – corrente com a qual se identificava. A escola que fora fundada por
um notável revolucionário radical-democrata, político socialista no Império Alemão,
obviamente, não sustentou tais ideais de Steiner por muito tempo.
Nessa época, virada do século, Steiner publica mais quatro livros: A mística no
despontar da vida espiritual moderna (1901), O cristianismo como fato místico (1902),
Concepções do mundo e da vida no século XIX (1901) e Os enigmas da Filosofia
(1902), onde estabelece um panorama da evolução das cosmovisões desde a época
grega até o século em que se encontrava.
A Sociedade Antroposófica nasce, então, em 191212 da atividade como
palestrante e conferencista desenvolvida no seio da Seção Alemã da Sociedade
Teosófica, onde Steiner foi secretário-geral e mantinha a Escola Esotérica. Seus
esforços para a introdução ao conhecimento suprassensível do homem e do destino
humano são publicados em Teosofia (1904). A primeira década do século XX foi o
período no qual dedicou seus esforços para reunir interessados em sua filosofia
espiritual. Junto a Marie von Sivers (1867-1948), polonesa entusiasta da arte da
dicção, proferiu palestras públicas para divulgar seu conhecimento resultante de

11 Nascida Schultz, viúva Eunike, casou-se com Rudolf Steiner em 30 de outubro de 1899, passando
a assinar Anna Steiner. Viveu com Steiner até o ano de sua morte, em 1911.
12 A data oficial de 1912 demarca a primeira organização antroposófica na cidade de Colônia, na

Alemanha. Algumas fontes consideram os anos de 1912-1923 como período de consolidação da


Sociedade Antroposófica segundo consta na página online do Goetheanum. Disponível em
https://www.goetheanum.org/aag/geschichte/1912-1923-gruendung-der-anthroposophischen-
gesellschaft/https://www.goetheanum.org/aag/geschichte/1912-1923-gruendung-der-
anthroposophischen-gesellschaft/, acesso em 7 de novembro de 2017, às 16h.
33

tantos anos de pesquisa que, para ele, pouco tinham a ver com a Teosofia. Para tanto,
praticamente rompeu com a tradição da “antiga sabedoria” que condenava a ampla
difusão dos saberes esotéricos. Todavia, convicto do que estava fazendo, Steiner era
ponderado em suas explanações públicas, e guardava os conteúdos mais específicos
para as aulas privadas. Aos poucos, seus esforços resultam em diversos
agrupamentos de pessoas simpatizantes do desenvolvimento interior, não só em
Berlim, mas em outras cidades como Munique e Stuttgart. A Antroposofia vai tomando
forma com o passar do tempo e Steiner explica que foi preciso apoiar-se em termos
teosóficos para alcançar o entendimento daqueles que chegavam ao seu ciclo.
Embora a princípio tivesse a intenção de trabalhar em harmonia com a direção
da Sociedade Teosófica, a atividade antroposófica não perdurou ali por muitos anos.
Antes da cisão13 ideológica entre as duas correntes, ocorreu de elaborar, junto a Marie
von Sivers, um periódico no qual escreviam pouco a pouco o conteúdo relativo à
Antroposofia: Luzifer14. O livro O conhecimento dos mundos superiores (1909) surgiu
dali, capítulo por capítulo. Por necessidade, Marie von Sivers também se mobilizou
para constituir a Editora Filosófico-antroposófica15, a fim de publicar o periódico que
editava com Steiner para difundir os conhecimentos antroposóficos, bem como para
editar as anotações que os alunos faziam dos cursos e palestras. Inicialmente, Steiner
proibia qualquer tipo de anotação em suas aulas. Com o tempo, muitos erros
começaram a circular nas publicações e entendeu-se que alguém deveria transcrever,
editar e revisar os conteúdos. O intuito inicial era o de publicar apenas para membros
da sociedade, justamente pela falta de tempo para revisá-los. Steiner temia equívocos
nestes escritos que, por fim, foram confiados à sua parceira de trabalho. Marie von
Sivers era responsável pela designação dos estenógrafos, administração das
anotações e revisão dos textos que seriam publicados. Foram muitas as publicações
relevantes neste período, desde interpretações de evangelhos bíblicos até os escritos
sobre moral e a evolução humana. O livro A ciência oculta, de 1910, é considerado
uma obra básica para a compreensão dos ciclos evolutivos do homem e do Universo.

13Na realidade, Steiner justifica que, desde o início de suas atividades na Sociedade Teosófica, não
partilhava das mesmas ideias da casa que o acolhera. Justamente por isso, desenvolvia o seu trabalho
paralelamente à ideologia de Blavtsky.
14 No sentido de “portar a luz”.
15 Desde 1950 é conhecida como Verlag am Goetheanum (Editora do Goetheanum), em Dornach,

Suíça.
34

Marie von Sivers foi a grande companheira de Steiner, desde início do século
até o fim de sua vida. O autor conta que foi através dela que pôde desenvolver o
elemento artístico, parte imprescindível do eu amadurecer espiritual. Ele já estava em
seu quinto decênio quando teve contato mais profundo com a arte. Viajaram por
grande parte da Europa a serviço da Antroposofia e, assim, desenvolveram conceitos
de arquitetura, escultura, pintura e expressão corporal, denominada no meio
antroposófico de Euritmia.
A Sociedade Antroposófica tem como data de fundação o ano de 1913. Neste
mesmo ano inicia-se a construção do Goetheanum16, o edifício-sede do movimento
antroposófico em Dornach, na Suíça. Todo projetado em madeira, foi criminosamente
incendiado no ano de sua inauguração, em 1922. Rudolf Steiner concebe, então, um
segundo prédio, desta vez de concreto, reinaugurado em 1928. De 1914 a 1923
Steiner atua ativamente por toda a Europa compartilhando seus conhecimentos e
fornecendo elementos para a renovação de vários âmbitos da sociedade, como na
arte, educação, medicina, ciências naturais, economia, política e teologia. Em 1924
ainda intensifica sua atividade como palestrante, porém termina o ano enfermo e
falece em 30 de março de 1925, aos sessenta e quatro anos de idade.

16Sede mundial do movimento antroposófico, o prédio abriga dois teatros, biblioteca, livraria, escritórios
da Sociedade Antroposófica, espaço para exposições e palestras, obras de arte e é entendido como
um lugar de aprendizado, uma escola superior livre das ciências espirituais.
35

Ilustração 1 – Rudolf Steiner em Dornach, 1914.

Foto Magdalene Becker, Breslau. Inventário Rudolf Steiner Archiv, Dornach17.

Toda a obra de Rudolf Steiner foi reunida em uma edição completa chamada
Gesamtausgabe e os mais de 300 volumes foram numerados sob a sigla GA. Essa
publicação deriva de uma orientação deixada por Marie Steiner antes de seu
falecimento, em 1948. Hoje, o trabalho de seleção, revisão e notas é realizado pelo
Rudolf Steiner Archiv, pertencente à instituição administradora do espólio literário do
autor, a Rudolf Steiner Nachlassverwaltung, também proprietária da editora que se
responsabiliza pelas publicações.
A edição completa (Gesamtausgabe) foi concebida como uma edição de leitura
e estudo, com referências biográficas, bibliográficas e históricas ao texto. Esta é uma
edição mais heterogênea, que surgiu ao longo de décadas, com uma ampla gama de
textos e uma abordagem e alcance muito diferentes. A coletânea de sua obra está

17 http://www.rudolf-steiner.com/downloads/. Acesso em 31 de outubro de 2017, às 21h.


36

dividida em três grandes partes, de acordo com o plano de edição de 1961: 1. Textos
escritos: a. livros GA 1-28, b. artigos GA 29-36, c. cartas, frases e fragmentos GA 38-
47. 2. Ciclos de palestras: a. apresentações públicas GA 51-84, b. palestras aos
membros da Sociedade Teosófica, mais tarde Sociedade Antroposófica GA 88-270,
c. palestras e cursos de âmbitos específicos da vida GA 271-374. 3. A obra artística:
reproduções e publicações do espólio artístico, réplicas dos esboços pictóricos e
gráficos de Rudolf Steiner. (STEINER, 2016, pp. 381-384)

1.3 Antroposofia, a sabedoria do homem

A ação do ser humano, iluminada por sabedoria e aquecida por


amor, concretiza o sentido do mundo.
Rudolf Steiner

Como vimos, a Antroposofia de Rudolf Steiner é resultado de uma vida toda de


dedicação ao estudo e compreensão das diferentes áreas do conhecimento humano
ampliadas pela dimensão espiritual. Na tentativa de superação do reducionismo
experimentado pela ciência convencional, a ciência espiritual antroposófica apresenta
uma nova maneira de observar e compreender o mundo. É a ciência do Cosmo que
tem como pilar central o homem, entendendo-o como uma síntese de todo o universo.
Segundo Passerini (1998, p.32), a existência de uma realidade não-física do ser
humano e do universo possibilita uma compreensão distinta e mais aprofundada do
desenvolvimento humano e seu atuar no mundo, em uma “dimensão que permeia e
transcende a física”.
Com o desejo de responder às perguntas mais diversas e profundas do ser
humano por meio da razão, valendo-se do método científico inspirado na
fenomenologia de Goethe e levando em consideração as influências espirituais, a
Antroposofia propõe, assim, uma nova perspectiva em relação ao conhecimento e ao
pensar: possibilita, ao indivíduo, um caminho de desenvolvimento das faculdades
mentais, ampliando sua percepção de forma consciente a outras dimensões.
Exatamente por isso que não se admite como fé cega, nem tampouco como religião.
Steiner parte do princípio de que a realidade é composta por diferentes
dimensões. O plano físico seria apenas uma delas, onde as formas existem para que
a essência espiritual se manifeste e atue no mundo. Assim, ao desenvolvermos de
37

forma intencional outras formas de observação, que jazem latentes no ser humano,
tornamo-nos capazes de acessar os planos mental e espiritual, onde os objetos do
plano material adquirem outro contexto. É o que na Antroposofia encontramos como
“observação pensante” e o que Steiner defende como verdadeiro conhecimento: o
autoconhecimento, ou seja, aquilo que adquiriu sentido e foi conquistado através do
pensar consciente do homem e não algo imposto de fora (REDAELLI, 2003, p. 14).
Dessa forma, obedecemos a uma hierarquia espiritual extremamente
complexa, composta por diferentes seres que nem sempre assumem uma expressão
física. Os seres humanos, por exemplo, contêm uma substância espiritual mais
complexa do que os animais e as plantas, daí sua distinção em relação a eles. É que
para a Antroposofia não existe o paradoxo do espírito diverso da matéria; ele é a
origem de tudo. Steiner também observou que o corpo humano é constituído pelas
mesmas substâncias que formam o universo ao nosso redor, sendo portador de
elementos do mundo inorgânico (reino mineral) e orgânico (vegetal, animal e
humano). Para além dos processos físico-químicos, chegou à conclusão de que os
seres orgânicos são permeados por uma força vital, um elemento espiritual que dá
vida ao ser e “que impede a matéria de seguir suas leis químicas e físicas normais”
(LANZ, 2016a, p.17).

1.3.1 A entidade humana

A entidade humana é, portanto, uma criação da essência divina composta por


corpo, alma e espírito. Grosso modo, poderíamos dizer que corpo e espírito estão
unidos pela alma (a psique). É como se tivéssemos uma pátria espiritual e viéssemos
à Terra para um processo de evolução da nossa essência individual, o EU. Essa
essência necessita de um corpo para poder viver no plano físico e material. Precisa,
também, da força vital e de emoções para que possa viver harmonicamente. Assim
temos a constituição quaternária do homem ou, segundo a Antroposofia, a
Quadrimembração, que além dos quatro reinos da natureza também está ligada aos
quatro elementos encontrados nela: a terra, a água, o ar e o fogo.
O corpo físico é o que está sujeito às mesmas leis da física, perceptível pelos
órgãos do sentido e composto pelas mesmas substâncias e forças que formam o resto
38

do mundo. A palavra que se relaciona a ele é “morte” (da matéria), justamente porque
no momento em que a vida deixa de existir este corpo é sucumbido pelas leis do
mundo inorgânico e volta a ser “pó”. Está relacionado, então, ao reino mineral e ao
elemento terra.
O corpo etérico, ou vital, é o construtor e plasmador do corpo físico, é seu
habitante e arquiteto. Para percebê-lo é preciso desenvolver os órgãos superiores de
percepção. Ele é responsável pelo crescimento e reprodução da matéria e é
constituído pela “memória”: daí ser entendido como responsável pela saúde, porque
memoriza os hábitos que regulam e normatizam o funcionamento dos órgãos no corpo
humano, “guardando”, também, a genética. As palavras que se relacionam ao corpo
etérico são “vida/sono”, uma vez que a força vital é o que nos impulsiona à vida,
funcionando de forma não perceptível à consciência. Está relacionado, portanto, ao
reino vegetal e, devido à sua forma fluida de agir, à água.
O corpo astral, ou anímico, é o corpo das sensações. É o portador das dores e
prazeres, instintos, paixões e apetites. É o que chamamos de emocional e a palavra
que se relaciona a ele é “senciência”, exatamente porque é essa percepção
consciente dos sentimentos e o protagonismo assumido, por exemplo, nos animais,
que os diferem da passividade das plantas. Logo, está relacionado ao reino animal e
ao elemento ar, que nos lembra o movimento conquistado por estes seres.
O último corpo é o chamado corpo do EU. A essência divina que nos
individualiza, tornando-nos diferentes uns dos outros. O corpo que nos torna capaz de
pensar, imaginar, relembrar, raciocinar e decidir. Com o andar ereto conquistamos a
verticalidade mantendo a cabeça em direção ao céu, ao mesmo tempo em que nos
conectamos à Terra pelos pés. As mãos são membros livres aptas a criar. É o reino
humano que se relaciona ao elemento fogo, posto que somos feitos de “calor”.
Segundo Lanz (2016a) os três primeiros corpos atuam como envoltórios a
serviço do espírito. O homem constituído de corpo, alma e espírito torna-se capaz de
moldar seu curso de vida, isto é, capaz de inscrever sua biografia.

Todos os seres foram criados, são criaturas; mas apenas o ser


humano, a partir de seu eu, de sua parcela espiritual, pode transcender
essa condição e passar de criatura a criador. Liberto das leis exteriores
que o criaram, o homem torna-se livre para criar ou destruir. A escolha
é sua. (PASSERINI, 1998, p.36)
39

Além desta compreensão, Steiner postulou a ideia de ser humano tríplice


segundo as atividades anímicas que exerce, atividades que refletem em sua
constituição física e também nos graus de consciência da mente humana: o psíquico
e o espiritual. É a concepção de desenvolvimento segundo a Trimembração, na qual
o ser humano apresenta três capacidades fundamentais: o pensar (ligado ao intelecto
- novos conceitos - descobrir), o sentir (sentimento - novas habilidades - vivenciar) e
o querer (metabolismo - novas capacidades – praticar). Estes três aspectos, em
harmonia, buscam o agir consciente.
Dessa forma, Steiner desenhou a divisão do corpo humano entre três sistemas
que sustentam os aspectos descritos acima: o sistema neurossensorial, constituído
pela parte neural (cérebro, encéfalo) e sensorial (órgãos de percepção dos sentidos);
o sistema rítmico-circulatório, formado por coração e pulmões; e o sistema metabólico-
motor, no abdômen, onde estão os órgãos do metabolismo e os membros inferiores
que nos permitem a locomoção. Os sistemas neurossensorial e metabólico-motor
constituem uma polaridade intermediada pela atividade do sistema rítmico-
circulatório. Desta forma, compreende-se a importância do sentir como meio de
relação entre o pensar e o querer.
Agora, para compreendermos o desenvolvimento do ser humano a partir desta
constituição trimembrada, tenhamos em mente que todos os organismos vivos estão
sujeitos às três fases da vida – amadurecimento, equilíbrio e declínio – e façamos a
imagem de dois fios condutores: um que vai da cabeça aos pés e outro que vai dos
pés à cabeça. Enquanto o primeiro representa a força plasmadora que desce
despertando o ser humano para o desenvolvimento e fortalecimento físico-corporal, o
segundo ascende levando a atividade inconsciente dos membros inferiores à
consciência que é mais presente no intelecto. O sistema rítmico, semiconsciente, é o
elo de ligação entre estes dois polos opostos.
Sobre as forças plasmadoras e a relação entre os sistemas, explica Rudolf
Lanz:
Ao observarmos o desenvolvimento físico da criança, vemos que ela
cresce ‘da cabeça para baixo’ [...] Enquanto as forças plasmadoras
descem da cabeça para o corpo até a idade adulta, o centro de
atividade sobe: a criança pequena vive em seu metabolismo e nos
membros, esperneando, correndo, agitando-se fisicamente; durante o
40

período dos sete aos catorze anos observamos as vivências do


sistema rítmico acompanhadas de sentimentos, o entusiasmo (ou
repulsa) pelo aprender, os jogos, as amizades, o sentimento de justiça
muito pronunciado, etc. Depois da puberdade, tudo se concentra na
consciência: o juízo, a reflexão sobre os problemas próprios e os do
mundo, a abstração do pensar, etc. (LANZ, 2016a, pp. 39-40)

Neste pequeno esboço, procuramos apresentar os conceitos básicos da


constituição humana de acordo com pensamento antroposófico. A complexidade do
desenvolvimento do ser humano à luz da Antroposofia é tarefa para um tópico mais
adiante.

1.3.2 Trimembração do Organismo Social

A ciência antroposófica oferece uma visão que compreende a evolução da


Terra e do ser humano, abarcando todo o seu passado, desde os primórdios da Pré-
história, trazendo-nos o entendimento de que somos consequência de uma série de
acontecimentos espirituais e físicos. É dessa forma que Steiner (2015a) elucida a ideia
de que para cada época da humanidade, exige-se um novo espírito para enfrentá-la.
O filósofo austríaco não restringiu seus estudos à condição humana nela
mesma mas, também, estendeu seus conceitos ao ser humano como ser social, o que
ele chamou de Trimembração do Organismo Social. É como se espelhássemos
qualquer organismo social na constituição humana, que busca o equilíbrio para seu
pleno funcionamento harmônico. Para tal, Steiner estabeleceu três campos
essenciais, inspirados pelos ideais do movimento iluminista: liberdade no (inter)agir
social/cultural, que abarca as atividades realizadas pelo indivíduo dentro da arte,
ciência, religião, e educação; igualdade perante à justiça/política, que deve
estabelecer e regular medidas para o convívio social de forma democrática e justa; e,
finalmente, a fraternidade nas relações econômicas, cujo objetivo de satisfazer as
necessidades do indivíduo não deve sobrepor o espírito colaborativo e comunitário.
Daí deriva outro ponto central da Antroposofia: o desenvolvimento da autonomia e da
moralidade, isto é, o florescer de atitudes assumidas pelo indivíduo que não se
baseiam em dogmas, mas que irradiam do amor e do conhecimento em plena
liberdade. Este é o agir consciente.
41

De forma resumida, podemos entender a Antroposofia da seguinte maneira:


A Antroposofia é um caminho ocidental, baseado na vida de Cristo18,
que busca superar a separação causada pela mente e religar o ser
humano à sua essência. Ela faz a ponte do pensar intelectual para a
imaginação, para a intuição e para a inspiração. Sua missão é educar
o ser humano para, em liberdade, trilhar o caminho para a essência
humana, o “SELF”, o caminho para o EU SOU. A Antroposofia inspira
para o conhecimento do ser humano como ser espiritual,
independentemente de qualquer religião. Ela busca a união dos povos,
a superação das diferenças, a compreensão das diversas correntes
espirituais e, finalmente, o AMOR em liberdade e o BEM como
escolha. Atualmente, é tarefa do EU (Essência) unir o pensar com o
sentir e o agir do ser humano. Quando isso não acontece, ele sucumbe
à força da mente e passa a pensar de uma maneira, agir de outra e
sentir de outra ainda diferente. [...] Precisamos nos reconectar à nossa
essência. Ou seja, manter acesa a chama do entusiasmo pela vida.
Isso nos dá a certeza de que temos, em nós, as respostas para este
religar. Em outras palavras: alinhar o físico, o psíquico e o espiritual.
Essa ligação, com a essência, já existe de forma inconsciente na
infância, vindo à tona em forma de capacidades no adulto. (FACURE,
2010, p. 64)

A ampliação dos conhecimentos proporcionados pela ciência espiritual


antroposófica tem um raio que se estende a todos os âmbitos da vida humana. Rudolf
Steiner não apenas fundamentou e estruturou este movimento, como também
oportunizou o contínuo desenvolvimento de seu legado para que outros
pesquisadores pudessem acrescer seus estudos, tornando-os aplicáveis nas mais
diversas áreas da sociedade. É o caso da Medicina Antroposófica e da Agricultura
Biodinâmica, por exemplo. Não menos importante, citamos o legado deixado para o
desenvolvimento de fármacos, contribuições políticas, econômicas, arquitetônicas,
artísticas, abordagens terapêuticas e o campo da educação; este, talvez, o expoente
de difusão da Antroposofia, a arte de educar tal qual conhecemos por Pedagogia
Waldorf.

18O “Cristo” citado no excerto é tido, na Antroposofia, como um ser das mais altas hierarquias
espirituais. O “ser crístico”, por meio de Jesus de Narazé, teria encarnado em uma missão que se
constituiu como um ato de amor divino, trazendo à humanidade um caminho ascendente, o impulso
para a liberdade no amor.
42

1.4 Pedagogia Waldorf, educar e ensinar de forma integral

A Natureza faz do homem um ser natural; a sociedade faz dele um


ser social; somente o homem é capaz de fazer de si um ser livre.
Rudolf Steiner

O surgimento da Pedagogia Waldorf tem como pano de fundo o caos social


instaurado pelo fim da Primeira Guerra Mundial. No ano de 1919, Rudolf Steiner é
convidado pelos membros da Sociedade Antroposófica de Stuttgart a falar sobre a
trimembração do organismo social, em uma conferência onde pensava-se uma
alternativa de reconstrução da sociedade alemã. Emil Molt (1876-1936) era uma das
pessoas ali presentes. Imbuído pelo ideário antroposófico de Steiner, chegou à
conclusão de que aquele modelo social só seria viável se os indivíduos fossem
educados para tal. Proprietário de uma fábrica de cigarros, a Waldorf-Astoria, fundou
a escola inicialmente para os filhos dos operários da fábrica. Daí o famoso nome de
“Escola Waldorf”. Para tamanho projeto, pediu a Steiner que assumisse a estruturação
e direção da escola.
O discurso inaugural da escola, proferido pelo filósofo, é marcado pelos ideais
assumidos pela Pedagogia Waldorf até os dias atuais. Além de lembrar que a escola
deve estar inserida naquilo que evolução humana exige no momento, Steiner reforça
a importância da tarefa docente como “um serviço que se pode chamar de comunitário
no mais sublime sentido” (STEINER, 2015a, p.13). Condena o modelo tradicional de
educação unilateral, que visa apenas a formação para o trabalho, enfatizando que a
verdadeira educação é aquela em que se considera o ser humano em sua
integralidade: “educar e ensinar conforme o exige a natureza humana integral” (Idem,
p.20). Outra condição fundamental para a proposta pedagógica baseia-se na ideia de
que todas as crianças, independentemente de seu desempenho ou condição social,
podem receber a mesma educação. Steiner inclusive propôs o ensino em salas
mistas, superando a segregação por gênero na escola. Por fim, observou que ali não
se pretendia erigir uma escola ideológica, uma vez que a Antroposofia estaria apenas
a serviço da metodologia, didática e manejo no sentido anímico-espiritual; a ciência
espiritual como instrumento de ação educacional viva e não à formação dogmática19.

19Steiner enfatiza que o alicerce educacional – ciência, arte e religião – deve ser livre, respeitando-se
a individualidade e “fé” de cada um. Na alocução introdutória de seu curso pedagógico revela sua
43

A educação na Escola Waldorf tem como meta proporcionar à criança e ao


jovem o desabrochar harmonioso de todas as suas capacidades, levando em
consideração as esferas física, emocional e espiritual. Deve estar a serviço do
desenvolvimento da criança com o objetivo de fazê-la compreender seu papel no
mundo, por meio da autoeducação e, quando adulta, em liberdade para fazer suas
escolhas. Deste modo, entende-se que o pensar conceitual é algo a ser desenvolvido
paulatinamente, respeitando-se rigorosamente esse desabrochar do ser humano.
Para Steiner, o conhecimento só tem sentido na ação, no atuar no mundo; por
isso a valorização, na Pedagogia Waldorf, da observação e experimentação, pois se
o que foi intelectualizado não virou ação, não será capaz de fazer parte do EU, da
essência de cada um. A educação também é, principalmente, viabilizada pela arte,
veículo de expressão da alma. São atividades como: euritmia20, escultura, pintura,
trabalhos manuais (tricô, marcenaria), música, teatro e jardinagem. Segundo Steiner
(2016) o impulso artístico permite ao ser humano o contato com seu interior, com um
universo de fenômenos e formas de expressão que possibilitam a capacidade criativa.
O exercício de criar e recriar por meio da arte possibilita a autotransformação e
proporciona ao ser humano um momento terapêutico, na busca de equilíbrio e
harmonia interna. Outro ponto da educação, não menos importante, é o cultivo do
amor e respeito à natureza, meio no qual o ser humano desempenha papel elevado
e, consequentemente, carrega responsabilidades. Afinal, a natureza constitui a base
da cultura e sobrevivência humana.
O currículo escolar atende às orientações oficiais de cada localidade,
respeitando e buscando a valorização cultural do espaço onde está inserida. O ensino
é oferecido em “épocas”, dando-se especial atenção a determinado assunto durante
o período de quatro a seis semanas. Os alunos têm uma aula principal, com duração
média de duas horas, onde a narração e a experimentação são o principal método de
ensino. Não são oferecidas apostilas, nem livros didáticos; são os próprios alunos que,

preocupação com a construção das escolas bolchevistas, as quais dizia tratar o ser humano como um
objeto a ser manipulado. Também defendia que o sistema administrativo da escola não deveria ser o
de “governança”, mas, sim, de modo “republicano”, uma gestão democrática na qual os docentes teriam
plena responsabilidade.
20
Arte do movimento com caráter cênico, pedagógico e terapêutico, elaborada por Rudolf e Marie
Steiner no início do século XX. Foi incluída como disciplina obrigatória já na fundação da primeira
Escola Waldorf.
44

a partir de observações e vivências constroem e descrevem conceitos científicos com


suas próprias palavras e desenhos. Sempre, obviamente, sob a supervisão e
orientação do professor. Este, aliás, é entendido como o grande realizador da
Pedagogia Waldorf. Sua verdadeira função é a de trazer o mundo para dentro da sala
de aula. É portador de uma grande responsabilidade porque tem como tarefa integrar
o ser humano na vida social, lembrando sempre de considerar a individualidade de
seus alunos.
Segundo Lanz (2016a) o professor possui três qualidades que compõem o seu
ser, que o caracterizam como “Professor Waldorf”: a primeira é um conhecimento
profundo do ser humano, isto é, deve ter o conhecimento da Antroposofia e o
desenvolvimento do ser humano. A segunda característica é ter o amor como base do
comportamento social em relação aos alunos e, por fim, possuir qualidades artísticas,
não referentes à capacidade estética como trabalhos desenvolvidos por pintores,
artistas, músicos, mas, sim, possuir a maleabilidade da fantasia e da criatividade.
O dever do exercício da autoeducação é importantíssimo e constante: deve
estar sempre em busca de equilíbrio para se tornar uma figura digna de imitação e
admiração. Steiner diz que a atuação do professor sobre o aluno deve ser muito
consciente, uma vez que seu modo de ser e agir exerce influência profunda na vida
de seus educandos. É por isso que Steiner também recomenda a constante reflexão
íntima do exercício docente. A meditação, afastada da realidade circundante, constitui
outra grande tarefa do professor.
A Escola Waldorf foi pensada, a princípio, para o ensino a partir dos sete anos.
Doze anos escolares no total: oito no ensino fundamental e quatro no ensino médio.
Neste contexto, o professor assume papel primordial porque acompanha a mesma
classe por todo ensino fundamental. É o chamado “professor de classe”. O contato
bastante próximo não só dos alunos, como também da família é encorajado e
entendido como essencial para a educação integral. Sabe-se que, na Europa, os
professores costumam visitar os seus alunos em casa.
A preocupação com a alimentação e saúde geral dos alunos também é questão
recorrente em uma Escola Waldorf. No meio antroposófico costuma-se dizer que
devemos ser “educados para a saúde pois é a educação o que cura”. Logo, o
desenvolvimento de hábitos sadios é extremamente relevante neste contexto, viés no
45

qual encontramos, também, justificativa para a introdução tardia de equipamentos


eletrônicos na educação (é apenas no ensino médio que os alunos têm acesso à
tecnologia). As refeições são realizadas na própria sala de aula, geralmente
preparadas pelo grupo. Priorizam-se alimentos orgânicos e frescos e todos são
incentivados a colocar as “mãos na massa”. Este momento do lanche compartilhado
nos remete ainda a outra tradição da educação Waldorf, intimamente ligada à
formação de hábitos sadios: o cultivo da religiosidade, no sentido mais amplo do
termo, posto que a escola não adota religião específica. São valorizadas atitudes que
expressam gratidão aos homens, à natureza e às forças do Universo.
As tarefas de casa, testes e qualificações recebem menor atenção neste
modelo educativo que valoriza mais o desenvolvimento das capacidades e do caráter
individual de seus alunos. O respeito pelo amadurecimento físico, emocional e
cognitivo é imprescindível, por isso mesmo as retenções de alunos são realizadas
caso haja extrema necessidade e apenas nos períodos de transição de ciclos de
aprendizagem. O corpo docente é autônomo e livre; todos participam ativamente das
tarefas mais gerais da escola: da observação pedagógica de alunos às decisões
burocrático-administrativas.
Com ideais bem definidos e práticas alternativas, o que a Pedagogia Waldorf
pretende é a formação de indivíduos moralmente responsáveis, com elevada
consciência social e capacidade criativa.

1.4.1 A concepção de desenvolvimento humano: os setênios

Como vimos, a Pedagogia Waldorf parte de uma visão antropológica e


apresenta a concepção de homem considerando todas as dimensões humanas
relacionadas com o mundo, explicando, a partir disso, o desenvolvimento dos seres
humanos de acordo com princípios evolutivos que compreendem etapas de sete anos,
denominadas setênios. Cada setênio é responsável pelo desabrochar de um
envoltório da entidade humana, um membro que se desenvolve de maneira mais
pronunciada. Em cada etapa de desenvolvimento o EU tem este membro como
morada, chegando ao seu “lugar” no final do terceiro setênio, ou seja, aos vinte e um
anos.
46

Tomemos como exemplo, mais amiúde, o período da primeira infância, que vai
do nascimento aos sete anos de idade. O foco está no desenvolvimento do corpo
físico e no desabrochar do corpo etérico, que ainda não está individualizado e tem
ligação com as forças etéricas universais. Seu amadurecimento, após plasmar o corpo
físico ao longo dos anos, é percebido pela troca dos dentes. O “nascimento” do corpo
etérico faz com que novas forças surjam para as crianças. Neste caso, a memória e o
raciocínio, considerados elementos fundamentais para a maturidade escolar.
A prioridade interna deste setênio é o desenvolvimento dos órgãos e,
principalmente, do sistema nervoso, pois é nesta etapa que a criança será capaz de
realizar suas maiores conquistas da vida: andar no primeiro ano de vida, falar no
segundo e pensar no terceiro (idades aproximadas). Ela vive a serviço do sistema
metabólico, onde a vontade habita o âmbito do querer (ou agir). Existe uma intensa
necessidade de atividades corporais e, por esse motivo, está sempre em movimento.
O termo “vontade” não deve ser interpretado por seu significado literal; na
Antroposofia é entendido como um impulso primitivo, implícito aos esforços vitais.
De acordo com Lameirão (2015) o ritmo é fundamental para o desenvolvimento
sadio da criança, que deve viver em um ambiente que a proporcione, além de calor
(afeto, zelo), oportunidades de expansão e contração com intervalos de sono. Isso
porque ela precisa de momentos com o mundo (entre pares) e em seu próprio mundo
(sozinha) para que crie seus próprios mecanismos e encontre o caminho do meio
(reconhecer-se e reconhecer ao outro no mundo). O ritmo para a criança pequena
está muito ligado ao contraste natural entre noite e dia. Ela acorda cedo com a
disponibilidade para brincar, tem um pico ao meio dia, para ir ascendendo até o final
da tarde. A alimentação saudável e o sono também constituem parte fundamental
deste desenvolvimento sadio e ritmado. Na Antroposofia entende-se que o ritmo
também traz segurança à criança pequena.
A criança compreende o mundo por meio dos sentidos, que são as janelas da
alma. São como esponjas que absorvem sem filtro nenhum todo o meio que as cerca.
Da mesma forma, compreendem-no por meio de imagens e é por isso que a contação
de histórias e os contos de fadas são tão importantes nesta fase. É a idade do faz-de-
conta, que na Pedagogia Waldorf é chamada de “fantasia criativa”. Acredita-se que
por volta dos três anos a criança conquista o “pensar imaginativo”. Se a força do
47

etérico (que se ocupa de plasmar o corpo físico) é utilizada para o intelectual (como a
alfabetização precoce) a criança perde a sua potencialidade da força criativa –
estaque é estimulada pelo livre brincar. A criança mostra aquilo que recebe do mundo
e é altamente capaz nesta idade; por isso mesmo é capaz de ser alfabetizada, mas,
segundo a Antroposofia, este estímulo prematuro não é salutar.
Esta abertura sensória e confiança ilimitada que a criança tem para com o
mundo ao seu redor encontra sentido em seu interior por meio da repetição, isto é, faz
com que ela responda aos estímulos do mundo exterior por meio da imitação. Esta é
a maior “força” de que a criança de primeiro setênio dispõe para a aprendizagem. Ela
vai imitar tudo e é por meio desse gesto que vai formar, dentre outras coisas, o
fundamento de sua moralidade futura.
É por volta dos quatro ou cinco anos que a criança terá capacidade de usar seu
potencial da fantasia criativa, de forma ordenada. Com o domínio físico sobre mãos,
braços, pernas e pés, será capaz de desenvolver atividades com propósito e
estabelecer metas, ou seja, fazer brincadeiras mais elaboradas.
Na educação infantil podemos dizer que a Pedagogia Waldorf preza por um
corpo são para, no futuro, ter uma mente sã. Diz-se dessa fase que “o mundo é bom”,
e é assim que os educadores devem mostrá-lo às crianças. Procura-se poupá-las das
mazelas mundanas e daquilo que não são capazes de lidar, seja emocionalmente ou
fisicamente, a fim de que cresçam fortes, corajosas e sadias. Assim, na maturidade,
acredita-se que terão o impulso e a disposição de transformar o mundo.
Não compete a este tópico esmiuçar a fundo as qualidades do segundo e
terceiro setênios, posto que esta é uma das tarefas empreendidas pela leitura da
trilogia steineriana. De forma introdutória, ilustraremos brevemente tais períodos,
apenas para conforto do leitor.
Dos sete aos catorze anos de idade temos a segunda infância, ou seja, o
segundo setênio. A criança, neste período, deve ser conduzida de forma a se permitir
o desenvolvimento intenso dos sentimentos e emoções, bem como da fantasia. O
organismo esforça-se para possibilitar o “nascimento” do corpo astral.
“O mundo é belo”, assim define-se a educação que é primordialmente
oportunizada pela arte. O currículo escolar assume grande importância para o
surgimento harmônico da personalidade do indivíduo buscando um equilíbrio entre as
48

disciplinas que exigem maior conscientização e as que incentivam os sentimentos e a


sensibilidade artística. As abstrações, os conceitos e raciocínios intelectuais que não
sejam invocados pela fantasia, de forma viva e relacionada com a vida do homem na
natureza, são evitados a fim de que não se prejudique o desenvolvimento dos
sentimentos e da fantasia criadora, forças essenciais da criança que necessita de
“imagens que as fecundem e elevem” (LANZ, 2016a, p.49). Trata-se daquilo que nas
demais pedagogias compreendemos por “fase concreta” do pensamento da criança
e, na Pedagogia Waldorf, valoriza-se sob a forma de emoções e vivências no
desenrolar das disciplinas.
Rudolf Steiner chama a atenção para o cuidado com a antecipação de
conteúdos e até mesmo de capacidades que possam prejudicar o desenvolvimento
psíquico da criança. Isso significa que, embora a capacidade de aprender e a memória
estejam prontas, não necessariamente estarão em perfeita prontidão a capacidade de
raciocínio e assimilação de informações (o pensamento analítico) que observamos já
no adolescente. Em contrapartida, fala da importância de se apresentar às crianças
assuntos que estejam além de sua compreensão imediata, sempre de forma sublime.
Frases e poemas com rima são repetidos com frequência atuando sobre a vontade, e
não sobre o intelecto como comumente pensamos. Steiner acreditava que a criança
será capaz de assimilar com maior facilidade o que lhe foi apresentado dessa forma
com a conquista da maturidade para tal. O mais importante é que em todo processo
de aprendizagem a criança seja emocionalmente estimulada, com o ensino permeado
pelo elemento rítmico, pela musicalidade e a estética.
O professor desempenha papel fundamental na educação, devendo trazer todo
o ensino de forma imagética, criativa e bela. Tudo deve fazer pleno sentido e estar
relacionado à vida prática. Cabe também à figura docente a responsabilidade de
desenvolver, na relação com as crianças, a autoridade como princípio pedagógico,
que deve ser conquistada por meio do afeto, respeito e veneração. Para Lanz (2016a)
“a época intermediária (sete-catorze anos) é aquela de uma vivência subjetiva do
mundo, porém sempre por intermédio da personalidade do adulto”; a mão forte e
carinhosa que guia. Esta é uma das chaves do ensino, segundo Steiner (2015a).
Durante o segundo setênio duas grandes transformações podem ser notadas
na criança. A primeira acontece por volta dos nove anos, com o chamado “rubicão”,
49

uma crise na qual a criança transforma o seu modo de interação e identificação com
o mundo ao redor, que até então lhe era mais interno. É como se ela perdesse o
“paraíso”: até então não compreendia objetivamente o mundo e não fazia tamanha
distinção entre o real e o imaginário. Instaura-se um “vazio”. É neste momento que a
educação vem a preencher este espaço com aspectos do mundo exterior, sempre de
forma viva.
A segunda mudança acontece aos onze, doze anos, quando se nota o princípio
da autoconsciência e do raciocínio próprio. É a idade na qual são bem-vindas as
abstrações e a compreensão de leis de causa e efeito. Fase antecedente ao turbilhão
de mudanças causadas pela puberdade é, portanto, um momento muitas vezes
atravessado pelo sentimento de solidão ou introversão. A puberdade, além de
transformar física, psíquica e mentalmente o jovem, assim como a troca dos dentes
no final do primeiro setênio, marca o fim do segundo e o início do desenvolvimento da
autonomia do indivíduo, tarefa do terceiro setênio. Até então, qualquer julgamento
moral confiado ao jovem, por exemplo, está ancorado à sua astralidade, ou seja, às
opiniões imaturas pautadas nas emoções e no egoísmo típico do ser humano nesta
fase da vida.
O terceiro setênio é o período dos catorze aos vinte e um anos de idade, a fase
de transição do jovem para a vida adulta. O EU adquire autonomia em relação ao
resto do organismo, tornando-se livre para atuar no desenvolvimento das faculdades
mentais e morais. É o momento do pensar lógico, analítico e sintético. Com a
capacidade de observar fenômenos de forma isolada e emitir julgamentos objetivos,
o jovem caminha para o agir de acordo com os critérios éticos que desenvolve. Da
mesma forma, a consciência capaz de emitir julgamentos próprios também é
conduzida ao espírito crítico e à revolta diante de qualquer autoridade injustificada.
Por isso o desenvolvimento anímico é tão quisto no segundo setênio: ele é a base
segura da autonomia conquistada pelo jovem.
Da solidão experimentada na puberdade surge a necessidade de guarida e
busca pela identidade nos mais diversos grupos sociais. O amadurecimento sexual é
apenas uma parte das transformações da juventude. Muito mais ligado à realidade
terrena, o jovem torna-se capaz de amar profundamente o que está ao seu redor, e
por isso busca por ideais que o motivem a viver e lutar. O conhecimento, a verdade e
50

a honestidade são qualidades estimadas que o fazem ter admiração e respeito pelo
professor. No ensino, é o momento o qual se diz que “o mundo é verdadeiro”. Ao
contrário de cabeças cheias de conteúdos rasos, os alunos devem ser imbuídos de
vontade e desejo por oportunidades de engajamento social.
Esta pequena abordagem dos setênios nos permite ilustrar o quanto a
concepção de desenvolvimento humano antroposófica é recheada de minúcias que
envolvem os âmbitos físico, psicológico e espiritual. De maneira mais ampla, a
biografia humana é compreendida por etapas de vinte e um anos, aproximadamente.
Levamos os três primeiros setênios para formar a constituição física, os três
conseguintes para o desenvolvimento da alma e, por fim, mais três para o
desenvolvimento da nossa individualidade – o caminho espiritual. Podemos dizer que
passamos a maior parte da vida em progresso, para nos constituirmos enquanto
indivíduo. É como se o ser humano, enquanto indivíduo, percorresse o mesmo trajeto
da evolução vivenciada pela Humanidade na História.

1.5 A trilogia “A arte da educação”

Para toda filosofia, uma pedagogia. Para todo pedagogo, um estudo constante
do que o constitui como tal. Longe de ser um fim, a trilogia A arte da educação (2015a,
2016b, 2015c) torna-se o princípio do que hoje conhecemos como Formação em
Pedagogia Waldorf. O curso ministrado por Rudolf Steiner em Stuttgart, 1919, se fez
necessário para o advento da primeira Escola Waldorf Livre, na demanda de um corpo
docente preparado para tarefa tão elevada, a de se fazer uma completa renovação
espiritual da sociedade permitida, principalmente, pela educação, como aludiu Steiner
(2015a) em seu discurso inaugural. A leitura pressupõe um conhecimento básico da
cosmovisão antroposófica e, para adquirir profundo sentido, a consciência de uma
realidade espiritual que transcende a física comum.
O quefazer de um compêndio de tamanha obra é bastante audacioso. Nos
capítulos a seguir nos empenharemos em trazer os elementos fundamentais de cada
livro, procurando nas linhas e entrelinhas as concepções de educação postuladas por
Rudolf Steiner. Interessante saber que existem duas maneiras de se ler e
compreender a trilogia: o modo convencional, lendo um livro de cada vez ou, lendo-
51

os da mesma forma com a qual o curso foi concebido. Explico: Steiner organizou as
quase três semanas de curso em duas conferências pela manhã e um colóquio
vespertino. A primeira conferência do dia consistia na parte de estudo geral do
homem, com questões pedagógicas mais gerais; a segunda trazia como foco as
questões didáticas e metodológicas para o ensino Waldorf, ao passo que no colóquio
acontecia um trabalho mais seminarístico, com discussões pedagógicas nas quais o
filósofo validava, por meio de exercícios dissertativos, as tarefas a serem cumpridas
pelo corpo docente em relação ao currículo Waldorf. Era justamente neste período
que ocorriam as trocas entre o grupo. Logo, os capítulos dos livros são organizados e
ordenados de acordo com as conferências e colóquios, fato que facilita ao leitor a
localização do conteúdo pela data em que a palestra foi proferida.
O trabalho de transcrição do curso manteve o tom coloquial da linguagem
utilizada pelo filósofo durante as conferências. À edição da obra brasileira coube,
também, a complementação do texto com toda sorte de explicações e referências nas
notas de rodapé, exatamente pelo fato de se tratar de um curso voltado para a cultura
alemã no início do século XX.
52

2. A ARTE DA EDUCAÇÃO I: O ESTUDO GERAL DO HOMEM, UMA BASE


PARA A PEDAGOGIA

O primeiro volume da obra é de imprescindível importância para quem deseja


compreender o modo de fazer e acontecer da Pedagogia Waldorf. Pelo estudo geral
do homem, entende-se que sobre a tradicional concepção antropológica deva-se
acrescentar os conhecimentos antroposóficos. Rudolf Steiner parte do princípio de
que cada ser humano é uma entidade espiritual que chega ao plano físico dotada de
características, aptidões e predisposições. Essa entidade já possui uma história. Seu
desenvolvimento é amplo, complexo e contínuo, não sendo determinado apenas pela
herança genética e o ambiente que o acolhe; o entendimento antroposófico vai um
pouco mais além: atribui grande importância à maneira como, interiormente, cada ser
humano responde às impressões que recebe do mundo. Para o filósofo, compreender
este “estar no mundo” é algo muito mais profundo, algo que a Pedagogia tradicional
deixa escapar ao considerar apenas os aspectos que concernem ao comportamento
escolar do indivíduo.
O livro contém uma nota preliminar escrita pelo colegiado da Escola Waldorf
Livre cujo texto traz a contextualização espaço-temporal do curso junto de um
agradecimento a Steiner pela nobre incumbência ao possibilitar a construção da
Pedagogia Waldorf. O prefácio coube a Marie Steiner, que se preocupou em transmitir
o discurso proferido pelo companheiro no evento de inauguração da escola. A
mensagem, imbuída de clamor espiritual, reitera o valor da missão que ali se funda.
Steiner começa a sua fala lembrando que a escola deve estar inserida e a serviço
daquilo que é exigido pela evolução da humanidade, trazendo o educador e professor
como importante figura que realiza, nesse sentido, um trabalho sagrado; um serviço
“comunitário no mais sublime sentido” (STEINER, 2015a, p.13) dado que a educação
é a contribuição que legamos às gerações futuras.
Steiner tece duras críticas à corrente científica e à teoria materialista que se
consolidava à época. Fala da religião que educa para a morte (esquecendo-se do
nascimento), da cultura social cada vez mais individualista e de uma ciência fria, que
trata o ser humano e a natureza de forma fragmentada, “morta” e “egoísta”. Para a
concepção antroposófica, aquele era o momento de se trazer à luz a consciência do
elemento divino-espiritual do homem e somente este seria o caminho sadio de
53

evolução da humanidade na Terra. A verdadeira religiosidade estaria no cultivo deste


aspecto por meio da educação, uma arte que transforma a potencialidade do “ser” em
um ser humano completo. Steiner (2015a, p.14) estabelece, então, os pilares de sua
teoria: “Vida impregnando a Ciência! Vida impregnando a Arte! Vida impregnando a
Religião! – eis enfim a educação, eis enfim o ensino”.
A alocução introdutória do curso acontece na primeira noite. Nela o autor
determina que a “Escola Waldorf será uma comprovação prática para a
contundência da orientação antroposófica do mundo” (Idem, p. 20), chamando a
atenção para a meta da escola que, numa ação cultural de renovação espiritual,
deve educar e ensinar levando em conta a natureza humana integral: corpo, alma
e espírito. Para tal, reforça que o compromisso daqueles que se imbuem de
determinada tarefa deve ser firme: empenho e dedicação constantes. Evidencia o
fato de que, mesmo desejando uma ação realmente livre, a escola haveria de
enfrentar metas estabelecidas pelo Estado, as quais considerava as piores
possíveis tendo em vista a política da época que tratava as pessoas de modo
estereotipado, como um objeto a ser manipulado.
Institui a primeira orientação administrativa ao dizer que a escola não deve ser
concebida na forma de governança, mas de modo republicano. Steiner alega que
em um modelo onde os docentes não recebem prescrições da diretoria não há
conforto e, sim, incentivo à responsabilidade pelo que se deve fazer. Depois, expõe
aos alunos a estrutura do curso que se iniciava e reforça que o propósito não é o
de se criar uma escola ideológica: a Antroposofia jamais deve ser conteúdo de
ensino, no entanto, deve embasar e dar suporte a toda prática de ensino ali
pretendida.

2.1 A primeira conferência

A primeira conferência acontece na manhã seguinte. Steiner, mais uma vez,


faz alusão à importância da missão que ali se inicia falando da tarefa pedagógica a
que se propõe a Antroposofia: reconhecer que para cada época evolutiva exigem-se
tarefas específicas – a superação de um modelo de ensino que, segundo o próprio
54

Steiner e outros pensadores da época conforme vimos na contextualização histórica,


vinha se repetindo séculos a fio sem efetivo sucesso social.
O cerne da conferência está no que de primordial se considera em uma
educação Waldorf, a harmonização dos ritmos do ser humano – o respirar, a vigília e
o sono. Antes de qualquer coisa, devemos nos lembrar que a Antroposofia concebe o
ser humano como uma entidade que vive na alternância entre o plano físico (Terra) e
o plano espiritual (Cosmo). É como se vivêssemos em um ciclo de nascimento e
morte, um processo de evolução. Para Steiner (2015a), a existência física é a
continuidade da espiritual, e é por meio da educação que continuamos o trabalho
evolutivo começado pelos seres superiores. A gestação da criança é vista como um
momento de educação confiada a estes seres, restando a mãe a tarefa de conduzir a
própria vida de maneira correta, expressando em si o que lhe for de mais sublime no
sentido intelectual e moral.
A compreensão da primeira incumbência da educação está relacionada, então,
ao nascimento da criança. Há de se imaginar que “espírito” e “alma” são conceitos
trazidos de forma simplificada ao leitor, já que significam estruturas muito mais
complexas do que parecem ser. Assim, Steiner revela que, espiritualmente falando,
não é o nascimento físico que faz unir a parte anímico-espiritual à parte orgânico-
corpórea – a harmonização destes membros cabe a educação. Neste ponto de vista,
vejam só tamanha relevância da primeira infância. A concretude desta harmonização
está relacionada, então, ao respirar e ao estado de vigília e sono do ser humano.
A respiração é a relação mais importante do homem com o meio ambiente. É a
primeira inspiração pulmonar do bebê que estabelece verdadeira relação entre o
sistema ternário do ser humano: os sistemas neurossensorial, rítmico e metabólico.
Steiner (2015a, p. 30) diz que “ao entrar na existência física, o ser humano ainda não
tem estabelecida a correta relação entre os processos respiratório e neurossensorial”
dado que “ao inspirarmos, nós comprimimos continuamente o líquido encefálico para
dentro do cérebro; na expiração, fazemos com que ele volte para o corpo”. A
respiração que harmoniza o funcionamento interno da criança é, então, fundamental
para o processo de penetração do elemento anímico-espiritual na vida física.
Sono e vigília também são termos bastante amplos. Basicamente, entende-se
que no estado de vigília estamos conscientes, integralmente presentes no plano físico,
55

recebendo impressões do mundo exterior que atuam sob diversas formas na


constituição quaternária do ser humano. O sono é o estado de inconsciência física no
qual libertamos o corpo astral e do EU para retornarem ao plano espiritual, que partem
em busca de significação e regeneração daquilo que foi vivido durante a vigília. No
caso da criança este sono é experimentado de forma diferente: ela não sabe transitar
entre os estados de sono e vigília como o sabe um adulto. A concepção antroposófica
diz que todas as vivencias exteriores experimentadas no estado de vigília são levadas
para o sono, a fim de serem transformadas no mundo espiritual e, assim, o produto
de sua atividade ser trazido de volta ao plano físico sob a forma de força. Cabe ao
educador a tarefa de orientar a criança durante a vigília para que ela, gradualmente,
adquira a capacidade de levar para o sono aquilo que realiza no plano físico.
Tendo dito isto, Rudolf Steiner falada consciência docente ao colocar
determinados conceitos na orientação das regras que concretizarão o trabalho
educativo, bem como da postura do professor que almeja o verdadeiro ensino.
Observar o que se é antes mesmo daquilo que se faz; extinguir o elemento pessoal
para que se estabeleça uma relação profunda com o alunado, eis a autoeducação,
tão essencial na educação Waldorf.

2.2 A segunda conferência

A segunda conferência inicia-se com uma crítica aos modelos de psicologia


admitidos àquela época. Steiner reconhece que todo ensino e educação deve ser
fundamentado em tal ciência e, para tal, propõe sua visão antroposófica que coloca
alma humana e Universo em extrema conexão. A exposição começa chamando a
atenção ao equívoco que se faz do termo “representação mental”, crítica ao “Penso,
logo existo” de René Descartes (1596-1650).

Quem olha de forma realmente imparcial para o que existe no ser


humano como representação mental, atenta logo ao seu caráter
imagético: a representação tem um cunho de imagem; e quem busca
na representação mental algum caráter existencial, uma verdadeira
existência, entrega-se a uma grande ilusão. [...] Em outras palavras, o
que existe dentro dos limites do meu conhecimento não sou eu; é
apenas imagem. (STEINER, 2015a, p. 36)
56

O que o filósofo explica é que o fato de captarmos algo por meio das
representações mentais torna-se possível justamente por estas terem caráter
imagético, não se unindo conosco a ponto de estarmos “dentro” delas. A atividade
representativa, nessa acepção, significa que as imagens são fruto de todas as
vivências pelas quais perpassou o ser humano no mundo espiritual antes de nascer.
O filósofo coloca que “a existência entre a morte e o novo nascimento reflete-se na
vida atual, e esta reflexão é o representar mentalmente” (STEINER, 2015, p. 37).
A outra região da vida anímica humana é a vontade, que durante a existência
física subsiste no ser humano como “germe”, ou seja, como um potencial latente que
se tornará realidade anímico-espiritual após a morte. O limite entre a representação
mental imagética e a vontade germinal é, portanto, a existência do homem físico que
as controla por meio de forças denominadas antipatia e simpatia. São essas as forças
que provocam a reflexão da realidade pré-natal e a conservação da realidade pós-
morte. Steiner (2015) explica que ambas são forças que vivem inconscientemente no
ser humano. São elas que constituem o sentir, desenvolvendo no interior humano o
mundo dos sentimentos numa contínua alternância entre uma força e outra. A
antipatia, de caráter cognitivo, é responsável por converter a vida anímica em um
agente de representações mentais; a simpatia, em vontade ativa.
A atividade da representação mental enfrentada pela antipatia resulta na
memória, que é a imagem reminiscente. Para Steiner (2015, p. 41) “sua memória
existe apenas por haver uma espécie de repugnância diante das representações
mentais, uma rejeição a elas, o que tem por efeito torná-las presentes”. É desta forma
que nasce o conceito dos aspectos imagéticos que foram guardados na memória.
A vontade pode ser entendida como querer que, como vimos, é sustentado pela
simpatia, a força que conserva a realidade pós-morte. Se ela for intensa, vai dar
origem à fantasia que, permeando o ser humano até os sentidos, resultará na
imaginação – a visualização sensorial.
Steiner a ilustra da seguinte forma:

O grande engano que as pessoas cometem na psicologia é dizerem


continuamente: nós olhamos para as coisas, em seguida as
abstraímos e obtemos representações mentais. Tal não é o caso. Se,
por exemplo, temos no giz a sensação da brancura, isto decorre de
uma aplicação da vontade, que pelo caminho da simpatia e da fantasia
57

se torna imaginação. Quando, ao contrário, formamos um conceito,


este tem origem totalmente diversa, pois o conceito nasce da
memória. (STEINER, 2015a, p. 42)

Procurando relacionar o âmbito físico ao anímico-espiritual, comprovando


como um se manifesta sobre o outro, o filósofo fala sobre a origem dos nervos e do
sangue humano. Em seu livro A fisiologia oculta (2003) explora de forma mais ampla
o assunto, mas, resumidamente, diz que os nervos são resultado daquilo que,
animicamente, atua no ser humano por meio da cognição, da antipatia, da memória e
do conceito. Já o sangue, resultado da volição, da simpatia, da fantasia e da
imaginação. Ambos sistemas conceituais, em contraste, constituem dois polos: o
sangue com caráter espiritual e, o nervo, com tendência à morte, mais material. Tudo
isso para dizer que na manifestação corporal encontramos três âmbitos de expressão
do entrelaçamento entre antipatia e simpatia: a cabeça, o tronco e o abdome, e para
ilustrar a constatação de que o ser humano é produto das simpatias e antipatias do
Cosmo, ao qual está integrado por meio de suas vivências.
É dessa forma que Steiner explica a diferença entre a formação da vontade e
da representação mental e o porquê de se introduzir, no ensino, imagens ao invés de
conceitos abstratos.

Se atuarem especificamente sobre a formação da representação


mental, se atuarem sobre ela unilateralmente, relegarão o homem
inteiro ao âmbito pré-natal, e o prejudicarão se o educarem
intelectualmente, pois confinarão sua vontade no que ele realmente já
percorreu [...] Os senhores não devem introduzir muitos conceitos
abstratos na educação que levam à criança. Devem introduzir, de
preferência, imagens. Por quê? Imagens são imaginações, percorrem
a fantasia e a simpatia. Conceitos abstratos são abstrações,
atravessam a memória e a antipatia, advêm da vida pré-natal.
Portanto, se os senhores impingirem à criança muitas abstrações,
estarão incentivando-a a dedicar-se com particular intensidade ao
processo de surgimento, de formação do gás carbônico no sangue, ao
processo de endurecimento do corpo, da extinção. [...] se a educarem
falando-lhe por meio de imagens, estarão lançando nela a semente
para a contínua conservação do oxigênio, para um contínuo
desenvolvimento, pois estarão indicando-lhe o futuro, o pós-morte.
(STEINER, 2015, p. 48)

Este é o real sentido de se educar atuando sobre o ser humano de forma


integral.
58

2.3 A terceira conferência

Ainda falando sobre as teorias psicológicas que, por causa da Igreja21, levam
em conta uma constituição binária do homem (corpo e alma), Steiner (2015a) inicia a
terceira conferência com uma valiosa observação em relação à formação docente. O
autor diz que o professor deve apresentar à criança o mundo da natureza e certa
compreensão do mundo espiritual, munido sempre das mais “elevadas ideias da
humanidade” (Idem, p.50). O problema, apontado por ele diz respeito à desvalorização
de professores que atuam com “graus inferiores” (séries iniciais). Para o autor é
fundamental que o docente tenha um conhecimento científico e artístico aprofundado;
não é porque atua com crianças pequenas que não deve conhecer a fundo aquilo que
não apresenta diretamente a elas.
Em seguida, Steiner esboça uma longa explicação sobre o que ocorre na
natureza humana: o que a constitui e qual sua relação com a natureza exterior. Em
síntese, o autor coloca que o ser humano é sempre conduzido à natureza: de um lado
pelo caráter imagético, com a vida das representações e pensamentos e, de outro,
com tudo o que tem caráter volitivo. Pelo lado cognitivo, o ser humano capta apenas
o que é um contínuo perecer. São estas as leis que a ciência tradicional apresenta,
segundo o filósofo, já que sempre se referem a algo que está morrendo. Do lado
volitivo, encontra-se tudo o que o ser humano vivencia pela vontade viva, ou seja, tudo
o que nos sentidos o leva à relação com o mundo exterior. Assim, as impressões
sensoriais são interpretadas como sendo impressões ativas. Dito isso, identifica dois
sistemas fundamentais da constituição humana, a saber, o ósseo-nervoso e o
sanguíneo-muscular, ambos responsáveis, em atuação conjunta, pela recriação de
substâncias e forças que vivificam a entidade humana.
Segundo Steiner (2015, p.64), “o ser humano não é meramente um
espectador, e sim o palco do mundo, palco em que os grandes acontecimentos
cósmicos sempre voltam a realizar-se”, isto é, o homem atua como um elo de ligação
entre os mundos suprassensível e físico, sendo capaz de receber as forças mortas da

21 Steiner atribui este fato ao IV Concílio Ecumênico de Constantinopla, ocorrido no ano de 869.
59

natureza para transformá-las em novas forças. Ele serve de “adubo” à Terra quando
deixa seu corpo físico, porque deixa nela aquilo que seu elemento espiritual foi capaz
de transformar. Nesse sentido, a evolução terrena só é possível por causa da entidade
humana que é dotada do pensar puro. Este pensar não está relacionado à natureza
exterior, mas com o elemento suprassensível situado no próprio ser humano, que faz
dele um ser autônomo – a liberdade humana. A educação, nessa lógica, assume um
papel realmente muito significativo: deve atribuir um valor muito especial à formação
da vontade e da afetividade.

2.4 A quarta conferência

A quarta conferência trata, justamente, de se fazer compreender a real natureza


da vontade e, consequentemente, de uma parte dos impulsos emocionais e dos
sentimentos. De acordo com Steiner (2015a, p.66) “a vontade é o sentimento realizado
[...] o sentimento é a vontade refreada. A vontade que ainda não se manifesta, que
permanece na alma – eis o sentimento; o sentimento é uma vontade embotada”.
Primeiramente, o autor distingue no âmbito anímico-espiritual dois conjuntos de
membros da entidade humana: os superiores, que mal são vislumbrados e estão
presentes na vida terrestre como germes, só se desenvolvendo de maneira notável
entre a morte e o novo nascimento sob a proteção de seres espirituais superiores, são
a identidade espiritual, o espírito vital e o homem-espírito; os anímicos, que são objeto
de observação da ciência comum, apesar de não serem muito perceptíveis na vida
prática do homem atual, são a alma da consciência, a alma do intelecto (sentimento)
e a alma da sensação. De tal proposição, parte para a investigação da vontade
perpassando os quatro corpos constituintes da entidade humana.
Pressupondo uma relação entre homem e animal, Steiner revela que o princípio
da vontade se dá pelo instinto, o qual encontra-se associado ao corpo físico. O corpo
etérico, além de plasmar o físico, é responsável por captar o instinto e transformá-lo
em impulso. O corpo astral, interiorizado, apodera-se do impulso elevando-o à
consciência e transformando-o em cobiça. Até aqui pode-se dizer que homem e
animal compartilham do mesmo processo. É o corpo do EU, encontrado apenas no
ser humano, que acolhe no mundo da alma aquilo que existe em sua corporalidade
60

sob forma de instinto, impulso e cobiça; assim concebe intimamente um motivo da


vontade. Por detrás do motivo está o desejo, que atua repetidamente na vontade,
como explica Steiner.

Não me refiro aqui aos desejos bem pronunciados que se transformam


em cobiças, mas àquele tênue latejo de aspirações que acompanham
todos os nossos motivos, estando sempre presentes. Nós percebemos
com particular intensidade essas aspirações quando, depois de
executado algo resultante de um motivo da nossa vontade, passamos
a refletir sobre o nosso ato e reconhecemos que poderíamos ter feito
muito melhor. (STEINER, 2015a, p.72)

Isso, contudo, não significa sentir arrependimento; no sentido de agir para ser
um indivíduo melhor, seria um ato egoístico. Steiner complementa falando da
intenção:

Nosso anseio só deixa de ser egoísta não quando gostaríamos que a


ação executada fosse melhor, mas quando atribuímos valor bem maior
em executar melhor a ação na próxima oportunidade. É a intenção, ou
seja, o esforço para executar melhor uma ação da próxima vez que é
o mais elevado, e não o arrependimento. (STEINER, 2015a, p.73)

Neste ponto, Steiner fala sobre a atuação do subconsciente do ser humano


que, quando forma uma espécie de ideia de como executar melhor uma ação caso
fosse repeti-la, concretiza o desejo assemelhando-o à intenção. O autor não atribui
grande valor à ideia em si, mas aos elementos emocionais e volitivos que
acompanham todo motivo no sentido de aprimoramento dos atos. E, aqui, estabelece
um paralelo à psicanálise, porque afirma existir uma “segunda pessoa” na entidade
humana que elabora tudo isso de forma volitiva, e não imaginativa. Essa
subconsciência da segunda pessoa é mais refinada, é onde vive o ser humano melhor.
A intenção, que permanece na alma como germe, só é transformada em resolução
quando esta já estiver liberta do corpo. Para o autor, este conhecimento significa
bastante para o desenvolvimento humano, pois “tudo o que ali vive em surdina, como
que conservando-se para a época depois da morte, projeta-se em imagens no ser
humano durante o tempo entre o nascimento e a morte”. (Idem p.75)
Ao encarar o ser humano como entidade volitiva, o autor ilustra-o da seguinte
forma:
61

Ilustração1 – As profundezas da alma humana

Homem-espírito: Resolução
Espírito vital: Intenção
Identidade espiritual: Desejo (aspiração)

Alma da consciência
Alma do intelecto Motivo
Alma da sensação

Corpo das sensações (astral): Cobiça


Corpo etérico: Impulso
Corpo físico: Instinto

Fonte: STEINER, 2015a, p. 76.

O ensino deve ser estruturado com base na compreensão do ser humano


interior. Vem daqui a forte crítica ao modelo de educação socialista que se instalava
à época na Rússia22. Steiner dizia ser a medida mais errônea no âmbito da educação
permitir e incentivar que crianças tivessem entre si relações mútuas como as tinham
os adultos, que lidam com o intelectual – a vontade encanecida. Na educação, tudo o
que é dado sob a forma de conceitos não atua na criança na idade apropriada ao
aprendizado. Ela precisa sempre receber influência positiva sobre sua natureza
afetiva que, segundo Steiner, só acontece por meio da repetição de ações, e não
dizendo, apenas uma vez à criança, o que é correto – porque isso não provoca o
impulso volitivo.
Despertar na criança o sentimento para o correto é deixá-la fazer isso
repetidamente até que tal ação seja alçada a hábito:

[..] quanto mais a criança estiver cônscia de repetir a ação


dedicadamente pelo fato de esta dever ser executada, tanto mais
estaremos elevando isto ao real impulso volitivo. Sendo assim, mais
repetição inconsciente cultiva o sentimento; repetição plenamente
consciente cultiva o autêntico impulso volitivo, porque realça a força
de resolução; e a força de resolução, que normalmente fica apenas no
subconsciente, é aguçada pela repetição consciente de certas ações
pela criança. (STEINER, 2015a, p.79)

22Steiner cita a reforma escolar promovida por Anatol Vassilievitch Lunatcharski (1875-1933), que foi
nomeado “comissário do povo para a Educação”, após a revolução de outubro de 1917.
62

Concluindo, o filósofo coloca que o homem moderno é adestrado para ter


experiências únicas e é isso o que destrói a educação, uma vez que o treino da
vontade depende da repetição consciente. Um exemplo é o adulto que tenta, de modo
abstrato, incutir conceitos morais na criança; isto não funcionará e fará com que ela
se torne um adulto fraco e nervoso. Daí a necessidade, no ensino fundamental, da
autoridade conquistada do professor em relação a seus alunos. É distribuindo tarefas
a eles que o professor atuará fortemente sobre a vontade. E por que a educação por
meio da arte? Porque é o elemento artístico que atua tão especialmente sobre a
formação da vontade. O exercício da arte demanda repetição; ele sempre é apreciado
de novo, causando um prazer renovado na criança pelo que aprendeu em matéria de
arte.

2.5 A quinta conferência

A quinta conferência traz uma espécie de aprofundamento dos conceitos de


antipatia e simpatia, na observação do restante da entidade humana. Ao falar das
faculdades anímicas, o pensar, o sentir e o querer, Steiner recorda que estas estão
sempre se relacionando. O querer, por exemplo, está sempre impregnado de
representações mentais, de atividade ideativa; caso contrário, o ser humano estaria
entregue à atividade instintiva, como os animais. A atividade intelectual cognitiva
(pensar), fisiologicamente encontra-se na organização nervosa. A atividade volitiva
(querer), na atividade sanguínea. A primeira permeada pela antipatia, a segunda pela
simpatia e ambas exercendo uma atividade de equilíbrio das impressões sensoriais.
O que Steiner constatou foi que o homem constitui uma personalidade (consciência
pessoal separada) por ter maior antipatia pelo ambiente, antipatia esta que fica
subliminar à consciência. Assim, o ser humano não fica entregue ao querer (simpatia)
porque é capaz de fazê-la penetrar conscientemente naquilo que se quer. É
justamente o fato de permear o querer com o pensar que torna o ser humano um ser
social, integrado à humanidade inteira e ao processo cósmico. Em suma, Steiner
postula que a evolução moral é sempre algo ascético.
O sentir é o âmbito onde estes dois polos, o pensar e o querer, se entremeiam
fortemente; a atividade do sentimento é responsável por fazer essa mediação.
63

Sentimento é conhecimento refreado e vontade refreada. É no sentir que antipatia e


simpatia se tornam evidentes. Fisiologicamente falando, Steiner coloca que o
sentimento nasce quando “os vasos sanguíneos tocam, de alguma forma, os circuitos
nervosos” só que nos sentidos (como a visão, por exemplo) este sentimento é tão
refinado que o ser humano não é capaz de percebê-lo. Na verdade, a Ciência
Espiritual Antroposófica reconhece bem mais do que os cinco sentidos dados pela
ciência moderna. Steiner retifica dizendo que “varia de um sentido para outro a
intensidade com a qual o ser humano inteiro, que se caracteriza inicialmente como ser
afetivo, assoma à periferia tipicamente cognitiva” (STEINER, 2015a, pp.89-91), ou
seja, resumir a atividade sensória geral a uma só coisa seria um erro grotesco de
observação.

2.6 A sexta conferência

A sexta conferência deixa a atmosfera constituída por antipatia e simpatia de


lado e apresenta uma observação das atividades anímicas do ponto de vista espiritual.
Na Antroposofia, existem três estados de consciência na entidade humana: a vigília
(consciência), o sonho (semiconsciência) e o sono (inconsciência), que estão
relacionados com as faculdades anímicas da seguinte forma:

Ilustração 2 – A tríade anímica e os estados de consciência

Pensar Sentir Querer

Intelecto Sentimento Metabolismo

Plena consciência Semiconsciência Inconsciência

Fonte: LANZ, 2016a, p. 33.

Isto significa que na cognição pensante o ser humano está presente com total
consciência dessa atividade. Em uma atividade relacionada ao querer ocorre o oposto.
64

Steiner toma como exemplo, para diferenciá-los, o andar, que é um querer mais
simples. O ser humano está consciente do movimento que executa e isso é uma
atividade de representação mental, portanto pertencente ao pensar (consciente), mas
o que acontece dentro do organismo na transmissão dessa intenção ao sistema motor,
essa observação do mecanismo, é inconsciente. O sentir, mais uma vez, aparece na
posição de mediação, participando da atividade dos dois polos. O filósofo chama a
atenção ao fato de que enquanto estamos despertos, acordados, participamos, na
verdade, destes três estados de consciência. O ser humano só está em estado de
vigília “na medida e na extensão em que vem a conhecer alguma coisa por meio do
pensar” (STEINER, 2015, p.96). Seguindo a lógica, o ser humano “dorme” na natureza
íntima do querer e “sonha” na atividade dos sentimentos que são experimentados.
Este conhecimento é interessante quando aproximado ao ponto de vista
pedagógico. Para Steiner, as crianças divergem quanto ao grau de vigília da
consciência de um adulto:

[...] crianças em que predomina a vida dos sentimentos são crianças


sonhadoras, de modo que, não estando desperto seu pensar pleno
ainda na infância, tais crianças estarão facilmente entregues a um
caráter sonhador. Então os senhores tomarão este fato com motivo
para atuar sobre tal criança por meio de sentimentos intensos – e
poderão também ter a esperança de que esses sentimentos intensos
despertarão nela a cognição clara, pois todo estado de sono tem a
tendência, segundo o ritmo da vida, a acordar após algum tempo. Ora,
se nós abordarmos com sentimentos intensos tal criança aninhada
sonhadoramente na vida afetiva, após algum tempo esses
sentimentos despertarão por si mesmos como pensamentos.
(STEINER, 2015a, p.97)

Saber que é preciso lidar com diversos estados de consciência é fundamental


para que se oriente o trabalho pedagógico a favor do desenvolvimento da criança. E
como o EU, que é o centro do ser humano, se relaciona com esses estados? Steiner
esclarece, antes de tudo, que o que chamamos de Universo (Cosmo) é uma soma de
atividades que se manifestam em diferentes âmbitos da vida elemental, na qual
reinam forças. O EU, o mais jovem elemento da evolução do ser humano, não é capaz
de viver em contato direto com essas forças reais porque está se desenvolvendo; ele
só pode viver em imagens do Cosmo. É, portanto, no estado de vigília que a cognição
pensante oferece espaço adequado ao EU, porque produz essas imagens. O EU só
65

penetra no corpo real no caso do sentir e do querer, mas também o ser humano não
está plenamente consciente disso. A vida do EU é, finalmente, caracterizada da
seguinte forma em relação à tríade anímica: 1. Vigília plena – cognição pensante
(pensar) – plenamente desperta em imagens; 2. Vigília onírica – vida afetiva (sentir) –
sonhando desperta nas representações mentais inconscientemente inspiradas; e 3.
Vigília dormente – ação volitiva (querer) – dormindo inconscientemente em intuições.

2.7 A sétima conferência

A sétima conferência continua a falar do ser humano sob a perspectiva


espiritual. Neste ponto, interessa ao autor evidenciar a relação das forças anímicas
na infância e na idade senil, mostrando que a criança parte do querer sensível para
chegar ao idoso que tem um pensar sensível. A exposição começa com uma
observação sobre o ato de compreender:

[...] consiste, na verdade, em relacionar um elemento com outro [...]


Ao relacionar-nos com o mundo de maneira cognitiva, nós iniciamos
pela observação; ou fazemo-lo com nossos sentidos, como na vida
comum, ou desenvolvemos um pouco mais e fazemo-lo com a alma e
o espírito, tal qual somos capazes na imaginação, na inspiração e na
intuição. Mas também a observação espiritual é apenas uma
observação, e para completarmos qualquer observação é necessário
que compreendamos. Contudo, nós só podemos compreender
relacionando uma coisa à outra no Universo. (STEINER, 2015a, p.106)

Ou seja, para que se obtenha uma total compreensão do ser humano como ser
dotado de corpo, alma e espírito, é preciso que se estabeleça uma relação da criança
com a maturidade e a velhice do homem. Comecemos pelos aspectos propriamente
físicos: o corpo da criança é muito mais flexível do que o de um idoso. Ao longo da
vida, percebemos que a tendência do corpo humano é a de enrijecimento,
mineralização. A natureza corporal da criança, que é irrequieta e inconscientemente
ativa, opõe-se radicalmente àquela observada na velhice. Animicamente falando,
pode-se fizer que, na criança, o querer e o sentir se fundiram, porque ela não é capaz
de separar movimentos e sentimento. No idoso, o sentir se funde ao pensar e o querer
adquire certa independência. A educação tem como tarefa, nesse sentido, fazer com
66

que o indivíduo ligue as suas sensações pessoais aos seus conceitos e ideias, isto é,
conduzir o querer afetivo infantil à evolução para o pensar afetivo do idoso.
Segundo Steiner, devemos observar melhor qual a autêntica natureza da
sensação, o modo como os sentidos se relacionam com o mundo transmitindo-o para
o ser humano. A generalização de que a sensação está diretamente atrelada à
cognição é matéria da psicologia comum; para o autor, ela possui natureza volitiva
com uma participação afetiva, o que ele denomina querer afetivo ou sentir volitivo. Tal
como se o ser humano fosse provido de uma esfera sensória na periferia do corpo,
onde exercesse uma atividade inconsciente, incapaz de discernir totalmente as
sensações que recebe. Esse sono da superfície corpórea resulta no sonho que os
seres humanos têm à noite, enquanto dormem: “Esses sonhos são as impressões
sensoriais antes de serem captadas pelo intelecto e pelo pensar cognitivo” (STEINER,
2015a, p.113). A sensação, portanto, evolui ao longo da vida porque na velhice já foi
metamorfoseada. Por isso a necessidade de se atuar continuadamente sobre a
vontade da criança quando educada intelectualmente; do contrário, contradiz-se a
sensibilidade infantil.
Mais uma vez recorrendo à fisiologia, Steiner explica que a vigília só acontece
em uma zona intermediária do corpo humano, já que é inconsciente nos órgãos e na
esfera sensória. Apenas onde os nervos estão mais desenvolvidos que o ser humano
é consciente. O sistema nervoso, entretanto, não possui relação direta com o anímico-
espiritual, pois está constantemente se “desligando” do resto do organismo – local no
qual o ser humano está sempre morrendo. Tal fato é o que permite o desenvolvimento
do pensar:

[...] o órgão transmissor da sensação, do pensamento e principalmente


do anímico-espiritual é o sistema nervoso. Mas por que ele é esse
órgão transmissor? Só por estar continuamente retirando-se da vida,
por não oferecer obstáculo algum ao pensar e às sensações, por não
estabelecer ligação alguma com eles, por deixar o ser humano vazio
para o anímico-espiritual no local onde atua. (STEINER, 2015a, p.116)

Este é o espaço do pensar. Em relação ao tempo, Steiner também correlaciona


aos estados de consciência. O ser humano, ao aprender algo, o assimila em seu
estado de vigília. Ele se ocupa e pensa a respeito do objeto em plena consciência. A
partir do momento em que direciona a atenção para outra coisa, o objeto de antes
67

começa a adormecer, só voltando à consciência quando é recordado. Steiner observa


que este é o conceito real de lembrar e esquecer, o despertar e adormecer de um
complexo de ideias. Esta é a razão da trimembração ser algo tão verdadeira e palpável
para Steiner, porque ele sempre extrai as coisas da realidade, e não de conceitos
abstratos.

2.8 A oitava conferência

Na oitava conferência o autor aborda, de forma simplista, um conteúdo


bastante extenso na filosofia antroposófica. Trata-se dos doze sentidos que possui o
ser humano. Para tanto, continua a desenvolver as considerações sobre lembrar e
esquecer. Steiner revela que o processo de aprendizagem depende muito de um sono
(descanso) adequado e saudável. A compreensão de algo como a memória só se
torna possível se relacionada aos processos mais visíveis à observação exterior,
como o sono e a vigília. A mesma coisa acontece em relação à vida anímica do ser
humano: ele deve desenvolver a capacidade de regular o esquecimento e a lembrança
de forma voluntária.
Identifica-se essa capacidade ainda não desenvolvida na criança pequena, que
se entrega às impressões exteriores desordenadamente: não tem plena consciência
das ideias, que despontam livremente e não acessa, intencionalmente, o acervo de
ideias do qual necessita para a compreensão de algo – enfim, o estado de
inconsciência infantil que comumente conhecemos.
Então, de onde vem a lembrança? De acordo com Steiner, a vontade (que
dorme), capta a representação mental no inconsciente trazendo-a à consciência.
Reforça-se aqui a responsabilidade de se educar a vontade, vale dizer, a
obrigatoriedade de se educar o ser humano por inteiro para que desenvolva hábitos
anímicos, corporais e espirituais capazes de conduzir tal decisão da vontade. E como
fazer isso? Conduzindo o ensino de tal forma que se desperte e instale o interesse da
criança de maneira viva, gradual, ordenada e com certa repetição, isto é, por meio de
um hábito. A memória deve ser buscada no sentimento e na vontade, e não através
de exercícios mnemônicos.
68

O ser humano possui doze sentidos, dentre os quais a ciência comum só


identifica os mais evidentes, que estão relacionados aos órgãos sensoriais.
Vejamos a disposição dada pela Antroposofia:

Ilustração 3 – Os doze sentidos

1. Tato
2. Vital Sentidos volitivos ou inferiores
3. Movimento (corporais)
4. Equilíbrio

5. Olfato
6. Paladar Sentidos relacionados aos sentimentos
7. Visão ou intermediários
8. Térmico(anímicos)

9. Audição
10. Linguagem (palavra) Sentidos cognitivos ou superiores
11. Pensamento (espirituais)
12. Eu

Fonte: Biblioteca Virtual da Antroposofia23.

Como já foi dito, Rudolf Steiner não despende maiores explicações para ilustrar
as características de cada um dos sentidos. Das considerações que faz, o mais
importante é dizer que o ser humano está ligado ao mundo por meio destes. Os
sentidos oferecem ao ser humano um mundo fragmentado em doze partes diversas
e, por meio das vivências, elabora julgamentos para significá-lo. Isso quer dizer,
também, que um sentido está sempre ligado ao outro e que são várias as
possibilidades de se unir o que está separado.
Os sentidos estão agrupados conforme a esfera em que se encontram. Os
quatro primeiros, mais internos do que os quatro últimos apresentados no quadro
acima. Sobre o sentido do eu, Steiner esclarece que não se trata da percepção própria
do ser humano, mas da percepção do outro, da reciprocidade entre um e outro. Não
se fala em órgão do eu porque esta é uma percepção que está espalhada no ser

23 Figura adaptada a partir do original que consta em acervo da Biblioteca Virtual Antroposófica.
Disponível em: http://www.antroposofy.com.br/wordpress/wp-content/uploads/2014/07/Mauricio-
Bald2.jpg. Acesso em 31 de outubro de 2017, às 21h30min.
69

humano inteiro, representando uma substancialidade muito sutil. O resumo das


atividades existenciais é algo interior, o próprio eu do ser humano: essa vivência é um
processo volitivo; a percepção do outro é um processo cognitivo24.
O sentido do pensamento não é o sentido para a percepção do pensamento
próprio, mas para a percepção do pensamento do outro. Steiner faz a distinção nesse
caso usando o exemplo da linguagem oral: “As pessoas estão, sobretudo, tão
influenciadas pela conexão entre linguagem e pensamento que acreditam assimilar
sempre o pensar junto com linguagem” (STEINER, 2015a, p.127). O autor quer dizer
que o pensamento também pode (e deve) ser localizado nos gestos. A linguagem oral
apenas transmite os pensamentos. Depois cita os sentidos da linguagem, audição,
calor, visão, paladar e olfato, fazendo a observação de que tato e calor são
percepções diferentes (não pertencem ao mesmo grupo).
O sentido do equilíbrio é definido como a consciência sensória do fato do
homem estar em equilíbrio, sentindo frente/trás, lado esquerdo/direito. O sentido do
movimento está ao lado do equilíbrio, faz o ser humano distinguir se está em repouso
ou movimento, se está com a musculatura contraída ou não. Neste momento, o autor
lança outra observação, com o objetivo de ilustrar o quanto os sentidos se
complementam. No sentido da visão, que pertence ao grupo ligado ao sentir, o ato
visual permite a percepção das cores, como demonstra a Teoria das Cores de Goethe,
que expõe a relação destas com os sentimentos – o que permite ao ser humano
enxergar a forma é o sentido do movimento. Por último, Steiner cita o sentido da vida
ou vital, do qual alguns indivíduos são muito dependentes. Este sentido permite a
percepção das condições do próprio corpo, por exemplo, se a pessoa comeu muito
ou não, se está se sentindo desconfortável, etc.

2.9 A nona conferência

A nona conferência refere-se ao processo de formação conceitual – a lógica, o


pensar cognitivo. Para Steiner, ao longo da vida o ser humano o tem como

24Steiner pontua que a atividade sensória é preferencialmente volitiva. No caso do sentido do eu o


processo ocorre de forma mais complexa. O autor indica a leitura da obra Filosofia da Liberdade (1894)
para uma melhor compreensão.
70

incumbência “permear gradativamente com a lógica, com tudo que o capacita a


pensar logicamente, aquilo que se manifesta como pensar cognitivo” (STEINER,
2015a, p.134). Neste atuar logicamente são definidas três etapas: conclusão, juízo e
conceito.
Ao contrário do que se pensa, o ser humano não chega primeiro ao conceito.
A primeira elaboração é a conclusão. A linguagem, meio pelo qual se expressa o
pensar, é uma constante elaboração de conclusões. É a atividade mais consciente do
homem: ele compreende porque assimila conclusões. Segundo Steiner (2015a), a
lógica acadêmica não considera que o ser humano tem uma conclusão ao focalizar
um objeto isolado.

Imaginem que os senhores vão a um zoológico e aí veem um leão. [...]


Levam à consciência o que veem do leão, e só assim se entendem
com suas percepções frente a ele. Na vida, aprenderam que, tão logo
hajam adentrado um zoológico, seres que se manifestam como o leão
visto agora são “animais”. O que aprenderam da vida, os senhores já
o trazem consigo ao zoológico. Então olham o leão e constatam que
ele faz tudo o que os senhores aprenderam a ser próprio dos animais.
(STEINER, 2015a, pp. 134-135)

Essa ligação da conclusão àquilo que já foi feito em algum momento da vida é
o que Steiner chama de juízo, que depois consolida-se como conceito. Esta é uma
atividade contínua da vida consciente do ser humano, é o que permite o entendimento
entre os indivíduos por meio da linguagem.
Tudo isso existe no âmbito do conhecimento, isto é, no espírito vivo do homem.
A conclusão só pode viver lá porque só é sã na completa vigília. O juízo se desenvolve
na vigília, mas acaba imergindo na alma sonhadora, no âmbito afetivo. Os juízos são,
pelos sentimentos, levados ao mundo. Isso significa, para Steiner, que o ato de julgar
torna-se um hábito: “os senhores desenvolvem os hábitos anímicos da criança pela
maneira como a ensinam a julgar” (STEINER, 2015a, p.137). Consequentemente,
tudo o que é dito pelo professor, todas as sentenças que profere a seus alunos, é
incorporado a estes hábitos. O conceito, por fim, desce até a alma adormecida, aquela
que constantemente atua sobre o corpo. A fisionomia do ser humano é resultado da
hereditariedade modelada pelos conceitos que foram incutidos por ele durante a vida.
Por essa razão, o filósofo alerta à responsabilidade que se tem enquanto docente: o
71

professor é capaz de influenciar até a fisionomia de seus alunos mediante a formação


de conceitos.
Recapitulando, os conceitos vivem no sono; juízos no sonho; conclusões na
vigília. Pedagogicamente, então, o professor deve abordar seus alunos com o que
toca às conclusões, não as deixando conservar conclusões prontas. Para que o
ensino seja efetivo, o conteúdo a ser trabalhado deve ser vivo e permitir que a criança
viva com ele para que, mais adiante, possa transformá-lo em conceito. Não é que não
seja permitido lhe oferecer um conceito, isto até pode ser cogitado se for uma noção
básica. O grande problema é a definição, ou seja, entregar algo pronto. Steiner diz
que o professor deve caracterizar, situar o assunto da forma mais diversa possível
tentando, ao máximo, relacioná-lo com a ideia de homem.
No início desta conferência o autor reitera que o objeto de interesse do curso é
o desenvolvimento dos primeiros vinte e um anos do ser humano. A escola que estava
por nascer atenderia aos anos do ensino fundamental, com início no primeiro ano do
segundo setênio, quando a criança está com sete anos. Steiner faz a seguinte
observação para caracterizar as suposições inconscientes que a criança faz em cada
setênio: “Até a troca dos dentes o ser humano quer imitar, e até a puberdade quer
estar sob autoridade; depois quer aplicar seu juízo ao mundo” STEINER, 2015a,
p.141). O que ele quer dizer com isso?
Na Antroposofia, acredita-se que criança de primeiro setênio está inserida em
seu passado espiritual. Ela chega ao mundo físico e a maneira que encontra de se
entregar ao ambiente é por meio da imitação daqueles que estão ao seu redor. Ela
parte da hipótese (faz uma suposição inconsciente) de que o mundo inteiro é moral:
“o mundo é bom”. A criança de segundo setênio vive no presente, ela se interessa
pelo que é atual; quer desfrutar do mundo de maneira humana e, para tal, parte do
pressuposto de que “o mundo é belo”. No terceiro setênio, os impulsos do futuro se
fixam à alma do jovem e a disposição inconsciente leva-o a acreditar que “o mundo é
verdadeiro”. A maturidade sexual permite que o jovem obtenha um correto conceito
interior da verdade, e é por isso que nesta idade o ensino pode adquirir um caráter
mais científico.
Até este momento do curso, a entidade humana é analisada dos pontos de vista
anímico e espiritual, faltando conectá-la à constituição propriamente física, exterior.
72

Para Steiner (2015a) as formas exteriores do corpo físico refletem as manifestações


que se encontram em seu interior, bem como se relacionam com o Cosmo. Assim, o
autor desenvolve a décima conferência.

2.10 A décima conferência

O conferencista pede que se imagine o corpo humano usando a imagem de um


Sol e uma Lua crescente. A cabeça (forma craniana), redonda, é a imagem do Sol –
uma forma totalmente acabada que esconde o mínimo de si. O tronco também é uma
esfera, mas não se mostra por completo – por isso a imagem da Lua crescente. Ele é
corpo para trás e alma para frente. Dos membros (abdome, braços e pernas), Steiner
faz a imagem do que sobrou da esfera, do que lhe é mais interno, o raio – isto é o que
está inserido no homem como membros. No entanto, não se pode separar uma coisa
da outra porque o vivo consiste na relação que se estabelece entre todas as partes.
Ele observa que a cabeça possui como membros os ossos da maxila e da
mandíbula. São membros “atrofiados”, ossos. No homem-membros, os ossos são
internos: está tudo revestido por músculos e sangue.
A relação que Steiner estabelece é a seguinte:

[...] para a vontade foram desenvolvidos principalmente os braços e as


pernas, as mãos e os pés. O que serve preferencialmente à vontade
– sangue e músculos – foi até certo ponto subtraído dos membros da
cabeça, pois neles deve ser cultivado aquilo que tende ao intelecto, à
cognição pensante. (STEINER, 2015a, p.147)

Partindo do princípio da teoria vertebral do Crânio, de Goethe, que considera a


metamorfose dos ossos (como se o crânio derivasse de uma transformação da coluna
vertebral, moldada em nível superior), Steiner procura mostrar que os ossos tubulares,
dos membros, também partem de uma metamorfose do crânio, mas que refletem o
“avesso” deste osso fino. São ossos mais grossos, que possuem estrutura interna e
externa diferentes.

De onde vem isso? Vem do fato de a cabeça ter seu ponto central em
algum lugar do interior, de maneira concêntrica. Já o tronco não possui
seu ponto central no meio da esfera; seu centro está bem afastado.
73

[...] O sistema dos membros tem o ponto central em toda a periferia.


Seu centro é uma esfera, portanto o oposto de um ponto. Uma
superfície esférica. Na verdade, o ponto central está em toda parte;
por isso podemos virar-nos para qualquer direção, e de todas elas nos
chegam os raios, unindo-se conosco. (STEINER, 2015, pp.149-150)

A ilustração abaixo ajuda na compreensão da forma humana plasmada pelo


Universo:

Ilustração 4– O ser humano tríplice: homem-cabeça, homem-tronco e homem-membros

Fonte: STEINER, 2015a, p. 150.

Steiner considera que “os membros estão mais inclinados para o mundo e a
cabeça mais para o ser humano individual” (STEINER, 2015a, p.151), ou seja, os
membros se relacionam com o movimento do mundo por meios das ações,
intermediado pelo tronco e a cabeça, que repousa sobre os ombros e tem a tarefa de
levar para dentro de si o movimento do mundo ao repouso. Essa reflexão do mundo,
que depois parte de dentro para fora, é o que dá origem às sensações.
Mais uma vez, Steiner faz menção ao fato de se ter abolido o conceito de
“espírito” da cultura ocidental como sendo responsável pela falta de compreensão da
entidade humana em sua integralidade, tornando a sociedade cada vez mais
materialista. Eis a justificativa de por que o homem ser cada vez mais impelido para
sua esfera do ego: se lhe tiram o espírito, estão lhe tirando aquilo que dá sentido à
relação do homem com o mundo.
74

2.11 A décima primeira conferência

A décima primeira conferência começa com uma caracterização anímico-


espiritual do aspecto corpóreo da cabeça. Ancorado, dentre outras observações, na
embriologia, Steiner descreve-a como sendo um corpo completamente desenvolvido
(ela é o primeiro elemento que se desenvolve no embrião). A criança, ao nascer e nos
primeiros anos de vida, tem na cabeça uma alma sonhadora e um espírito que dorme.
Isto explica porque até a troca dos dentes a criança é um ser imitativo: porque seu
anímico-espiritual, que está dormindo na cabeça, pode ficar fora dela ocupando-se do
ambiente a seu derredor. É pela alma que sonha que a criança desenvolve o amor
pelo ambiente e, em especial, pelos pais. A troca de dentes, na Antroposofia, significa
o último desfecho da evolução da cabeça, o fim da primeira confrontação com o
mundo. Encerra-se, neste ponto, a estruturação da forma, isto é, a etapa em que o
ser humano fez penetrar em seu corpo tudo aquilo que lhe dá forma.
O caso do tronco é diferente. O tronco, desde o nascimento, é anímico-
corpóreo, mantendo ainda fora de si o espírito que sonha. Steiner elucida este fato
mostrando que a criança quando pequena possui a vigilância e vivacidade dos
membros do tronco maiores que os membros da cabeça.
Diversidade ainda maior encontra-se no caso dos membros (abdome, braços e
pernas) que, espírito, alma e corpo estão intimamente ligados desde o nascimento,
fazendo com que a criança esteja completamente desperta. Steiner ressalta que no
bebê tudo está desperto, mas não desenvolvido. Com isso o filósofo revela o grande
segredo do homem e da real característica da educação e do ensino:

[...] quando ele nasce, o espírito de sua cabeça já está muito, muito
desenvolvido, porém dorme; sua alma da cabeça, também muito
desenvolvida, apenas sonha – e só aos poucos ambos deverão
acordar; e em seus membros, por ocasião do nascimento, o homem
está totalmente desperto, porém carecendo desenvolver-se e moldar-
se. [...] nós precisamos desenvolver apenas o homem-membros e uma
parte do homem-tronco. É que o homem-membros e o homem-tronco
têm a tarefa de despertar o homem-cabeça [...]STEINER, 2015a,
p.160)

Ou seja, despertar a parte do tronco que não está em nosso campo de visão
física (alma) e o anímico-espiritual da cabeça por meio da vontade que já nasce, nessa
75

perspectiva, “pronta”. E como educar, pela volição, o bebê que ao nascer não é capaz
de fazer euritmia, ginástica, pintar, desenhar? Ora, Steiner revela que é por meio do
“gênio” da linguagem: “aquilo que enviamos aos órgãos fonadores por meio das
primeiras palavras já se introduz como atividade volitiva no espírito adormecido da
cabeça, começando a despertá-lo” (STEINER, 2015a, p.162). Junto do “gênio” da
linguagem está o “gênio” da natureza: o leite materno, que auxilia no despertar deste
espírito adormecido na criança. Para o autor a natureza educa naturalmente através
do leite materno, sendo esta a primeira educação que a criança recebe. Somente
depois que ela será educada por meio da vontade, da linguagem e da imitação das
ações humanas. Sobre a educação na primeira infância, conclui: “nós efetivamente
não podemos, como educadores e docentes, iniciar muita coisa com a cabeça. Esta
já nos traz o que lhe cabe ser neste mundo ao atravessar o nascimento. Nós podemos
despertar o que existe nela, mas não podemos absolutamente inseri-lo nela” (Idem,
p.164).
Sobre o ensino do ler e escrever, diz:

[...] nossos meios convencionais de leitura, nossos meios


convencionais de escrita [...] esses, naturalmente, a criança não traz
consigo (do mundo espiritual). [...] O que está contido na linguagem e
na escrita é convenção cultural, e reside aqui na Terra; e só quando
não apenas oferecemos à criança essa convenção cultural, essa
leitura e essa escrita por intermédio da cabeça, mas também por
intermédio do tronco e dos membros, é que lhe estamos fazendo bem.
(STEINER, 2015a, p.164)

O conferencista continua, ao falar do ensino que começa aos sete anos de


idade:

[...] nós podemos utilizar o que ela própria despertou de seu espírito
na cabeça, a fim de ministrar-lhe a leitura e a escrita da maneira
convencional; mas aí começamos a prejudicar esse espírito da
cabeça, por nossa influência. Por isto eu lhes disse que, num bom
ensino, a escrita e a leitura não podem ser ministradas a não ser que
se comece pela arte. Os primeiros elementos do desenho e da pintura,
os primeiros elementos musicais devem precedê-las, pois atuam
sobre o homem-membros e o homem-tronco, e apenas indiretamente
sobre o homem-cabeça. Não maltratam o homem-cabeça como nós
maltratamos ao ministrar à criança a leitura e a escrita simplesmente
tal como surgiram convencionalmente, de maneira intelectual. (Idem,
p.165)
76

De acordo com a ciência espiritual antroposófica, o verdadeiro ensino é aquele


que não impõe barreiras às necessidades de desenvolvimento e crescimento
saudável da criança, respeitando o seu tempo. Por isso a necessidade de acordar o
intelecto por meio da vontade, passando do elemento artístico à formação intelectual.
As condições de crescimento da criança são intimamente comprometidas com o
modelo de educação. Steiner considera que o ensino demasiadamente apelado à
memória faz com que a criança se torne magricela; quando é a fantasia em excesso,
inibe-se seu crescimento. Na Escola Waldorf os professores fazem séria observação
da constituição física de seus alunos; e essa é uma orientação de Steiner neste trecho.
A observação corporal e a relação desta com os reinos da natureza, dentre outros
detalhes, são matéria da décima segunda conferência.

2.12 A décima segunda conferência

Para que se conheça a inter-relação entre o ser humano e o ambiente físico-


sensorial que o circunda, faz se necessário adentrar profundamente na essência dos
reinos naturais. O homem possui em sua constituição ossos, órgãos e processos –
“seres” minerais, vegetais e animais.
O sistema neuro-cerebral (associado aos órgãos sensórios) percorreu a mais
longa evolução cronológica, ultrapassando a forma desenvolvida pelo reino animal e
atingindo o sistema autenticamente humano, cuja expressão mais notável é a
formação da cabeça. A cabeça, tão falada na conferência anterior, é a responsável
por formar e modelar, junto do tronco e dos membros, o corpo humano. Steiner explica
que a cabeça quer sempre, de modo suprassensível, aproximar o ser humano da
forma animalesca, mas que é por intermédio do tronco e dos membros que ele supera
em si o elemento animal, por meio da ação criativa de seu corpo.
O sistema torácico-abdominal está relacionado ao reino vegetal porque é nele
que se desenrola o processo principal da circulação, a respiração e a alimentação. O
homem ingere o carbono por meio dos alimentos e, junto do oxigênio que respira,
transforma-o em gás-carbônico. A relação singular que mantém com as plantas é que
compartilham do mesmo processo, só que de maneira inversa. O homem cria dentro
77

de si o antirreino vegetal. Segundo Steiner “as doenças internas oriundas do sistema


torácico-abdominal consistem no fato de o ser humano estar muito fraco para inibir
imediatamente a vegetalização emergente nele” (STEINER, 2015a, p.173). Da mesma
forma considera-se a nutrição uma transformação daquilo que é proveniente do reino
vegetal. A relação destes dois processos significa a conexão entre alma e corpo.
Steiner comenta ainda o quanto a medicina caminha a passos lentos quando
só se preocupa em investigar o agente patológico. Na perspectiva da medicina
antroposófica, trata-se muito mais de olhar para o interior humano e cuidar para que
este não seja um ambiente favorável aos bacilos.
Ao mencionar o esqueleto e os músculos, o autor esclarece que não é
exatamente nestes elementos que vive o EU, mas em um corpo energético, melhor
dizendo, nas forças que fazem com que os músculos movimentem o esqueleto. O
reino mineral é aqui associado pela alimentação (meio pelo qual o homem ingere os
minerais) e pela função que impõe ao sistema dos membros que é impedir que essas
substâncias se cristalizem. Em suma: “Não se pode explicar o corpo humano de outra
maneira a não ser conhecendo primeiramente seus processos: sabendo que o homem
deve dissolver em si o mineral, inverter em si o reino vegetal e superar em si o reino
animal, espiritualizando-o” (STEINER, 2015a, p.179).

2.13 A décima terceira conferência

A décima terceira conferência traz como foco a atividade do elemento anímico-


espiritual no ser humano e os dois tipos de trabalho que este desenvolve: o trabalho
corporal e o trabalho espiritual.
Steiner começa a palestra chamando a atenção para o comportamento do
homem em relação ao mundo exterior. Novamente embasando-se na constituição
fisiológica, revela que o ser humano assume um duplo comportamento pelo fato de se
observar a configuração do homem-membros em oposição ao homem-cabeça. Tendo
em mente que o homem-membros possui composição invertida, isto é, com formas
viradas do avesso em relação ao homem-cabeça, há de se imaginar que empreendem
diferentes funções ao acolher o elemento anímico-espiritual. Para este último, Steiner
pede que se faça a imagem de uma corrente d’água que avança e é detida por uma
78

barragem: a água é o elemento anímico-espiritual e o corpo do homem é o agente que


atua como a barragem, represando-o em si. Essa corrente atravessa o homem, então,
de duas maneiras. Na cabeça, a pressão atua de dentro para fora; nos membros, de
fora para dentro.
Diante do mundo exterior essa atividade opera como se fosse uma contínua
sucção do ser humano. Fisicamente, identifica-se este fato na descamação da pele
ou, por exemplo, quando precisa-se eliminar as porções que essa atividade não
consegue eliminar por si, como as unhas que crescem e não caem. Com o intuito de
equilibrar essa atividade “destrutiva”, observa-se a ação metabólica do corpo exercida
pelo sistema torácico-abdominal. É ele que impregna o homem com o elemento
material, ou seja, com energia. Os membros, que são mais espirituais, não são
capazes dessa tarefa; pelo contrário, são eles que, ao se movimentarem, esgotam o
corpo humano. Quando os membros se movimentam de forma insuficiente ou
inadequada ocorre o acúmulo de gordura, que se coloca como um empecilho do
processo de sucção. Isso impossibilita o acesso do elemento anímico-espiritual à
cabeça.
Steiner explica que a origem do nervo se dá na parte superior do homem, na
cabeça, quando a matéria trazida pelo anímico-espiritual entra em colapso e perece
dentro do organismo vivo. O elemento anímico-espiritual se move ao longo dos
condutos nervosos, que são matéria morta. É somente aí que o elemento pode
percorrer pelo corpo. Diferentemente do sangue, que é organicamente vivo e conserva
em si tal corrente. Steiner complementa: “a diferença entre as duas partes
constitutivas do homem: o que nele é mineral, sendo permeável ao espírito, e o que
nele é mais animal, organicamente vivo, detendo o espírito nele, fazendo o espírito
engendrar as formas que moldam o organismo” (STEINER, 2015a, p.184).
Com este conhecimento pode-se falar dos dois tipos de trabalho que o homem
realiza. O trabalho corporal é aquele no qual movimenta-se os membros, causando
esforço físico. Trabalha-se espiritualmente quando se realiza atividades intelectuais,
fazendo esforço especificamente mental.
Steiner desenvolve o paradoxo:

Durante o trabalho espiritual, nosso corpo está numa atividade


excessiva; durante o trabalho corporal, ao contrário, é o espírito que
79

se encontra num excesso de atividade. Nós não podemos trabalhar de


modo anímico-espiritual sem estarmos, continuamente, no íntimo,
acompanhando esse trabalho com nosso corpo. Quando trabalhamos
corporalmente, nosso anímico-espiritual participa interiormente, no
máximo, ao darmos direção ao andar, ao atuarmos de maneira
orientada pelo pensamento; porém o anímico-espiritual exterior
participa. Nós trabalhamos continuamente adentrando o espírito do
Universo; unimo-nos continuamente a ele ao trabalhar corporalmente.
O trabalho corporal é espiritual e o trabalho espiritual é corporal, junto
ao homem e no homem. (STEINER, 2015a, p.185, grifo nosso).

Junto aos tipos de trabalho desempenhados pelo homem, o autor enseja sobre
recuperação e cansaço. Ambas atividades podem ser salutares ou não, tudo depende
da forma e intenção empregadas para tal. Quando o indivíduo trabalha em excesso
com seus membros, tem como consequência uma afinidade bastante grande com o
espírito. De acordo com Steiner, “nós nos tornamos muito espirituais quando
trabalhamos corporalmente em excesso” (STEINER, 2015a, p.185). Isso significa que
o homem precisará se entregar ao espírito para se recuperar, precisará dormir. Mas
essa premissa não se aplica a qualquer atividade. Para que a união com o espírito
aconteça, a atividade precisa ser coerente e imbuída de sentido. Assim, no sono, o
espírito não precisará trabalhar tanto no inconsciente, porque já o terá feito
conscientemente. A sonolência em excesso só vai acontecer àquele que fez o esforço
sem sentido.
Já o trabalho espiritual (ler, pensar) é acompanhado de atividade corporal, isto
é, de matéria orgânica em contínua degeneração interna. Quando o ser humano se
dedica em demasia a uma atividade intelectual, acumula tanta matéria decomposta
que recebe em troca um sono perturbado – a insônia. Steiner comenta que a
sonolência/cansaço também pode acontecer quando um indivíduo lê pensando em
excesso, ou até mesmo quando vai a alguma palestra ou apresentação e precisa se
esforçar para acompanhar o pensamento. Tal como acontece com o trabalho corporal
na atividade com ou sem sentido, no trabalho espiritual também acontece uma
dualidade, que é a atividade pensante contemplativa que ocorre mecanicamente ou
essa mesma atividade acompanhada de sentimentos. Tudo depende do interesse.
Quando há interesse, essa atenção vivifica a atividade torácica não deixando que os
nervos se desgastem exageradamente, irrigando de sangue o trabalho intelectual. O
80

interesse confere calor ao organismo e estimula a manutenção vital da matéria,


fazendo com que o sono não seja perturbado.
Neste ponto, Steiner justifica o porquê de não se valorizar a avaliação dos
alunos por meio de testes e exames. Fazer com que o aluno estude por obrigação e
em excesso não será de grande valia para a aprendizagem e causará desordem à
existência do aluno. O professor que recebe o aluno no início do ano letivo e, com ele
trabalha ao longo do ano, deve ser capaz de avaliá-lo continuamente considerando
tudo o que é desenvolvido no cotidiano escolar.

2.14 A décima quarta conferência

A décima quarta conferência é a última do ciclo de palestras de “um estudo


geral do homem”. Dando segmento ao tema da tríplice constituição física exterior do
ser humano, o filósofo constrói uma imagem curiosa para ilustrar a totalidade de cada
parte contendo as demais. Como vimos, na Antroposofia a divisão tríplice está sempre
se inter-relacionando.
Segundo Steiner (2015a), a formação do corpo humano representa a ideia da
entrega espiritual que este faz ao Universo. A cabeça do homem, por exemplo, já é
um ser humano completo. O paralelo traçado é mais ou menos o seguinte: a cabeça,
dividida em três partes é dotada de cabeça, tronco e membros. Nariz representando
a ligação com o tronco (pela respiração) e, boca e seu entorno, a ligação com os
membros e o metabolismo (alimentação). Maxila e mandíbula representam braços e
mãos, pernas e pés respectivamente. Isso tudo de forma “atrofiada” na cabeça.
Depois, Steiner parte para a explicação do tronco e membros, onde se vê a
conexão com essa entrega à espiritualidade com maior clareza. No caso dos
membros, estas três partes estão contidas também, mas a cabeça, por exemplo, já
não mais visível como no caso anterior. Ela é completamente espiritual e situa-se
“fora” do corpo. Braços e mãos, pernas e pés representam a transformação de ambos
maxilares do homem. Nesta representação dos membros enquanto maxilares, faz-se
necessário que se pense na imagem da boca: o lugar de “encaixe” dos membros no
tronco representa a “mordida” que essa boca da cabeça espiritual, dá ao “devorar” o
ser humano. Na morte ela o terá consumido por inteiro.
81

“Nós estamos entrando incessantemente, com nosso organismo, na


boca escancarada da nossa espiritualidade. O elemento espiritual
exige constantemente de nós o sacrifício da nossa entrega. E também
na formação do nosso corpo está expresso esse sacrifício da nossa
entrega” (STEINER, 2015a, p. 193).

O tronco, como sempre em situação de mediação entre os polos da cabeça e


dos membros, explica a origem da fala ao se considerar a constituição física de sua
parte superior.

É extraordinariamente significativo como, ao falar, o ser humano faz


constantemente no ar a tentativa de produzir fragmentos de uma
cabeça, e como esses fragmentos prosseguem em movimentos
ondulantes que se detêm junto à cabeça fisicamente desenvolvida.
Aqui os senhores têm o que constitui a fala humana. (STEINER,
2015a, p.194)

Na parte inferior, que se organiza em direção aos membros, encontra-se a


natureza motora embrutecida – aquilo que o mundo exterior impele para dentro do
homem. Caracterização bastante complexa para que se compreenda em poucas
palavras, porém, cheia de sentido com a correspondência pedagógica encontrada por
Steiner. Com a troca da dentição e fim do processo de formação da cabeça, a laringe
não mais encontra espaço para seu potencial de se “tornar” cabeça, daí a necessidade
de se permear o espaço com um sistema ósseo anímico, ou seja, com o
desenvolvimento da linguagem por meio do elemento gramatical. Nos últimos anos do
ensino fundamental, a puberdade marca a introdução de tudo aquilo que se origina na
natureza dos membros na vida anímica infantil.

E assim como na capacidade de aprender a ler e escrever nos


primeiros anos escolares se anuncia a dentição anímica, em toda
atividade de da fantasia e em tudo o que é impregnado de calor interno
se anuncia o que a alma desenvolve nos anos finais do ensino
fundamental a partir dos doze, treze, catorze, quinze anos. Então se
sobressaem com bastante ênfase todas as faculdades anímicas que
precisam ser impregnadas de amor anímico interior, ou seja, aquilo
que se exprime como força da fantasia. (STEINER, 2015a, p.196)

A fantasia é, nesse sentido, essencial no decorrer do ensino fundamental.


Steiner cita exemplos de como introduzi-la nas diversas disciplinas e conteúdos a
82

serem trabalhados, mostrando como o ensino pode ser realizado por meio de
imagens. A fantasia, para ele, é um recurso valioso para a compreensão da criança.
O professor é responsável por tornar o ensino estimulante. E como deve fazer isso?
Mantendo, dentro de si, a matéria do ensino viva, impregnada de fantasia; de vontade
ligada ao sentimento.
Steiner filosofa sobre o ideal do professor:

Em nenhum momento de sua vida ele pode azedar. E existem dois


conceitos incompatíveis quando se pretende fazer a vida progredir:
magistério e pedantismo. Se alguma vez na vida o magistério e o
pedantismo se encontrassem, esse casamento traria uma desgraça
maior do que poderia surgir em qualquer outra circunstância da vida.
Não creio que se tenha admitido o absurdo de alguma vez na vida o
magistério e o pedantismo terem-se unido! (STEINER, 2015a, p.198)

Disso se extrai a ideia de que no ensino existe uma moralidade interior, uma
responsabilidade que o professor assume ao decidir ensinar. Esse entusiasmo moral
pode ser encontrado exatamente no conteúdo explorado nesta última conferência,
pois, ao conhecer e relacionar com o corpo, na entrega espiritual que o ser humano
faz ao Universo, vê-se que.

[...] o ser humano cultiva em termos de intelectualidade possui uma


forte tendência a tornar-se preguiçoso, indolente; e atingirá ao máximo
da preguiça se o homem a alimentar cada vez mais apenas com ideias
materialistas – mas se tornará diligente se ele a alimentar com as
ideias adquiridas do espírito. Estas, porém, nós só as recebemos em
nossa alma trilhando o caminho que percorre a fantasia. (STEINER,
2015a, p. 198)

Por fim, faz uma crítica ao modelo de ensino da segunda metade do século
XIX, que rechaçava o ensino promovido pela fantasia tirando das pessoas a
autonomia e o livre pensar. Frente a tais condutas e, até mesmo de alunos crescidos,
o professor deve acrescentar a coragem em relação à verdade, ou seja, nadar contra
essa corrente. Steiner, então, define as três forças que constituem os nervos da
pedagogia: necessidade de fantasia, senso de verdade e o sentimento de
responsabilidade.
83

3. A ARTE DA EDUCAÇÃO II: METODOLOGIA E DIDÁTICA

O segundo volume da obra é constituído pelo segundo ciclo de palestras do


curso de Rudolf Steiner e tem como objetivo acrescentar indicações metodológico-
didáticas coerentes à concepção antropológica-pedagógica apresentada no primeiro.
Apesar de ter sido a indicação de um roteiro prático para a escola em formação na
Alemanha de 1919, os exemplos nele encontrados acabaram se tornando uma base
bastante significativa para a elaboração do currículo Waldorf em diversas culturas e
línguas até os dias atuais. Rejeitando o “intelectualismo pedante”, Steiner molda um
currículo valorizando o lado prático da pedagogia em sintonia com a vida. A arte é
vista como meio indispensável para a transmissão de conhecimento, um veículo de
aprendizado sensibilizante. À orelha da capa da 3ª edição brasileira lê-se a mensagem
que traduz o sentido da Pedagogia Waldorf: “Tomar o aluno carinhosamente pela mão
para mais tarde soltá-lo, no devido tempo, confiante em relação à vida”.

3. 1 A primeira conferência

Com caráter introdutório, Steiner (2016b) começa a palestra enfatizando que o


método da Pedagogia Waldorf não vem a ser diferente por capricho, mas o é porque
se coloca a serviço das tarefas impostas pela época evolutiva da humanidade.
Coerência: esta é a palavra de ordem na elaboração do método que visa a
harmonização entre o ser humano enquanto espírito, alma e corpo. As matérias de
ensino não são tratadas apenas como oportunidade de transmissão de conteúdo
cognitivo, mas são o principal meio de promoção do correto desenvolvimento das
faculdades humanas. A metodologia deve sempre solicitar o ser humano por inteiro.
A primeira coisa que faz é distinguir o que é conhecimento dado pela convenção
humana (cultural) e o que é conhecimento baseado na natureza humana em geral
(ciência). Ler e escrever é o primeiro tópico sobre o qual Steiner explica o que entende
por convenção.

Nós lemos, mas a arte da leitura se desenvolveu no decorrer da


evolução cultural. As formas dos caracteres surgidos, a ligação dos
caracteres ente si, tudo isso se baseia em convenção. Ao ensinarmos
a criança a ler da maneira atual, ensinamos-lhe algo que em verdade,
84

tão logo nos abstraímos da presença do homem em determinada


cultura, não tem significado algum para a entidade humana. Devemos
estar cônscios de que o que praticamos em nossa cultura física não
tem significado imediato algum para a humanidade suprafísica, nem
tampouco para o mundo suprafísico em geral. (STEINER, 2016b, p.10)

Para o autor, o ler e escrever são conhecimentos originados no âmbito da vida


física, abstrações significadas pelo homem - muito diferente do cálculo, onde o que
interessa não são as formas dos algarismos em si, mas o que de realidade reside
nessas formas. O cálculo é um conhecimento muito mais próximo do mundo espiritual.
A arte, nessa lógica, está praticamente dentro do elemento anímico-espiritual porque
possui um significado eterno. A harmonização do ser humano está aqui expressa na
ligação entre estes três impulsos: o suprafísico (arte), o suprafísico mediano
(aritmética) e o físico (ler e escrever).
Lembrando que a palestra tem caráter introdutório, Steiner cita um exemplo de
como trazer a alfabetização para a criança ao apelar para a sua natureza, ou seja,
remetendo o ensino da escrita às épocas culturais mais antigas e à forma com que
surgiu originalmente.

Ilustração 5 – A letra F de Fisch [peixe]

Fonte: STEINER, 2016b, p. 11

O que o conferencista buscar mostrar é a relação entre desenho do objeto e o


símbolo fonético que lhe é atribuído.
Diria à criança:

Você já deve ter visto um peixe. Tente imaginar claramente o aspecto


do peixe que você viu. Se eu lhe desenho isto (v. figura à esquerda),
fica muito parecido com um peixe. O peixe que você viu se parece com
o que você está vendo na lousa. Pense agora em dizer a palavra Fisch
85

[peixe]. O que você diz ao pronunciar Fisch está neste símbolo (v.
figura à esquerda). Agora, esforce-se para não dizer Fisch, mas
somente começar a dizer Fisch. (STEINER, 2016b, p.11)

A orientação é a de que o professor enfatize o som da primeira letra para que,


dessa forma, a criança perceba que este som isolado é expresso de maneira mais
simples e, assim, o professor deve mostrar o símbolo da letra que está à direita do
desenho na lousa. Este é o principal fundamento da alfabetização Waldorf: o de se
restabelecer “a relação entre as formas abstratas das letras e as imagens surgidas –
de maneira puramente simbólica – da visualização e da imitação desta” (STEINER,
2016b, p.12). O símbolo que representa a escrita da letra é alheio ao contexto
humano, e o ensino que procede de forma com que se ensine isso diretamente, de
forma abstrata, separa a escrita daquilo que a originou: a arte. Isto é o que ele chama
de permear o ensino com a arte, premissa tão exaustivamente repetida no volume I:
“O elemento artístico atua de modo muito especial sobre a natureza volitiva do ser
humano” (Idem, p. 12).
Segundo o autor, a sensibilidade artística é algo inerente ao ser humano,
portanto, a tarefa primeira da escola é possibilitar o seu desenvolvimento. Para que
isso seja possível, Steiner orienta que se inicie o ensino introduzindo o desenho, a
pintura e a música. Ele deseja que desde o início a criança crie o hábito de manejar
um instrumento musical. Eis o erro da pedagogia convencional: apelar apenas para a
cabeça, não o corpo inteiro – é a isto que a Pedagogia Waldorf se opõe.
O parágrafo seguinte tece orientações a respeito do ensino da escrita.
Primeiramente, buscar no elemento do desenho as letras manuscritas e depois as de
forma, fazendo com que que a criança perceba a expressão escrita e lida daquilo o
que emite pela voz. Com o tempo, tornar compreensível a ela que diante de tais
formas concebe-se um sentido, ao mesmo tempo em que se inicia a escrita de frases,
independentemente de sua compreensão dos pormenores desta. Nessas frases a
criança perceberá a presença de outras letras e sons. Em seguida, o professor deve
fazer com que a criança copie, como define Steiner (2016b, p. 14) “fazer com que
aquilo que ela vê passe para suas mãos, de modo que ela não apenas leia com os
olhos, mas reproduza manualmente”, fazendo com que a atividade permeie os
membros do ser humano, despertando, assim, o interesse dele por inteiro. Depois, é
86

preciso fazer o caminho oposto: desmembrar as frases em palavras e as palavras em


letras: partir do todo para o detalhe – outra premissa da Pedagogia Waldorf em geral.
Partindo dessa premissa Steiner exemplifica, também, o ensino de aritmética.
Ele demonstra com um pedacinho de papel como é que se deve ensinar a adição.
Corta-o em vinte e quatro pedaços e orienta que se deve contar na frente das crianças
e dizer que o montinho de retalhos será denominado “vinte e quatro”. Escreve-se o
algarismo na lousa. Depois, aleatoriamente, o professor deve dividir o montinho,
formando outros com quantidades diversas. Fazer o mesmo procedimento de contar
e “denominar” o montinho de acordo com o número de retalhos. Por fim, o professor
deve reuni-los, formando, novamente, o montinho com vinte e quatro retalhos. É assim
que ele demonstra como partir da soma para as parcelas no ensino da adição. Da
mesma forma ele faz com a subtração, acreditando que com este método a criança
fique mais envolvida e com outra capacidade de assimilação.
Neste momento Steiner aponta para a inserção do sentimento de autoridade
do qual tanto falou no primeiro ciclo de palestras. Quando o professor diz “eu chamo
isto de 24”, a criança espontaneamente concorda. Essa é uma maneira de se
alimentar o sentimento de autoridade, que não deve ser imposto pelo adestramento
artificial. No início do segundo setênio a criança está mais receptiva ao ensino
ministrado pela autoridade através do elemento artístico. O autor afirma que se pode
conseguir muito da criança seguindo este método.
Outra observação importante diz respeito à relação do desenhar e pintar.
Steiner (2016b, p.17) fala que o professor deve “transportar a criança para épocas
culturais antigas”, no sentido de ensiná-la as formas primordiais do desenho, como
linhas retas e curvas, a espiral e o círculo, por exemplo. Partir da forma fechada em si
não levando em conta se reproduz alguma outra coisa, o importante é despertar o
interesse pela forma propriamente dita. “Essa semelhança com o mundo exterior deve
reluzir somente como algo secundário. O que deve estar vivo no ser humano é a íntima
ligação com as formas em si” (Idem, p.18). O autor ainda reforça que dos sete aos
catorze anos a criança possui forças valiosas para a aprendizagem e que, mais tarde,
não se pode aproveitá-las com a mesma disposição. “[...] é preciso contar sempre com
o seguinte: em que idade se deve incidir o desenvolvimento de certas forças, a fim de
situar o ser humano corretamente na vida?” (Ibidem, p.18).
87

A arte como algo inerente ao ser humano surge novamente como assunto na
palestra. Steiner fala sobre a música, que todo ser humano nasce querendo levar sua
própria corporalidade ao ritmo musical, à relação da música com o mundo. A idade
em que mais se observa esta pré-disposição para dança é entre os três e os quatro
anos e, para tal, o autor indica a euritmia. Com isso, a criança seria capaz de superar
o “peso” que reside em seus membros e aos sete anos estaria com disposição para
tudo o que se refere à aprendizagem musical. As artes plásticas e a música são meios
pelos quais se eleva a sensação ao intelecto. Steiner (2016b) orienta sobre o ensino
de modelagem. Na sua opinião, oferecer à criança um modelo para que ela olhe e
realize com as mãos aquilo que vê é benéfico, porque solicita o interesse do ser
humano inteiro: “[...] devemos ter consciência de estarmos elevando a parte inferior
do ser humano ao plano superior, ao ser neurossensorial” (Idem, p.20).
A visão do ser humano em desenvolvimento vem a seguir:

Devemos conscientizar-nos de que na criança em evolução se


desenvolvem pouco a pouco o eu e o corpo astral, estando já
presentes, pela hereditariedade, o corpo etérico e o corpo físico.
Agora, é bom pensarmos que o corpo físico e o corpo astral constituem
algo especialmente desenvolvido sempre da cabeça para baixo. A
cabeça irradia o que o ser humano físico efetivamente faz. Se
realizarmos os corretos processos de educação e ensino com a
cabeça, serviremos da melhor maneira à organização do crescimento.
Se ensinarmos a criança retirando do ser humano total o elemento da
cabeça, o que é correto se transferirá da cabeça para seus membros
[...] (STEINER, 2016b, p.21)

O que o filósofo quer elucidar é que, se o método for coerente e, se a entrega


da criança desencadear nela sentimentos e emoções, o ensino será capaz de atingi-
la por inteiro. Isso, por exemplo, pode acontecer durante a narração de contos e
lendas quando o professor tem uma postura interior correta. É assim que se reflete
algo no corpo astral da criança e que se chega à compreensão do conteúdo narrado,
porque do corpo astral irradia algo para a cabeça. Steiner define um ideal neste caso
do trabalho pedagógico com narrativas e pinturas/desenhos: não explicar, nem atuar
conceitualmente, mas atingir o ser humano por inteiro, para que a criança chegue,
mais tarde, por si mesma, à compreensão daquilo viu, ouviu ou fez.
E como fazer isso com uma sala cheia de alunos sem que seja necessário
provocar, artificialmente, o interesse com efeitos sensacionais? Estando o professor
88

profundamente engajado no que desenvolve com seus alunos, não apenas com o
coração e a cabeça, mas pela criatividade de trazer, da natureza, as analogias que
ela oferece para o alimento do aspecto anímico-espiritual da criança: “O fato de não
mais sermos capazes de sentir junto com a criança, acreditando somente poder
transformar o conteúdo em algo racional em que nós mesmos não acreditamos, é que
nos faz ensinar tão pouco a ela” (STEINER, 2016b, p.23). Compreender de alma para
alma, é disso que o autor fala.

3. 2 A segunda conferência

A segunda conferência começa a estruturar um pouco do que foi falado na


anterior. Steiner inicia a palestra relembrando que simpatia e antipatia sempre se
encontram nos três focos do homem. Ele cita como exemplo o ato de ver, o como se
processa a visão de acordo com o encontro entre ambas no olho humano. Depois fala
de um segundo encontro entre simpatia e antipatia muito importante para o homem
que acontece na região mediana de seu corpo, o tórax. É algo que está relacionado
com a vida exterior: o falar humano. O acompanhar dessa atividade pelo cérebro é a
compreensão da fala. Para Steiner (2016b, p.26) “[...] o falar consiste, no fundo, num
contínuo ritmo entre efeitos simpáticos e antipáticos, como o sentir. A fala também
está primeiramente ancorada no sentir” e o que ele quer dizer é que a fala é resultado
das impressões que o ser humano tem do mundo exterior, num processo onde a
atividade simpática contida no tórax se inter-relaciona com a atividade cósmica
antipática. A fala é uma relação do ser humano com o Cosmo.
A relação sentimental que o ser humano estabelece com o mundo permite a
Steiner (2016b) dizer que os sentimentos são expressos por fonemas. As vogais
expressam emoções íntimas que se manifestam em simpatia pelas coisas: ‘A’ está
relacionado à admiração, respeito; ‘E’ é a nuance da defesa, a expressão do
sentimento de resistência; ‘I’ relacionado à aproximação, união; ‘O’ como expressão
do espanto, estar pasmo; por fim, a vogal ‘U’ que expressa a nuance de medo. A
antipatia, que vem de fora ao encontro desse processo anímico, ocorre por meio das
consoantes. Steiner (Idem, p.29) lembra dos “fonemas que consoam”, ou seja, do
encontro de uma consoante com uma vogal, tem-se o encontro entre simpatia e
89

antipatia. Língua, lábios e palato são órgãos que valem com instrumento da antipatia,
isto é, são capazes de deter as coisas. Segundo o conferencista, as vogais devem ser
entendidas como nuances do sentimento e as consoantes como imitação de coisas
exteriores, como o caso da letra ‘F’ em Fisch [peixe]. A formação da fala pode, ainda,
ser compreendida de outra forma. Ela consiste em uma síntese entre os elementos
musical e plástico no ser humano. Como? Steiner (2016b) explica que o ser humano
cefálico apenas acompanha a atividade entre simpatia e antipatia no tórax. Esse tipo
de simpatia subjacente é o elemento musical que ultrapassou certos limites, são as
vogais. As consoantes é que contém o elemento pictórico, plástico.
Neste ponto o autor faz algumas observações em relação à semântica das
palavras em alemão e em latim, dizendo que as palavras são tiradas de contextos
variados em cada uma das culturas e que “seria pura superficialidade querer
simplesmente compará-las, sendo que a tradução lexicográfica é a pior tradução”
(Idem, p.31). Ele quer dizer que as palavras expressam, com certo tom inconsciente,
o modo de ser das comunidades. Ele usa a palavra em alemão Kopf [cabeça], que se
correlaciona com o ‘redondo’, com a forma para justificar a palavra Kohlkopf [cabeça
de couve]. O alemão, portanto, exprime a forma. Segundo o autor, o romano não o faz
assim, pois ele diz testa25, exprimindo um aspecto anímico, ao fato de que a cabeça
é o elemento que atesta. O que Steiner chama a atenção é ao fato de que a linguística
semântica é extraordinariamente útil à Pedagogia.
Se o professor considerar que a fala aponta algo para íntimo através das vogais
e, para o exterior, através das consoantes, será capaz de compreender que facilmente
se pode desenhar as consoantes, não sendo necessário um “guia” para alfabetizar as
crianças. A criatividade do professor ao produzir suas próprias imagens é o que o
deixará mais próximo das crianças, tornando o ensino muito mais significativo.
Em seguida, Steiner desenrola uma longa explicação sobre a relação da
respiração humana com o Cosmo, para se fazer entender o homem como um ser

25 No livro consta a seguinte nota: “Todo este trecho advém da primeira transcrição estenográfica desta
conferência. O exemplo testa também coincide com as anotações de muitos participantes do curso, as
quais puderam ser comprovadas. Na primeira reprodução impressa constava caput, e prosseguia: ‘Ele
expressa o fato de a cabeça ser o elemento que capta, que compreende.’ E depois, de acordo com
isso: ‘Tomem a palavra caput: ‘a’=respeito. É preciso assimilar e compreender o que outra pessoa
afirma. É na cabeça que esta nuance do sentimento se exprime muito bem quando o caráter de um
povo se defronta com a compreensão.” (N.E. orig.)
90

cósmico. Tudo isso para sensibilizar aos que estavam presentes, na tentativa de
mostrar aos futuros professores a importância de se cultivar um sentimento de
veneração pelo que se revela secretamente em cada ser humano. “Se os senhores
não alcançarem o que faz cada ser humano ser considerado um enigma cósmico, só
poderão obter a sensação de que o homem não passa de um mecanismo” (STEINER,
2016b, p.36). E esse sentimento, segundo o filósofo, só poderá surgir quando se
considerar que o sentir reside no ser humano no período entre nascimento e morte, o
que é relativo à imaginação (pensar) remete-se à vida pré-natal e o que consta na
vontade humana corresponde ao futuro germinal, ou seja, o pós-morte. Esse germe
do pós-morte (querer) é permeado pela simpatia, pelo amor, por isso, na educação
tudo o que estiver a ele relacionado deverá ser acompanhado com este especial
sentimento.
O que isso diz da relação entre professor e aluno? Que o verdadeiro impulso
para a educação volitiva advirá da simpatia que o professor desenvolver em relação
ao aluno. E que a educação do intelecto será bem-sucedida quando houver antipatia.
Não se trata de repulsa, mas de saber situar essa antipatia no convívio com o aluno,
usá-la como uma coisa boa. Steiner (2016b, p.37) fala em fazer um conceito do aluno:
“Ao conceituarem o aluno, ao tentarem penetrar em tudo o que é nuance de seu ser,
os senhores se tornam os educadores, os professores de seu intelecto, de sua
atividade cognitiva”. São as duas coisas pertencentes à atividade educativa que
capacitam o educador: a antipatia o capacita a compreender; a simpatia, a amar.

3. 3 A terceira conferência

A terceira conferência tem como matéria as duas correntes artísticas citadas


na palestra do dia anterior: a plástica-pictórica e a poético-musical. Tais correntes
artísticas são como polos opostos que se atraem numa síntese superior. Segundo o
filósofo, no ser humano existe um elemento morto, uma tendência ao perecer, que
deve ser transformado em algo renovado e vivo. Aquilo que é dado de forma
contemplativa (representação mental/imagem) é morto; o que é apresentado por meio
da vontade (arte), é vivo. O professor tem como principal objetivo, então, vivificar o
ensino.
91

Steiner considera que em toda natureza humana harmônica existe um lado


plástico-pictórico para o qual tende o elemento volitivo. Esta tendência é o que
possibilita, ao ser humano, vivificar aquilo que apreende por meio do intelecto. Em
outras palavras, é a fantasia que traz o impulso de vivificar de maneira plástico-
pictórica as representações mentais que o ser humano realiza no contato com o
mundo. A educação eficaz é aquela na qual se produz uma unidade, reunindo o
desenvolvimento do elemento ideativo junto do elemento plástico-pictórico. Em
relação ao desenvolvimento deste último, o autor orienta a introdução das crianças no
mundo das cores, o quanto antes possível, baseando-se na Teoria das Cores de
Goethe que, como já dissemos, relaciona cada cor a um sentimento.
Para o trabalho com as cores, Steiner propõe a utilização de superfícies
coloridas ao invés do trabalho constante com a branca. O mais indicado é que as
crianças tenham sensações que partam das cores, uma vivência completamente
contrária se comparada ao desenho, que está mais ligado ao elemento morto,
abstrato. O autor toma como exemplo a linha do horizonte: quando a criança faz um
risco com o lápis indicando que é a linha do horizonte isso se torna abstrato, inverídico
à natureza. Quando ela pinta uma faixa verde e acima dela uma azul, a linha do
horizonte nasce do limite estabelecido por essas cores. Logo, vê-se que essa
atividade está muito mais conectada à realidade natural. Steiner valoriza e relembra
sempre em sua palestra que o professor deve conduzir a criança a uma correta
relação com o mundo exterior, e isso não é possível na atividade abstrata.
Em seguida, observa que os professores podem cair no erro de apresentar
algum conteúdo muito cedo para as crianças, mas que isso não é de todo ruim. O
despertar de coisas além da compreensão infantil, que precisa antes de mais nada
amadurecer, é extremamente importante e proveitoso. A criança será capaz de
assimilar o que foi apresentado para, mais tarde, compreender e significar aquilo que
viu. Erro maior, segundo o autor, é o princípio de só se apresentar à criança aquilo
que ela já entende, ou o que o professor julga ser palpável para ela. “[...] uma
educação só se torna viva quando se carrega durante algum tempo, num plano
subjacente, o conteúdo recebido, para depois fazê-lo aflorar novamente. Isto é muito
importante para a educação dos sete aos quinze anos de idade” (STEINER, 2016b,
p.46).
92

O elemento musical soa contrário ao elemento plástico-pictórico. É por si um


elemento volitivo e carregado de vida. Contudo, pode facilmente ensurdecer a
consciência trazendo para a criança uma vida intensa e atordoante. Para ser
proveitosa, a educação musical deve harmonizar a emoção (que brota do homem) por
meio da razão. Steiner usa o termo carma para dizer que algumas crianças são mais
inclinadas à música do que outras, no sentido de ter mais habilidades ou uma pré-
disposição maior para o aprendizado musical. Reconhecendo que “à atividade
produtiva” o espaço é reservado àqueles que são mais “musicais”, o conferencista
recomenda que, no ensino, isso não deve ocorrer, pois todas as crianças devem ser
estimuladas a desenvolver a habilidade musical.
A música deve ser cultivada de maneira elementar, partindo de suas bases para
que os alunos recebam uma clara noção do âmbito musical, da mesma forma que o
plástico-pictórico que parte dos detalhes. O professor deve atenuar o diletantismo.
Com este comentário, Steiner reconhece que, em certo ponto, o diletantismo tem
utilidade na vida social, afinal, quais são os amigos que não gostam de se reunir para
cantar e tocar? Então, o autor lembra que todo elemento plástico-pictórico trabalha no
sentido da individualização e, na direção contrária, o elemento poético-musical
favorece o social.
A poesia é valorizada desde que se leve consideração, em primeiro lugar, o
aspecto verdadeiramente poético. O domínio da prosa sobre a poesia, segundo
Steiner, vinha naquela época assumindo um viés equivocado, reduzindo a perfeição
da recitação que realça o elemento musical ao conteúdo da poesia, o que nela é prosa,
de forma completamente abstrata. Da mesma forma critica o ensino que faz uso da
poesia apenas para o trabalho da gramática ou que a interpreta de forma vazia.
Steiner orienta que o aluno deva chegar à aula de recitação munido de tudo aquilo
que lhe seja proveitoso para a compreensão da poesia a ser recitada. Se o professor
estiver trabalhando com algum autor, deve expor às crianças aspectos histórico-
culturais, bem como psicológicos do contexto de sua produção antes da recitação, e
não depois.
Constatação semelhante Steiner faz do canto, atividade que considera como
uma expressão relevante da comunhão do ser humano com o mundo. Nela, o homem
entra em sintonia com o elemento cósmico da sequência tonal propriamente dita e a
93

palavra humana, e daí a relação com o que ele chama de incoerência entre o elemento
sonoro da poesia e o conteúdo que tal apresenta.

Já seria um grande progresso se pudéssemos continuar a desenvolver


a experiência já iniciada agora: manter os versos no mero âmbito
recitativo e vivificar somente a rima com a melodia, de forma que o
verso flua na declamação e a rima seja entoada como uma ária. Com
isto surgiria uma límpida separação entre o elemento sonoro e o
elemento verbal de uma poesia [...]. (STEINER, 2016b, p.51)

Concluindo, diz que se a audição do ser humano é desenvolvida para o musical,


facilmente conseguirá sentir de forma viva o lado musical do mundo. E complementa:
“[...] no elemento plástico-pictórico nós contemplamos, vivenciamos a beleza; no
elemento musical nos tornamos, nós mesmos, beleza” (Idem, p.52).
A última orientação dada nesta conferência também trata da contemplação.
Steiner dá o exemplo de uma aula de ciências, na qual os professores poderão levar
os alunos para o campo ou até às montanhas. O ideal é que os alunos façam desta
experiência um momento de contemplação e observação, de vivência da beleza
oferecida pela natureza. O professor deve conversar com os alunos de maneira
diversa da escola, não trazendo nenhum conceito ou explicação que só cabe ao
âmbito da sala de aula. Nesse sentido, não é correto fazer o movimento oposto:
explicar na sala de aula para somente, depois, mostrar na natureza.

3. 4 A quarta conferência

O foco da quarta conferência é a importância atribuída à primeira aula do


período escolar, a mais relevante do dia em uma Escola Waldorf. Às aulas seguintes,
cabe a incumbência de fazer reverberar aquilo que foi trabalhado na primeira. Steiner
(2016b) começa, então, a modelar a configuração das aulas.
A primeira coisa que o professor deve fazer é chamar a atenção das crianças
de o porquê de estarem ali para serem educadas. O autor considera importante dizer
ao grupo que todos estão ali para aprender coisas que os só os adultos sabem, que
um dia também serão capazes de fazer. Da mesma forma, considera significativo o
ensino ser acompanhado de certa devoção pela geração anterior, no sentido de
94

transmitir às crianças o sentimento de respeito pelo que já foi alcançado por gerações
mais antigas e o que elas deverão alcançar por intermédio da escola. É despertar o
olhar da criança para a cultura ao derredor. Não se trata de fazê-la formar logo um
juízo sobre as coisas, apenas conscientizá-la sobre o que ela está fazendo no
ambiente escolar. Reconhecer que ainda não sabe ler, escrever e contar, mas que vai
aprender na escola, imprime na criança sentimentos de esperança, desejo e intenção.
Steiner fala que não é proveitoso, na educação, introduzir toda sorte de coisas
na aula apenas com a finalidade de acrescentar algo ao ensino. O conferencista usa
o exemplo da atividade lúdica desenvolvida com palitos de fósforo, na qual a criança
faz o contorno de casas e outros objetos.

[...] para a essência humana, não tem significado algum o que se


aprende brincando com palitos – pois mais tarde, na vida, a pessoa só
poderá considerar o resultado disso como brincadeira. Não é bom
introduzir brincadeiras reais na educação. Nossa tarefa, ao contrário,
consiste em introduzir na educação o que é pleno de vida, e não meras
brincadeiras. Portanto, não compreendam mal: não digo que o
folguedo não deva ser introduzido na educação; apenas não convém
introduzir na escola um folguedo artificialmente preparado para o
ensino. (STEINER, 2016b, p.57)

Ainda com o intuito de trazer consciência à criança, fala-se sobre a formação


da vontade. É primordial despertar nela a consciência daquilo que tem no seu corpo,
daquilo que se encontra no ser humano; saber que ela possui “mãos para trabalhar”.
Assim, na primeira aula é conveniente que se realize alguma atividade manual.
Steiner, neste exemplo, cita o desenho de formas. O professor, vagarosamente, deve
desenhar uma linha reta na lousa; as crianças copiam. Depois, fazer uma linha curva,
e elas também copiarão. Essa atividade deve ser recapitulada nas próximas aulas,
considerando-se uma sutil variação. É o princípio da repetição, no qual o professor
não mais nomeará o que está fazendo, deixando a cargo das crianças dizerem o que
veem a sua frente no desenho. Também se recomenda o trabalho com aquarela.
Nesta atividade, o professor deve começar apresentando as cores primárias,
separadamente, conduzindo as crianças às cores secundárias e assim por diante.
Deve despertar nos alunos o sentimento da beleza das cores que dão vida às outras,
mostrando, dessa forma, que a beleza não reside naquelas que já vêm prontas na
paleta de cores. A mesma premissa da sensibilidade para o belo/não belo serve para
95

o ensino de música: partir de um tom qualquer para depois apresentar um segundo


tom consonante, outro dissonante, fazendo com que as crianças repitam. Steiner
considera que o ensino de música deva ser trazido em separado da aula principal,
como é chamada a primeira aula do período escolar na Escola Waldorf. No entanto, o
professor de classe e o professor de música devem conversar para harmonizar o
conteúdo e a forma com que o transmitem às crianças.
Os primeiros elementos de escrita e leitura só devem ser trazidos depois do
exercício artístico. Steiner começa falando sobre os pecados cometidos contra o
ensino do ler e escrever, em especial o ensino da gramática, com os métodos que
vinham causando certo horror aos alunos. Métodos que, ao invés de educar,
afastavam-nos do ensino. Acontece que, para o autor, a gramática tem uma função
essencial: é por meio dela que o ser humano eleva a linguagem inconsciente ao plano
da consciência. A escola deve, então, fazer bom uso do método para que o ensino
não se torne tedioso e pedante.
Tendo dito que “de modo inconsciente ou semiconsciente, na verdade o ser
humano, em sua vida no mundo exterior, eleva-se de modo correspondente ao que
se aprende na gramática” (STEINER, 2016b, p.62), o filósofo demonstra como são
entendidas algumas das principais classes de palavras nesse sentido: substantivos
são designações para objetos contidos no espaço que fazem o homem se tornar
cônscio de sua independência como ser humano – são coisas separadas; os adjetivos
fazem o contrário, pois, quando o homem qualifica algo, está se unindo àquilo; os
verbos são capazes de unir o homem à ação fazendo com que o eu dele se reúna ao
corpo físico daquele que a executa – ele age em conjunto. Aproveitando a explicação
dos verbos, que carregam o elemento mais espiritual do homem, Steiner fala que a
escuta humana é uma ação conjunta, invisível. Logo, é somente por meio da euritmia
que essa “escuta” pode se tornar algo visível. “Ou seja, a euritmia é a revelação do
ser humano ao escutar” (Idem, p.63).
A ideia da escuta proporcionada pela euritmia traz a concepção de higiene da
alma. Steiner comenta que os indivíduos estão cada vez menos aptos a escutar, o
que torna difícil a convivência social. A euritmia, então, tem a capacidade de despertar
a verdadeira escuta no ser humano porque trabalha os movimentos associados aos
fonemas, aos sons: a escuta corporal. “Trata-se de realmente educarmos nossas
96

crianças de maneira que elas, por sua vez, aprendam a atentar ao mundo em redor,
aos seus semelhantes. É este, aliás, o fundamento de toda vida social. Hoje todos
falam de impulsos sociais, mas entre as pessoas existem impulsos puramente
antissociais” (STEINER, 2016b, p.64).
Além de saber qual significado tem para as pessoas a conscientização da
estrutura da linguagem, os professores devem, também, conquistar o sentimento do
quão sábia ela é. Somente o ser humano é capaz de utilizá-la de forma articulada.
Estando consciente de estar à frente dos outros três reinos da natureza, o homem se
conscientiza que seu eu é condicionado por tudo o que constitui a fala. Steiner
relembra, então, que em tempos mais antigos, nos rituais religiosos, seus
representantes entravam em tamanha sintonia com a fala que em alguns momentos
de sua alocução ficavam em silêncio para se comunicar com os seres mais elevados
por meio de gestos eurítmicos. Por isso algumas expressões, quando traduzidas,
soam tão abstratas. É isso o que falta na compreensão da língua: o indivíduo precisa
realmente pensar no que fala. É preciso que o ensino recupere “a viva sensibilidade
para o que reside na linguagem e na sutileza linguística” (STEINER, 2016b, p.67).
Para Steiner, a força do eu aflui para o ser humano por meio da linguagem.

3. 5 A quinta conferência

A quinta conferência continua com a temática da alfabetização. Na palestra


anterior, Steiner havia orientado que, durante algum tempo, fosse trabalhado com as
crianças exercícios com o lápis e com as cores. Na Pedagogia Waldorf é
imprescindível que ocorra a transição do desenho para a escrita, bem como da leitura
do escrito para a leitura do impresso.

Uma absoluta exigência de um ensino apoiado em bases corretas é


que o aprendizado da escrita seja precedido de certa incursão no
desenho, de modo que a escrita seja buscada, de certa maneira,
partindo-se deste; e uma exigência adicional é que só a partir da leitura
do que foi escrito seja desenvolvida a leitura do que está impresso.
(STEINER, 2016b, p. 68)
97

O início da escrita necessita de certo domínio de formas retilíneas e curvilíneas.


O trabalho desenvolvido com o desenho de formas é o que Steiner chama de
fundamentos da alfabetização. Tendo o professor desenvolvido essa parte, deve
chamar a atenção das crianças à existência de um conjunto de letras, o alfabeto. Não
é necessário que se enfatize a sequência, isso o autor considera indiferente nesta
etapa. Quando o ensino assume o caráter de introduzir, efetivamente, as letras, como
demonstrado na primeira conferência, com o exemplo da letra F de Fisch [peixe],
Steiner pondera dizendo que talvez seja mais interessante proceder de forma
alfabética, mas o critério é sempre do professor de classe. O que vale é o exercício
de sua livre fantasia criativa para trazer as letras para as crianças como fora
demonstrado no exemplo. O autor também ressalta que é interessante trazer aos
elementos escolhidos para ilustração das letras algo de proveitoso para a educação
das crianças. Ele usa o exemplo da palavra banho, dizendo que, ao utilizá-la, o
professor deve aproveitar o ensejo para lembrar da limpeza.

Ter sempre algo desse tipo em segundo plano, sem caracterizá-lo


expressamente nem revesti-lo de admoestações, é muito bom.
Convém escolher seus exemplos de modo a obrigar a criança a pensar
em algo que ao mesmo tempo possa contribuir para um
comportamento estético-moral. (STEINER, 2016b, p.69)

O professor então diz a criança que, quando um adulto quer representar o que
é banho, escreve a palavra da seguinte forma: BANHO – e explica a criança que esta
é a imagem do que é pronunciado ao se dizer “banho”. Então, orienta que as crianças
copiem a palavra, porque é importante que elas a recebam não só pela visão, mas
pelas mãos, com seu ser inteiro. Feito isso, deve-se chamar a atenção dela à letra
inicial, “B”. A criança deve ser conduzida da pronúncia da palavra inteira à emissão
do som inicial e, assim, o professor explica que “BANHO” é o símbolo da palavra
inteira e que “B” é o símbolo para o som inicial. Depois, convém apresentar outras
palavras que comecem com o mesmo som da “B”.
O princípio que norteia a alfabetização na Escola Waldorf é pautado na
evolução histórica da escrita na humanidade. Steiner estabelece um paralelo entre a
metodologia proposta e a história dos antigos povos contando sobre a escrita pictórica
desenvolvida pelos egípcios que, na transição para a cultura fenícia, evoluiu para o
98

símbolo do fonema. “Esse princípio, mantido no desenvolvimento da escrita, pode


muito bem ser aplicado ao ensino; e nós fazemos isso procurando chegar à letra a
partir do desenho” (STEINER, 2016b, p.72). Isso não significa que o professor deva
conhecer profundamente a História da Civilização; mais importante é vivificar o ensino
com suas próprias criações ao associar desenhos às letras.

Ilustração 6 – Um exemplo com a letra B, de Bär [urso]

Fonte: STEINER, 2016b, p. 70

Quando a criança compreende o som inicial da palavra é hora de fragmentar o


todo ainda mais: deve-se chamar a sua atenção para que encontre o mesmo som no
meio de outras palavras. Inicialmente, a orientação é que se escreva tudo com letras
maiúsculas, para que a criança perceba a semelhança da imagem. Por falar em todo,
esta outra premissa do ensino que Steiner volta a repetir nesta palestra. Toda
aprendizagem deve partir do todo para as partes, principalmente no processo de
alfabetização.
Steiner assim elucida a diferença na apresentação de vogais e consoantes:

Se os senhores a fizerem aprender cada uma das letras partindo da


imagem, a criança terá uma relação com a realidade viva. Entretanto,
nunca devem deixar de escrever as formas das letras assim,
resultantes de uma imagem, levando sempre em consideração a
necessidade de explicar as consoantes como símbolos de coisas
exteriores – nunca, porém, as vogais. No caso das vogais, partam
sempre do fato de elas reproduzirem o interior humano e sua relação
com o mundo exterior. (STEINER, 2016b, p.73)
99

O que Steiner quer dizer é que as vogais devem ser apresentadas de forma
que a criança perceba o que se passa em seu interior, ou seja, na expressão de
sentimentos, conforme foi dito na segunda conferência. Para isso o professor deve
recorrer a formas e figuras que remetam aos gestos destes fonemas e, assim, transpô-
los ao símbolo fonético que os representam. Outro aspecto que pode ser considerado
no ensino das letras, tratando-se da criatividade do professor, é que nem todos os
desenhos precisam ser fidedignos à forma; o importante é tirar do desenho a forma
principal da letra. O exemplo a que Steiner recorre é a letra “D”, na palavra Dach
[telhado]. Se o desenho lembrar a letra “D” na posição horizontal, basta dizer às
crianças que, para conforto do leitor, convencionou-se a escrevê-la na posição
vertical. O ensino da grafia das letras também pode partir dos desenhos de formas
que são desenvolvidos com as crianças na etapa de fundamentação da alfabetização
(geralmente formas fechadas).
Isso não significa que o professor possa começar o ensino partindo da forma
desmembrada da letra que deseja apresentar, por exemplo, usando uma linha reta e
outra curva, ambas na vertical, para chegar à letra “D”. Isto é abstrato e o correto é
partir do concreto, de imagens vivas. “Assim, nós sempre podemos fazer referência
ao ser humano e sua relação com o meio ambiente ao ensinarmos a escrita
organicamente e, com a leitura do que foi escrito, ensinarmos também a ler”
(STEINER, 2016b, p.77). A liberdade docente é algo fundamental na Pedagogia
Waldorf, uma vez que, para tornar o ensino vivo, é preciso que o professor prepare
seu material e aula com todo sua capacidade anímica.
Ainda falando sobre liberdade, Steiner comenta sobre a “não liberdade” que se
experimentava àquela época na escola tratando-se da ortografia. Na Alemanha,
aconteceu de o Estado querer implementar uma ortografia simplificada, o que
significou a perda de particularidades da língua alemã. E o que o ensino perde com
isso? Para Steiner, os indivíduos perdem a capacidade de escrever aquilo que ouvem
da maneira como ouvem e a escrita perde o modo diverso da língua se articular. O
autor inclusive lembra o caso de Goethe, que não era muito capaz de escrever de
maneira ortograficamente correta e, não por isso, deixou de elaborar tamanha obra.
O conferencista reconhece a utilidade da ortografia no sentido de facilitar a
100

comunicação, atribuindo a ela um caráter social; sentimento que deve ser transmitido
aos alunos quando passam do ensino da escrita para o ortográfico. Mais uma vez
pode-se enxergar o sentimento de autoridade na educação do segundo setênio: a
criança aprende as regras ortográficas entendendo que esta é uma convenção
estabelecida por adultos, a quem elas devem respeitar.

3. 6 A sexta conferência

Steiner inicia a sexta conferência com uma espécie de chamado, dizendo


àqueles presentes que, mais do que educadores e professores, haveriam de se tornar
defensores da Escola Waldorf. A previsão de que a Pedagogia Waldorf se tornaria
alvo de críticas no âmbito pedagógico dava-se pelo motivo de, naquela época,
psicólogos e pedagogos valorizarem aquilo a que Steiner denomina psicologia
experimental, um modelo de investigação psicológica bastante diverso da proposta
antroposófica.
Segundo o autor, a ciência vinha se empenhando em descobrir o que fazer com
a criança em desenvolvimento e, mais especificamente, em explorar o processo de
compreensão. Para Steiner, o problema não residia nos achados dos experimentos
realizados, estudos cujo os quais não desconsiderava por completo, mas na forma
com que a prática pedagógica vinha se apropriando destes conhecimentos, fazendo
esquecer a capacidade que cada um tem de observar diretamente o ser humano e
criando estereótipos baseados em pesquisas com “cobaias humanas”. Os
experimentos traziam recortes de situações de aprendizagem que se distanciavam de
qualquer concepção integral de ser humano, além de, na opinião de Steiner,
apresentarem como resultado “obviedades”. Nesse sentido, um desserviço aos
compêndios pedagógicos que cada vez mais preconizavam contra a sensibilidade do
pedagogo.
A questão é discutida a partir do exemplo de um experimento que buscava
conhecer a melhor maneira de uma criança compreender a leitura. O resultado da
pesquisa mostra que ela tende mais ao objetivo quando o texto lhe é adiantado.
Eis o que Steiner chama de obviedade.
101

[...] é óbvio que para se guardar algo é preciso primeiro ter


compreendido seu sentido; mas ainda há outra coisa: o que se
assimilou de acordo com o sentido atua somente sobre a observação,
apenas sobre o conhecimento intelectual, e ao se levar a alcançar o
sentido educa-se unilateralmente o ser humano para a mera
observação do mundo, para o conhecimento pensante. E se nós
lecionássemos guiados pura e simplesmente por essa sentença,
obteríamos pessoas volitivamente débeis, todas elas. A sentença é,
portanto, em certo sentido correta – mas não absolutamente. Deveria,
aliás, ser expressa assim: se você quiser fazer o melhor para o
conhecimento intelectual de alguém, faça-o dissecando o sentido de
tudo o que ela deve aprender. E, de fato, basta dissecar a priori o
sentido de tudo para educar com vantagem a observação humana do
mundo; mas com isso jamais se educaria o ser humano volitivo, pois
não se pode educar o querer trazendo à luz o sentido de algo.
(STEINER, 2016b, pp.84-85, grifos do autor)

A educação que visa somente o sentido das coisas menospreza a importância


do desenvolvimento da vontade. Para Steiner (2016b, p.86), a vida humana requer
que se eduque com vistas àquilo que “a vontade experimenta dormindo: o elemento
rítmico, a cadência, a melodia, a combinação de cores, a repetição – enfim, a atividade
própria sem a captação do sentido”. Ou seja, para atuar efetivamente sobre o sentir e
o querer, o professor deve ensinar às crianças coisas que sejam preferencialmente
artísticas e aquilo que tem um sentido; deve ser ensinado de maneira mais abstrata
para que a criança não o compreenda de imediato, e sim posteriormente por tê-lo
assimilado pela repetição. A criança recordará e compreenderá o sentido daquilo que
aprendeu com a devida maturidade para tal.
Trata-se de introduzir o sentir de forma especial na vida da criança.

Tal como o sentir [...] se situa entre o querer e o pensar, também a


atividade educativa visando ao sentir se situa entre as medidas a
serem tomadas em relação ao pensar e aquelas destinadas ao querer
e seu desenvolvimento. Para o conhecimento intelectual, devemos
recorrer ao que desvenda o sentido: ler, escrever, etc.; para a ação
volitiva, precisamos desenvolver tudo o que não se relacione com a
mera indicação do sentido, mas com a captação imediata por parte do
ser humano inteiro: o elemento artístico. O que se situa entre ambos
atuará preferencialmente sobre o cultivo do sentimento, sobre o cultivo
da afetividade. (STEINER, 2016b, pp.86-87)

Neste ponto, Steiner reforça a importância de se desenvolver uma observação


anímica sobre as crianças; o professor precisa deste olhar apurado para educar e
102

compreender seus alunos. Justifica, então, a ideia de que, na Escola Waldorf, o


professor de classe deve acompanhar a turma por todo o percurso do ensino
fundamental, justamente por ser ele o responsável pelo trabalho de fazer aflorar o
sentido das coisas que foram trazidas pela arte nas séries iniciais. Para o autor, o
desenvolvimento emocional das crianças pode sofrer caso estas sejam entregues, a
cada ano, a diferentes professores.
A vida possui um ritmo e o fato de o professor ascender com o grupo-classe
torna possível que se estabeleça uma relação rítmica entre o ensino e o grupo todo.
O organismo humano é predisposto ao ritmo e essa repetição rítmica pode ser
extremamente proveitosa quando utilizada de maneira adequada no passar dos anos
escolares. Muito mais valioso é o professor que consegue retornar a determinados
temas educativos, com mais qualidade e complexidade, do que aquele que procura
torná-lo pleno de sentido desde a mais tenra idade da criança.
De volta à questão dos experimentos, Steiner conclui que a intenção da
palestra não é o desmerecimento de tais achados científicos, mas ressaltar que à
frente disso está uma dedicação íntima e plena de amor do professor em relação à
criança. Contudo, o autor também ressalta que a edificação de uma pedagogia
científica poderia ser o caminho para a destruição do bom senso pedagógico.

3. 7 A sétima conferência

A temática da sétima conferência é voltada para a transição didática a que são


submetidas as crianças por volta dos nove anos de idade. Antes de tudo, Steiner faz
uma observação sobre a diferença entre as escolas urbanas e as rurais: as primeiras,
dispõem de excelentes recursos e materiais didáticos; as segundas não os tem em
grande parte, mas possuem os melhores métodos pedagógicos. Por métodos
pedagógicos pode-se entender o acesso à natureza. E o que isso tem a ver com a
época da transição didática? Justamente o fato de que, com a tendência à
urbanização que se instalava desde o século XIX, os professores cada vez menos
disporem de oportunidades de trabalho com seus alunos no meio natural. Essa
transição didática a que se refere Steiner se refere à introdução do ensino de ciências
103

naturais no currículo escolar que, na Pedagogia Waldorf, é pautado na observação e


contemplação direta do objeto de estudo.
Embora as séries iniciais tenham como foco o ensino do ler, escrever e contar,
as ciências naturais e outras temáticas aparecem no currículo sob a forma de
narrativas e de maneira descritiva. Com a maturidade conquistada aos nove anos, o
ensino muda de enfoque. Steiner, então, determina que nas aulas de ciências o
primeiro assunto a ser tratado deve ser a explicação do ser humano propriamente dito.
O objetivo é proporcionar às crianças o sentimento de que o homem reúne em si, em
grau superior, todos os elementos dos outros três reinos naturais e, para tanto, o
professor deve enfatizar a importância da figura humana dentro de toda a ordem do
mundo. A orientação é que se inicie pela descrição exterior da figura humana,
recorrendo ao desenho para chamar a atenção das crianças aos aspectos principais
da forma humana, como a cabeça que é redonda. Isso faz com que se desperte na
criança elementos emocionais e volitivos, porque ela passa a olhar para o corpo
humano de maneira artística.
A segunda orientação é a de que se deve relacionar a esfera da cabeça à
contemplação do mundo. O professor vai, neste momento, apresentar à criança os
órgãos do sentido que se encontram na cabeça: os olhos, os ouvidos, o nariz e a boca;
e, assim, a criança deve perceber que grande parte do que ela conhece no mundo
vem a ser conhecido pela cabeça. Tendo exposto a forma e a função da cabeça, parte-
se para a apresentação do tronco, que pode partir do assunto relacionado à boca, a
alimentação.

Convém suscitar na criança uma noção do sistema orgânico do ser


humano inteiro [...] E também é bom despertar na criança [a
compreensão para] a diferença entre o serviço que os pés prestam ao
corpo do homem, carregando-o e possibilitando-lhe trabalhar em
diversos lugares onde ele tem de viver, em contraste com os braços e
as mãos, com os quais o ser humano não precisa carregar o próprio
corpo, mas pode trabalhar livremente. (STEINER, 2016b, p.99)

Somente depois do ensino da história natural do homem é que se deve passar


para o reino animal. Para este último, Steiner usa o exemplo do polvo, do rato e do
carneiro, ou cavalo, para explicar seu método. O autor pede que os professores
explorem um animal de cada vez, começando com uma narrativa sobre seus hábitos,
104

passando pela imagem real (viva) ou desenho (dependendo da disponibilidade de


acesso) deste para que as crianças percebam a sua aparência. A descrição é o melhor
recurso para que não se dê, diretamente, o conceito do animal. As crianças deverão
desenhar e essa sensibilidade artística deve despertar a capacidade de, por si
mesmas, perceberem as diferenças entre um animal e outro. A ideia também é fazer
a criança perceber que o animal serve ao ambiente no qual vive, que é constituído
daquilo que a espécie necessita para sua sobreviver. Outro ponto importante, segundo
Steiner, é que o professor estabeleça uma relação entre os animais inferiores e
superiores com as partes do corpo humano.

Os senhores devem levar as crianças a sentir que os animais inferiores


são cabeças movimentando-se livremente, só que não tão perfeitas
quanto a cabeça humana; e precisam despertar nelas o sentimento de
que os animais superiores consistem principalmente em tronco, cujas
necessidades os órgãos, moldados refinadamente pela natureza, têm
como principal finalidade satisfazer. (STEINER, 2016b, p.102)

Seguindo este caminho, o professor deve chegar a sensibilizar as crianças para


o que é mais perfeito na forma externa do ser humano: os membros. Tendo explicado
sobre diversos animais, até chegar ao macaco, o professor encontrará oportunidade
para conversar sobre a diferenciação da espécie humana em relação às demais. A
atenção é voltada para a questão de o homem ser dotado de mãos livres. As mãos,
segundo Steiner, são o mais belo símbolo da liberdade humana. Cabe, neste
momento, ao professor despertar na criança o aspecto volitivo-moral por meio do
sentimento, trazendo fortes imagens que ilustrem o valor do trabalho do homem para
o mundo. A imagem de os animais inferiores terem como característica a cabeça, os
animais superiores o tronco e o homem os membros descontrói a ideia de que o ser
humano é a espécie mais perfeita por causa cabeça. Steiner refere-se à cabeça como
“preguiçosa”, porque ela repousa sobre os ombros e nada seria sem a ação do
homem.

Os senhores tornam o ser humano interiormente mais moral não lhe


ensinando que ele é perfeito por causa da cabeça preguiçosa, e sim
que ele é perfeito graças aos membros ativos. [...] No homem, um dos
pares de membros, as mãos, está inteiramente situado na esfera da
liberdade humana. Os senhores só proporcionarão ao ser humano um
sentimento sadio em relação ao mundo despertando nele a ideia de
105

que ele é perfeito graças a seus membros, e não devido à cabeça. [...]
Não se infundem conceitos morais nas crianças apelando ao intelecto,
e sim ao sentimento e à vontade. Contudo, nós só poderemos apelar
ao sentimento e à vontade se dirigirmos os pensamentos e
sentimentos da criança ao fato de como ela própria só será
plenamente um ser humano utilizando suas mãos para trabalhar em
prol do mundo [...] (STEINER, 2016b, pp.104-106)

A justificativa de se esperar até os nove anos de idade para tais conhecimentos


é a de que, nessa fase, a criança fortalece e aprofunda sua autoconsciência,
conseguindo captar com muito mais compreensão as diferenças entre o ser humano
e o mundo que o cerca. A criança torna-se mais capaz de se distinguir do ambiente,
assim como o fez quando pequena, na fase dos três anos de idade; torna-se, também,
consciente da interioridade de suas palavras, ou seja, faz colocações com muito mais
sentido.
Steiner finaliza a conferência atribuindo suas orientações à influência que recebeu das
obras de Goethe, que jamais separava o ser humano de seu ambiente.

3. 8 A oitava conferência

A tarefa de estabelecer um currículo adequado ao desenvolvimento das


aptidões infantis no segundo setênio continua na oitava conferência. Steiner chama a
atenção nesta palestra para outro período importante na evolução da criança: a
puberdade. A época dos doze, treze anos, marcada pelo fortalecimento do lado
anímico-espiritual que se intensifica à medida que se torna menos dependente do EU,
traz a capacidade de a criança desenvolver a compreensão dos impulsos que atuam
no mundo exterior, ou seja, ela começa a compreender fatos e estabelecer relações
históricas. A percepção e compreensão de relações históricas é, portanto,
incumbência deste período. Assim como nas ciências naturais, o ensino de história
até pode ser trazido antes de tal idade, mas apenas sob a forma de narrativas e
biografias.
Steiner aponta que o ensino de história daquela época não preparava os alunos
para este tipo de compreensão, visto que se valorizava a memorização de datas e
exposição de histórias de soberanos e guerras. Para o autor, o verdadeiro ensino de
história é aquele no qual os impulsos históricos são considerados a fim de que se
106

tenha como objeto especial de ensino o modo como o aspecto cultural da humanidade
se desenvolveu.
A segunda indicação do autor ao refletir sobre o currículo é a de que “existe
certa afinidade entre a compreensão dos impulsos históricos na humanidade e a
compreensão dos impulsos físicos naturais no organismo humano” (STEINER, 2016b,
p.113). Steiner referia-se ao ensino de física simples ao lado da história natural para
crianças antes do período da puberdade, portanto, dos dez aos doze anos de idade.
Para o filósofo, explicar o conceito de refração dos raios luminosos utilizando-se de
objetos como a lente, por exemplo, tornaria mais significativa e tangível a
compreensão dos processos físicos que acontecem no próprio homem, como o que
se encontra na constituição do olho humano. O autor então determina que a melhor
época para introduzir o ensino de física e ciências naturais é a partir dos nove anos e
o ensino de história e fisiologia, aos doze anos.
Ainda sobre o ensino da física, diz que não convém ao professor ensinar
abstrações vazias às crianças, mas levar sempre em consideração o desenvolvimento
de conceitos ligados à vida. Da mesma forma, deve estar atento à maneira como
demonstra e explica determinados conhecimentos da física, para que não caia em
contradição, bem como estudar constantemente aquilo que ensina. Em suma, a
disposição existencial apropriada para um professor é aquela na qual seu anímico-
espiritual retrocede à infância, tornando-o capaz de (re)vivificar em si a atividade que
realiza junto de seus alunos. Trata-se da correta atmosfera entre professor e aluno a
qual Steiner tanto valoriza: quando ambos são capazes de se maravilhar diante de um
novo aprendizado.

3. 9 A nona conferência

A nona conferência traz ao curso uma preocupação bastante pertinente para


o advento da Escola Waldorf que estava recebendo alunos de diversas idades,
inclusive aqueles que muito em breve deixariam a escola para ingressar no ensino
médio. Então, como proceder com um ensino que, na visão antroposófica,
corresponda aos princípios educacionais decorrentes da época cultural da evolução
humana, mas que, se comparado ao ensino tradicional, destoa completamente das
107

metas pedagógicas estabelecidas pela sociedade no geral? Como preparar estes


jovens que beiram à vida adulta? Steiner responde que a solução é ensinar
economicamente.
Não apenas nesta, mas em outras palestras o autor reconhece a dificuldade de
se estabelecer um novo método de ensino, ainda mais com um currículo tão
diferenciado. Para tornar a Pedagogia Waldorf real e próxima da sociedade, Steiner
compreende que seriam necessárias adaptações e certa flexibilidade pedagógica, no
sentido de tentar corresponder às expectativas das metas pedagógicas exigidas pela
sociedade ao mesmo tempo em que não se deixa de ganhar com a proposta de
desenvolvimento integral do ser humano na perspectiva antroposófica. E o que seria
este “ensinar economicamente”?
Para Steiner, ensinar economicamente consistia em excluir do ensino “tudo o
que constitua um fardo para o desenvolvimento anímico humano”. Os jovens que
estavam adentrando a Escola Waldorf haveriam de chegar repletos de conhecimento,
dos mais variados níveis, então o professor deveria ser econômico: sondar o que já
sabiam para recapitular conteúdos perdidos. Apesar de neste ponto o texto trazer uma
indicação mais específica para o momento do curso, a orientação seguinte faz uma
contribuição mais atemporal.
O autor comenta o quanto se perde tempo no ensino de línguas estrangeiras
quando o principal método é a tradução. “Deveria haver muito mais leitura, e dever-
se-ia muito mais expressar os próprios pensamentos na língua estrangeira”
(STEINER, 2016b, p.123). Propõe, então, que o ensino comece com a leitura de textos
em voz alta, textos que o professor deve escolher cuidadosamente. A atenção quanto
à pronúncia adequada é essencial. Depois, é preciso fazer com que os alunos narrem
livremente o conteúdo daquilo que leram, observando se não estão omitindo algum
fato. Esta será a maneira correta de verificar a compreensão de seus alunos. A
atividade também deve acontecer de forma contrária: o grupo conversa sobre algum
assunto na língua nativa para, depois, reproduzir por escrito na língua estrangeira. Ao
promover discussões sobre diversos assuntos da vida, o professor deverá chegar,
como que naturalmente, ao ensino gramatical. Isso significa que os exemplos
oferecidos aos alunos devem fazer parte do contexto ativo no qual estão inseridos.
108

O ensino de línguas traz implícito no trabalho com gramática e sintaxe, o ensino


da lógica. Steiner parte do princípio de como se concebe o conhecimento (primeiro se
conclui, para depois passar ao juízo e ao conceito), para explicar como o ensino de
línguas contribui com a lógica. O conferencista orienta que os professores comecem
a gramática com frases impessoais, como “está chovendo”, chamando a atenção dos
alunos para o fato de que essa frase exprime uma atividade simples. Eis mais uma
perspectiva de economia do ensino.

“Agora imagine não o espaço todo lá fora, onde está chovendo, mas o
prado na primavera”. Conduzam a criança a dizer-lhes a respeito do
prado: “Lá está verdejando”, e só então façam-na passar da frase “Lá
está verdejando” para a frase “O prado está verdejando”. Então levem-
na a transformar essa frase “O prado está verdejando” na
representação mental, no conceito “O verde prado”. [...] Os senhores
apresentarão a ela frases impessoais, as quais só existem
efetivamente num contexto ativo, constituindo sentenças em si
mesmas e dispensando sujeito ou predicado; elas se situam na plena
‘vida conclusiva’ e consistem em conclusões abreviadas. Em seguida
os senhores passarão, se for o caso, a buscar um sujeito: “O prado
está verdejando” – o prado que é verde. Depois passarão a formar
uma frase contendo julgamento. (STEINER, 2016b, p.125)

Dando sequência às orientações, pede-se que seja evitado tratar primeiro do


texto para depois dissecar a língua. A gramática deve ser desenvolvida de forma
independente e, como expôs o autor, com frases extraídas da vida. “[...] tentem
praticar gramática e sintaxe com as crianças já formando sentenças com a finalidade
de focalizar esta ou aquela regra” (STEINER, 2016b, p.127). Mas aqui vai um aviso:
o professor não deve enfatizar os exemplos, fazendo com que seus alunos os copiem
no caderno. O que deve permanecer é a regra.
Outra sugestão para a economia do ensino é oferecer o ensino de gramática e
sintaxe por meio de conversas, com exemplos trazidos de forma oral, sem a
necessidade de livros de apoio. Os livros só serão úteis se limitados às regras. O
professor procederá de maneira econômica se fizer seus alunos criarem seus próprios
exemplos. A participação do aluno durante a aula é algo extremamente pedagógico
de acordo com o autor, bem como compete ao professor despertar nele o interesse
para tal.
“[...] quando as crianças realmente participam da aula, penetra tanta
vida na classe que elas, sentando-se, não ficam de todo sentadas.
109

Somente sendo ele próprio comodista é que o professor deseja uma


classe tão firmemente sentada quanto possível, a qual, terminada a
aula, vai para casa com os membros em frangalhos. (STEINER,
2016b, p.130)

A última observação sobre o ensino de línguas diz respeito ao paralelismo


metodológico que a escola deveria encontrar no ensino de duas ou mais línguas
estrangeiras, assim como da língua nativa. Steiner recomenda que talvez fosse
interessante os professores entrarem em concordância quanto ao método, para que
uma língua pudesse dar suporte à outra.

3. 10 A décima conferência

Na ânsia de progredir com o formato do currículo, a décima conferência tem


início com uma breve recapitulação do que já fora sido proposto nas anteriores.
Steiner volta a falar do primeiro período do ensino fundamental pensado para crianças
de sete a nove anos de idade. Com estas turmas o ponto de partida deveria ser o
elemento artístico (música, desenho e pintura) atuando como subsídio ao
desenvolvimento da escrita e, depois, da leitura. O surgimento da escrita a partir de
formas desenhadas e, da leitura, a partir da escrita é enfatizado mais uma vez na fala
do autor. O ensino de línguas estrangeiras também é bem-vindo nesta fase e deve
ser ensinado “como um aprendizado da fala, tratando-se as crianças, com relação à
linguagem estranha, de um modo que elas aprendam” (STEINER, 2016b, p.135). O
ensino da aritmética vem logo em seguida.
O segundo período do ensino fundamental começa aos nove anos, quando a
criança começa a desenvolver mais a autoconsciência. Nesta fase deve-se iniciar o
ensino da gramática, com enfoque sobre a morfologia. O ensino de ciências naturais
deve ser oferecido começando pela história do reino natural animal, seguido do reino
vegetal. A geometria também deve ser introduzida, mas restringindo-se ao âmbito do
desenho e tendo como objetivo evidenciar as relações entre as formas geométricas.
Por último, iniciar o ensino de conceitos da física.
O terceiro período do ensino fundamental é o mais extenso, atingindo os jovens
de catorze, quinze anos. Nesta etapa inicia-se o ensino da sintaxe e, no ensino de
ciências, pode-se passar ao reino mineral, que será tratado como ponte para assuntos
110

do ensino de física e química. O ensino de história também chega nesta etapa, bem
como o ensino de geografia, o qual Steiner orienta poder vir sendo trabalhado ao longo
dos anos por meio de outras disciplinas. A geografia é uma matéria que facilmente
pode estar relacionada às outras, na medida em que se confeccionam mapas,
descreve-se paisagens e etc.
O ensino de música é pensando de forma bastante organizada. Para que as
aulas não incomodem as salas que necessitam de silêncio, Steiner propõe que as
aulas de desenho e pintura sejam ministradas no período da manhã, enquanto as de
música ficam para o fim de tarde. A organização do espaço é pensada para que uma
coisa possa coexistir com a outra. Dessa forma, discutia-se a estruturação do horário
e espaço para o trabalho pedagógico.
Tendo estabelecido um ensino fundamental em três etapas, Steiner comenta
sobre progressão dos alunos entre os anos escolares. A condição ideal, segundo o
autor, é fazer “com que a limitação entre as séries escolares, dentro das etapas, seja
menos incisiva do que na passagem de uma etapa a outra” (STEINER, 2016b, p.137),
ou seja, a retenção de alunos só deveria ser aplicada na transição de uma etapa para
a outra porque respeitar o tempo de desenvolvimento do aluno é fundamental na
Pedagogia Waldorf.
Mais uma vez pensando no contexto de inauguração da escola, quando
receberiam crianças e jovens das mais diversas origens, Steiner faz algumas
colocações acerca do método de ensino e formas de abordagem em sala de aula. Em
relação às línguas estrangeiras, orienta que se deva passar a praticar conversação o
mais rápido possível, cabendo ao professor melhorar ou, no máximo, dirigir a
conversa. Fazer uma sondagem a fim de descobrir qual o repertório poético e literário
dos alunos é também importante, já que este subsidiará, também, as aulas de
gramática e sintaxe. No ensino de línguas estrangeiras o professor deve evitar ler
textos fazendo com que as crianças acompanhem a leitura nos livros. A atitude mais
acertada é recorrer a narrativas orais, pois importa mais que os alunos aprendam
ouvindo e não lendo. A lição de casa desta disciplina é que se encarrega da prática
de leitura, enquanto a composição escrita compete à sala de aula. Por falar em
composições, no ensino de línguas em geral, Steiner entende que a redação de
cartas, comunicações comerciais e afins e o cultivo da narrativa (de coisas vivenciadas
111

pela criança) são ideais para o ensino fundamental, diferentemente do cultivo da


composição livre, que extrapola a maturidade das crianças nessa fase da vida. O
exercício de fazer as crianças resumirem o que viram ou ouviram, ou seja, reproduzir
em poucas palavras aquilo que foi trabalhado em sala de aula, também é importante
no ensino fundamental.
Steiner aconselha que se faça bom uso dos recursos visuais no ensino. Para
tanto, toma como exemplo o Teorema de Pitágoras, que fica muito mais interessante
se ensinado por meio de desenhos coloridos, encaixando os triângulos dentro de um
quadrado, cada qual com sua cor. A geometria é um campo vasto para o ensino visual
e trabalha a favor do pensamento concreto da criança.

Ilustração 7 – A estruturação do currículo no ensino fundamental da Escola Waldorf Livre

I. Até os nove anos:


Música – pintura e desenho.
Escrita – leitura.
Línguas estrangeiras. Um pouco mais tarde, aritmética.

II. Até os doze anos:


Gramática (morfologia).
História natural do reino animal e do reino vegetal.
Línguas estrangeiras. Geometria.
[Entremear] aspecto
III. Até o fim do ensino fundamental: geográfico
Sintaxe.
Minerais.
Física e química.
Línguas estrangeiras.
História.

Fonte: STEINER, 2016b, p.145

3. 11 A décima primeira conferência

A décima primeira conferência é dedicada em grande parte à metodologia e


didática do ensino de geografia. Para Steiner, o ensino de geografia vinha sendo
mantido em segundo plano, de forma negligente nas escolas daquela época, quando,
na verdade, deveria ser entendido como um ponto de convergência das conquistas
112

realizadas nas demais disciplinas. Esta era a tarefa à qual a Escola Waldorf se
propunha naquele momento e, para tanto, o autor descreve algumas situações de
ensino que se tornariam úteis aos professores do curso.
Primeiramente, os presentes são lembrados de que mesmo sem a devida
maturidade, alguns assuntos podem ser apresentados às crianças sob a forma de
narrativas, imagens e afins. O ensino de mineralogia, por exemplo, pertence à última
etapa de ensino. No entanto, a descrição de minerais pode muito bem fazer parte do
ensino na etapa anterior, bem como todos os aspectos relacionados à superfície da
Terra.

Tentaremos dar à criança, inicialmente de modo artístico, uma espécie


de imagem das condições montanhosas e fluviais, mas também de
outras condições da redondeza. [...] elaborar com a criança um mapa
elementar da região mais próxima de sua casa, que lhe é familiar.
Procuraremos dar-lhe uma noção do que seja transpor-se de dentro
de uma região para uma visão obtida da perspectiva aérea ou através
dela, transformando a região já conhecida em mapa. (STEINER,
2016b, p.146)

O trabalho com mapas é algo amplamente explorado no decorrer do ensino


fundamental. Steiner orienta desde a maneira como se deve concebê-lo, até seus
detalhes, como o desenho das figuras que compõem a paisagem e as cores que
deverão coordenar a legenda. O mapa deve se tornar vivo para a criança e ao mesmo
tempo trazer a ela uma visão abrangente das características geográficas da
localidade. Da configuração da natureza, pode-se estabelecer relação com as
condições de vida no campo e na cidade, atrelando-as também às bases econômicas
da região. A partir disso, chamar a atenção para o fato de que o homem interfere na
paisagem natural para produzir seu alimento, para se locomover, e assim fazer a
criança compreender como é que o ser humano se integra ao ambiente.
Do mapa local, o professor deve estender para a configuração de relevo e
vegetação das áreas mais próximas. No caso da Escola Waldorf Livre, Steiner usa a
título de exemplo os Alpes suíços e outras regiões cercadas por rios na Europa. Nesta
ocasião em que se fala de montanhas, o professor pode aproveitar o ensejo para
trazer alguns conhecimentos de mineralogia, exemplifica o autor. Até os doze anos
recomenda-se que os professores tratem mais da geografia regional do que da
113

imagem global da Terra, contudo, vale apenas suscitar a ideia de que existem os
continentes e oceanos. Depois, aos doze anos, todo aquele conhecimento acerca da
localidade (envolvendo paisagem e economia) deve ser trazido, de forma resumida, à
criança para que conheça melhor o resto do mundo. Daí adentrar ao ensino geográfico
de caráter mais social, abarcando a cultura dos povos de cada uma das regiões
terrestres (no entanto, Steiner recomenda que este tópico seja abordado apenas um
semestre após o início do ensino de história).
Ao mesmo tempo em que o ensino de geografia reúne em si uma síntese de
todas as disciplinas, desperta também a oportunidade de que dele se retire outras
boas ideias de trabalho pedagógico. Steiner cita como exemplo a pintura: se, ao contar
para as crianças como é que os japoneses pintam seus quadros, por que não
desenvolver com elas a mesma técnica artística? Da relação entre agricultura e vida
humana pode-se tirar a oportunidade de oferecer às crianças o manuseio do arado,
da grade para lavoura, ou seja, fazer com elas nos jardins da escola uma atividade
repleta de sentido, pois “a habilidade prática é a relação da criança com a vida do
mundo [...] É muito melhor fazer a criança executar coisas que realmente ocorrem na
vida do que inventar outras que não acontecem” (STEINER, 2016b, p.153). A relação
jurídica entre os povos também pode ser trabalhada de forma superficial com as
crianças.
O último tópico abordado nesta palestra refere-se à estrutura do currículo de
ensino por épocas. Steiner determina que, tendo aprendido a escrever e depois a ler
(lembrando que na Escola Waldorf as crianças têm uma aula principal com duração
de quase duas horas), as crianças devem se ocupar de apenas um assunto por um
longo período.

[...] somente depois de ocupá-las assim durante semanas é que


passaremos a outro assunto. Com isso concentraremos o ensino e
estaremos em condições de ensinar muito mais economicamente do
que cometendo o desperdício de forças e tempo ao abordar um
assunto na primeira aula e, na aula seguinte, apagar o que foi
aprendido na primeira. (STEINER, 2016b, p.154)

A geografia, entretanto, é a disciplina capaz de permear todo o ensino, podendo


ser abordada em todas as épocas de alguma maneira.
114

3. 12 A décima segunda conferência

A relação do ensino com a formação social do ser humano é pauta da décima


segunda conferência. Preocupado com o futuro dos jovens que deixam a carteira
escolar, Steiner dedica sua fala à organização de um currículo com caráter mais
prático na última etapa do ensino fundamental.
Segundo o autor, “vivemos dentro de um mundo produzido por homens,
formado segundo pensamentos humanos que utilizamos – e dos quais nada
compreendemos”, referindo-se ao fato de que o homem vinha perdendo a consciência
dos processos e da própria atuação humana em meio à rápida expansão tecnológica.
“Imaginem só quantas pessoas viajam hoje em trens elétricos sem ter a mínima ideia
de como se dá a impulsão!” (STEINER, 2016b, p.156). Para Steiner, essa falta de
consciência é consequência de um ensino que não se ocupa da importância dos
efeitos anímicos inconscientes e subconscientes; um ensino que se preocupa apenas
em embutir conhecimento e não o relaciona à vida prática. Tão ruim quanto
desconhecer o que ocorre em seu derredor é não ter interesse pelo mundo. E o que
fazer diante disso?
O filósofo sugere que, especialmente nos últimos anos do ensino fundamental,
o ensino assuma um caráter mais prático: fazer com que o jovem se posicione frente
ao meio ambiente do qual se serve é integrá-lo de forma consciente no meio social.
Para tanto, propõe que sejam desenvolvidas atividades práticas relacionadas aos
sistemas de produção mais próximos da realidade na qual a comunidade escolar se
insere.

Essa exposição resumida de determinados ramos da produção


industrial é extremamente benéfica para jovens [...] Se nessa época
eles organizassem um caderno contendo ‘fabricação de sabão’,
‘fabricação de cigarros’, ‘fiação’, ‘tecelagem’, etc., seria muito bom.
Não seria preciso ensinar logo uma tecnologia mecânica ou química
em sentido amplo, mas o jovem tiraria muito proveito de tal caderno.
Ainda que esse caderno viesse a ser perdido, permaneceria o residual.
A pessoa não só se beneficiaria de saber essas coisas; o mais
importante é que ela viria a sentir, enquanto passasse pela vida e por
sua profissão, que alguma vez tomou conhecimento e se ocupou
delas. (STEINER, 2016b, p.158)
115

Ter acesso à tais práticas e conhecimento garante ao ser humano segurança


de atuação, a segurança de que precisa para se posicionar no mundo. De acordo com
Steiner, é dessa forma que se educa um indivíduo com iniciativa. “[...] tudo o que a
criança aprender no decurso de sua vida escolar deveria ser tão abrangente que
lançasse muitos fios de ligação com a vida prática” (STEINER, 2016b, p.159). O autor
defende um ideal de unidade: o ensino precisa fazer sentido e estar relacionado a
tudo aquilo que o ser humano desenvolve. Se um aluno dá graças ao esquecer
qualquer que seja o conteúdo aprendido na escola, esta terá falhado.

É preciso que algo do mundo inteiro viva em cada profissão; e é


especialmente das coisas contrárias à profissão, daquilo que se
acredita quase não poder empregar na profissão, que se deve inserir
algo. É necessário ocupar-se com o que, por assim dizer, contraria a
profissão; mas o anseio por fazê-lo só surgirá se a pessoa for ensinada
conforme acabo de indicar. (STEINER, 2016b, pp.160-161)

Em seguida, Steiner justifica sua orientação tecendo uma crítica ao


materialismo que se expandia no final do século XIX. Para o autor, a valorização
excessiva do “ser especialista” devia-se justamente ao fato dessa corrente vigorar nos
diversos âmbitos da vida humana, a começar pela escola.

Não creiam que venha a ocorrer um efeito idealista sobre o jovem se


os senhores evitarem, nos últimos anos do ensino fundamental, nos
primeiros anos do ensino médio, mostrar-lhe a matéria de ensino em
sua relação com a vida prática. Não creiam que a criança virá a tornar-
se mais idealista para a vida futura se, nesses últimos anos, os
senhores a fizerem redigir composições sobre todo tipo de sensações
sentimentais em relação ao mundo [...] atuarão muito mais
eficazmente nesse sentido se não abordarem esse idealismo de
maneira tão brutal e direta. (STEINER, 2016b, p.161)

A igreja também é criticada ao ser responsabilizada pela irreligiosidade ou falsa


religiosidade que Steiner identificava na sociedade. O autor atribui a culpa às prédicas
excessivamente sentimentais que ecoavam por todos os lados, além de falar da
atitude hostil das sociedades religiosas ao não permitir concessões ao ensino. Neste
ponto faz menção à importância da interdisciplinaridade – por isso a crítica ao ensino
religioso que não admitia conversar com a ciência. Steiner diz ser benéfico para a
116

criança em crescimento a passagem de um conteúdo a outro quando estes se


relacionam.
A lição maior desta palestra é, portanto, mostrar que o ensino só se torna
verdadeiro e significativo quando as matérias estão intimamente ligadas à vida prática.
Um aluno que relaciona aritmética aos conhecimentos básicos de contabilidade e que
estuda a gramática e sabe aplicá-la na redação de uma carta comercial será muito
mais presente no mundo do que aquele permaneceu atado ao sentimentalismo inerte.

3. 13 A décima terceira conferência

A décima terceira conferência traz uma discussão de cunho essencial para


autorização do ensino na Escola Waldorf. Tendo explanado toda a teoria
antroposófica e pensado em um currículo coerente com aquilo que a ciência espiritual
propõe, Steiner reconhece que, tão importante quanto isso, seriam as concessões e
adaptações do currículo em vista da legislação educacional alemã. “[...] nós não
poderemos arriscar que nossos alunos, ao terminarem o primeiro ou segundo ano,
não estejam no mesmo nível das crianças ensinadas e educadas externamente”
pondera, ao falar sobre o processo de alfabetização. A preocupação de,
eventualmente, ter de submeter seus alunos à exames oficiais também era objeto de
reflexão. No entanto, sabia que mudanças radicais sob a influência de exigências
exteriores poderiam destruir o ideal do currículo Waldorf. O foco estava, então, nos
anos iniciais e finais: “Nós devemos fazer o possível para realizar nosso currículo
ideal, e fazer o possível para não alienar demais as crianças da vida de hoje”
(STEINER, 2016b, pp.166-168).
As questões do primeiro ano escolar são tratadas com prioridade, justamente
pelo fato de a sociedade da época enfatizar que o ensino da leitura deveria anteceder
ao da escrita.

Se nós pudéssemos educar segundo nossos ideais, começaríamos


obviamente pelas formas, tal qual já discutimos; e, aos poucos,
naturalmente faríamos a criança transformar as formas desenvolvidas
por nós em letras manuscritas. É isso o que iremos fazer, não
deixando que nada nos impeça de começar com uma aula de desenho
e pintura, extraindo desse ensino os caracteres da escrita manual. Só
117

então passaremos às letras de imprensa – quando a criança tiver


aprendido a reconhecer as letras manuscritas. Nesse ponto
cometeremos um erro, pois no primeiro ano não disporemos de tempo
suficiente para ensinar ambos os tipos de escrita, a gótica e a latina, e
ainda ensinar ambos as leituras; isso sobrecarregaria muito o primeiro
ano escolar. Por isso teremos de fazer o caminho do desenho com
tintas para a escrita gótica e, das letras góticas manuscritas, para as
letras góticas impressas, numa leitura simples. Depois, sem termos
primeiro chegado às letras latinas partindo também do desenho,
passaremos da escrita impressa gótica à escrita impressa latina.
(STEINER, 2016b, p.168)

Eis o que Steiner chama de concessão: não abandonar a essência do ensino


(desenvolver a escrita partindo do desenho), ao passo que se faz a criança progredir
como o exige o currículo.

Leremos o menos possível de textos para elas, e em vez disso nos


prepararemos da melhor maneira para ser capazes de narrar-lhes tudo
o que lhe quisermos ensinar. Depois tentaremos fazer os alunos
recontar o que foi ouvido. Não utilizaremos, contudo, textos que não
estimulem a fantasia, e sim ao máximo aqueles que a estimulem
intensamente, sobretudo contos de fadas [...] após termos praticado
longamente com a criança esse hábito de narrar e fazê-la recontar,
faremos com que ela relate brevemente experiências próprias. [...] Por
meio desse narrar, recontar e relatar experiências próprias
desenvolveremos, sem pedantismo, a transição do dialeto para a
linguagem culta de conversação, simplesmente corrigindo os erros
que a criança faz. (STEINER, 2016b, p.169)

Para Steiner, o primeiro ano ainda não seria o período ideal para que se
começasse a conceituar, por exemplo dizer o que é vogal e consoante. Entretanto, a
possibilidade de a escola receber uma visita de inspeção o fazia ceder a determinadas
recomendações, principalmente para que se evitasse um julgamento errôneo da
concepção de ensino antroposófica. Ao falar do ensino de classes de palavras, o autor
orienta que não se invente toda sorte de métodos artificiais. Quando possível fosse, o
professor deveria relacionar o conceito da palavra àquilo que ela é, como no caso do
verbo que expressa uma ação. No caso do artigo, a abstração seria um recurso
necessário. O sentimento de alívio que o conferencista tinha em relação às
concessões era o de que, ao menos, na prática Waldorf, as práticas artísticas estariam
presentes, garantindo a formação da vontade.
118

A seguir, comenta o currículo oficial das escolas alemãs. Neste currículo


estavam designadas duas aulas de religião, onze de língua pátria, duas de estudo do
meio regional, quatro de aritmética e apenas uma de canto e ginástica (juntos). O
primeiro absurdo para Steiner residia no menosprezo do currículo oficial em relação à
parte artística e corporal da criança em detrimento da valorização intelectual. Na
Escola Waldorf, determinou que tais aulas aconteceriam no período vespertino,
oferecidas mais vezes durante a semana. Sobre o ensino de religião, considera
absurdo explicar tão precisamente seus conceitos às crianças de seis ou sete anos.
No segundo ano há, no currículo oficial, a inclusão da aula de caligrafia. Steiner
observa que no processo de alfabetização como o idealizado pela Pedagogia Waldorf,
partindo do desenho e da pintura, não se faz necessário distinguir entre letra “bonita”
ou “feia”. Assim como o escrever “certo” ou “errado”: o ensino ortográfico é subjacente
à prática da narrativa escrita pela criança, devendo vir à tona apenas na última etapa
do processo de alfabetização. Neste ponto adverte que a boa escrita da criança muito
depende da fala correta do professor.
Às séries finais, Steiner faz colocações mais pontuais. Como já falado em
outras palestras, seria fundamental a plena consciência de que a escola estava
recebendo jovens já educados por diferentes métodos pedagógicos da época. Steiner
aconselha aproveitar todas as oportunidades para introduzir a vontade e o sentimento
no que é simplesmente intelectual. Vivificar o ensino como o fez no exemplo do
Teorema de Pitágoras, no qual utilizou-se do recurso das cores, do desenho e até de
objetos para explicar seu conteúdo.

3. 14 A décima quarta conferência

A última conferência do bloco de palestras metodológico-didáticas é dedicada


às reflexões finais. Steiner começa sua fala com uma forte crítica ao modelo de
currículo que é determinado pelo Estado. O que antes permitia uma maior atuação do
professor, garantindo sua autonomia, vinha se transformando em um regime fechado
pelo Boletim Oficial – uma espécie de diretrizes/currículo básico determinado pela
legislação. “[...] nesse livro não se encontra apenas uma indicação do que é exigido,
mas também todo tipo de instruções sobre como se deve proceder na escola [...] A
119

tirania subjacente ao socialismo pode ser particularmente sentida no âmbito do ensino


e da educação” (STEINER, 2016b, pp.177-178).
Logo após, comenta sobre o equívoco da pedagogia tradicional ao se apossar
do ensino visual na prática de ensino. Steiner considera tal exagero um verdadeiro
assassinato da fantasia. Para o autor, será sempre muito melhor (e menos tedioso) o
ensino que estimule e desenvolva na criança a fantasia. Não é bom para a criança o
ensino que procura explicar em minúcias todo tipo de assunto.
Ainda pensando no currículo, Steiner elucida que questões existências do ser
humano podem ser atingidas em grande extensão se trabalhadas no período correto
– e aqui usa a alimentação como exemplo. Para o autor, a criança pequena está
completamente inserida em seu corpo e, por isso, ainda tem certos instintos sadios
com relação à sua sobrevivência. A este fato, Steiner compara a condição do animal
que, por também estar completamente inserido em sua corporalidade, evita aquilo que
lhe é prejudicial. É justamente a espiritualidade que permite ao ser humano a
propagação de hábitos que não lhe são fundamentais, como o consumo de álcool, por
exemplo. Quando a criança atinge certa maturidade, atinge-se as últimas
manifestações destes instintos sadios e é aí que se insere uma educação mais
assertiva em relação à alimentação. Steiner recomenda que nos últimos anos do
ensino fundamental seja apresentado aos alunos tudo o que for concernente à
alimentação e o corpo humano. Isto é o atuar preventivamente para a vida toda.
Para terminar, o filósofo recapitula tudo aquilo que foi determinado para o
currículo Waldorf ao longo deste bloco de palestras. Enfatiza a necessidade de inserir
a fantasia e o sentimento no ensino intelectual e aponta o quão coerente é o currículo
se comparado ao processo de conhecimento explanado nas palestras de antropologia
antroposófica. As três etapas de ensino fundamental correspondem, em certa medida,
aos três processos de conhecimento: concluir, emitir juízo e conceituar.

3. 15 As palavras finais

As palavras finais do educador austríaco dirigem-se aos professores presentes.


Profundamente realizado por estar à frente de um projeto de transformação social e,
consciente da importância do papel docente, Steiner oferece a seus colegas quatro
120

conselhos. O primeiro, que o professor tenha iniciativa e esteja realmente presente


naquilo que faz na escola, observando sempre seu comportamento junto às crianças;
segundo, que mantenha vivo seu interesse por tudo o que existe no mundo e se refere
ao homem; terceiro, que jamais compactue com a inverdade; por último, manter a
disposição anímica vívida e arejada, jamais ressecar nem azedar – reconhecendo que
este é o conselho mais difícil de se colocar em prática.
Pede que os professores procurem recordar tudo o que foi exposto nos catorze
dias de curso, a fim de que não se esqueçam da compreensão do homem à luz da
Antroposofia. Que esta seja como um guia para orientar todas as suas decisões de
âmbito pedagógico, a cada vez que tiverem uma dúvida metodológica.
Por fim, agradece a todos e coloca-se à disposição para o estabelecimento da
Pedagogia Waldorf.

4. A ARTE DA EDUCAÇÃO III: DISCUSSÕES PEDAGÓGICAS

O terceiro e último volume da trilogia A arte da educação complementa de


maneira dinâmica as conferências que compõem os dois primeiros volumes da obra.
Neste livro, Steiner alia à concepção de desenvolvimento integral do ser humano um
aspecto fundamental para o relacionamento entre professor e alunos na Pedagogia
Waldorf. Trata-se da questão dos temperamentos infantis, uma abordagem
psicopedagógica que procura levar em conta toda a natureza humana e não apenas
as características superficiais de comportamento.
O livro é composto por uma série de catorze colóquios nos quais o autor
promove debates e discussões pedagógicas, fazendo indicações práticas para a
realização dos conceitos e processos expostos nas conferências anteriores, além de
reforçar a tarefa pedagógica dos professores, a estrutura do ensino e ordenação do
currículo. Ao final, são proferidas quatro palestras com o objetivo de delinear e lapidar
o currículo da Escola Waldorf Livre.
Cumpre-se dizer que o trabalho de resenha deste volume torna-se um tanto
quanto custoso, justamente pelo fato de no livro não estarem contidas as perguntas
realizadas pelos professores presentes no curso, ficando a cargo do leitor a
interpretação das orientações deixadas pelas respostas de Steiner.
121

4. 1 O primeiro colóquio

A primeira tarde do curso de 1919 talvez seja a mais relevante dentre todas as
outras que se seguiram. Neste primeiro colóquio, Steiner traz a questão dos
temperamentos infantis como objeto de uma nova psicologia e prática pedagógica.
Para dar início à explanação sobre os temperamentos, Steiner pede aos professores
que não tenham em mente, a princípio, a quantidade de alunos na sala de aula. A
grande questão a ser levada em conta é heterogeneidade das crianças que ali estarão.
Essa diferença de comportamento e índole, na Antroposofia entendida como
temperamento, pode ser reduzida a quatro tipos: melancólico, colérico, sanguíneo e
fleumático. E de onde vem esta compreensão? Como vimos, na ciência espiritual
considera-se a composição quadrimembrada do ser humano distinguidos pelos
corpos físico, etérico, astral e do EU. Naturalmente, quando o ser humano nasce nada
disso se encontra plenamente desenvolvido e na harmonia preestabelecida pela
ordem cósmica. Isto quer dizer que um destes quatro elementos acaba prevalecendo
sobre os demais e, aí, encontra-se o papel da educação e do ensino: possibilitar a
harmonização destes quatro membros.
O temperamento melancólico é aquele no qual existe predominância do EU. A
criança tende a ficar ruminando as ideias, “cismando interiormente”, não sendo fácil
chamar sua atenção para as impressões do mundo exterior. “Elas ficam calmamente
fechadas em si, mas nunca temos a impressão de elas estarem, de fato, interiormente
desocupadas: parecem estar, no íntimo, em plena atividade” (STEINER, 2015b, p.15).
As crianças coléricas são aquelas que manifestam sua vontade por uma espécie de
destempero furioso, são os casos onde há predominância do corpo astral. Aquelas
crianças que se interessam rapidamente por algo e logo em seguida perdem o
interesse, são crianças onde o corpo etérico predomina, é o temperamento chamado
sanguíneo. Por último, temos as crianças que passam a impressão de estar, em seu
íntimo, completamente desocupadas e sem qualquer manifestação de interação com
o mundo exterior, revelando a predominância do corpo físico sobre elas no chamado
temperamento fleumático. Steiner reitera existem outras características que revelam
122

os temperamentos e que essa abordagem é exclusiva das crianças, pois o mesmo


objeto deve ser tratado de forma diferente quando avaliado na vida adulta.
Qual a relevância deste conhecimento para o trabalho pedagógico? Para
Steiner, é fundamental que o professor observe e conheça seus alunos sob este ponto
de vista. Nesta observação, o professor deve atentar se a criança focaliza algo de
maneira intensa ou fraca, se fica sensibilizada com algo exterior ou com seus estados
anímicos, depois verificar as seguintes mudanças: se ela se atém a algo com muita
força e muda pouco, ou, do contrário, se ela se apega com pouca força e muda muito,
e assim por diante. Se cada criança tem um temperamento, obviamente, cada uma
compreenderá o conteúdo de uma forma e exigirá um tipo de conduta do professor ao
lidar com ela. Por isso, a primeira recomendação do filósofo é a de que o professor
gaste as primeiras semanas de aula para avaliar o temperamento de seus alunos.
Feito isso, deve organizar a classe em quatro grupos determinados pelos
temperamentos, de forma sensível e espontânea.

[...] deveremos ter na consciência que mostrar algo que precisa ser
observado é diferente de emitir um julgamento a seu respeito. Ao emitir
um julgamento, devemos dirigir-nos a um grupo diferente do que ao
mostrar algo. Se apresentarmos algo destinado a atuar especialmente
sobre os sentidos, deveremos dirigir-nos com especial atenção ao
grupo sanguíneo. Ao tecer uma reflexão a respeito do que foi
observado, deveremos dirigir-nos às crianças melancólicas. Detalhes
mais precisos serão dados mais tarde. Contudo, é necessário
adquirirmos a habilidade para dirigir nossas palavras e apresentações
cada vez a grupos diferentes. Com isso conseguiremos que um grupo
preencha a lacuna de outro [...] os grupos se complementam,
aprendem um do outro, intercambiam interesses. (STEINER, 2015b,
pp.15-16).

Isso não quer dizer que o professor deva gastar horas preparando a sua
abordagem, mas que deve se fortalecer para elaborar animicamente o trabalho
pedagógico. Steiner então propõe aos presentes que respondam como estes
temperamentos se manifestam nas crianças e qual a melhor forma de se lidar com
cada um. Ao falar sobre “lidar”, Steiner (2015b, p.16) diz que “o pior método para se
lidar com um temperamento é cultivar na criança, de certa maneira, as qualidades
opostas”, ou seja, o correto é ir ao encontro do temperamento procurando os
elementos adequados para contornar a situação. O ideal para uma criança colérica
123

em um ataque de fúria não é pedir para que se acalme, mas deixar que ela esgote
livremente sua fúria (e o autor reconhece que esta não é uma tarefa fácil). Outro
exemplo interessante é com a criança fleumática. Quando o professor encontra
acesso à sua falta de participação não deve exteriorizar esse interesse interior, ou
seja, deve procurar parecer isento. É o comportamento docente oposto no trato com
a criança colérica, quando o professor a observa com sangue frio enquanto ela se
enfurece. Isso não quer dizer que o professor deva ignorar seu mau comportamento,
mas que deve esperar o momento mais oportuno para conversar com a criança e
calmamente condenar sua atitude desmedida.
Steiner desenha um esquema para ilustrar como os temperamentos podem ser
opostos, tornando-se polos e os vizinhos que acabam se interpondo. Assim, esboça
um modelo de organização dos grupos na sala de aula “ao reunir um grupo fleumático,
os senhores deverão opor-lhe o colérico, estabelecendo entre eles os dois outros – o
melancólico e o sanguíneo” (STEINER, 2015b, p.19).

Ilustração 8 – A disposição dos temperamentos

Fonte: STEINER, 2015b, p.18

A justificativa de reunir, em um grupo, crianças do mesmo temperamento se dá


por considerar que, juntas, tendam a refinar o seu comportamento. Steiner recomenda
que todo o corpo docente da escola reserve um tempo periodicamente para discutir
sobre o comportamento e outras questões de cunho pedagógico. O autor refere-se a
124

uma reunião de caráter republicano, numa tentativa de substituir a figura do diretor,


entendendo que dessa maneira todos os professores participem das oportunidades e
interesses dos demais.
Em seguida, Steiner fala sobre a contramão que o currículo Waldorf assume ao
abolir o sistema de aulas com duração de quarenta minutos. Entendendo que a melhor
estratégia pedagógica, em conformidade com toda a concepção antroposófica, seja a
de fazer a criança se concentrar em uma única matéria durante um tempo, determina
que na Escola Waldorf seja admitida a aula principal com duração de uma hora e meia
com mais meia hora para a aula de contos. O período de imersão na matéria fica a
critério do conteúdo, podendo ser de seis a oito semanas. Para crianças até doze anos
determina-se que o suficiente para o período escolar é a duração total de três horas e
meia: a aula principal e o restante dedicado ao ensino artístico. À aula de religião fica
estipulado um pequeno espaço em um dia da semana. Sobre o trabalho com a aula
principal, Steiner recomenda que no final do ano sejam feitas repetições, a fim de
reavivar a lembrança daquilo que foi trabalhado.
O autor ainda recomenda que se estabeleça uma aula de ginástica e uma de
euritmia, lembrando aos professores que as crianças devem ocupar os jardins e
ginásio nos horários de intervalo entre turmas. Também incentiva que as crianças
usem o espaço da escola para o livre brincar, mesmo nos períodos sem aula.
A aula de contos deve acontecer durante todo o ensino fundamental, de forma
livre e narrativa, entenda-se: oral. Para que isso aconteça, Steiner pede que os
professores providenciem um acervo na escola, com o objetivo de se prepararem para
tais aulas. Steiner escreve à lousa uma lista com os objetos de ensino de cada ano
escolar.

Ilustração 9 – Indicações para aula de contos

1. Certo acervo de contos de fada.


2. Contos do mundo animal em conexão com a fábula.
3. História Bíblica como parte da História Geral (Velho Testamento).
4. Cenas da História Antiga.
5. Cenas da Idade Média.
6. Cenas da História Moderna.
7. Narrativas sobre os povos.
8. Conhecimentos etnológicos.

Fonte: STEINER, 2015b, p.23


125

A parte final do colóquio é dedicada às perguntas dos ouvintes. Nesta primeira


oportunidade pergunta-se sobre as imagens para os fonemas e letras durante o
processo de alfabetização. Steiner responde que cada professor deve buscá-las por
si mesmo, usar de sua imaginação. A segunda pergunta é em relação a escrita gótica
e latina. O autor responde que a escrita latina será ponto de partida e que, a seu ver,
a escrita gótica deveria desaparecer. Depois, Steiner faz alguns esclarecimentos
sobre como lidar com crianças melancólicas e alguns apontamentos sobre os livros
didáticos. De acordo com o autor, conviria considerar os livros usuais, mas que os
professores os dispensassem o quanto fosse possível. Também revela sua opinião
contrária aos modelos de exame. “Medo de provas antes da puberdade é muito
prejudicial a toda constituição fisiológica do ser humano, atuando forçosamente sobre
toda constituição física e psíquica. O melhor seria a abolição de qualquer tipo de
exame. As crianças se tornam muito mais prontas em suas respostas” (STEINER,
2015b, p.25).
Por fim, revela que o temperamento das crianças vai se lapidando por volta dos
dez anos de idade, quando as diferenças estão superadas. Outro apontamento
interessante é que Steiner discordava da separação de alunos entre meninos e
meninas; a nova escola apenas o faria por conta da opinião pública. Sobre os
professores, estabelece que o professor de classe deve se responsabilizar pela
formação intelectual e a índole da criança, devendo acompanhar a mesma turma por
oito anos, voltando à turma de primeiro ano em seu nono ano de exercício. Sobre a
vontade, atuariam os professores especializados nas artes: ginástica, euritmia,
desenho e pintura.

4. 2 O segundo colóquio

O segundo colóquio é dedicado ao exercício sobre os temperamentos


propostos por Steiner no colóquio anterior. A primeiras questões referem-se à
manifestação do temperamento sanguíneo, bem como a forma de lidar com ele.
Steiner responde que no ensino de desenho é possível que sejam feitas algumas
individualizações dentro dos grupos de temperamentos. “Formas mais complicadas e
126

cheias de detalhes deveriam ser empregadas para crianças com temperamento


sanguíneo. De acordo com o temperamento será mais determinada a maneira como
ensinar a um ou a outro”. Da mesma maneira, explica que a forma de lidar com as
crianças não deve ser padronizada. Ao ser indagado sobre a falta de atenção da
criança sanguínea, Steiner orienta que em uma sala com grande número de alunos
torna-se difícil adotar medidas individualizadas, o ideal é que as crianças sanguíneas
permaneçam em grupo para que o professor as coloque em contato com as
melancólicas. “É importante não apenas manter a seriedade e a calma, mas fazer a
seriedade e a calma dos melancólicos entrar em interação com o grupo sanguíneo”
(STEINER, 2015b, pp.26-27). E como fazer isso? O autor recomenda que, com boa
dose de humor e tato, o professor chame a atenção do aluno que está distraído
(sanguíneo) mostrando que outro (melancólico) está mais ligado no assunto em pauta
na sala de aula. O filósofo acredita que dessa forma as características das crianças
se lapidam mutuamente.
A próxima pergunta trata do temperamento fleumático. Um dos professores
presente faz uma tabela com indicações de trabalho com música e história bíblica
diferenciando os temperamentos. Steiner concorda com a disposição elaborada pelo
colega, mas enfatiza que “as quatro artes devem ser menos repartidas entre os
temperamentos, pois é possível atuar sobre cada temperamento, no sentido de uma
harmonização, justamente pela variedade dos elementos artísticos”. Um dos
presentes relata que a criança fleumática tende a ficar com a boca aberta. Steiner o
corrige dizendo que a boca não fica aberta, e sim fechada; são os lábios que ficam
caídos – um sinal de emergência no trato com essa criança. Para lhe tirar a fleuma, o
autor recomenda que a criança deve ser acordada uma hora mais cedo, o que seria,
portanto, uma atitude em parceria com os pais. Na escola, o professor pode, a cada
vez que passar pelo grupo de alunos fleumáticos, fazer alguma coisa que os desperte
– ele sugere jogar um molho de chaves na mesa para fazer barulho. “É preciso usar
um meio exterior para tirá-las, sacudi-las de sua letargia” e orienta que eles sejam
entretidos por pelo menos cinco minutos depois de despertá-los (STEINER, 2015b,
pp.28-30).
Fala-se sobre alimentação. Steiner indica que melhor seria se as crianças não
fizessem a principal refeição na escola. Não devem comer muito ou estar de estômago
127

vazio para estudar. Em seguida faz algumas orientações pontuais acerca da


alimentação de cada temperamento. Apresentam-lhe o comportamento da criança
melancólica. Steiner comenta que essa criança geralmente fica atrasada em relação
às outras. Por ficarem atrasadas quanto ao nascimento do corpo etérico, são mais
acessíveis à imitação, então, é importante que o adulto observe a maneira como se
porta em relação a essas crianças.

“[...] o melancólico vive numa curiosa ilusão a respeito de si próprio,


achando que as vivências pelas quais passa atingem exclusivamente
a ele. No momento em que lhe é mostrado que outras pessoas
também passam por experiências iguais ou semelhantes, isso lhe
representa sempre uma espécie de cura, pois ele constata que não é
a única individualidade interessante que acredita ser. [Normalmente]
ele é capturado pela ilusão de ser, com sua natureza, um indivíduo
todo especial. Quando se consegue fazê-lo perceber que ele não é
pessoa extraordinária alguma, que existem muitos indivíduos como
ele, cada qual com suas experiências pessoais, isto constitui um forte
impedimento aos impulsos que conduzem justamente à melancolia.
(STEINER, 2015b, p.31)

Sobre as crianças coléricas, Steiner orienta que se considere “o máximo


possível de situações imaginárias, artisticamente criadas, a serem levadas à sua
esfera de atenção”. Ou seja, o professor deve contar à criança alguma situação
inventada mostrando um acesso de fúria vivido pela personagem. “Com isso se
concentraria nela a energia para compreender igualmente bem outros aspectos”. O
filósofo também apresenta aos presentes uma ilustração contendo a constituição
física dos quatro temperamentos: “via de regra, as crianças melancólicas são
delgadas; as sanguíneas são mais proporcionais; as que têm ombros mais salientes
são as fleumáticas; as que possuem constituição atarracada, de modo que a cabeça
quase afunda no corpo, são as coléricas” (STEINER, 2015b, p.32-33).
128

Ilustração 10 – A constituição física dos temperamentos

Fonte: STEINER, 2015b, p.32

Steiner pede que os professores considerem seriamente não tratar os


temperamentos como falhas a serem combatidas. Depois, lembra que o ser humano
está em constante transformação no decorrer da vida e, para elucidar o que diz,
espelha os temperamentos na biografia humana.

[...] de maneira geral, todas as crianças são sanguíneas, mesmo


quando individualmente são fleumáticas ou coléricas; todos os
adolescentes são efetivamente coléricos, e quando isso não ocorre,
quando não acontece nessa época, tal desenvolvimento não é sadio;
o homem e a mulher adultos são melancólicos, e na idade avançada
ambos são fleumáticos. (STEINER, 2015b, p.34)

Os temperamentos não devem ser conceitos rígidos e bem definidos. Com este
exemplo da biografia humana o autor procura mostrar que “na realidade, tudo se
interpenetra [...] Assim, uma criança colérica é apenas predominantemente colérica,
e uma criança sanguínea, predominantemente sanguínea. A oportunidade para
alguém ser totalmente colérico só se oferece na adolescência”. Então o autor vai um
pouco mais longe e fala sobre a sociedade no geral. As realizações no âmbito cultural
geralmente são realizadas por pessoas que mantiveram um espírito mais juvenil, ou
seja, sanguíneo. No campo econômico, as melhores decisões são aquelas baseadas
na experiência, no espírito senil – a característica do fleumático. À carreira docente,
Steiner considera importante que se conserve um pouco da disposição infantil, “poder
tornar-se sanguíneo por decisão” (STEINER, 2015b, pp.34-35).
129

4. 3 O terceiro colóquio

Os exercícios do terceiro colóquio continuam com a temática dos


temperamentos. No primeiro deles, um dos professores narra um conto ilustrando
como o faria de diferentes formas entre crianças sanguíneas e melancólicas. O filósofo
comenta: “apresentando-se os detalhes de forma mais insistente, não faltará impacto
sobre crianças melancólicas. No caso das sanguíneas, eu faria pausas principalmente
no começo” (STEINER, 2015b, p.37). Em seguida, um outro professor comenta que a
criança sanguínea deve se sentar em uma posição mais ereta, bem em frente, no foco
do professor da classe; para as crianças melancólicas, melhor que se crie um
ambiente mais confortável e aconchegante. Steiner aprova o conselho.
Outros contos são contados, de diversas maneiras, por outros professores.
Steiner faz algumas observações concluindo que uma coisa pode ser boa de várias
maneiras e que nem sempre se faz necessário substituir algo já feito. Em seguida, o
grupo começa a apresentar alguns desenhos para debater a atuação das cores e
formas nos quatro temperamentos. Da mesma maneira, conversam sobre a descrição
de animais e Steiner chama a atenção para o fato de que os fleumáticos precisarão
de uma imagem comparativa entre ser humano e animal para captarem a descrição.
“[...] empregamos a matéria de ensino principalmente para captar as capacidades
volitivas, emocionais e intelectuais da criança, sendo bem menos importante o que ela
memoriza do que o desenvolvimento de suas capacidades anímicas” (STEINER,
2015b, p. 42).
Para finalizar, Steiner propõe que os professores reflitam sobre como educar
para o interesse social. Descrevendo uma situação de conflito na qual três crianças
são rejeitadas pelo resto da classe, o autor pede que os professores descubram qual
a melhor maneira de resolver a situação, fazendo dessas crianças seres amados.

4. 4 O quarto colóquio

As discussões sobre metodologia e didática continuam no quarto colóquio.


Steiner começa a tarde comentando sobre as colocações de um dos professores a
respeito das aulas de aritmética. A primeira orientação é a de que se use materiais
130

baratos, e não o giz, para quebrar e indicar quantidades. Depois, o autor fala que a
soma é uma operação característica das crianças fleumáticas. Referindo-se ao
método de adição que parte da soma para as partes, Steiner recomenda que este
caminho seja feito com as crianças fleumáticas, utilizando-se feijões ou sementes. O
caminho inverso (das parcelas para a soma) deve ser feito pelas crianças coléricas.
Às crianças melancólicas reserva-se a oportunidade de fazer a subtração e, assim,
consequentemente, pede-se às sanguíneas que façam o caminho inverso. Steiner vai
mostrando aos professores que o ponto de partida será a adição, em seguida,
subtração, multiplicação e divisão. Todas as operações realizadas de maneira
concreta e partindo do todo para as partes. Os quatro temperamentos têm afinidade
com as quatro operações: “a soma é afim ao fleumático; a subtração, ao melancólico;
a multiplicação, ao sanguíneo; e a divisão, voltando ao dividendo, ao colérico”
(STEINER, 2015b, p.47). Para encerrar o assunto, Steiner recomenda que o ensino
não assuma um caráter tedioso, melhor será se as quatro operações forem logo
apresentadas e colocadas em prática.
Um professor indica que talvez fosse interessante começar com a
estereometria (cálculo do volume dos corpos sólidos). O filósofo rejeita a indicação
dizendo que a criança sente dificuldade em ter uma visão global do espaço. Por esse
motivo, melhor que se inicie com as formas planificadas. “A criança tem uma visão
fortemente bidimensional, sendo violentada quando tem de passar à terceira
dimensão, à profundidade” (STEINER, 2015b, p.47). Não é adequado que ela use a
fantasia para representar um corpo sem que esteja munida de elementos para tal
representação.
Surge mais uma questão referente aos desenhos de formas. Steiner
recomenda que, para crianças sanguíneas, sejam oferecidas formas que incentivem
a repetição. Para as melancólicas, algum objeto de reflexão como uma forma mais
complexa onde a criança poderá pintar primeiro dentro, depois desenhar a mesma
forma e pintar de forma inversa. É preciso movimentar a fantasia.
Sobre a narração de contos, Steiner observa que “seria bom o professor
acostumar-se a falar numa linguagem bem articulada, levando a criança a sair do
dialeto”. Quando a narrativa deseja atingir aos fleumáticos, o autor propõe que se use
o truque “da surpresa e da curiosidade”, isto é, o professor deve fazer pequenas
131

pausas na narrativa para fazer a fantasia trabalhar. A descrição de animais nas


narrativas também deve receber especial atenção, pois é imprescindível que “tais
narrações contenham verdadeira história natural” (STEINER, 2015b, pp.49-50).
Em relação à observação de crianças, Steiner ressalta que cabe ao professor
identificar deformações do ser físico-psíquico, isto é, “as linhas entre os
temperamentos e o ser anímico patológico”. Dentre tais exacerbações, o autor
relaciona a alienação mental ou delírio ao temperamento melancólico, a imbecilidade
ou idiotice ao fleumático, a loucura cabe ao sanguíneo e a fúria ao colérico.
O colóquio termina com a discussão sobre a tarefa proposta no dia anterior, a
respeito dos três alunos que são rejeitados pela classe. Steiner começa seu discurso
dizendo que nunca se deve estimular que as crianças sejam delatoras, apontados
culpados. “As crianças não precisam ter propriamente culpa” (STEINER, 2015b, p.51).
Segundo o autor, punições e castigos não resolvem o problema e sempre deixam algo
para trás. O mais adequado será a elaboração de uma história que traga a temática à
tona. O professor deve contá-la mais de uma vez, fazendo com que os três alunos
excluídos se sintam acolhidos e que, os demais, sintam vergonha.

4. 5 O quinto colóquio

O quinto colóquio coloca em pauta os exercícios de dicção. Steiner dá grande


importância a essa matéria e pede que os professores criem frases que não visem
propriamente “a um sentido, e sim à ginástica dos órgãos fonadores”. O livro traz
alguns exemplos em alemão com sugestões foneticamente aproximadas em
português.

Ilustração 11 – O exercício de dicção

Rate mir mehrere Rätsel nur richtig


Rente ao mar meros restos por rochas

Fonte: STEINER, 2015b, p. 55


132

O autor pede que na pronúncia sejam elevados à consciência cada som


individual, que cada letra seja pronunciada com consciência a fim de que se
desenvolva uma fala articulada e clara.
Dando continuidade às discussões, o grupo volta a falar dos temperamentos.
Steiner faz alguns apontamentos, dizendo que muito do que se vê no temperamento
de uma criança pode ser atribuído aos seus antecedentes, no sentido de sua vida
anímica, ou seja, o autor chama de carma aquilo que “pode designar como resultado
de vivências em vidas terrenas anteriores”. Mas alerta dizendo que “não devemos
considerar o carma moralmente, e sim do ponto de vista casual” (STEINER, 2015b,
p.56). Depois, fala sobre a transformação dos temperamentos estabelecendo certo
parentesco entre os corpos da constituição humana. Um professor questiona se os
temperamentos podem ser atribuídos a grupos de pessoas, como o povo de
determinado país. Steiner responde que sim, e que a língua também assume
características de seu temperamento.
Volta-se a questionar sobre a divisão das classes por temperamentos. Primeiro,
Steiner fala que os alunos não devem se sentar conforme o seu desempenho, muito
menos deve-se acolher pedidos para que se sentem entre amigos. Prossegue dizendo
que a organização da sala cabe ao professor, “algo que se deve manter nos
bastidores” (STEINER, 2015b, p.59), isto é, algo que não se explica aos alunos – e
aqui confere-se a autoridade docente.
Neste colóquio, o objeto de reflexão dos professores é o caso de um aluno que
resolve cuspir para o teto. Dentre as constatações e observações debatidas, Steiner
considera que, antes de mais nada, o professor deve avaliar se foi um ato de traquinice
ou maldade. O mais acertado é fazer com que a atitude se torne desinteressante ao
restante da classe. No entanto, se a classe toda participar, a culpa é do professor que
não soube conduzir a turma. Se houver caso de vandalismo, recomenda-se que o
prejuízo seja reparado com trabalho das crianças.
O autor, então, fala sobre o comportamento do professor diante de tais
situações. “[...] um bom meio para resolver excessos é também o humor”. No caso de
muitos alunos indisciplinados, o professor pode identificar aqueles com o perfil de líder
e chamá-los para uma conversa amigável, pedindo que conversem com seus colegas
e assim “fazer valer sua influência na classe” (STEINER, 2015b, p.61). Steiner
133

entende que a melhor saída é sempre provocar nos alunos sentimentos que os façam
recuar de atitudes ruins. Além do bom humor, manter a calma e serenidade também
são aspectos fundamentais de um professor que soluciona conflitos.

4. 6 O sexto colóquio

O sexto colóquio tem início com a repetição dos exercícios fonéticos do dia
anterior e apresentação de mais alguns. A discussão pedagógica vem logo a seguir,
quando Steiner passa a falar sobre a leitura de textos em prosa e poesia. Partindo da
leitura de uma fábula, as primeiras observações do autor são as de que os textos
podem ser lidos com diversas entonações e que não se deve enfatizar o título daquilo
que será lido. Segundo Steiner, a leitura de “um texto em prosa ou uma poesia deve
atuar sobre a alma de modo que esta se alegre com a impressão recebida”, portanto,
o professor que lê textos a seus alunos, ou o lê junto com eles “explicando-o em
seguida de maneira pedante” estará arruinando conteúdo deste texto em relação aos
sentimentos e emoções dos alunos. Para que a criança se sinta preenchida pela
leitura é preciso que compreenda instintivamente o que está contido no texto, ou seja,
“uma compreensão pelo sentimento”. E como proceder de forma correta? O autor
aconselha aos professores que, antes da leitura, expliquem e forneçam todos os
elementos que possam contribuir para a compreensão do texto, garantindo que, desta
forma, “o prazer e a satisfação da criança aumentam” (STEINER, 2015b, p.65).
Então Steiner faz uma longa explicação, mostrando como falaria com seus
alunos sobre cães e seres humanos, fazendo comparações e citando algumas
situações com ambos para, depois, ler uma história sobre um cão pastor. A ideia é
que se crie um momento de conversa com as crianças antes da leitura. Dessa forma,
não será necessário fazer explicações após a leitura e, assim, cada criança acolherá
a história de uma maneira, levando consigo suas interpretações e ressignificações. É
a maneira de deixar a fantasia continuar a trabalhar, mesmo depois do horário escolar.
O segundo tópico do colóquio trata, mais uma vez, da questão comportamental
dos alunos. Steiner havia solicitado aos presentes, no último colóquio, que pensassem
em uma maneira de lidar com os alunos santinhos e bem-comportados. O autor refere-
se àqueles “que sempre se colocam à frente por sua aparente ‘santidade’ e aplicação,
134

mas que não atuam em prol da classe”. Steiner lembra que não se deve, de maneira
alguma, expor as crianças diante da classe e, mais uma vez, recomenda a contação
de uma história para a toda a turma. Também recomenda que o professor distribua
tarefas entre esses alunos para reconhecer quais deles ali realmente estão dispostos
a ajudar o restante da sala: os “falsos” ajudantes logo mostrarão as caras. Um cuidado
que o professor deve ter é o de não incentivar em excesso aqueles alunos mais
dotados, sob o perigo transformarem o dom natural maior em egoísmo ambicioso.
Deve-se trabalhar no sentido de incentivá-los a compartilhar seus conhecimentos,
fazendo de seu dom algo proveitoso para todos do grupo-classe. Quanto aos
sabidinhos, o filósofo indica duas medidas: “[...] ter uma conversa não diante da
classe, mas a sós, de modo que eles percebam terem sido descobertos” e “[...] impor-
lhes tarefas superiores às suas forças, procurando deixar bem claro que ele deve
executá-las apenas por querer exibir-se” (STEINER, 2015b, pp.73-74).
Encerra-se o colóquio com a tarefa de se pensar o que fazer no caso de alunos
que desenvolvem uma admiração exaltada pelo professor ou professora.

4. 7 O sétimo colóquio

Dando sequência aos exercícios de dicção e fonética, no sétimo colóquio


Steiner aprofunda suas observações acerca de tais atividades e explica que a
ginástica vocal tem como objetivo, também, regular a respiração.
O foco volta-se para o preparo do material didático de história, disciplina da
qual Steiner considera importante valorizar a evolução cultural dos povos. Antes de
começar suas reflexões, faz uma valiosa observação ao expor que “é fácil dizer que
não se deve introduzir, na exposição de fatos históricos, opiniões e ideias subjetivas.
Isso é fácil de exigir, mas impossível de cumprir” (STEINER, 2015b, p.78), ou seja,
reconhece que nenhum ponto de vista histórico é neutro. Para justificar tal
observação, compara as obras de alguns historiadores europeus com o objetivo de
chamar a atenção dos presentes à diversidade de pontos de vista.

O que importa, na História, é que se tenha um julgamento sobre as


forças e potências atuantes nela. Ora, num historiador o julgamento é
mais maduro e em outro o é menos, e este nem deveria julgar, por
135

nada compreender das forças atuantes. O outro, precisamente por


possuir bons juízos subjetivos, poderá descrever muito bem a
evolução histórica. (STEINER, 2015b, p.79)

Por isso a importância de se formar um corpo docente aberto, com uma


cosmovisão abrangente; ter professores que não se alienem a nenhum material
didático e que sejam capazes de reunir diversas fontes de conhecimento. Tendo dito
isso, o autor prepara a sequência para uma aula sobre o período das Cruzadas26,
salientando que o importante é agrupar fatos e fazer descrições do contexto histórico-
cultural, orienta:

[...] ao descreverem tais fatos, procurando nos manuais as imagens


necessárias para isso, os senhores despertam nas próprias crianças
imagens permanentes da evolução cultural. O fato de as crianças
receberem imagens é que é importante. Elas as receberão, à princípio,
por meio de descrições ilustrativas. Depois disso os senhores poderão
chegar a oferecer algumas descrições pictóricas da época, inclusive
sob forma de obras de arte, apoiando assim a palavra oral. (STEINER,
2015b, pp.82-83)

O estabelecimento de conexões com os mais diversos âmbitos sociais é


extremamente importante. Com os fatos históricos das Cruzadas, por exemplo, o
professor pode chegar à reflexão das transformações e inovações provenientes do
período em questão e compará-las com aquilo que se faz na sociedade presente.
Exaltar as entrelinhas e a subjetividade dos fatos históricos deve ser objeto de atenção
especial nas aulas de história de uma Escola Waldorf. “Muito mais importante é
transmitir aos alunos os grandes impulsos históricos” (STEINER, 2015b, p.88) do que
o louvor às grandes figuras históricas.
A parte final do colóquio destina-se à discussão da tarefa proposta, como de
costume, no final do encontro anterior. Sobre as exaltações sentimentais perigosas,
Steiner entende que estas só começam após o período da puberdade. Na sua opinião,
nesta fase não apresentam grandes proporções, devendo passar naturalmente com o
tempo. O problema maior é quando essas exaltações extrapolam a idade escolar. Os
professores fazem algumas sugestões, dentre as quais estão a oração e a tentativa

26 Expedições militares organizadas entre 1095 e 1291 pelas potências cristãs europeias, com o
objetivo declarado de combater o domínio islâmico na chamada Terra Santa, reconquistando Jerusalém
e outros lugares por onde Jesus teria passado em vida.
136

de desvio do apego de determinados alunos em relação ao professor. Lembrando que


a exaltação decorre dos sentimentos e paixões, Steiner faz algumas ponderações.
Primeiro, a de que o princípio de desviar a atenção pode não ser tão eficiente, tendo
em vista que para o aluno será agradável receber qualquer que seja o tipo de atenção
prestada pelo professor. Outro ponto a se considerar é que o rendimento escolar
destes alunos tende a cair, então este não pode ser um problema a ser ignorado. Se
a exaltação for coletiva as crianças podem se tornar “indolentes e letárgicas” e o afeto,
dependendo da maneira que for conduzido, pode se transformar em ódio rapidamente.
Então, o que fazer? Steiner recomenda que “as crianças envolvidas não se
conscientizem de se haver percebido algo de sua exaltação emocional. O professor
deveria desenvolver a arte de provocar-lhes a impressão de nada ter percebido”
(STEINER, 2015b, p.90); a contação de histórias de cunho humorístico também é
recomendada e, por fim, se o caso tomar proporções alarmantes, faz-se necessária a
ajuda de outros membros do conselho escolar.

4. 8 O oitavo colóquio

Os trabalhos do oitavo colóquio são abertos com novos exercícios de dicção e


a leitura e discussão de mais uma fábula. Neste momento do curso, a atenção de
Steiner volta-se para as questões de aprendizagem, mais especificamente em discutir
com os professores quais medidas seriam adequadas ao se perceber que na sala de
aula alguns alunos não conseguem acompanhar o conteúdo.
Os professores fazem algumas considerações e Steiner responde dizendo que
há de se considerar que os alunos possuem capacidades distintas. Alguns têm maior
facilidade para o ler e escrever, outros para calcular, outros mais para a compreensão
de fatos e assim por diante. O que o autor considera oportuno é observar quais são
as incapacidades de cada criança. No caso daquelas que estão no começo do
processo de alfabetização e logo se percebe que são incapazes de ler ou escrever,
Steiner recomenda uma dieta alimentar, alegando que o provável motivo seja uma
“fraqueza” da criança. Recomenda-se dar à criança o mínimo de ovos e doces; para
uma dieta mais longa, recomenda-se dar pouca carne, mas oferecer muitos legumes
e verduras. O filósofo chega até a recomendar um intervalo intercalado de oito dias
137

de dieta e, caso não ajude, diz que pode ser positivo se a criança passar as primeiras
horas do dia de estômago vazio, para as aulas de alfabetização.
Ressalta, porém, que esta seria uma medida temporária e que dependeria
muito da colaboração dos pais. Para Steiner, as aptidões estão intimamente ligadas
aos hábitos alimentares das crianças.

[...] o absurdo modo de alimentação nos primeiros anos da infância –


ao qual tendem muitos pais, especialmente quando se trata de
crianças fleumáticas e sanguíneas – contribui em muito para a
diminuição das capacidades. [...] a saturação das crianças com
alimentos à base de ovos, com doces e farináceos, é algo que as torna
totalmente desanimadas e incapacitadas para aprender nos primeiros
anos escolares. (STEINER, 2015b, p.95)

Ao ser questionado sobre alunos com dificuldade em aritmética, Steiner


recomenda que estes sejam encaminhados, semanalmente, para mais trinta minutos
de euritmia. São recomendadas atividades com o bastão e de corrida, sempre
marcando os passos com números. Para o autor, a capacidade de calcular, bem como
a geometria, está relacionada ao sentido do movimento. Os problemas de dicção são
relacionados à má audição e o filósofo também comenta sobre a importância de
recursos visuais nas aulas de geografia, para que sejam atrativas e claras. A
discussão com os professores muda de direção a cada pergunta, e assim seguem
falando sobre a importância da euritmia para cuidar de alunos rebeldes.
Às crianças com dificuldade em guardar formas ou lembrar nomes, uma
professora recomenda que se recorra às impressões artísticas. Steiner concorda e
explica que, muitas vezes, essas crianças com dificuldade de memorização de formas
orgânicas necessitam do aporte de desenhos caricatos. O autor usa o desenho de um
rato para ilustrar o que diz: “[...] muito se conseguirá salientando os aspectos
característicos por meio de desenhos caricatos, fazendo as crianças lembrar
caricaturas de animais e de plantas” (STEINER, 2015b, p.103). Outro recurso para a
assimilação de formas é fazer com que a criança compreenda de “dentro para fora”,
ou seja, pede-se a ela que se imagine como um anãozinho dentro de um
paralelogramo, por exemplo.
138

4. 9 O nono colóquio

As discussões sobre o ensino de botânica conduzem o nono colóquio. Como


de costume, a tarde principia com novos exercícios de fonética e a leitura de um texto.
Steiner havia requisitado aos professores no dia anterior que preparassem uma aula
sobre as plantas inferiores e superiores. Antes de começar as apresentações, o
filósofo lembra que “[...] num ensino objetivo, a observação dos animais deve preceder
o estudo histórico-natural das plantas” (STEINER, 2015b, p.107).

A planta tem um anseio espontâneo pelo sol. As flores se orientam


para o sol mesmo antes de abrir-se. É preciso fazer uma distinção
entre a vida volitiva do animal e do homem e a pura tendência da
planta a voltar-se para o sol. Convém deixar bem claro à criança que
a planta se encontra entre a terra e o sol. Em todas as oportunidades,
deve-se mencionar a relação entre a planta e sua redondeza, assim
como os contrastes entre a planta e o homem, entre a planta e o
animal [...] (STEINER, 2015b, p.107, grifos no original)

Das observações mais relevantes feitas por Steiner, destaca-se a necessidade


introduzir algo de vida na observação das plantas, estabelecendo a partir daí uma
ponte para o homem. Fazer a criança compreender a lei geral do crescimento, os
processos que a planta realiza, bem como seus componentes individuais (folha, caule,
raiz), também são aspectos fundamentais. O autor recomenda que esta abordagem
seja feita a partir dos onze anos e que o processo de germinação seja apresentado a
alunos acima de catorze anos. A observação de plantas no decorrer de diferentes
épocas (estações do ano) é, da mesma forma, importante para que a criança conheça
os órgãos da planta relacionando-os com as condições climáticas e os elementos
exteriores. Depois, pautando seus conhecimentos de botânica nos estudos de
Goethe, diz que mais significativo para a criança é compreender as metamorfoses da
planta ao invés de o processo de fecundação. Steiner (2015b, p.112) ainda
complementa seu raciocínio ao dizer que “as crianças não assimilarão de imediato o
conceito de metamorfose, e sim a relação entre água e raiz, ar e folhas, calor e flores”.
Ao se referir às analogias entre homem e planta, Steiner explica que estas não
devem ser feitas levando em consideração o aspecto físico externo do ser humano, e
sim o aspecto anímico. “Vejam: procedendo desse modo, os senhores despertarão na
criança um senso de compenetração e espiritualidade” (STEINER, 2015b, p.115).
139

4. 10 O décimo colóquio

O décimo colóquio segue a ordem do anterior: novos exercícios fonéticos e a


leitura de um texto para que se inicie a conversa com os professores. O assunto sobre
a metodologia e didática de botânica prossegue. Steiner recomenda que as
terminologias científicas só sejam apresentadas na adolescência e, mesmo assim,
depois de se ter percorrido o caminho por meio das analogias com as qualidades
anímicas humanas.

A vegetação é o mundo anímico da Terra tornado visível. O cravo é


garboso. O girassol é tão tipicamente rústico! Os girassóis gostam de
brilhar como camponeses endomingados. Folhas enormes, nas
plantas, significariam: não ficar pronto, levar muito tempo para tudo,
carecer de rapidez, não conseguir apressar-se; embora se acredite
que esteja pronto, continua na mesma. Busquem o anímico nas
formas vegetais! (STEINER, 2015b, p.119).

O filósofo acredita que o sentimentalismo acerca da vida das plantas é algo de


positivo a ser transmitido para as crianças, e assim mostra como procederia em sala
de aula com uma explicação de tal cunho.

Do mesmo modo como a vida anímica do homem se dirige ao exterior


quando ele adormece, e ao interior, ao corpo quando ele está
acordado, assim também ocorre com a Terra. No verão, enquanto
dorme, ela envia sua força seivosa para fora; no inverno ela a recolhe
de volta, fica desperta, tendo em si todas essas energias. Pensem,
crianças, essa Terra sente, percebe tudo! Pois tudo o que vocês veem
de flores e folhas durante o verão, tudo o que então cresce, viceja e
floresce – nos ranúnculos, nas rosas e nos cravos – está embaixo do
solo durante o inverno, tendo sensações, sentindo raiva ou alegria.
(STEINER, 2015b, p.122)

O colóquio termina com uma comparação da Terra com os estados de


consciência humana – sono, sonho e vigília – e mais algumas considerações sobre
os aspectos anímicos das plantas.
140

4. 11 O décimo primeiro colóquio

Os exercícios fonéticos do décimo primeiro colóquio procuram deixar os órgãos


fonadores mais elásticos. Steiner indica dois modelos de exercícios de dicção e faz a
rotineira leitura antes de começar as discussões pedagógicas.
A tarefa deixada no último colóquio solicitava aos professores que elaborassem
uma lista das disposições anímicas humanas em correspondência com as plantas.
Como no livro só constam em sua integralidade as respostas de Steiner, não se tem
muitos exemplos dessa relação requisitada, a não ser quando o autor diz que “[...] os
cogumelos, por exemplo, relacionam-se com a qualidade anímica do refletir muito, do
muito meditar, do viver animicamente de modo tal que não se necessita muito do
mundo exterior, pois tudo surge de si mesmo” (STEINER, 2015b, p.128).
Steiner dá início, então, às indicações metodológico-didáticas. Primeiramente
observa que, naquela época, não havia uma “classificação correta das plantas”
(STEINER, 2015b, p.129). Por isso reforça a necessidade de que se encontre, por
meio das relações anímicas, uma ordem no reino vegetal. Essa classificação deve
partir da diferenciação da planta por suas partes (raiz, caule, folhas, flores e frutos),
determinando dessa forma qual o sistema orgânico predominante na planta. Depois,
referindo-se aos estados de sono e vigília da Terra (verão e inverno) diz ser possível
elaborar uma melhor distribuição das plantas segundo essa delimitação espacial.
Como em outros temas abordados, o autor faz uma longa demonstração de
como iniciar o ensino de botânica a crianças de onze anos de idade. Comparando as
fases do desenvolvimento infantil aos tipos de planta e a complexidade que estas vão
adquirindo, Steiner mostra exatamente como, a partir das relações anímicas, torna-se
possível chamar a atenção das crianças para detalhes científicos sem que haja a
necessidade de conceituá-los ou nomeá-los.

Mais tarde, quando você tinha seis ou sete anos, sua vida anímica o
capacitou a ir à escola, e a sentir em sua alma todas as alegrias que
a escola trouxe”. Então se deixa bem claro ao mostrar-lhe uma
samambaia, uma gimnosperma: “Veja, estas ainda não têm flores. Sua
alma era assim antes de você entrar para a escola. Agora, porém, que
você está na escola, penetrou em sua alma algo que se pode
comparar à planta ao florescer”. (STEINER, 2015b, p. 132)
141

Para o filósofo, essas comparações fazem todo o sentido porque seguem um


princípio, uma estruturação ordenada. “Tudo o que culmina na flor só pode ser
comparado com o que culmina na puberdade” (STEINER, 2015b, p.133).

Ilustração 12 – Distribuição das plantas de acordo com as qualidades anímicas da criança

Alegria anímica do lactente: Cogumelos, fungos

Primeiras alegrias, sofrimentos e


Algas, musgos
afetos da infância:

Vivências ao surgir a
Samambaias
autoconsciência:

Vivências dos quatro ou cinco anos


Gimnospermas, coníferas
até a escolaridade:
Plantas com folhas estriadas,
Primeiras vivências na escola, entre
monocotiledôneas; plantas com
os sete, oito, nove e os onze anos:
invólucros florais simples

Vivências das crianças de onze anos: Dicotiledôneas simples

Plantas com folhas reticulares;


Vivências escolares dos doze aos
dicotiledôneas; plantas com cálice
quinze anos:
verde e pétalas coloridas

Fonte: STEINER, 2015b, pp. 134-135

As qualidades anímicas só podem ser relacionadas às plantas até a fase da


puberdade, que é quando o homem desenvolve o corpo astral – algo que a planta já
não possui. A fecundação das plantas pode até ser relacionada à qualidade anímica
dos dezesseis, dezessete anos, entretanto, Steiner considera mais importante chamar
a atenção dos alunos para o processo de crescimento.

4. 12 O décimo segundo colóquio

Ao realizar os exercícios fonéticos do décimo segundo colóquio, Steiner orienta


que em algumas práticas será melhor se as frases forem ditas rapidamente e de cor.
A leitura escolhida para o dia é um poema. Os participantes apresentam ao filósofo
142

um resumo do estudo sobre botânica e surge uma polêmica: como tratar da educação
sexual? Steiner posiciona-se com bastante cautela, dizendo ser uma questão
complicada e indagando, então, quem deve ministrar o ensino, como o deve fazer e
em qual ocasião (talvez a disciplina de biologia)? O autor acredita que se o ensino
fosse dado de maneira correta, a solução estaria ali, diante de todos. Por isso aposta
na explicação do processo de crescimento das plantas como recurso casto e puro
para assunto tão debatido pela sociedade.

Se os amigos procederem explicando às crianças o processo de


crescimento em relação à luz, ao ar, à água, à terra, etc., a criança
assimilará conceitos tais que lhes permitirão avançar para o processo
da fecundação na botânica e, depois, nos animais e no homem.
Contudo, os senhores deveriam abordar o assunto em linhas gerais
[...] preparando as ideias que predispõem conceitualmente na criança
o complexo processo de crescimento e da fecundação. (STEINER,
2015b, p.139)

Steiner faz alguns apontamentos em relação às aulas de geografia, falando


sobre a elaboração de mapas e ressaltando a importância de o professor estar
perfeitamente familiarizado com aquilo que for ensinar à criança. Depois, um dos
presentes desenvolve uma demonstração do cálculo de área e o filósofo recomenda
que se preste a atenção ao ensinar o conceito de ângulo às crianças. Sugere que, ao
abordar este assunto em sala de aula, os professores desenhem dois ângulos na
lousa, um grande e um pequeno, e peçam para que duas crianças façam o trajeto de
ambos no chão, partindo do mesmo ponto, para que assim percebam a lógica do
ângulo.

4. 13 O décimo terceiro colóquio

No décimo terceiro colóquio são oferecidos mais dois exercícios de dicção e a


leitura de um poema. A pauta das discussões pedagógicas continua voltada para o
ensino de geometria, quando se discute quais estratégias seriam adequadas para o
ensino do cálculo de área para crianças de nove anos. Steiner recomenda que o
cálculo de superfícies só deve ser introduzido depois do ensino de álgebra e, para que
se chegue a esta matéria, passando do cálculo numérico para tal, o professor deve
143

usar como meio o cálculo de juros. O filósofo, então, faz a demonstração das fórmulas
citando maneiras de explicá-las aos alunos. O objetivo é partir do conhecimento que
as crianças já possuem para fazer a conversão de números para letras, tornando as
fórmulas mais evidentes e concretas a elas.

“Nós aprendemos que uma soma 25 era igual a 8 mais 7, mais 5, mais
5, ou seja: 25 = 8 + 7 + 5 + 5”. Isso a criança já havia compreendido
antes, não é verdade? Depois dessa explicação, os amigos podem
dizer-lhe: “Aí (no lugar de 25) poderia estar outra soma, e aí (no lugar
de 8, 7, 5, 5) poderia haver outros números, podendo-se dizer também
que poderia haver ‘qualquer’ número. Pois bem, suponhamos que aí
houvesse, por exemplo, um S, uma soma; e ali houvesse a + b + c +
c. Porém se o c estivesse no lugar do primeiro 5, também deveria
figurar no lugar do segundo 5. (STEINER, 2015b, p.145)

Da passagem orgânica do cálculo algébrico até a multiplicação é que se passa


ao cálculo de áreas. Depois, Steiner cobra a tarefa que havia proposto para os
professores: a elaboração de situações-problema como oportunidade de
aprendizagem da aritmética. Segundo o autor, “inventando problemas de cálculo,
pode-se empregar muita fantasia”, salientando que os professores não devem se
incomodar com as crianças que preferem fazer o cálculo “de cabeça” – devem
acompanhá-las, porque mesmo aqueles que fazem anotações podem cometer erros.
Sobre a metodologia, conclui dizendo que “não se deve simplesmente ocupar a
criança com exemplos intelectuais, e sim recorrer a exemplos da vida prática”
(STEINER, 2015b, pp.147-148).

4. 14 O décimo quarto colóquio

O décimo quarto colóquio do curso dedica-se a sanar as diferentes dúvidas dos


professores participantes. Sobre o ensino de música, Steiner diz que até os nove anos
as crianças devem conhecer os instrumentos solo, só depois é que o piano deve ser
oferecido aos interessados. Ainda sobre o ensino de cálculo com juros e a transição
para o cálculo algébrico, reitera a importância de se fazer um esforço para a
compreensão dos alunos na transição dos números para as letras, partindo da adição
para a multiplicação e da subtração para a divisão. Steiner escreve alguns exemplos
na lousa. Questionado sobre o ensino de potenciação e radiciação, orienta que estes
144

devem ser introduzidos após o início da álgebra. Os professores também são


orientados a só usar com frequência as fórmulas se os alunos as realmente tiverem
compreendido.
Mudando de assunto para o ensino de história, um dos professores mostra uma
elaboração destinada a alunos dos últimos anos, na qual fala sobre a fundação e o
desenvolvimento de cidades alemãs, no contexto das invasões dos magiares. Steiner
aconselha, a estes alunos mais velhos, despertar uma noção de cronologia.
Aconselha, também, que se tome cuidado ao narrar fatos baseando-se em lendas
históricas retocadas pela monarquia, como se os grandes responsáveis pelos
acontecimentos tivessem sido única e exclusivamente os reis, ou seja, as figuras
destacadas por alguns historiadores. “[...] ilustrem as diferenças em toda a maneira
de sentir e de pensar do homem antes e depois dessa época” (STEINER, 2015b,
p.155), complementa o autor.

[...] muita coisa é distorcida e subjetiva. Se os amigos não tiverem


adquirido esse instinto para as verdadeiras forças atuantes na história
das civilizações, correrão o perigo de ver – ao estilo da tolice e do
diletantismo de Wildenbruch27 –, nos dramas de imperadores e reis e
nas brigas de família como as de Ludovico, o Piedoso e seus filhos,
acontecimentos históricos relevantes. (STEINER, 2015b, p.155)

O grupo segue discutindo sobre a produção de outros autores e historiadores,


fazendo ressalvas e críticas de suas obras, pensando qual material seria mais
adequado para a preparação das aulas de história. Em seguida, são esclarecidas mais
algumas dúvidas sobre o ensino de geografia e história e encerra-se o colóquio com
o compromisso de continuar a discussão no último encontro.

4. 15 O décimo quinto colóquio

No último colóquio oferecido aos professores, Steiner incumbe-se de sanar as


últimas questões formuladas a partir dos exercícios e discussões pedagógicas. Logo
após o costumeiro exercício de dicção, surge a primeira dúvida em relação ao conceito
de lugar geométrico. Em seguida, discute-se, a partir de um tema histórico, a migração

27 Ernst von Wildenbruch (1845-1909) poeta e dramaturgo alemão.


145

dos povos. O filósofo pede que os professores se atentem durante as aulas para que
deixem claro aos alunos as diferenças que existem entre os movimentos migratórios:
os casos onde a terra já estava ocupada e os casos onde não havia ocupação. É
igualmente importante esclarecer a diferença entre os sistemas políticos, como por
exemplo a mudança de reino para estado. Fala-se também sobre a expansão do
Cristianismo entre os germanos.
Das orientações sobre o ensino de música, aconselha-se a deixar os alunos
menos adiantados em contato com aqueles que já dominam os exercícios mais
elaborados. Assim também deve acontecer com o desenho e a pintura, evitando-se,
sempre que possível, fazer uma divisão das turmas por níveis. Para o ensino de
línguas, Steiner recomenda o trabalho com poesias até o quarto ano, passando para
o lírico e o épico, bons textos em prosa artística e cenas dramáticas a partir dos doze
anos.
O último assunto trata de uma questão bastante pertinente no âmbito escolar:
são os boletins de avaliação. Steiner os considera dispensáveis considerando que o
aluno permanece na escola, só seriam necessários, então, caso o aluno a deixasse
por definitivo. Reconhece que os pais e responsáveis precisam acompanhar o
desenvolvimento dos alunos, mas entende que muito mais proveitoso seria se o
professor aproveitasse o seu tempo para ajudar aqueles com dificuldade em vez de
ficar anotando em sua caderneta tudo o que acontece em sala de aula. Isso, no
entanto, não significa que os pais não serão comunicados sobre o rendimento de seus
filhos. O autor também orienta que os trabalhos avulsos devem ser avaliados de forma
livre, sem obedecer a esquemas determinados. As avalições gerais, portanto, só
serão úteis para comunicações aos pais e às questões burocráticas exteriores.

4. 16 As três palestras sobre currículo

Tendo consciência de que ainda haveria muito a ser dito, Rudolf Steiner reserva
o último dia do curso para fazer um apanhado geral de tudo o que fora exposto e
discutido a fim de nortear o currículo da Escola Waldorf Livre. O ensino estruturado
de acordo com o desenvolvimento do ser humano em formação, deve levar em conta
146

a conexão de um assunto a outro, fazendo com que o trabalho pedagógico siga uma
linha coerente no decorrer dos anos.
Para o primeiro ano, fica estabelecido o objetivo geral de que a criança deve
ser capaz de escrever de maneira simples e estar familiarizada com textos impressos.
A partir de narrativas de contos de fadas, serão incentivadas reproduções orais,
incentivando a passagem da fala popular para a linguagem mais erudita e, insistindo
na pronúncia correta, semeando o fundamento para a ortografia correta. A linguagem
pictórica por meio de formas será introduzida paralelamente às narrativas, sendo
trazidas às crianças formas simples, redondas e angulosas, alinhadas às produções
artísticas com tinta. Dessa forma, trabalham-se as cores e suas combinações. O
processo de alfabetização é permitido, então, desta maneira, do desenho à escrita,
como foi amplamente discutido ao longo do curso. As aulas de canto têm como
objetivo desenvolver tanto a sensibilidade acústica quanto a articulação dos órgãos
da fala. Em relação ao ensino de geografia, que não é posto para o primeiro ano, o
professor deve procurar desenvolver as bases deste ensino, despertando nas
crianças o interesse pelas redondezas da localidade onde vivem.
Para o segundo ano, prevê-se a continuidade das narrativas e sua reprodução
oral. A criança deve desenvolver a escrita aos poucos, reescrevendo as narrativas e
assim tornando-se capaz de registrar aquilo que lhe é ensinado sobre os animais,
plantas, florestas e prados das redondezas. A gramática deve ser apresentada,
trazendo uma noção das classes de palavras e, consequentemente, desenvolver a
elaboração de frases.
O terceiro ano será, em essência, uma continuação do segundo no que se
refere à linguagem, leitura e escrita. Cabe a esta etapa “ampliar a habilidade de
formular por escrito o que foi visto e lido”. Deve-se provocar na criança a sensibilidade
consciente para a pronúncia de sons breves e longos dando a ela uma noção “das
espécies de palavras, dos componentes e da construção de uma frase, ou seja, da
colocação de sinais de pontuação – vírgula, ponto, etc.” (STEINER, 2015b, pp.162-
163).
Dando sequência ao que foi proposto no terceiro, o quarto ano continua a
aperfeiçoar o trabalho com a linguagem. São inseridos os poemas, dentre os quais as
crianças devem se atentar ao ritmo e a essência, bem como a redação de cartas de
147

toda espécie. Há a introdução da noção de verbo e tempos verbais, fazendo o trabalho


com a conjugação destes, e também o ensino das preposições.
No quinto ano deve-se inserir a diferença entre as vozes ativa e passiva do
verbo. Nas composições onde a criança reproduz o que viu, leu ou ouviu, incentivá-la
a escrevê-las sob a forma de discurso direto. “Tente-se treiná-la a levar em conta, na
maneira de falar, a situação em que transmite sua própria opinião e aquela em que
comunica a opinião de outra pessoa” (STEINER, 2015b, p.164).
O sexto ano, além de dar continuidade ao trabalho do quinto, deve despertar a
sensibilidade da criança para o modo subjuntivo. A redação de cartas assume um
caráter mais comercial ou ilustrativo de assuntos que a criança já havia conhecido
antes. A noção de geografia adquirida nos anos iniciais (prados, florestas, etc.)
estende-se, neste período, às relações comerciais de cada região estudada.
O sétimo ano tem como objetivo fazer despertar na criança a observação da
plasticidade interior da fala. Deve-se “desenvolver no aluno uma correta compreensão
plástica das formas de expressão para desejos, admiração, surpresa e assim por
diante [...] aprender a formular suas frases conforme a configuração interior dos
sentimentos” (STEINER, 2015b, p.164). No ensino de ciências naturais, as crianças
devem estar aptas a elaborar e redigir caracterizações dos animais estudados. No
oitavo ano deve-se “proporcionar à criança uma relativa compreensão para obras
prosaicas e poéticas mais extensas, lendo-se com os alunos algo dramático ou épico”
(STEINER, 2015b, p.165), lembrando que todas as explicações e interpretações
devem preceder às leituras.
Com este esboço pronto, o autor faz ainda outras observações acerca do
currículo. Sobre o ensino de línguas, determina que o francês e o inglês sejam
trabalhados desde o primeiro ano; o latim é acrescentado só a partir do quarto e o
grego oferecido apenas aos interessados a partir do sexto ano. No terceiro ano
aconselha-se a unir o conhecimento teórico à atividade da vida prática como, por
exemplo, aprender a fazer uma roça ao estudar sobre agricultura, ou a preparar uma
argamassa quando se fala sobre as diferentes construções realizadas pelo homem.
O ensino da história – ainda de maneira informal – vem atrelado a estes estudos
geográficos no quarto ano e, no quinto, começam os conceitos autenticamente
históricos. Para o sexto, sétimo e oitavo ano seguem orientações sobre as temáticas
148

de história e geografia, estando ambas sempre relacionadas uma à outra. O estudo


deve partir dos povos antigos – cultura oriental e greco-romana.
Steiner acredita que, desenvolvendo nas crianças a consciência de que o
espírito permeia tudo o que existe no mundo, a educação estará, de certa forma,
reparando “o mal que desde o começo dos tempos modernos as confissões religiosas
fizeram à humanidade [...] que jamais tiveram em vista o desenvolvimento da
liberdade no ser humano” pois, “[...] aquilo que é apresentado no ensino religioso não
passa de um amontoado de chavões e frases sentimentais” (STEINER, 2015b,
pp.168-169). Aproveitando a oportunidade, o autor esclarece que a escola deixará as
aulas de ensino religioso a critério do professor de religião, com liberdade para
desenvolver aquilo que corresponda ao desejo da convicção dos pais ou que atenda
ao protocolo da administração eclesiástica ou de ensino religioso escolar.
A segunda palestra é reservada à distribuição do conteúdo das demais
disciplinas entre os anos escolares. O ensino de ciências naturais começa no terceiro
ano e, dando sequência no quarto, trabalha-se as relações do homem com o reino
animal. O quinto e sexto ano são dedicados ao ensino de botânica, voltando o foco
para o ser humano no sétimo e oitavo ano. O ensino de física tem início no sexto ano
em ligação com o que já foi apreendido no ensino de música. Dos estudos de física
se obtém a relação com o ensino de química nas séries finais.
Os conteúdos relativos ao campo da matemática são distribuídos em seguida.
O primeiro ano é dedicado ao ensino da contagem juntamente com o conhecimento
das quatro operações básicas. Com a troca completa dos dentes, deve-se iniciar o
ensino das tabuadas. No segundo ano intensifica-se o grau de dificuldade de tais
operações, aumentando a escala numérica e incentivando, também, o cálculo mental.
As frações aparecem no quarto ano e o cálculo de juros no sexto. É também no sexto
ano que se inicia o trabalho com a geometria propriamente dita, aproveitando todo
conhecimento adquirido por meio do desenho de formas tão trabalhado nas séries
iniciais. No sétimo ano introduz-se o cálculo algébrico, assim como a potenciação e a
radiciação e no oitavo ano as equações.
Sobre as aulas de desenho, Steiner recomenda que as crianças sejam
estimuladas a desenvolver a sensibilidade para as formas antes que se desenvolva o
impulso da imitação. No sexto ano são oferecidos os elementos da teoria de projeções
149

e sombras e, no sétimo, cultivado tudo o que se relacione com transpassamentos. O


uso da perspectiva deve chegar no oitavo ano.
No ensino de música fica determinado que nos três primeiros anos escolares
serão trabalhadas as situações musicais elementares. No quarto, quinto e sexto, as
crianças recebem explicações sobre os símbolos e notas musicais, podendo executar
exercícios na escala musical. A partir do sétimo ano a criança é orientada em direção
ao lado estético da música. O mais importante neste e no último ano é fazer com que
a criança não se sinta adestrada, mas que pratique a música com satisfação. O
mesmo deve acontecer com as artes plásticas.
A prática de euritmia deve começar logo no primeiro ano, aproveitando-se do
fato de que no currículo oficial não consta nenhuma menção à educação física nos
três primeiros anos escolares. A divisão entre euritmia e ginástica só acontece, então,
a partir do quarto ano.

***

O discurso final de Rudolf Steiner, na tarde de 6 de setembro de 1919, traz a


mesma mensagem deixada aos professores nas palavras finais do ciclo de
conferências. O autor retoma os quatro pontos essenciais do exercício docente como
aspectos fundamentais de uma pedagogia transformadora: iniciativa, interesse pelo
mundo, ser verdadeiro e não perder a disposição. Relembra também a importância de
se guardar tudo aquilo que foi apreendido nos quinze dias de curso como uma base
de conhecimentos que deve ser acessada quando as dúvidas em relação à prática
pedagógica surgirem. “[...] não quero transformá-los em máquinas de ensino, e sim
em docentes autônomos e livres” (STEINER, 2015b, p.190).
Entusiasmado, mais uma vez agradece o empenho e disposição de todos os
presentes convocando-os para, juntos, tornarem possível a Pedagogia Waldorf.
150

CONSIDERAÇÕES FINAIS

A leitura da trilogia A arte da educação (2015a, 2016b, 2015b) nos revela que,
para uma compreensão mais aprofundada da cosmovisão antroposófica e sua
aplicabilidade pedagógica, deve-se considerar o estudo de outras obras28 da produção
steineriana, tidas como elementares. São obras concebidas no período entre 1886 e
1910, época em que Rudolf Steiner elaborou e fundou a Antroposofia.
Ao desenvolver essa forma de observar e entender o mundo e o ser humano,
Steiner colocava-se em posição oposta ao movimento científico racionalista da época
apresentando a realidade em outros planos além do físico, que é percebido pelos
sentidos humanos em uma observação comum. A Ciência Espiritual admite, então, a
existência de “entidades e processos mentais e psíquicos que são tão possíveis de
serem captados quanto é possível captar a realidade física circundante”
(ROMANELLI, 2015, p.50) e, para isso, apresenta uma teoria do conhecimento,
fundamentada no desenvolvimento dos níveis de consciência do ser humano, na
tentativa de se chegar a perspectiva da realidade espiritual.

De acordo com o referencial teórico desenvolvido por Gilbert Durand


(1998), fenômenos de representação dos processos mentais e
psíquicos, como os níveis de consciência apresentados por Steiner
(passim), se referem às experiências de nível simbólico, nem sempre
admitidas como científicas, pois a vivência autêntica das mesmas
pertence a outro nível de realidade. Steiner explica essas experiências
através de uma visão qualificada por ele mesmo de científica, devido
ao uso das ferramentas metodológicas do pensamento acadêmico-
filosófico de sua época, aplicado por ele em seus raciocínios. Através
de Morin (1998), entende-se que ciência e filosofia não são idênticas,
mas podem ser complementares. (ROMANELLI, 2015, pp. 50-51)29

A teoria cognitiva steineriana é configurada a partir da ampliação e


aprofundamento das discussões de Goethe e Schiller (Romanelli, 2008). Com uma
leitura mais atenta, é possível perceber que tal princípio é paulatinamente

28 Em ordem cronológica: O método cognitivo de Goethe (1886), Verdade e Ciência (1891), A filosofia
da liberdade (1894), Teosofia (1904), O conhecimento dos mundos superiores (1909) e A ciência oculta
(1910).
29 DURAND, Gilbert. O Imaginário – ensaio acerca das ciências e da filosofia da imagem. Tradução de:

Renée Eve Levié. Rio de Janeiro: DIFEL, 1998.

MORIN, Edgar. Ciência com Consciência. Rio de Janeiro: Ed. Bertrand Brasil, 1998.
151

apresentado no volume I da trilogia, que traz a compreensão do homem à luz da


perspectiva antropológica antroposófica. Segundo Schieren (2012), a base da
concepção de aprendizagem da Pedagogia Waldorf está fundamentada nesta teoria
do conhecimento postulada por Steiner e, para nós, compreender a natureza da
aprendizagem sob o viés antroposófico torna-se essencial para constituir-se, de fato,
como uma contribuição pedagógica.
De acordo com a interpretação de Schieren (2012) sobre a obra do filósofo
Herbert Witzenmann (1905-1985, que escreveu amplamente sobre a teoria do
conhecimento com base na filosofia de Steiner) a concepção epistemológica da
realidade é apresentada pela representação mental, que é a combinação ativa entre
percepção e conceito. Por percepção, entende-se que o pensamento faz uma
ordenação das sensações puras entregues pelos sentidos, ou seja, que a operação
do sistema neurossensorial destrói o contexto ontológico do mundo dado para
possibilitar uma nova criação por parte da cognição humana. O conceito, que é
produzido pelo pensar, não é entendido apenas como produto da subjetividade
humana, mas como uma essência, que aparece de forma parcial, baseada na lógica.
O ser humano, normalmente, não é consciente do processo autônomo pelo qual se
dá a representação.
O processo de aprendizagem de acordo com a teoria steineriana ainda se
estende a duas direções, chamadas de generalização e individualização.

Por individualização, entende-se a integração adequada de conceitos


gerais em percepções específicas (uma vez que sua generalidade é
restrita na sua expressão a uma forma individualizada) e por
generalização se entende a criação ativa e a apreensão cognitiva de
contextos conceituais com sua própria lógica (uma vez que o
pensamento individual é integrado ao contexto geral do pensamento).
Essas duas formas de aprendizagem são mutuamente dependentes,
pois a permeação de uma percepção por um conceito
(individualização) pressupõe a geração criativa do último pensamento
(generalização). E, inversamente, a atividade de pensar
constantemente acordada é estimulada pela natureza enigmática da
percepção. (SCHIEREN, 2012, p. 65, tradução nossa)30

30
By individualisation is meant the appropriate integration of general concepts into specific percepts
(since their generality is restricted in its expression to an individualised form), and by generalisation is
meant the active bringing to expression and cognitive apprehension of conceptual contexts with their
own inherent lawfulness (since the individual thought-act is integrated into the general thought-context).
These two forms of learning are mutually dependent, for the permeation of a percept by a concept
152

A compreensão do conceito de individualização torna perceptível um dos


motivos pelos quais se dá relevância, na Pedagogia Waldorf, à repetição. Schieren
(2012) explica que esse tipo de individualização, quando alcançada, leva à
capacidade de repetição deste processo, o que permite a sua otimização. Essa
otimização torna o ser humano capaz de encontrar uma resposta intencional
adequada ao reconhecer formas, objetos e fatos do mundo exterior. Witzenmann
(apud SCHIEREN, 2012, p. 66) denomina disposição esse aumento de habilidades.
Denomina, também, ao lado desse processo que constitui a aprendizagem, condição
a produção de conceitos do pensamento humano. Os conceitos são tanto a substância
quanto a expressão dos atos deste último, e a experiência consciente disso é
entendida como insight. A repetição é que aumenta a capacidade do ser humano de
realizar insights.
Seguindo essa linha de raciocínio, torna-se claro porque na Pedagogia Waldorf
o ensino não tem como foco direto a inculcação e o acúmulo unilateral de
representações mentais (fatos e ideias), mas a educação da vontade – o que significa
aprender com os membros, e não com a cabeça. A verdadeira integração entre o
pensar, sentir e querer tão exaltados por Steiner ao longo de sua obra.

O problema não reside nas representações como tal – elas, é claro,


têm seu lugar na Pedagogia Waldorf, e precisam ser aprendidas e
retidas. Isso se situa mais no fato de que as representações não dão
nenhuma pista para a consciência de suas origens cognitivas, ou seja,
a própria atividade da mente combinando de forma produtiva a
percepção e o conceito. Epistemologicamente falando, reprimem a
nossa participação na construção da realidade, lançando assim a
nossa experiência consciente ao molde dualista sujeito-objeto. A
consciência no modo de representação constrói o mundo como algo
oposto ao seu próprio ser – uma entidade separada em princípio.
(SCHIEREN, 2012, p.66, tradução nossa)31

(individualisation) presupposes the latter’s creative generation in thinking (generalisation). And


conversely, the constantly wakeful activity of thinking is energised by the enigmatic nature of perception.
31 The problem lies not in the representations as such - they, of course, have their place in Waldorf

education, and need to be learned and retained. It lies rather in the fact that representations give no hint
to consciousness of their cognitive origins, namely, the mind’s own activity in productively combining
percept and concept. Epistemologically speaking, they suppress our participation in the construction of
reality, thus casting our conscious experience in the mould of subject-object dualism. Consciousness in
representation-mode construes the world as something opposite to its own being - an entity set apart in
principle.
153

O que a Pedagogia Waldorf carrega como premissa é, nesse sentido, a


tentativa de superar a separação entre mente e mundo, concebendo uma forma de
ensino que leve em consideração a contribuição ativa da mente individual para a
formação de representações, fazendo uso prático e didático dela. É nesta contribuição
que se encontra a vontade, entendida como “[...] habilidades disposicionais e
condicionais que se formam neste ativo que constitui a realidade. Neste sentido,
então, o objetivo da aprendizagem na Pedagogia Waldorf é a formação de disposições
e condições” (SCHIEREN, 2012, p.66, tradução nossa)32.
A ênfase sobre a memória evoca dois conceitos também trazidos por Steiner
no volume I da trilogia. Trata-se da passagem na qual o autor diz ser importante, no
processo de aprendizagem, o ser humano lembrar e esquecer. As representações
podem ser lembradas e para que sejam retidas na memória precisam passar pelo
esquecimento. É neste ponto que o sono (um dos estados de consciência) se torna
componente do processo de aprendizagem porque é entendido como meio de
(re)significação daquilo que foi apreendido.
A educação da vontade é permitida e oportunizada pela arte, único meio capaz
de harmonizar a trimembração humana segundo Steiner (2015a, 2016b, 2015b).
Podemos dizer que a arte é tida como maior expoente da Pedagogia Waldorf e talvez
seja a contribuição pedagógica steineriana de maior reconhecimento no meio
pedagógico. A expressão e o acolhimento de sentimentos também são características
de um ensino voltado para a arte. Segundo Romanelli (2008) para o desenvolvimento
e constituição do pensar conceitual e a formação harmônica e integral do ser humano
é preciso que sentimento e razão sejam mediados pela arte. Além disso, a arte
também contribui para o desenvolvimento da intuição e da emoção, assim como da
razão e dos sentimentos. É uma forma de educar a fantasia para que se transforme
em imaginação criadora – conceitos igualmente fundamentais no processo de
aprendizagem.
A máxima “educar para a vida” é literalmente levada a sério na Pedagogia
Waldorf, que entende o ensino e a educação como algo para além dos muros da
escola e da própria fase escolar, não se resumindo ao desenvolvimento do âmbito

32 It is the dispositional and conditional abilities which are formed in this active constituting of reality. In
this sense, then, the aim of learning in Waldorf education is the formation of dispositions and conditions.
154

intelectual. A compreensão do ser humano em seu tríplice aspecto – corpo, alma e


espírito – imprime à prática pedagógica o caráter de colocar a escola à serviço do
indivíduo e, de certa forma, da comunidade como um todo, uma vez que a criança e
o jovem ali educados vivenciam uma formação integral que busca o pleno
desenvolvimento de sua personalidade, conscientizando-os daquilo que os cerca, isto
é, do meio social, que lhes confere direitos e exige deveres no exercício de sua
autonomia e liberdade. Além disso, o sentido de educar para a vida também pode ser
expresso pela constante relação que Steiner faz entre corpo humano e natureza,
fazendo-nos compreender que a vida humana é reflexo daquilo que o indivíduo realiza
no mundo. Nesse sentido, o ritmo vivenciado cotidianamente e os hábitos adquiridos
são fatores essenciais no processo de aprendizagem e no estabelecimento da saúde
humana, esta última tão valorizada dentro da Pedagogia Waldorf.
Identificamos, dentre outros aspectos, a seriedade e o compromisso do
currículo Waldorf ao ser elaborado em consonância a tudo aquilo que a teoria
steineriana postula como ideal. O respeito pelo desenvolvimento infantil na concepção
de ensino pautada nos setênios é evidente, tendo como foco o desabrochar individual
de cada aluno. Em concordância com Redaelli (2003) pode-se dizer que o sentimento
de confiança permite à criança aprender fazendo no primeiro setênio; da autoridade,
sentindo no segundo; e no sentimento de liberdade, pensando no terceiro. Pensar,
sentir e querer são condições anímicas em constante inter-relação na Pedagogia
Waldorf, constituindo a base de sua fundamentação prática e a possibilidade de
desenvolver a integralidade humana.
Ainda no que tange ao currículo, podemos apontar que os diferenciais
enriquecedores encontrados são justamente as atividades práticas e artísticas como
as aulas de euritmia, trabalhos manuais, desenho de formas e música, além da pintura
e o desenho que permeiam todo o ensino. A organização do conteúdo atribui ao
ensino, além de uma sequência coerente, fluidez e flexibilidade, promovendo, assim,
a comunicação entre as diversas disciplinas, a interdicisplinaridade. As matérias do
ensino estão sempre a favor do correto desenvolvimento das faculdades humanas.
Outro grande diferencial na organização do trabalho pedagógico é a aula principal, na
qual o mesmo assunto assume protagonismo por várias semanas, o que permite a
professores e alunos atenção e foco especiais em relação ao objeto estudado. O
155

professor de classe, que acompanha a mesma turma por todo ensino fundamental,
tem a chance de revisitar o ensino com uma nova roupagem a cada ano. Dessa forma,
o despertar de cada aluno para determinado assunto também é respeitado. A
autonomia docente é extremamente valorizada e encorajada.
O professor, aliás, é visto como o grande realizador da pedagogia. Segundo
Lanz (2016a) deve possuir três qualidades na composição de seu ser para que se
caracterize como professor Waldorf: a primeira é um conhecimento profundo da
natureza humana segundo a visão antroposófica; a segunda característica é ter o
amor como base do comportamento social em relação aos alunos, e por fim, possuir
qualidades artísticas – não necessariamente referentes à capacidade estética como
trabalhos desenvolvidos por pintores, artistas e músicos, mas sim possuir a
maleabilidade da fantasia e da criatividade. O dever do exercício da autoeducação é
importantíssimo e constante: deve estar sempre em busca de equilíbrio para se tornar
uma figura digna de imitação e admiração, mantendo, além do desempenho mental
afetivo, uma postura moral.
Deve ainda ter consciência de que sua tarefa pedagógica assume um
compromisso não apenas com o indivíduo, mas com a sociedade no geral. As
ferramentas básicas para a prática docente são a imaginação, a inspiração e a
intuição. A formação de professores também é algo muito particular dentro da
concepção pedagógica antroposófica. São cursos de imersão, geralmente oferecidos
em módulos distribuídos ao longo de quatro anos que não se rendem ao reducionismo
intelectual, mas abarcam a visão ampliada do pensar, sentir e querer no trabalho com
ciência, atividades criativo-artísticas e desenvolvimento pessoal – o desenvolvimento
do pensar. O sistema de auto governança é outro ponto distinto da Escola Waldorf
que em grande parte envolve o comprometimento do corpo docente.
A complexidade, abrangência e extensão da trilogia de Steiner nos permite
fazer diversos apontamentos além destes que já fizemos. No entanto, voltando àquela
inquietação inicial enquanto professora da área de linguagem, existe um detalhe
amplamente explorado pelo autor no decorrer de sua obra que talvez tenha me saltado
mais aos olhos: a relação do ler e escrever e o lugar da alfabetização na Pedagogia
Waldorf. A renovação da arte pedagógica proposta pelos volumes II e III da trilogia
vem recheada de pressupostos metodológico-didáticos acerca do ler e escrever.
156

Steiner entende a escrita e a leitura como grandes realizações humanas, como uma
convenção da linguagem. Não é algo inerente a natureza humana, por isso o processo
de alfabetização é encarado com tanto cuidado na Pedagogia Waldorf. Como já
falamos extensamente sobre o processo de aprendizagem, apontaremos aqui as
questões que dizem respeito ao método e à maturidade para o ensino do ler e
escrever.
Como vimos, a antropologia antroposófica reconhece a importância do
desenvolvimento físico, anímico e espiritual do ser humano em formação. Até mais ou
menos os sete anos de idade, existe um dispêndio de energia maior para o preparo
da condição física da criança que evidencia sua completude na troca dos dentes e em
um desenvolvimento neurológico e sensorial que tem sua expressão no domínio
corporal, na linguagem oral, na fantasia e na capacidade do pensar. Isso explica
porque a alfabetização, que é uma atividade mais ligada ao intelecto, é introduzida
apenas nesta fase. A tarefa da criança no primeiro setênio, então, é ter essas
capacidades desenvolvidas de maneira prazerosa no brincar e nas atividades que
priorizam o movimento.
A linearidade e coerência da alfabetização se dá, desse modo, por meio da
história da escrita. Steiner acredita que, assim como na história da humanidade, na
qual a tradição oral foi, aos poucos, sendo substituída pelo desenho e, posteriormente,
pela escrita, a criança deve “refazer” este caminho evolutivo para que compreenda e
internalize a função da escrita. O primeiro setênio, ou o período da Educação Infantil,
é tido como espaço de desenvolvimento da oralidade por meio de narrativas orais,
poesias, canto e música. A única comunicação material que a criança realiza nesta
fase é incentivada na sua maneira mais natural de expressão: o desenho e a pintura.
No primeiro ano é que se inicia o processo de alfabetização de fato e, na medida em
que as crianças são apresentadas às letras, são introduzidas também ao desenho de
formas.
O desenho de formas é uma particularidade da Pedagogia Waldorf
desenvolvida ao longo de todo o ensino fundamental.

O Desenho de Formas lida com o pensar humano que possui a


tendência à unilateralidade. A vida representativa pode se tornar
unilateral, tanto em direção ao enrijecimento, gerando ideias
preconcebidas e imagens cristalizadas, como para a tendência ao
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devaneio, em que a mobilidade se intensifica, desconectando-se da


realidade. Da mesma maneira que a criança se movimenta no espaço
físico exterior, ela aprenderá a mobilizar-se internamente, vivenciando
variações e, assim, movimentará sua vida representativa com o
Desenho de Formas. O educador conduzirá as crianças a essa
mobilidade interior para que haja a elaboração consequente da vida
cognitiva. (LAMEIRÃO, 2016, p.21)

Nessa acepção, a percepção da forma se dá por meio dos movimentos


corporais, e é trabalhando inicialmente com linhas retas e curvas que as crianças são
apresentadas ao alfabeto. Segundo Lameirão “[...] as mãos são a expressão do que
vive em nossa vida íntima, nossos sentidos”, assim, na atividade que se realiza com
as mãos os três âmbitos da alma estão presentes. Existe uma participação ativa de
todo o organismo humano porque as mãos executam um movimento interdependente
da visão. Ainda de acordo com a autora, “a ação precede a compreensão”
(LAMEIRÃO, 2016, pp.11-21) e isto justifica o porquê de Steiner permear o ensino na
integralidade humana. Na Pedagogia Waldorf primeiro desenvolve-se a escrita, para
que depois a criança chegue à compreensão da leitura. Ela desenha, escreve, lê o
que escreveu e depois reconhece e lê aquilo que foi impresso.
Consoantes e vogais são introduzidas de forma semelhante. As vogais são
entendidas como reflexo dos sentimentos na alma humana e apresentadas por meio
de gestos eurítmicos. As consoantes são trazidas por meio de histórias nas quais o
protagonista “consoante” assume a imagem da letra que carrega. É o caso do exemplo
Fisch [peixe] trazido por Steiner na primeira conferência do volume II. A imagem
remete ao símbolo gráfico utilizado na escrita e a criança é conduzida à percepção do
som e à transformação da imagem em letra. Depois disso, percorre-se o caminho
inverso e a criança encara do todo para as partes, ou seja, da frase para as palavras
a compreensão da escrita.
A alfabetização Waldorf possui características que remetem ao método fônico,
porém não constitui parte de nossa tarefa rotular sem mais estudos o método proposto
por Steiner. As questões gramaticais são introduzidas gradualmente no decorrer do
ensino fundamental e as crianças realizam diversos exercícios de dicção, além de
continuarem a ouvir histórias narradas pelos professores até o último ano do ensino.
No que se refere à produção escrita, pode-se dizer que as crianças também são
incentivadas a desenvolver a escrita de acordo com a maturidade. Produções autorais
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não são realizadas nos primeiros anos concernentes ao processo de alfabetização.


No entanto, como na escola Waldorf os alunos não trabalham com livros didáticos e
confeccionam à mão seu próprio material de estudo, pode-se dizer que a escrita é
bastante valorizada. A concepção de que conforme a criança evolui da história para o
símbolo gráfico, da letra para a palavra e assim por diante, faz com que a criança se
torne parte de um processo, e não mera consumidora de um produto final.
Segundo Lanz apud Redaelli (2003) todo este processo pode ser resumido da
seguinte maneira:

FALA
1) O elemento vocálico, como sentimento de si próprio.
2) O elemento consonântico, como consciência e imitação do mundo.
3) A gramática, como consciência de linguagem em sua estrutura.
4) A estilística, a métrica poética, como aquisição de instrumentos para
bem se expressar.

ALFABETIZAÇÃO
1) Desenhar, escrever – treino da própria vontade (motricidade).
2) Vivência estética e leitura da própria escrita (sentimento).
3) Leitura de outras escritas – observação, intelecto.

A título de curiosidade, retomamos o levantamento bibliográfico realizado na


primeira etapa desta pesquisa, considerando os mesmos princípios iniciais e inserindo
novas palavras chaves na busca. Foram pesquisadas expressões como “Ler e
Escrever” e “Práticas de Leitura” associadas às palavras relacionadas ao autor, e nada
foi encontrado. As mesmas expressões, quando pesquisadas sem a relação, exibiram
como resultado quatro registros para “Práticas de Leitura” e nove para “Ler e
Escrever”, fato que sinaliza para o interesse de alunos pelos temas, porém, há certa
ausência de estudos que os relacionem com os postulados de Rudolf Steiner e as
práticas adotadas nas Escolas Waldorf.
Em vista desta constatação, acreditamos que este viés relativo à aquisição de
linguagem, à alfabetização e ao ler e escrever dentro da Pedagogia Waldorf seja um
159

terreno fértil para o desenvolvimento de novas pesquisas, justamente por considerar


que esta pedagogia tem muito a acrescentar nas discussões atuais porque propõe
uma perspectiva diferente das que geralmente encontramos nas pesquisas
acadêmicas.
Também há de se considerar o equívoco causado por algumas políticas
públicas que têm fomentado a alfabetização precoce; políticas que são, muitas vezes,
fundamentadas em pesquisas e estudos de autores recorrentes no meio acadêmico.
Na verdade, atualmente assistimos a um verdadeiro desmonte da educação pública
brasileira. Deste equívoco em relação à alfabetização decorre, acreditamos, parte da
insatisfação da sociedade com a escola e o ensino, que cada vez mais é tratado como
mercadoria, não só na esfera pública, mas também na iniciativa privada que se
apodera das orientações oficiais para vender cada vez mais modelos “eficientes” de
escola. A falta de qualidade do ensino é muitas vezes atrelada à essa mercantilização
da educação, fato que tem reduzido as práticas escolares, entre outras coisas, à
realização de testes e avaliações oficiais. A crescente procura por escolas Waldorf
Brasil afora (mesmo sendo considerada elitista) e a falta de conhecimento dos
professores em formação inicial acerca desta proposta pedagógica que, ano após
ano, vem tentando criar uma identidade brasileira, também são justificativas para
novas pesquisas que explorem as contribuições steinerianas, no intuito de encontrar,
sob este olhar, subsídios para a prática de uma educação de qualidade e mais
humana.
160

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