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Faculdade de Educação
Campinas
2017
Universidade Estadual de Campinas
Faculdade de Educação
Campinas
2017
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Ficha catalográfica
Universidade Estadual de Campinas
Biblioteca da Faculdade de Educação
Rosemary Passos - CRB 8/5751
RESUMO
LISTA DE ILUSTRAÇÕES
AGRADECIMENTOS
SUMÁRIO
INTRODUÇÃO .................................................................................................................................... 10
1. RUDOLF STEINER, A ANTROPOSOFIA E A PEDAGOGIA WALDORF .......................... 18
1.1 Breve contexto histórico.......................................................................................................... 18
1.2 Rudolf Steiner: biografia e produção .................................................................................... 22
1.3 Antroposofia, a sabedoria do homem ................................................................................... 36
1.3.1 A entidade humana .......................................................................................................... 37
1.3.2 Trimembração do Organismo Social ............................................................................. 40
1.4 Pedagogia Waldorf, educar e ensinar de forma integral ................................................... 42
1.4.1 A concepção de desenvolvimento humano: os setênios ........................................... 45
1.5 A trilogia “A arte da educação” .............................................................................................. 50
2. A ARTE DA EDUCAÇÃO I: O ESTUDO GERAL DO HOMEM, UMA BASE PARA A
PEDAGOGIA ...................................................................................................................................... 52
2.1 A primeira conferência ............................................................................................................ 53
2.2 A segunda conferência ........................................................................................................... 55
2.3 A terceira conferência ............................................................................................................. 58
2.4 A quarta conferência ............................................................................................................... 59
2.5 A quinta conferência ................................................................................................................ 62
2.6 A sexta conferência ................................................................................................................. 63
2.7 A sétima conferência ............................................................................................................... 65
2.8 A oitava conferência ................................................................................................................ 67
2.9 A nona conferência.................................................................................................................. 69
2.10 A décima conferência............................................................................................................ 72
2.11 A décima primeira conferência ............................................................................................ 74
2.12 A décima segunda conferência ........................................................................................... 76
2.13 A décima terceira conferência ............................................................................................. 77
2.14 A décima quarta conferência ............................................................................................... 80
3. A ARTE DA EDUCAÇÃO II: METODOLOGIA E DIDÁTICA................................................. 83
3. 1 A primeira conferência ........................................................................................................... 83
3. 2 A segunda conferência .......................................................................................................... 88
3. 3 A terceira conferência ............................................................................................................ 90
3. 4 A quarta conferência .............................................................................................................. 93
9
3. 5 A quinta conferência............................................................................................................... 96
3. 6 A sexta conferência .............................................................................................................. 100
3. 7 A sétima conferência ............................................................................................................ 102
3. 8 A oitava conferência ............................................................................................................. 105
3. 9 A nona conferência............................................................................................................... 106
3. 10 A décima conferência ........................................................................................................ 109
3. 11 A décima primeira conferência ......................................................................................... 111
3. 12 A décima segunda conferência ........................................................................................ 114
3. 13 A décima terceira conferência .......................................................................................... 116
3. 14 A décima quarta conferência ............................................................................................ 118
3. 15 As palavras finais ............................................................................................................... 119
4. A ARTE DA EDUCAÇÃO III: DISCUSSÕES PEDAGÓGICAS .......................................... 120
4. 1 O primeiro colóquio .............................................................................................................. 121
4. 2 O segundo colóquio ............................................................................................................. 125
4. 3 O terceiro colóquio ............................................................................................................... 129
4. 4 O quarto colóquio ................................................................................................................. 129
4. 5 O quinto colóquio .................................................................................................................. 131
4. 6 O sexto colóquio ................................................................................................................... 133
4. 7 O sétimo colóquio ................................................................................................................. 134
4. 8 O oitavo colóquio .................................................................................................................. 136
4. 9 O nono colóquio .................................................................................................................... 138
4. 10 O décimo colóquio .............................................................................................................. 139
4. 11 O décimo primeiro colóquio .............................................................................................. 140
4. 12 O décimo segundo colóquio ............................................................................................. 141
4. 13 O décimo terceiro colóquio ............................................................................................... 142
4. 14 O décimo quarto colóquio ................................................................................................. 143
4. 15 O décimo quinto colóquio .................................................................................................. 144
4. 16 As três palestras sobre currículo...................................................................................... 145
CONSIDERAÇÕES FINAIS ........................................................................................................... 150
OBRAS CITADAS ........................................................................................................................... 160
OBRAS CONSULTADAS............................................................................................................... 162
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INTRODUÇÃO
1 Foi apontada pela UNESCO como sendo modelo de pedagogia capaz de responder aos desafios
educacionais de nosso tempo, principalmente nas áreas de grandes diferenças culturais. Além disso,
no Brasil, atende plenamente ao objetivo do Departamento de Políticas de Educação Infantil e Ensino
do Ministério da Educação ao tratar a gestão democrática da escola, os materiais didático-pedagógicos
e a formação do professor como fatores determinantes para a qualidade social da educação.
11
2Entidade representativa das escolas Waldorf no Brasil, que tem como missão defender os interesses
comuns das escolas. Ver: http://www.federacaoescolaswaldorf.org.br/index.php. Acesso em 17 de abril
de 2017, às 17h.
3 O caso de sucesso mais conhecido no Brasil é a Associação Comunitária Monte Azul, ONG fundada
pela pedagoga e antropósofa alemã Ute Craemer, em favela na Zona Sul de São Paulo. A ONG tem
parceria com a Prefeitura do Município de São Paulo e estende seu raio de ação para diversos
segmentos, como a saúde. Ver: http://www.monteazul.org.br/home.php. Acesso em 17 de abril de
2017, às 17h. Das escolas públicas, as experiências de sucesso conhecidas são a Escola Municipal
Cecília Meireles e Escola Municipal Vale de Luz, ambas no Município de Nova Friburgo/RJ, e a Escola
Comunitária Municipal Araucária no município de Camanducaia /MG. Há notícias da inauguração de
mais uma escola no interior de Minas Gerais e outra em Sergipe.
12
4A Aliança pela Infância é uma ONG cujo movimento se dá em prol do respeito à essência da criança
e ao tempo da infância, buscando parcerias com a sociedade para inspirar e oferecer experiências que
mobilizem a amorosa atenção dos adultos sobre atos cotidianos das crianças, como o aprender, o
brincar, o comer e o dormir. Ver: http://aliancapelainfancia.org.br/. Acesso em 17 de abril de 2017, às
18h.
13
educação como fim de sua obra. Apesar disso, muito do que se sabe, pensa e faz nas
escolas contemporâneas deve-se à herança de tais conjecturas. A Pedagogia Waldorf
completará, em 2019, cem anos de existência e, como já dito, com número crescente
e significativo de escolas mundo afora. Explorar Rudolf Steiner, na intenção de ampliar
o sentido e finalidade da educação em meio ao caos social a que assistimos
atualmente, faz, então, todo o sentido.
Isto posto, temos como objetivo geral deste trabalho, realizar uma leitura da
trilogia A arte da educação (2015a, 2016b, 2015b) identificando os aspectos e
conceitos relativos à esfera pedagógica. Os objetivos específicos foram definidos a
fim de nos subsidiar na conclusão do objetivo geral. São eles: 1. Conhecer a vida e a
obra do autor, assim como a Antroposofia que é base de sustentação de toda sua
produção e 2. Aprofundar os conhecimentos acerca da Pedagogia Waldorf, que é
resultado do modelo de educação proposto por Steiner.
Metodologicamente, para o processo de investigação e análise do objeto,
decidiu-se pela pesquisa bibliográfica. Como definem Lima e Mioto (2007, p.2), “a
pesquisa bibliográfica implica em um conjunto ordenado de procedimentos de busca
por soluções, atento ao objeto de estudo, e que, por isso, não pode ser aleatório”,
portanto, não se trata de mera revisão bibliográfica, requisito básico de qualquer
pesquisa científica. Trata-se de leitura exploratória-descritiva em busca de um objetivo
delimitado: o de encontrar as possíveis contribuições de Rudolf Steiner no campo
pedagógico. O método escolhido é amplamente utilizado em casos onde o objeto de
estudo proposto é pouco estudado, como acontece com as obras do educador,
tornando, assim, árdua a prospecção de hipóteses a respeito de seus postulados.
que formam profissionais capacitados para atuar na educação básica. Apenas para
conhecimento do leitor, segue a descrição dos cursos de licenciatura oferecidos pela
Unicamp: Pedagogia, Integrada Química/Física, Educação Física, Enfermagem, Artes
(Artes Visuais, Música ou Dança), Plena em Ciências Biológicas, Letras, Ciências
Sociais, Filosofia, História, Física, Geografia, Matemática e Química.
As palavras-chave empregadas também constituem parte importante desta
preparação. Para a análise dos dados encontrados, foram utilizadas as seguintes
combinações:
Rudolf Steiner (um registro)
Pedagogia Waldorf (cinco registros)
Antroposofia (dois registros)
Waldorf (sete registros)
Rudolf Steiner + Pedagogia (não há registros)
7 Fronteira húngaro-croata, situada junto à linha férrea entre os rios Mura e Drava, a vinte quilômetros
da confluência em sentido oeste, na atual Croácia.
8Johann Wolfgang von Goethe (1749-1832) poeta, pensador e pesquisador científico, considerado
expoente máximo da literatura alemã. Sua obra mais famosa é o poema trágico Fausto, redigido em
forma de teatro e dividido em duas partes. Em relação às ciências, desenvolveu um método de análise
fenomenológica ao estudar botânica, a teoria do conhecimento e das cores. O naturalismo de Goethe
parte de uma compreensão profunda do fenômeno, por meio da intuição sensorial, considerando a
dinamicidade daquilo que se observa. Foi com a obra de Goethe que Rudolf Steiner encontrou sentido
para fundamentar as suas experiências suprassensíveis e, consequentemente, fundamentar sua
Ciência Espiritual, a Antroposofia.
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nas palavras de Steiner, tinha o trabalho docente como um fardo), seu pai preferiu
educá-lo em casa.
Entre seus brinquedos, os favoritos eram livros:
Eram livros ilustrados com figuras móveis, que podiam ser puxadas
por meio de fios presos embaixo. Essas figuras eram acompanhadas
de pequenos contos e recebiam vida própria quando se puxavam seus
fios. Em companhia de minha irmã, eu ficava durante horas sentado
em frente a esses livros. Foi também com eles que, sozinho, comecei
a aprender a ler. Meu pai queria que eu aprendesse cedo a ler e
escrever. (STEINER, 2016c, p. 25).
9Gotthold Ephraim Lessing (1729-1781), Wolfgang von Goethe (1749-1832) e Johann Friedrich von
Schiller (1759-1805).
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matemática. Lia diversos artigos escritos por seus professores e pelo diretor. A
filosofia também sempre esteve presente em seus estudos e foi nesse tempo que teve
o primeiro contato com a obra de Immanuel Kant (1724-1804) Crítica da Razão Pura
– leitura esta que lhe tomou bastante tempo e energia, posto que fazia questão de
compreendê-la em profundidade para poder elaborar sua crítica e obter bases para o
desenvolver de seu próprio pensar. A teoria investigação da razão e seus limites
apresentadas por Kant lhe pareciam insuficientes.
Steiner acreditava que devia se aproximar da natureza, dizia que “só se pode
ter uma adequada vivência do mundo espiritual por meio da alma quando o pensar
adquire uma configuração capaz de aproximar-se da essência dos fenômenos da
natureza” (STEINER, 2016c, p. 43). Sobre o pensar, tinha a crença de que este
deveria ser educado para que todo tipo de pensamento fosse inteiramente “visível”,
pois, para ele, o mundo espiritual era tão claro como o que a visão humana permite
enxergar no plano físico. Buscava estabelecer uma sintonia entre este tipo de pensar
e a doutrina religiosa, que lhe envolvia intensamente. É a religião no seu sentido
etimológico: do latim, religare. Steiner “sentia que o pensar podia ser educado para
tornar-se uma força capaz de realmente apreender em si os objetos e acontecimentos
do mundo” (STEINER, 2016c, p. 45) e uma “matéria” que ficasse meramente como
objeto de “reflexão” lhe era uma ideia insuportável – sentimento que tinha em relação
à obra kantiana e ao pensamento científico dominante na época. A questão que o
motivava era a seguinte: “em que medida se pode demonstrar que no pensar humano
o fator atuante é o espírito real?” (Idem, p. 52). Acreditava que a atividade cognitiva
constituía parte do “eu” humano, o espírito, que pode ser entendido como “essência
divina”, princípio de inteligência ou individualidade, ou seja, aquilo que nos diferencia
do resto dos seres terrestres e que vive no mundo espiritual. Steiner convencia-se
disto exatamente pelas experiências paranormais que experimentava desde garoto.
Aos quinze anos, aproximou-se com mais entusiasmo da literatura
frequentando a casa do amigo médico que havia conhecido anos antes. O doutor fora,
para ele, como um tipo de professor de literatura poética. Por falar em professor,
Steiner relata em muitos pontos de sua autobiografia a importância da afetividade na
relação aluno-professor. Não à toa que os conteúdos aos quais dedicava maior
interesse advinham de relações afetuosas, de respeito e admiração para com seus
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docentes. A paixão pela área de humanas tornou-se tão grande que estudava grego
e latim para cumprir, por conta própria, o currículo do liceu clássico. Nesta idade
também iniciou sua carreira docente: atendia colegas com dificuldades e relata que a
experiência como professor particular lhe proporcionava excelente oportunidade de
aprendizado, não apenas pelos conteúdos que ensinava, mas pela conveniência de
se ocupar da psicologia prática, haja vista que tomava conhecimento das dificuldades
da evolução anímica humana junto de seus alunos.
Com o término do colégio científico, a família Steiner muda-se para Inzersdorf,
na encosta do Monte Vienense. Em 1879 Rudolf Steiner adentrava a Academia
Politécnica, em Viena, onde as portas do conhecimento lhe foram escancaradas.
Leitor voraz e aluno grandemente interessado, estudou tudo o que foi possível na
universidade. Ficava impressionado com a oportunidade de ouvir sobre Filosofia da
boca de filósofos. Estudou vários deles com intensidade, tecendo críticas e
elaborando artigos, sempre com o objetivo de responder aos seus anseios espirituais.
Em seu íntimo estava determinado a encontrar um caminho científico para tais
experiências suprassensíveis.
Ainda no primeiro ano teve contato com aquele que lhe apresentaria Goethe.
Karl Julius Schröer (1825-1900) era um professor de literatura entusiasta do estilo
espiritual goethiano. Rudolf Steiner tinha por este professor profunda admiração e
inspiração. Foi por meio dele que, aos dezenove anos, leu Fausto, obra literária de
grande relevância escrita por Goethe. Schröer havia editado a primeira parte da obra
e estava trabalhando nos comentários da segunda, que também editaria. Naquela
época, Steiner assistia a muitas aulas de outros dois professores, Robert
Zimmermann (1824-1898) e Franz Brentano (1838-1917), onde ouvia sobre a filosofia
de Herbart e os princípios básicos de ética. Apesar da discordância acadêmica de
Schröer, os dois mantiveram contato bastante fraterno e estabeleceram uma amizade
longeva.
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Schoröer era idealista; e o mundo das ideias como tal era, para ele, o
que atuava como força-motriz na criação exercida pela natureza e pelo
homem. Para mim, a ideia era a sombra de um mundo espiritual
plenamente vivente. [...] Para mim havia vida do espírito por detrás das
ideias, sendo estas apenas sua manifestação na alma humana.
(STEINER, 2016c, p.86)
Com o estudo mais aprofundado das teorias elaboradas por Goethe, Steiner
finalmente encontra subsídios para estabelecer sua teoria em relação ao
desenvolvimento humano à luz da espiritualidade.
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10 Doença congênita ou adquirida que é tratável, mas que não tem cura, que se caracteriza pelo
acúmulo do líquido cefalorraquidiano (LCR) nos ventrículos cerebrais (cavidades intercomunicantes
localizadas em áreas do encéfalo) e no espaço subaracnoide entre as membranas aracnoide e pia-
mater das meninges. Esse acúmulo pode ser causado por um desequilíbrio entre a produção e a
reabsorção do líquido cefalorraquidiano ou por algum tipo de obstrução que impeça sua circulação e
drenagem. O fato é que o excesso retido faz os ventrículos cerebrais dilatarem, o que pode provocar
compressão e danos nas estruturas encefálicas. Informação disponível em
https://drauziovarella.com.br/doencas-e-sintomas/hidrocefalia/, acesso em 7 de novembro de 2017, às
15 h.
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responsável pela edição das obras de Nietzsche pelo autor austríaco, mas ele declina
ao convite.
Em 1895, Steiner escreve o livro Nietzsche, um lutador contra sua época (1895)
personalidade por quem desenvolveu grande admiração, inclusive ocupando-se
durante bastante tempo de sua obra – a qual sentia ser oposta à sua própria
orientação espiritual. Dizia que Nietzsche tinha determinados pensamentos que
aspiravam ao mundo espiritual, mas que era prisioneiro da mentalidade naturalista do
final do século XIX. Passou muitas de suas horas no Arquivo Nietzsche em Naumburg
e em Weimar e foi pelo meio social proporcionado por este contato com Nietzsche que
Steiner conheceria o seu futuro co-editor do Magazine de Literatura em Berlim, Otto
Erich Hartleben (1864-1905). A amizade começou em uma reunião na qual discutiam
Schopenhauer, a quem chamavam de “gênio bitolado”. Rudolf Steiner encontra
Nietzsche apenas uma vez, em 1896, em uma visita à casa do filósofo, já bastante
enfermo e inconsciente àquela época.
Com a conclusão de seu trabalho como colaborador no Arquivo Goethe-Schiller
e findadas as edições das obras a que tinha se proposto, Steiner espera pela
oportunidade de voltar a Viena com a possível criação da cadeira de Filosofia na
Escola Técnica Superior, instituição onde havia estudado. Contudo, o desejo não se
realiza e o próprio autor reconhece em sua autobiografia que o motivo é, muito
provavelmente, devido às (também) inimizades conquistadas em Weimar, fato
atribuído a uma conferência que havia realizado anos antes para os colegas do
Arquivo. Neste mesmo ano, conjuntamente às atividades de encerramento de seu
trabalho como editor, Steiner escreve A cosmovisão de Goethe, publicando-a um ano
depois, em 1897. Meses depois, muda-se para Berlim para assumir o cargo de editor
na Magazine de Literatura, periódico cultural ao qual teve de se adaptar para escrever,
levando em conta as criações da nova geração de escritores.
Para que a revista angariasse um número maior de assinantes, o autor firma
uma espécie de parceria junto da Sociedade Literária Livre. Em Berlim o círculo
cultural de Steiner expande-se consideravelmente, tornando-se membro, inclusive, da
Sociedade Dramática, onde teve contato mais direto com as artes cênicas. Outro fato
que podemos apontar como significativo nesta época diz respeito ao seu casamento
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civil com Anna Eunike (1853-1911)11, então viúva e mãe de quatro filhos, a quem
Steiner conheceu e conviveu desde a época em Weimar.
Além de estabelecer maior contato com a vanguarda artística e intelectual,
Steiner envolve-se, ao mesmo tempo, com a classe operária de Berlim. Devido à falta
de recursos, seu sustento como editor na Magazine de Literatura se mostra
insuficiente. Para resolver a questão, aceita o convite da diretoria da Escola de
Formação Cultural para Trabalhadores, para lecionar História e Ciências Naturais.
Mais um momento curioso de sua vida: declara, em algumas passagens de sua
autobiografia, a antipatia que nutria em relação ao materialismo histórico. Dizia que
tal pensamento era incompleto e que o caminho com o alunado não deveria ser de
oposição polêmica. Ao contrário disso, almejava partir do materialismo para fazer
surgir o idealismo – corrente com a qual se identificava. A escola que fora fundada por
um notável revolucionário radical-democrata, político socialista no Império Alemão,
obviamente, não sustentou tais ideais de Steiner por muito tempo.
Nessa época, virada do século, Steiner publica mais quatro livros: A mística no
despontar da vida espiritual moderna (1901), O cristianismo como fato místico (1902),
Concepções do mundo e da vida no século XIX (1901) e Os enigmas da Filosofia
(1902), onde estabelece um panorama da evolução das cosmovisões desde a época
grega até o século em que se encontrava.
A Sociedade Antroposófica nasce, então, em 191212 da atividade como
palestrante e conferencista desenvolvida no seio da Seção Alemã da Sociedade
Teosófica, onde Steiner foi secretário-geral e mantinha a Escola Esotérica. Seus
esforços para a introdução ao conhecimento suprassensível do homem e do destino
humano são publicados em Teosofia (1904). A primeira década do século XX foi o
período no qual dedicou seus esforços para reunir interessados em sua filosofia
espiritual. Junto a Marie von Sivers (1867-1948), polonesa entusiasta da arte da
dicção, proferiu palestras públicas para divulgar seu conhecimento resultante de
11 Nascida Schultz, viúva Eunike, casou-se com Rudolf Steiner em 30 de outubro de 1899, passando
a assinar Anna Steiner. Viveu com Steiner até o ano de sua morte, em 1911.
12 A data oficial de 1912 demarca a primeira organização antroposófica na cidade de Colônia, na
tantos anos de pesquisa que, para ele, pouco tinham a ver com a Teosofia. Para tanto,
praticamente rompeu com a tradição da “antiga sabedoria” que condenava a ampla
difusão dos saberes esotéricos. Todavia, convicto do que estava fazendo, Steiner era
ponderado em suas explanações públicas, e guardava os conteúdos mais específicos
para as aulas privadas. Aos poucos, seus esforços resultam em diversos
agrupamentos de pessoas simpatizantes do desenvolvimento interior, não só em
Berlim, mas em outras cidades como Munique e Stuttgart. A Antroposofia vai tomando
forma com o passar do tempo e Steiner explica que foi preciso apoiar-se em termos
teosóficos para alcançar o entendimento daqueles que chegavam ao seu ciclo.
Embora a princípio tivesse a intenção de trabalhar em harmonia com a direção
da Sociedade Teosófica, a atividade antroposófica não perdurou ali por muitos anos.
Antes da cisão13 ideológica entre as duas correntes, ocorreu de elaborar, junto a Marie
von Sivers, um periódico no qual escreviam pouco a pouco o conteúdo relativo à
Antroposofia: Luzifer14. O livro O conhecimento dos mundos superiores (1909) surgiu
dali, capítulo por capítulo. Por necessidade, Marie von Sivers também se mobilizou
para constituir a Editora Filosófico-antroposófica15, a fim de publicar o periódico que
editava com Steiner para difundir os conhecimentos antroposóficos, bem como para
editar as anotações que os alunos faziam dos cursos e palestras. Inicialmente, Steiner
proibia qualquer tipo de anotação em suas aulas. Com o tempo, muitos erros
começaram a circular nas publicações e entendeu-se que alguém deveria transcrever,
editar e revisar os conteúdos. O intuito inicial era o de publicar apenas para membros
da sociedade, justamente pela falta de tempo para revisá-los. Steiner temia equívocos
nestes escritos que, por fim, foram confiados à sua parceira de trabalho. Marie von
Sivers era responsável pela designação dos estenógrafos, administração das
anotações e revisão dos textos que seriam publicados. Foram muitas as publicações
relevantes neste período, desde interpretações de evangelhos bíblicos até os escritos
sobre moral e a evolução humana. O livro A ciência oculta, de 1910, é considerado
uma obra básica para a compreensão dos ciclos evolutivos do homem e do Universo.
13Na realidade, Steiner justifica que, desde o início de suas atividades na Sociedade Teosófica, não
partilhava das mesmas ideias da casa que o acolhera. Justamente por isso, desenvolvia o seu trabalho
paralelamente à ideologia de Blavtsky.
14 No sentido de “portar a luz”.
15 Desde 1950 é conhecida como Verlag am Goetheanum (Editora do Goetheanum), em Dornach,
Suíça.
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Marie von Sivers foi a grande companheira de Steiner, desde início do século
até o fim de sua vida. O autor conta que foi através dela que pôde desenvolver o
elemento artístico, parte imprescindível do eu amadurecer espiritual. Ele já estava em
seu quinto decênio quando teve contato mais profundo com a arte. Viajaram por
grande parte da Europa a serviço da Antroposofia e, assim, desenvolveram conceitos
de arquitetura, escultura, pintura e expressão corporal, denominada no meio
antroposófico de Euritmia.
A Sociedade Antroposófica tem como data de fundação o ano de 1913. Neste
mesmo ano inicia-se a construção do Goetheanum16, o edifício-sede do movimento
antroposófico em Dornach, na Suíça. Todo projetado em madeira, foi criminosamente
incendiado no ano de sua inauguração, em 1922. Rudolf Steiner concebe, então, um
segundo prédio, desta vez de concreto, reinaugurado em 1928. De 1914 a 1923
Steiner atua ativamente por toda a Europa compartilhando seus conhecimentos e
fornecendo elementos para a renovação de vários âmbitos da sociedade, como na
arte, educação, medicina, ciências naturais, economia, política e teologia. Em 1924
ainda intensifica sua atividade como palestrante, porém termina o ano enfermo e
falece em 30 de março de 1925, aos sessenta e quatro anos de idade.
16Sede mundial do movimento antroposófico, o prédio abriga dois teatros, biblioteca, livraria, escritórios
da Sociedade Antroposófica, espaço para exposições e palestras, obras de arte e é entendido como
um lugar de aprendizado, uma escola superior livre das ciências espirituais.
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Toda a obra de Rudolf Steiner foi reunida em uma edição completa chamada
Gesamtausgabe e os mais de 300 volumes foram numerados sob a sigla GA. Essa
publicação deriva de uma orientação deixada por Marie Steiner antes de seu
falecimento, em 1948. Hoje, o trabalho de seleção, revisão e notas é realizado pelo
Rudolf Steiner Archiv, pertencente à instituição administradora do espólio literário do
autor, a Rudolf Steiner Nachlassverwaltung, também proprietária da editora que se
responsabiliza pelas publicações.
A edição completa (Gesamtausgabe) foi concebida como uma edição de leitura
e estudo, com referências biográficas, bibliográficas e históricas ao texto. Esta é uma
edição mais heterogênea, que surgiu ao longo de décadas, com uma ampla gama de
textos e uma abordagem e alcance muito diferentes. A coletânea de sua obra está
dividida em três grandes partes, de acordo com o plano de edição de 1961: 1. Textos
escritos: a. livros GA 1-28, b. artigos GA 29-36, c. cartas, frases e fragmentos GA 38-
47. 2. Ciclos de palestras: a. apresentações públicas GA 51-84, b. palestras aos
membros da Sociedade Teosófica, mais tarde Sociedade Antroposófica GA 88-270,
c. palestras e cursos de âmbitos específicos da vida GA 271-374. 3. A obra artística:
reproduções e publicações do espólio artístico, réplicas dos esboços pictóricos e
gráficos de Rudolf Steiner. (STEINER, 2016, pp. 381-384)
forma intencional outras formas de observação, que jazem latentes no ser humano,
tornamo-nos capazes de acessar os planos mental e espiritual, onde os objetos do
plano material adquirem outro contexto. É o que na Antroposofia encontramos como
“observação pensante” e o que Steiner defende como verdadeiro conhecimento: o
autoconhecimento, ou seja, aquilo que adquiriu sentido e foi conquistado através do
pensar consciente do homem e não algo imposto de fora (REDAELLI, 2003, p. 14).
Dessa forma, obedecemos a uma hierarquia espiritual extremamente
complexa, composta por diferentes seres que nem sempre assumem uma expressão
física. Os seres humanos, por exemplo, contêm uma substância espiritual mais
complexa do que os animais e as plantas, daí sua distinção em relação a eles. É que
para a Antroposofia não existe o paradoxo do espírito diverso da matéria; ele é a
origem de tudo. Steiner também observou que o corpo humano é constituído pelas
mesmas substâncias que formam o universo ao nosso redor, sendo portador de
elementos do mundo inorgânico (reino mineral) e orgânico (vegetal, animal e
humano). Para além dos processos físico-químicos, chegou à conclusão de que os
seres orgânicos são permeados por uma força vital, um elemento espiritual que dá
vida ao ser e “que impede a matéria de seguir suas leis químicas e físicas normais”
(LANZ, 2016a, p.17).
do mundo. A palavra que se relaciona a ele é “morte” (da matéria), justamente porque
no momento em que a vida deixa de existir este corpo é sucumbido pelas leis do
mundo inorgânico e volta a ser “pó”. Está relacionado, então, ao reino mineral e ao
elemento terra.
O corpo etérico, ou vital, é o construtor e plasmador do corpo físico, é seu
habitante e arquiteto. Para percebê-lo é preciso desenvolver os órgãos superiores de
percepção. Ele é responsável pelo crescimento e reprodução da matéria e é
constituído pela “memória”: daí ser entendido como responsável pela saúde, porque
memoriza os hábitos que regulam e normatizam o funcionamento dos órgãos no corpo
humano, “guardando”, também, a genética. As palavras que se relacionam ao corpo
etérico são “vida/sono”, uma vez que a força vital é o que nos impulsiona à vida,
funcionando de forma não perceptível à consciência. Está relacionado, portanto, ao
reino vegetal e, devido à sua forma fluida de agir, à água.
O corpo astral, ou anímico, é o corpo das sensações. É o portador das dores e
prazeres, instintos, paixões e apetites. É o que chamamos de emocional e a palavra
que se relaciona a ele é “senciência”, exatamente porque é essa percepção
consciente dos sentimentos e o protagonismo assumido, por exemplo, nos animais,
que os diferem da passividade das plantas. Logo, está relacionado ao reino animal e
ao elemento ar, que nos lembra o movimento conquistado por estes seres.
O último corpo é o chamado corpo do EU. A essência divina que nos
individualiza, tornando-nos diferentes uns dos outros. O corpo que nos torna capaz de
pensar, imaginar, relembrar, raciocinar e decidir. Com o andar ereto conquistamos a
verticalidade mantendo a cabeça em direção ao céu, ao mesmo tempo em que nos
conectamos à Terra pelos pés. As mãos são membros livres aptas a criar. É o reino
humano que se relaciona ao elemento fogo, posto que somos feitos de “calor”.
Segundo Lanz (2016a) os três primeiros corpos atuam como envoltórios a
serviço do espírito. O homem constituído de corpo, alma e espírito torna-se capaz de
moldar seu curso de vida, isto é, capaz de inscrever sua biografia.
18O “Cristo” citado no excerto é tido, na Antroposofia, como um ser das mais altas hierarquias
espirituais. O “ser crístico”, por meio de Jesus de Narazé, teria encarnado em uma missão que se
constituiu como um ato de amor divino, trazendo à humanidade um caminho ascendente, o impulso
para a liberdade no amor.
42
19Steiner enfatiza que o alicerce educacional – ciência, arte e religião – deve ser livre, respeitando-se
a individualidade e “fé” de cada um. Na alocução introdutória de seu curso pedagógico revela sua
43
preocupação com a construção das escolas bolchevistas, as quais dizia tratar o ser humano como um
objeto a ser manipulado. Também defendia que o sistema administrativo da escola não deveria ser o
de “governança”, mas, sim, de modo “republicano”, uma gestão democrática na qual os docentes teriam
plena responsabilidade.
20
Arte do movimento com caráter cênico, pedagógico e terapêutico, elaborada por Rudolf e Marie
Steiner no início do século XX. Foi incluída como disciplina obrigatória já na fundação da primeira
Escola Waldorf.
44
Tomemos como exemplo, mais amiúde, o período da primeira infância, que vai
do nascimento aos sete anos de idade. O foco está no desenvolvimento do corpo
físico e no desabrochar do corpo etérico, que ainda não está individualizado e tem
ligação com as forças etéricas universais. Seu amadurecimento, após plasmar o corpo
físico ao longo dos anos, é percebido pela troca dos dentes. O “nascimento” do corpo
etérico faz com que novas forças surjam para as crianças. Neste caso, a memória e o
raciocínio, considerados elementos fundamentais para a maturidade escolar.
A prioridade interna deste setênio é o desenvolvimento dos órgãos e,
principalmente, do sistema nervoso, pois é nesta etapa que a criança será capaz de
realizar suas maiores conquistas da vida: andar no primeiro ano de vida, falar no
segundo e pensar no terceiro (idades aproximadas). Ela vive a serviço do sistema
metabólico, onde a vontade habita o âmbito do querer (ou agir). Existe uma intensa
necessidade de atividades corporais e, por esse motivo, está sempre em movimento.
O termo “vontade” não deve ser interpretado por seu significado literal; na
Antroposofia é entendido como um impulso primitivo, implícito aos esforços vitais.
De acordo com Lameirão (2015) o ritmo é fundamental para o desenvolvimento
sadio da criança, que deve viver em um ambiente que a proporcione, além de calor
(afeto, zelo), oportunidades de expansão e contração com intervalos de sono. Isso
porque ela precisa de momentos com o mundo (entre pares) e em seu próprio mundo
(sozinha) para que crie seus próprios mecanismos e encontre o caminho do meio
(reconhecer-se e reconhecer ao outro no mundo). O ritmo para a criança pequena
está muito ligado ao contraste natural entre noite e dia. Ela acorda cedo com a
disponibilidade para brincar, tem um pico ao meio dia, para ir ascendendo até o final
da tarde. A alimentação saudável e o sono também constituem parte fundamental
deste desenvolvimento sadio e ritmado. Na Antroposofia entende-se que o ritmo
também traz segurança à criança pequena.
A criança compreende o mundo por meio dos sentidos, que são as janelas da
alma. São como esponjas que absorvem sem filtro nenhum todo o meio que as cerca.
Da mesma forma, compreendem-no por meio de imagens e é por isso que a contação
de histórias e os contos de fadas são tão importantes nesta fase. É a idade do faz-de-
conta, que na Pedagogia Waldorf é chamada de “fantasia criativa”. Acredita-se que
por volta dos três anos a criança conquista o “pensar imaginativo”. Se a força do
47
etérico (que se ocupa de plasmar o corpo físico) é utilizada para o intelectual (como a
alfabetização precoce) a criança perde a sua potencialidade da força criativa –
estaque é estimulada pelo livre brincar. A criança mostra aquilo que recebe do mundo
e é altamente capaz nesta idade; por isso mesmo é capaz de ser alfabetizada, mas,
segundo a Antroposofia, este estímulo prematuro não é salutar.
Esta abertura sensória e confiança ilimitada que a criança tem para com o
mundo ao seu redor encontra sentido em seu interior por meio da repetição, isto é, faz
com que ela responda aos estímulos do mundo exterior por meio da imitação. Esta é
a maior “força” de que a criança de primeiro setênio dispõe para a aprendizagem. Ela
vai imitar tudo e é por meio desse gesto que vai formar, dentre outras coisas, o
fundamento de sua moralidade futura.
É por volta dos quatro ou cinco anos que a criança terá capacidade de usar seu
potencial da fantasia criativa, de forma ordenada. Com o domínio físico sobre mãos,
braços, pernas e pés, será capaz de desenvolver atividades com propósito e
estabelecer metas, ou seja, fazer brincadeiras mais elaboradas.
Na educação infantil podemos dizer que a Pedagogia Waldorf preza por um
corpo são para, no futuro, ter uma mente sã. Diz-se dessa fase que “o mundo é bom”,
e é assim que os educadores devem mostrá-lo às crianças. Procura-se poupá-las das
mazelas mundanas e daquilo que não são capazes de lidar, seja emocionalmente ou
fisicamente, a fim de que cresçam fortes, corajosas e sadias. Assim, na maturidade,
acredita-se que terão o impulso e a disposição de transformar o mundo.
Não compete a este tópico esmiuçar a fundo as qualidades do segundo e
terceiro setênios, posto que esta é uma das tarefas empreendidas pela leitura da
trilogia steineriana. De forma introdutória, ilustraremos brevemente tais períodos,
apenas para conforto do leitor.
Dos sete aos catorze anos de idade temos a segunda infância, ou seja, o
segundo setênio. A criança, neste período, deve ser conduzida de forma a se permitir
o desenvolvimento intenso dos sentimentos e emoções, bem como da fantasia. O
organismo esforça-se para possibilitar o “nascimento” do corpo astral.
“O mundo é belo”, assim define-se a educação que é primordialmente
oportunizada pela arte. O currículo escolar assume grande importância para o
surgimento harmônico da personalidade do indivíduo buscando um equilíbrio entre as
48
uma crise na qual a criança transforma o seu modo de interação e identificação com
o mundo ao redor, que até então lhe era mais interno. É como se ela perdesse o
“paraíso”: até então não compreendia objetivamente o mundo e não fazia tamanha
distinção entre o real e o imaginário. Instaura-se um “vazio”. É neste momento que a
educação vem a preencher este espaço com aspectos do mundo exterior, sempre de
forma viva.
A segunda mudança acontece aos onze, doze anos, quando se nota o princípio
da autoconsciência e do raciocínio próprio. É a idade na qual são bem-vindas as
abstrações e a compreensão de leis de causa e efeito. Fase antecedente ao turbilhão
de mudanças causadas pela puberdade é, portanto, um momento muitas vezes
atravessado pelo sentimento de solidão ou introversão. A puberdade, além de
transformar física, psíquica e mentalmente o jovem, assim como a troca dos dentes
no final do primeiro setênio, marca o fim do segundo e o início do desenvolvimento da
autonomia do indivíduo, tarefa do terceiro setênio. Até então, qualquer julgamento
moral confiado ao jovem, por exemplo, está ancorado à sua astralidade, ou seja, às
opiniões imaturas pautadas nas emoções e no egoísmo típico do ser humano nesta
fase da vida.
O terceiro setênio é o período dos catorze aos vinte e um anos de idade, a fase
de transição do jovem para a vida adulta. O EU adquire autonomia em relação ao
resto do organismo, tornando-se livre para atuar no desenvolvimento das faculdades
mentais e morais. É o momento do pensar lógico, analítico e sintético. Com a
capacidade de observar fenômenos de forma isolada e emitir julgamentos objetivos,
o jovem caminha para o agir de acordo com os critérios éticos que desenvolve. Da
mesma forma, a consciência capaz de emitir julgamentos próprios também é
conduzida ao espírito crítico e à revolta diante de qualquer autoridade injustificada.
Por isso o desenvolvimento anímico é tão quisto no segundo setênio: ele é a base
segura da autonomia conquistada pelo jovem.
Da solidão experimentada na puberdade surge a necessidade de guarida e
busca pela identidade nos mais diversos grupos sociais. O amadurecimento sexual é
apenas uma parte das transformações da juventude. Muito mais ligado à realidade
terrena, o jovem torna-se capaz de amar profundamente o que está ao seu redor, e
por isso busca por ideais que o motivem a viver e lutar. O conhecimento, a verdade e
50
a honestidade são qualidades estimadas que o fazem ter admiração e respeito pelo
professor. No ensino, é o momento o qual se diz que “o mundo é verdadeiro”. Ao
contrário de cabeças cheias de conteúdos rasos, os alunos devem ser imbuídos de
vontade e desejo por oportunidades de engajamento social.
Esta pequena abordagem dos setênios nos permite ilustrar o quanto a
concepção de desenvolvimento humano antroposófica é recheada de minúcias que
envolvem os âmbitos físico, psicológico e espiritual. De maneira mais ampla, a
biografia humana é compreendida por etapas de vinte e um anos, aproximadamente.
Levamos os três primeiros setênios para formar a constituição física, os três
conseguintes para o desenvolvimento da alma e, por fim, mais três para o
desenvolvimento da nossa individualidade – o caminho espiritual. Podemos dizer que
passamos a maior parte da vida em progresso, para nos constituirmos enquanto
indivíduo. É como se o ser humano, enquanto indivíduo, percorresse o mesmo trajeto
da evolução vivenciada pela Humanidade na História.
Para toda filosofia, uma pedagogia. Para todo pedagogo, um estudo constante
do que o constitui como tal. Longe de ser um fim, a trilogia A arte da educação (2015a,
2016b, 2015c) torna-se o princípio do que hoje conhecemos como Formação em
Pedagogia Waldorf. O curso ministrado por Rudolf Steiner em Stuttgart, 1919, se fez
necessário para o advento da primeira Escola Waldorf Livre, na demanda de um corpo
docente preparado para tarefa tão elevada, a de se fazer uma completa renovação
espiritual da sociedade permitida, principalmente, pela educação, como aludiu Steiner
(2015a) em seu discurso inaugural. A leitura pressupõe um conhecimento básico da
cosmovisão antroposófica e, para adquirir profundo sentido, a consciência de uma
realidade espiritual que transcende a física comum.
O quefazer de um compêndio de tamanha obra é bastante audacioso. Nos
capítulos a seguir nos empenharemos em trazer os elementos fundamentais de cada
livro, procurando nas linhas e entrelinhas as concepções de educação postuladas por
Rudolf Steiner. Interessante saber que existem duas maneiras de se ler e
compreender a trilogia: o modo convencional, lendo um livro de cada vez ou, lendo-
51
os da mesma forma com a qual o curso foi concebido. Explico: Steiner organizou as
quase três semanas de curso em duas conferências pela manhã e um colóquio
vespertino. A primeira conferência do dia consistia na parte de estudo geral do
homem, com questões pedagógicas mais gerais; a segunda trazia como foco as
questões didáticas e metodológicas para o ensino Waldorf, ao passo que no colóquio
acontecia um trabalho mais seminarístico, com discussões pedagógicas nas quais o
filósofo validava, por meio de exercícios dissertativos, as tarefas a serem cumpridas
pelo corpo docente em relação ao currículo Waldorf. Era justamente neste período
que ocorriam as trocas entre o grupo. Logo, os capítulos dos livros são organizados e
ordenados de acordo com as conferências e colóquios, fato que facilita ao leitor a
localização do conteúdo pela data em que a palestra foi proferida.
O trabalho de transcrição do curso manteve o tom coloquial da linguagem
utilizada pelo filósofo durante as conferências. À edição da obra brasileira coube,
também, a complementação do texto com toda sorte de explicações e referências nas
notas de rodapé, exatamente pelo fato de se tratar de um curso voltado para a cultura
alemã no início do século XX.
52
O que o filósofo explica é que o fato de captarmos algo por meio das
representações mentais torna-se possível justamente por estas terem caráter
imagético, não se unindo conosco a ponto de estarmos “dentro” delas. A atividade
representativa, nessa acepção, significa que as imagens são fruto de todas as
vivências pelas quais perpassou o ser humano no mundo espiritual antes de nascer.
O filósofo coloca que “a existência entre a morte e o novo nascimento reflete-se na
vida atual, e esta reflexão é o representar mentalmente” (STEINER, 2015, p. 37).
A outra região da vida anímica humana é a vontade, que durante a existência
física subsiste no ser humano como “germe”, ou seja, como um potencial latente que
se tornará realidade anímico-espiritual após a morte. O limite entre a representação
mental imagética e a vontade germinal é, portanto, a existência do homem físico que
as controla por meio de forças denominadas antipatia e simpatia. São essas as forças
que provocam a reflexão da realidade pré-natal e a conservação da realidade pós-
morte. Steiner (2015) explica que ambas são forças que vivem inconscientemente no
ser humano. São elas que constituem o sentir, desenvolvendo no interior humano o
mundo dos sentimentos numa contínua alternância entre uma força e outra. A
antipatia, de caráter cognitivo, é responsável por converter a vida anímica em um
agente de representações mentais; a simpatia, em vontade ativa.
A atividade da representação mental enfrentada pela antipatia resulta na
memória, que é a imagem reminiscente. Para Steiner (2015, p. 41) “sua memória
existe apenas por haver uma espécie de repugnância diante das representações
mentais, uma rejeição a elas, o que tem por efeito torná-las presentes”. É desta forma
que nasce o conceito dos aspectos imagéticos que foram guardados na memória.
A vontade pode ser entendida como querer que, como vimos, é sustentado pela
simpatia, a força que conserva a realidade pós-morte. Se ela for intensa, vai dar
origem à fantasia que, permeando o ser humano até os sentidos, resultará na
imaginação – a visualização sensorial.
Steiner a ilustra da seguinte forma:
Ainda falando sobre as teorias psicológicas que, por causa da Igreja21, levam
em conta uma constituição binária do homem (corpo e alma), Steiner (2015a) inicia a
terceira conferência com uma valiosa observação em relação à formação docente. O
autor diz que o professor deve apresentar à criança o mundo da natureza e certa
compreensão do mundo espiritual, munido sempre das mais “elevadas ideias da
humanidade” (Idem, p.50). O problema, apontado por ele diz respeito à desvalorização
de professores que atuam com “graus inferiores” (séries iniciais). Para o autor é
fundamental que o docente tenha um conhecimento científico e artístico aprofundado;
não é porque atua com crianças pequenas que não deve conhecer a fundo aquilo que
não apresenta diretamente a elas.
Em seguida, Steiner esboça uma longa explicação sobre o que ocorre na
natureza humana: o que a constitui e qual sua relação com a natureza exterior. Em
síntese, o autor coloca que o ser humano é sempre conduzido à natureza: de um lado
pelo caráter imagético, com a vida das representações e pensamentos e, de outro,
com tudo o que tem caráter volitivo. Pelo lado cognitivo, o ser humano capta apenas
o que é um contínuo perecer. São estas as leis que a ciência tradicional apresenta,
segundo o filósofo, já que sempre se referem a algo que está morrendo. Do lado
volitivo, encontra-se tudo o que o ser humano vivencia pela vontade viva, ou seja, tudo
o que nos sentidos o leva à relação com o mundo exterior. Assim, as impressões
sensoriais são interpretadas como sendo impressões ativas. Dito isso, identifica dois
sistemas fundamentais da constituição humana, a saber, o ósseo-nervoso e o
sanguíneo-muscular, ambos responsáveis, em atuação conjunta, pela recriação de
substâncias e forças que vivificam a entidade humana.
Segundo Steiner (2015, p.64), “o ser humano não é meramente um
espectador, e sim o palco do mundo, palco em que os grandes acontecimentos
cósmicos sempre voltam a realizar-se”, isto é, o homem atua como um elo de ligação
entre os mundos suprassensível e físico, sendo capaz de receber as forças mortas da
21 Steiner atribui este fato ao IV Concílio Ecumênico de Constantinopla, ocorrido no ano de 869.
59
natureza para transformá-las em novas forças. Ele serve de “adubo” à Terra quando
deixa seu corpo físico, porque deixa nela aquilo que seu elemento espiritual foi capaz
de transformar. Nesse sentido, a evolução terrena só é possível por causa da entidade
humana que é dotada do pensar puro. Este pensar não está relacionado à natureza
exterior, mas com o elemento suprassensível situado no próprio ser humano, que faz
dele um ser autônomo – a liberdade humana. A educação, nessa lógica, assume um
papel realmente muito significativo: deve atribuir um valor muito especial à formação
da vontade e da afetividade.
Isso, contudo, não significa sentir arrependimento; no sentido de agir para ser
um indivíduo melhor, seria um ato egoístico. Steiner complementa falando da
intenção:
Homem-espírito: Resolução
Espírito vital: Intenção
Identidade espiritual: Desejo (aspiração)
Alma da consciência
Alma do intelecto Motivo
Alma da sensação
22Steiner cita a reforma escolar promovida por Anatol Vassilievitch Lunatcharski (1875-1933), que foi
nomeado “comissário do povo para a Educação”, após a revolução de outubro de 1917.
62
Isto significa que na cognição pensante o ser humano está presente com total
consciência dessa atividade. Em uma atividade relacionada ao querer ocorre o oposto.
64
Steiner toma como exemplo, para diferenciá-los, o andar, que é um querer mais
simples. O ser humano está consciente do movimento que executa e isso é uma
atividade de representação mental, portanto pertencente ao pensar (consciente), mas
o que acontece dentro do organismo na transmissão dessa intenção ao sistema motor,
essa observação do mecanismo, é inconsciente. O sentir, mais uma vez, aparece na
posição de mediação, participando da atividade dos dois polos. O filósofo chama a
atenção ao fato de que enquanto estamos despertos, acordados, participamos, na
verdade, destes três estados de consciência. O ser humano só está em estado de
vigília “na medida e na extensão em que vem a conhecer alguma coisa por meio do
pensar” (STEINER, 2015, p.96). Seguindo a lógica, o ser humano “dorme” na natureza
íntima do querer e “sonha” na atividade dos sentimentos que são experimentados.
Este conhecimento é interessante quando aproximado ao ponto de vista
pedagógico. Para Steiner, as crianças divergem quanto ao grau de vigília da
consciência de um adulto:
penetra no corpo real no caso do sentir e do querer, mas também o ser humano não
está plenamente consciente disso. A vida do EU é, finalmente, caracterizada da
seguinte forma em relação à tríade anímica: 1. Vigília plena – cognição pensante
(pensar) – plenamente desperta em imagens; 2. Vigília onírica – vida afetiva (sentir) –
sonhando desperta nas representações mentais inconscientemente inspiradas; e 3.
Vigília dormente – ação volitiva (querer) – dormindo inconscientemente em intuições.
Ou seja, para que se obtenha uma total compreensão do ser humano como ser
dotado de corpo, alma e espírito, é preciso que se estabeleça uma relação da criança
com a maturidade e a velhice do homem. Comecemos pelos aspectos propriamente
físicos: o corpo da criança é muito mais flexível do que o de um idoso. Ao longo da
vida, percebemos que a tendência do corpo humano é a de enrijecimento,
mineralização. A natureza corporal da criança, que é irrequieta e inconscientemente
ativa, opõe-se radicalmente àquela observada na velhice. Animicamente falando,
pode-se fizer que, na criança, o querer e o sentir se fundiram, porque ela não é capaz
de separar movimentos e sentimento. No idoso, o sentir se funde ao pensar e o querer
adquire certa independência. A educação tem como tarefa, nesse sentido, fazer com
66
que o indivíduo ligue as suas sensações pessoais aos seus conceitos e ideias, isto é,
conduzir o querer afetivo infantil à evolução para o pensar afetivo do idoso.
Segundo Steiner, devemos observar melhor qual a autêntica natureza da
sensação, o modo como os sentidos se relacionam com o mundo transmitindo-o para
o ser humano. A generalização de que a sensação está diretamente atrelada à
cognição é matéria da psicologia comum; para o autor, ela possui natureza volitiva
com uma participação afetiva, o que ele denomina querer afetivo ou sentir volitivo. Tal
como se o ser humano fosse provido de uma esfera sensória na periferia do corpo,
onde exercesse uma atividade inconsciente, incapaz de discernir totalmente as
sensações que recebe. Esse sono da superfície corpórea resulta no sonho que os
seres humanos têm à noite, enquanto dormem: “Esses sonhos são as impressões
sensoriais antes de serem captadas pelo intelecto e pelo pensar cognitivo” (STEINER,
2015a, p.113). A sensação, portanto, evolui ao longo da vida porque na velhice já foi
metamorfoseada. Por isso a necessidade de se atuar continuadamente sobre a
vontade da criança quando educada intelectualmente; do contrário, contradiz-se a
sensibilidade infantil.
Mais uma vez recorrendo à fisiologia, Steiner explica que a vigília só acontece
em uma zona intermediária do corpo humano, já que é inconsciente nos órgãos e na
esfera sensória. Apenas onde os nervos estão mais desenvolvidos que o ser humano
é consciente. O sistema nervoso, entretanto, não possui relação direta com o anímico-
espiritual, pois está constantemente se “desligando” do resto do organismo – local no
qual o ser humano está sempre morrendo. Tal fato é o que permite o desenvolvimento
do pensar:
1. Tato
2. Vital Sentidos volitivos ou inferiores
3. Movimento (corporais)
4. Equilíbrio
5. Olfato
6. Paladar Sentidos relacionados aos sentimentos
7. Visão ou intermediários
8. Térmico(anímicos)
9. Audição
10. Linguagem (palavra) Sentidos cognitivos ou superiores
11. Pensamento (espirituais)
12. Eu
Como já foi dito, Rudolf Steiner não despende maiores explicações para ilustrar
as características de cada um dos sentidos. Das considerações que faz, o mais
importante é dizer que o ser humano está ligado ao mundo por meio destes. Os
sentidos oferecem ao ser humano um mundo fragmentado em doze partes diversas
e, por meio das vivências, elabora julgamentos para significá-lo. Isso quer dizer,
também, que um sentido está sempre ligado ao outro e que são várias as
possibilidades de se unir o que está separado.
Os sentidos estão agrupados conforme a esfera em que se encontram. Os
quatro primeiros, mais internos do que os quatro últimos apresentados no quadro
acima. Sobre o sentido do eu, Steiner esclarece que não se trata da percepção própria
do ser humano, mas da percepção do outro, da reciprocidade entre um e outro. Não
se fala em órgão do eu porque esta é uma percepção que está espalhada no ser
23 Figura adaptada a partir do original que consta em acervo da Biblioteca Virtual Antroposófica.
Disponível em: http://www.antroposofy.com.br/wordpress/wp-content/uploads/2014/07/Mauricio-
Bald2.jpg. Acesso em 31 de outubro de 2017, às 21h30min.
69
Essa ligação da conclusão àquilo que já foi feito em algum momento da vida é
o que Steiner chama de juízo, que depois consolida-se como conceito. Esta é uma
atividade contínua da vida consciente do ser humano, é o que permite o entendimento
entre os indivíduos por meio da linguagem.
Tudo isso existe no âmbito do conhecimento, isto é, no espírito vivo do homem.
A conclusão só pode viver lá porque só é sã na completa vigília. O juízo se desenvolve
na vigília, mas acaba imergindo na alma sonhadora, no âmbito afetivo. Os juízos são,
pelos sentimentos, levados ao mundo. Isso significa, para Steiner, que o ato de julgar
torna-se um hábito: “os senhores desenvolvem os hábitos anímicos da criança pela
maneira como a ensinam a julgar” (STEINER, 2015a, p.137). Consequentemente,
tudo o que é dito pelo professor, todas as sentenças que profere a seus alunos, é
incorporado a estes hábitos. O conceito, por fim, desce até a alma adormecida, aquela
que constantemente atua sobre o corpo. A fisionomia do ser humano é resultado da
hereditariedade modelada pelos conceitos que foram incutidos por ele durante a vida.
Por essa razão, o filósofo alerta à responsabilidade que se tem enquanto docente: o
71
De onde vem isso? Vem do fato de a cabeça ter seu ponto central em
algum lugar do interior, de maneira concêntrica. Já o tronco não possui
seu ponto central no meio da esfera; seu centro está bem afastado.
73
Steiner considera que “os membros estão mais inclinados para o mundo e a
cabeça mais para o ser humano individual” (STEINER, 2015a, p.151), ou seja, os
membros se relacionam com o movimento do mundo por meios das ações,
intermediado pelo tronco e a cabeça, que repousa sobre os ombros e tem a tarefa de
levar para dentro de si o movimento do mundo ao repouso. Essa reflexão do mundo,
que depois parte de dentro para fora, é o que dá origem às sensações.
Mais uma vez, Steiner faz menção ao fato de se ter abolido o conceito de
“espírito” da cultura ocidental como sendo responsável pela falta de compreensão da
entidade humana em sua integralidade, tornando a sociedade cada vez mais
materialista. Eis a justificativa de por que o homem ser cada vez mais impelido para
sua esfera do ego: se lhe tiram o espírito, estão lhe tirando aquilo que dá sentido à
relação do homem com o mundo.
74
[...] quando ele nasce, o espírito de sua cabeça já está muito, muito
desenvolvido, porém dorme; sua alma da cabeça, também muito
desenvolvida, apenas sonha – e só aos poucos ambos deverão
acordar; e em seus membros, por ocasião do nascimento, o homem
está totalmente desperto, porém carecendo desenvolver-se e moldar-
se. [...] nós precisamos desenvolver apenas o homem-membros e uma
parte do homem-tronco. É que o homem-membros e o homem-tronco
têm a tarefa de despertar o homem-cabeça [...]STEINER, 2015a,
p.160)
Ou seja, despertar a parte do tronco que não está em nosso campo de visão
física (alma) e o anímico-espiritual da cabeça por meio da vontade que já nasce, nessa
75
perspectiva, “pronta”. E como educar, pela volição, o bebê que ao nascer não é capaz
de fazer euritmia, ginástica, pintar, desenhar? Ora, Steiner revela que é por meio do
“gênio” da linguagem: “aquilo que enviamos aos órgãos fonadores por meio das
primeiras palavras já se introduz como atividade volitiva no espírito adormecido da
cabeça, começando a despertá-lo” (STEINER, 2015a, p.162). Junto do “gênio” da
linguagem está o “gênio” da natureza: o leite materno, que auxilia no despertar deste
espírito adormecido na criança. Para o autor a natureza educa naturalmente através
do leite materno, sendo esta a primeira educação que a criança recebe. Somente
depois que ela será educada por meio da vontade, da linguagem e da imitação das
ações humanas. Sobre a educação na primeira infância, conclui: “nós efetivamente
não podemos, como educadores e docentes, iniciar muita coisa com a cabeça. Esta
já nos traz o que lhe cabe ser neste mundo ao atravessar o nascimento. Nós podemos
despertar o que existe nela, mas não podemos absolutamente inseri-lo nela” (Idem,
p.164).
Sobre o ensino do ler e escrever, diz:
[...] nós podemos utilizar o que ela própria despertou de seu espírito
na cabeça, a fim de ministrar-lhe a leitura e a escrita da maneira
convencional; mas aí começamos a prejudicar esse espírito da
cabeça, por nossa influência. Por isto eu lhes disse que, num bom
ensino, a escrita e a leitura não podem ser ministradas a não ser que
se comece pela arte. Os primeiros elementos do desenho e da pintura,
os primeiros elementos musicais devem precedê-las, pois atuam
sobre o homem-membros e o homem-tronco, e apenas indiretamente
sobre o homem-cabeça. Não maltratam o homem-cabeça como nós
maltratamos ao ministrar à criança a leitura e a escrita simplesmente
tal como surgiram convencionalmente, de maneira intelectual. (Idem,
p.165)
76
Junto aos tipos de trabalho desempenhados pelo homem, o autor enseja sobre
recuperação e cansaço. Ambas atividades podem ser salutares ou não, tudo depende
da forma e intenção empregadas para tal. Quando o indivíduo trabalha em excesso
com seus membros, tem como consequência uma afinidade bastante grande com o
espírito. De acordo com Steiner, “nós nos tornamos muito espirituais quando
trabalhamos corporalmente em excesso” (STEINER, 2015a, p.185). Isso significa que
o homem precisará se entregar ao espírito para se recuperar, precisará dormir. Mas
essa premissa não se aplica a qualquer atividade. Para que a união com o espírito
aconteça, a atividade precisa ser coerente e imbuída de sentido. Assim, no sono, o
espírito não precisará trabalhar tanto no inconsciente, porque já o terá feito
conscientemente. A sonolência em excesso só vai acontecer àquele que fez o esforço
sem sentido.
Já o trabalho espiritual (ler, pensar) é acompanhado de atividade corporal, isto
é, de matéria orgânica em contínua degeneração interna. Quando o ser humano se
dedica em demasia a uma atividade intelectual, acumula tanta matéria decomposta
que recebe em troca um sono perturbado – a insônia. Steiner comenta que a
sonolência/cansaço também pode acontecer quando um indivíduo lê pensando em
excesso, ou até mesmo quando vai a alguma palestra ou apresentação e precisa se
esforçar para acompanhar o pensamento. Tal como acontece com o trabalho corporal
na atividade com ou sem sentido, no trabalho espiritual também acontece uma
dualidade, que é a atividade pensante contemplativa que ocorre mecanicamente ou
essa mesma atividade acompanhada de sentimentos. Tudo depende do interesse.
Quando há interesse, essa atenção vivifica a atividade torácica não deixando que os
nervos se desgastem exageradamente, irrigando de sangue o trabalho intelectual. O
80
serem trabalhados, mostrando como o ensino pode ser realizado por meio de
imagens. A fantasia, para ele, é um recurso valioso para a compreensão da criança.
O professor é responsável por tornar o ensino estimulante. E como deve fazer isso?
Mantendo, dentro de si, a matéria do ensino viva, impregnada de fantasia; de vontade
ligada ao sentimento.
Steiner filosofa sobre o ideal do professor:
Disso se extrai a ideia de que no ensino existe uma moralidade interior, uma
responsabilidade que o professor assume ao decidir ensinar. Esse entusiasmo moral
pode ser encontrado exatamente no conteúdo explorado nesta última conferência,
pois, ao conhecer e relacionar com o corpo, na entrega espiritual que o ser humano
faz ao Universo, vê-se que.
Por fim, faz uma crítica ao modelo de ensino da segunda metade do século
XIX, que rechaçava o ensino promovido pela fantasia tirando das pessoas a
autonomia e o livre pensar. Frente a tais condutas e, até mesmo de alunos crescidos,
o professor deve acrescentar a coragem em relação à verdade, ou seja, nadar contra
essa corrente. Steiner, então, define as três forças que constituem os nervos da
pedagogia: necessidade de fantasia, senso de verdade e o sentimento de
responsabilidade.
83
3. 1 A primeira conferência
[peixe]. O que você diz ao pronunciar Fisch está neste símbolo (v.
figura à esquerda). Agora, esforce-se para não dizer Fisch, mas
somente começar a dizer Fisch. (STEINER, 2016b, p.11)
A arte como algo inerente ao ser humano surge novamente como assunto na
palestra. Steiner fala sobre a música, que todo ser humano nasce querendo levar sua
própria corporalidade ao ritmo musical, à relação da música com o mundo. A idade
em que mais se observa esta pré-disposição para dança é entre os três e os quatro
anos e, para tal, o autor indica a euritmia. Com isso, a criança seria capaz de superar
o “peso” que reside em seus membros e aos sete anos estaria com disposição para
tudo o que se refere à aprendizagem musical. As artes plásticas e a música são meios
pelos quais se eleva a sensação ao intelecto. Steiner (2016b) orienta sobre o ensino
de modelagem. Na sua opinião, oferecer à criança um modelo para que ela olhe e
realize com as mãos aquilo que vê é benéfico, porque solicita o interesse do ser
humano inteiro: “[...] devemos ter consciência de estarmos elevando a parte inferior
do ser humano ao plano superior, ao ser neurossensorial” (Idem, p.20).
A visão do ser humano em desenvolvimento vem a seguir:
profundamente engajado no que desenvolve com seus alunos, não apenas com o
coração e a cabeça, mas pela criatividade de trazer, da natureza, as analogias que
ela oferece para o alimento do aspecto anímico-espiritual da criança: “O fato de não
mais sermos capazes de sentir junto com a criança, acreditando somente poder
transformar o conteúdo em algo racional em que nós mesmos não acreditamos, é que
nos faz ensinar tão pouco a ela” (STEINER, 2016b, p.23). Compreender de alma para
alma, é disso que o autor fala.
3. 2 A segunda conferência
antipatia. Língua, lábios e palato são órgãos que valem com instrumento da antipatia,
isto é, são capazes de deter as coisas. Segundo o conferencista, as vogais devem ser
entendidas como nuances do sentimento e as consoantes como imitação de coisas
exteriores, como o caso da letra ‘F’ em Fisch [peixe]. A formação da fala pode, ainda,
ser compreendida de outra forma. Ela consiste em uma síntese entre os elementos
musical e plástico no ser humano. Como? Steiner (2016b) explica que o ser humano
cefálico apenas acompanha a atividade entre simpatia e antipatia no tórax. Esse tipo
de simpatia subjacente é o elemento musical que ultrapassou certos limites, são as
vogais. As consoantes é que contém o elemento pictórico, plástico.
Neste ponto o autor faz algumas observações em relação à semântica das
palavras em alemão e em latim, dizendo que as palavras são tiradas de contextos
variados em cada uma das culturas e que “seria pura superficialidade querer
simplesmente compará-las, sendo que a tradução lexicográfica é a pior tradução”
(Idem, p.31). Ele quer dizer que as palavras expressam, com certo tom inconsciente,
o modo de ser das comunidades. Ele usa a palavra em alemão Kopf [cabeça], que se
correlaciona com o ‘redondo’, com a forma para justificar a palavra Kohlkopf [cabeça
de couve]. O alemão, portanto, exprime a forma. Segundo o autor, o romano não o faz
assim, pois ele diz testa25, exprimindo um aspecto anímico, ao fato de que a cabeça
é o elemento que atesta. O que Steiner chama a atenção é ao fato de que a linguística
semântica é extraordinariamente útil à Pedagogia.
Se o professor considerar que a fala aponta algo para íntimo através das vogais
e, para o exterior, através das consoantes, será capaz de compreender que facilmente
se pode desenhar as consoantes, não sendo necessário um “guia” para alfabetizar as
crianças. A criatividade do professor ao produzir suas próprias imagens é o que o
deixará mais próximo das crianças, tornando o ensino muito mais significativo.
Em seguida, Steiner desenrola uma longa explicação sobre a relação da
respiração humana com o Cosmo, para se fazer entender o homem como um ser
25 No livro consta a seguinte nota: “Todo este trecho advém da primeira transcrição estenográfica desta
conferência. O exemplo testa também coincide com as anotações de muitos participantes do curso, as
quais puderam ser comprovadas. Na primeira reprodução impressa constava caput, e prosseguia: ‘Ele
expressa o fato de a cabeça ser o elemento que capta, que compreende.’ E depois, de acordo com
isso: ‘Tomem a palavra caput: ‘a’=respeito. É preciso assimilar e compreender o que outra pessoa
afirma. É na cabeça que esta nuance do sentimento se exprime muito bem quando o caráter de um
povo se defronta com a compreensão.” (N.E. orig.)
90
cósmico. Tudo isso para sensibilizar aos que estavam presentes, na tentativa de
mostrar aos futuros professores a importância de se cultivar um sentimento de
veneração pelo que se revela secretamente em cada ser humano. “Se os senhores
não alcançarem o que faz cada ser humano ser considerado um enigma cósmico, só
poderão obter a sensação de que o homem não passa de um mecanismo” (STEINER,
2016b, p.36). E esse sentimento, segundo o filósofo, só poderá surgir quando se
considerar que o sentir reside no ser humano no período entre nascimento e morte, o
que é relativo à imaginação (pensar) remete-se à vida pré-natal e o que consta na
vontade humana corresponde ao futuro germinal, ou seja, o pós-morte. Esse germe
do pós-morte (querer) é permeado pela simpatia, pelo amor, por isso, na educação
tudo o que estiver a ele relacionado deverá ser acompanhado com este especial
sentimento.
O que isso diz da relação entre professor e aluno? Que o verdadeiro impulso
para a educação volitiva advirá da simpatia que o professor desenvolver em relação
ao aluno. E que a educação do intelecto será bem-sucedida quando houver antipatia.
Não se trata de repulsa, mas de saber situar essa antipatia no convívio com o aluno,
usá-la como uma coisa boa. Steiner (2016b, p.37) fala em fazer um conceito do aluno:
“Ao conceituarem o aluno, ao tentarem penetrar em tudo o que é nuance de seu ser,
os senhores se tornam os educadores, os professores de seu intelecto, de sua
atividade cognitiva”. São as duas coisas pertencentes à atividade educativa que
capacitam o educador: a antipatia o capacita a compreender; a simpatia, a amar.
3. 3 A terceira conferência
palavra humana, e daí a relação com o que ele chama de incoerência entre o elemento
sonoro da poesia e o conteúdo que tal apresenta.
3. 4 A quarta conferência
transmitir às crianças o sentimento de respeito pelo que já foi alcançado por gerações
mais antigas e o que elas deverão alcançar por intermédio da escola. É despertar o
olhar da criança para a cultura ao derredor. Não se trata de fazê-la formar logo um
juízo sobre as coisas, apenas conscientizá-la sobre o que ela está fazendo no
ambiente escolar. Reconhecer que ainda não sabe ler, escrever e contar, mas que vai
aprender na escola, imprime na criança sentimentos de esperança, desejo e intenção.
Steiner fala que não é proveitoso, na educação, introduzir toda sorte de coisas
na aula apenas com a finalidade de acrescentar algo ao ensino. O conferencista usa
o exemplo da atividade lúdica desenvolvida com palitos de fósforo, na qual a criança
faz o contorno de casas e outros objetos.
crianças de maneira que elas, por sua vez, aprendam a atentar ao mundo em redor,
aos seus semelhantes. É este, aliás, o fundamento de toda vida social. Hoje todos
falam de impulsos sociais, mas entre as pessoas existem impulsos puramente
antissociais” (STEINER, 2016b, p.64).
Além de saber qual significado tem para as pessoas a conscientização da
estrutura da linguagem, os professores devem, também, conquistar o sentimento do
quão sábia ela é. Somente o ser humano é capaz de utilizá-la de forma articulada.
Estando consciente de estar à frente dos outros três reinos da natureza, o homem se
conscientiza que seu eu é condicionado por tudo o que constitui a fala. Steiner
relembra, então, que em tempos mais antigos, nos rituais religiosos, seus
representantes entravam em tamanha sintonia com a fala que em alguns momentos
de sua alocução ficavam em silêncio para se comunicar com os seres mais elevados
por meio de gestos eurítmicos. Por isso algumas expressões, quando traduzidas,
soam tão abstratas. É isso o que falta na compreensão da língua: o indivíduo precisa
realmente pensar no que fala. É preciso que o ensino recupere “a viva sensibilidade
para o que reside na linguagem e na sutileza linguística” (STEINER, 2016b, p.67).
Para Steiner, a força do eu aflui para o ser humano por meio da linguagem.
3. 5 A quinta conferência
O professor então diz a criança que, quando um adulto quer representar o que
é banho, escreve a palavra da seguinte forma: BANHO – e explica a criança que esta
é a imagem do que é pronunciado ao se dizer “banho”. Então, orienta que as crianças
copiem a palavra, porque é importante que elas a recebam não só pela visão, mas
pelas mãos, com seu ser inteiro. Feito isso, deve-se chamar a atenção dela à letra
inicial, “B”. A criança deve ser conduzida da pronúncia da palavra inteira à emissão
do som inicial e, assim, o professor explica que “BANHO” é o símbolo da palavra
inteira e que “B” é o símbolo para o som inicial. Depois, convém apresentar outras
palavras que comecem com o mesmo som da “B”.
O princípio que norteia a alfabetização na Escola Waldorf é pautado na
evolução histórica da escrita na humanidade. Steiner estabelece um paralelo entre a
metodologia proposta e a história dos antigos povos contando sobre a escrita pictórica
desenvolvida pelos egípcios que, na transição para a cultura fenícia, evoluiu para o
98
O que Steiner quer dizer é que as vogais devem ser apresentadas de forma
que a criança perceba o que se passa em seu interior, ou seja, na expressão de
sentimentos, conforme foi dito na segunda conferência. Para isso o professor deve
recorrer a formas e figuras que remetam aos gestos destes fonemas e, assim, transpô-
los ao símbolo fonético que os representam. Outro aspecto que pode ser considerado
no ensino das letras, tratando-se da criatividade do professor, é que nem todos os
desenhos precisam ser fidedignos à forma; o importante é tirar do desenho a forma
principal da letra. O exemplo a que Steiner recorre é a letra “D”, na palavra Dach
[telhado]. Se o desenho lembrar a letra “D” na posição horizontal, basta dizer às
crianças que, para conforto do leitor, convencionou-se a escrevê-la na posição
vertical. O ensino da grafia das letras também pode partir dos desenhos de formas
que são desenvolvidos com as crianças na etapa de fundamentação da alfabetização
(geralmente formas fechadas).
Isso não significa que o professor possa começar o ensino partindo da forma
desmembrada da letra que deseja apresentar, por exemplo, usando uma linha reta e
outra curva, ambas na vertical, para chegar à letra “D”. Isto é abstrato e o correto é
partir do concreto, de imagens vivas. “Assim, nós sempre podemos fazer referência
ao ser humano e sua relação com o meio ambiente ao ensinarmos a escrita
organicamente e, com a leitura do que foi escrito, ensinarmos também a ler”
(STEINER, 2016b, p.77). A liberdade docente é algo fundamental na Pedagogia
Waldorf, uma vez que, para tornar o ensino vivo, é preciso que o professor prepare
seu material e aula com todo sua capacidade anímica.
Ainda falando sobre liberdade, Steiner comenta sobre a “não liberdade” que se
experimentava àquela época na escola tratando-se da ortografia. Na Alemanha,
aconteceu de o Estado querer implementar uma ortografia simplificada, o que
significou a perda de particularidades da língua alemã. E o que o ensino perde com
isso? Para Steiner, os indivíduos perdem a capacidade de escrever aquilo que ouvem
da maneira como ouvem e a escrita perde o modo diverso da língua se articular. O
autor inclusive lembra o caso de Goethe, que não era muito capaz de escrever de
maneira ortograficamente correta e, não por isso, deixou de elaborar tamanha obra.
O conferencista reconhece a utilidade da ortografia no sentido de facilitar a
100
comunicação, atribuindo a ela um caráter social; sentimento que deve ser transmitido
aos alunos quando passam do ensino da escrita para o ortográfico. Mais uma vez
pode-se enxergar o sentimento de autoridade na educação do segundo setênio: a
criança aprende as regras ortográficas entendendo que esta é uma convenção
estabelecida por adultos, a quem elas devem respeitar.
3. 6 A sexta conferência
3. 7 A sétima conferência
que ele é perfeito graças a seus membros, e não devido à cabeça. [...]
Não se infundem conceitos morais nas crianças apelando ao intelecto,
e sim ao sentimento e à vontade. Contudo, nós só poderemos apelar
ao sentimento e à vontade se dirigirmos os pensamentos e
sentimentos da criança ao fato de como ela própria só será
plenamente um ser humano utilizando suas mãos para trabalhar em
prol do mundo [...] (STEINER, 2016b, pp.104-106)
3. 8 A oitava conferência
tenha como objeto especial de ensino o modo como o aspecto cultural da humanidade
se desenvolveu.
A segunda indicação do autor ao refletir sobre o currículo é a de que “existe
certa afinidade entre a compreensão dos impulsos históricos na humanidade e a
compreensão dos impulsos físicos naturais no organismo humano” (STEINER, 2016b,
p.113). Steiner referia-se ao ensino de física simples ao lado da história natural para
crianças antes do período da puberdade, portanto, dos dez aos doze anos de idade.
Para o filósofo, explicar o conceito de refração dos raios luminosos utilizando-se de
objetos como a lente, por exemplo, tornaria mais significativa e tangível a
compreensão dos processos físicos que acontecem no próprio homem, como o que
se encontra na constituição do olho humano. O autor então determina que a melhor
época para introduzir o ensino de física e ciências naturais é a partir dos nove anos e
o ensino de história e fisiologia, aos doze anos.
Ainda sobre o ensino da física, diz que não convém ao professor ensinar
abstrações vazias às crianças, mas levar sempre em consideração o desenvolvimento
de conceitos ligados à vida. Da mesma forma, deve estar atento à maneira como
demonstra e explica determinados conhecimentos da física, para que não caia em
contradição, bem como estudar constantemente aquilo que ensina. Em suma, a
disposição existencial apropriada para um professor é aquela na qual seu anímico-
espiritual retrocede à infância, tornando-o capaz de (re)vivificar em si a atividade que
realiza junto de seus alunos. Trata-se da correta atmosfera entre professor e aluno a
qual Steiner tanto valoriza: quando ambos são capazes de se maravilhar diante de um
novo aprendizado.
3. 9 A nona conferência
“Agora imagine não o espaço todo lá fora, onde está chovendo, mas o
prado na primavera”. Conduzam a criança a dizer-lhes a respeito do
prado: “Lá está verdejando”, e só então façam-na passar da frase “Lá
está verdejando” para a frase “O prado está verdejando”. Então levem-
na a transformar essa frase “O prado está verdejando” na
representação mental, no conceito “O verde prado”. [...] Os senhores
apresentarão a ela frases impessoais, as quais só existem
efetivamente num contexto ativo, constituindo sentenças em si
mesmas e dispensando sujeito ou predicado; elas se situam na plena
‘vida conclusiva’ e consistem em conclusões abreviadas. Em seguida
os senhores passarão, se for o caso, a buscar um sujeito: “O prado
está verdejando” – o prado que é verde. Depois passarão a formar
uma frase contendo julgamento. (STEINER, 2016b, p.125)
3. 10 A décima conferência
do ensino de física e química. O ensino de história também chega nesta etapa, bem
como o ensino de geografia, o qual Steiner orienta poder vir sendo trabalhado ao longo
dos anos por meio de outras disciplinas. A geografia é uma matéria que facilmente
pode estar relacionada às outras, na medida em que se confeccionam mapas,
descreve-se paisagens e etc.
O ensino de música é pensando de forma bastante organizada. Para que as
aulas não incomodem as salas que necessitam de silêncio, Steiner propõe que as
aulas de desenho e pintura sejam ministradas no período da manhã, enquanto as de
música ficam para o fim de tarde. A organização do espaço é pensada para que uma
coisa possa coexistir com a outra. Dessa forma, discutia-se a estruturação do horário
e espaço para o trabalho pedagógico.
Tendo estabelecido um ensino fundamental em três etapas, Steiner comenta
sobre progressão dos alunos entre os anos escolares. A condição ideal, segundo o
autor, é fazer “com que a limitação entre as séries escolares, dentro das etapas, seja
menos incisiva do que na passagem de uma etapa a outra” (STEINER, 2016b, p.137),
ou seja, a retenção de alunos só deveria ser aplicada na transição de uma etapa para
a outra porque respeitar o tempo de desenvolvimento do aluno é fundamental na
Pedagogia Waldorf.
Mais uma vez pensando no contexto de inauguração da escola, quando
receberiam crianças e jovens das mais diversas origens, Steiner faz algumas
colocações acerca do método de ensino e formas de abordagem em sala de aula. Em
relação às línguas estrangeiras, orienta que se deva passar a praticar conversação o
mais rápido possível, cabendo ao professor melhorar ou, no máximo, dirigir a
conversa. Fazer uma sondagem a fim de descobrir qual o repertório poético e literário
dos alunos é também importante, já que este subsidiará, também, as aulas de
gramática e sintaxe. No ensino de línguas estrangeiras o professor deve evitar ler
textos fazendo com que as crianças acompanhem a leitura nos livros. A atitude mais
acertada é recorrer a narrativas orais, pois importa mais que os alunos aprendam
ouvindo e não lendo. A lição de casa desta disciplina é que se encarrega da prática
de leitura, enquanto a composição escrita compete à sala de aula. Por falar em
composições, no ensino de línguas em geral, Steiner entende que a redação de
cartas, comunicações comerciais e afins e o cultivo da narrativa (de coisas vivenciadas
111
realizadas nas demais disciplinas. Esta era a tarefa à qual a Escola Waldorf se
propunha naquele momento e, para tanto, o autor descreve algumas situações de
ensino que se tornariam úteis aos professores do curso.
Primeiramente, os presentes são lembrados de que mesmo sem a devida
maturidade, alguns assuntos podem ser apresentados às crianças sob a forma de
narrativas, imagens e afins. O ensino de mineralogia, por exemplo, pertence à última
etapa de ensino. No entanto, a descrição de minerais pode muito bem fazer parte do
ensino na etapa anterior, bem como todos os aspectos relacionados à superfície da
Terra.
imagem global da Terra, contudo, vale apenas suscitar a ideia de que existem os
continentes e oceanos. Depois, aos doze anos, todo aquele conhecimento acerca da
localidade (envolvendo paisagem e economia) deve ser trazido, de forma resumida, à
criança para que conheça melhor o resto do mundo. Daí adentrar ao ensino geográfico
de caráter mais social, abarcando a cultura dos povos de cada uma das regiões
terrestres (no entanto, Steiner recomenda que este tópico seja abordado apenas um
semestre após o início do ensino de história).
Ao mesmo tempo em que o ensino de geografia reúne em si uma síntese de
todas as disciplinas, desperta também a oportunidade de que dele se retire outras
boas ideias de trabalho pedagógico. Steiner cita como exemplo a pintura: se, ao contar
para as crianças como é que os japoneses pintam seus quadros, por que não
desenvolver com elas a mesma técnica artística? Da relação entre agricultura e vida
humana pode-se tirar a oportunidade de oferecer às crianças o manuseio do arado,
da grade para lavoura, ou seja, fazer com elas nos jardins da escola uma atividade
repleta de sentido, pois “a habilidade prática é a relação da criança com a vida do
mundo [...] É muito melhor fazer a criança executar coisas que realmente ocorrem na
vida do que inventar outras que não acontecem” (STEINER, 2016b, p.153). A relação
jurídica entre os povos também pode ser trabalhada de forma superficial com as
crianças.
O último tópico abordado nesta palestra refere-se à estrutura do currículo de
ensino por épocas. Steiner determina que, tendo aprendido a escrever e depois a ler
(lembrando que na Escola Waldorf as crianças têm uma aula principal com duração
de quase duas horas), as crianças devem se ocupar de apenas um assunto por um
longo período.
Para Steiner, o primeiro ano ainda não seria o período ideal para que se
começasse a conceituar, por exemplo dizer o que é vogal e consoante. Entretanto, a
possibilidade de a escola receber uma visita de inspeção o fazia ceder a determinadas
recomendações, principalmente para que se evitasse um julgamento errôneo da
concepção de ensino antroposófica. Ao falar do ensino de classes de palavras, o autor
orienta que não se invente toda sorte de métodos artificiais. Quando possível fosse, o
professor deveria relacionar o conceito da palavra àquilo que ela é, como no caso do
verbo que expressa uma ação. No caso do artigo, a abstração seria um recurso
necessário. O sentimento de alívio que o conferencista tinha em relação às
concessões era o de que, ao menos, na prática Waldorf, as práticas artísticas estariam
presentes, garantindo a formação da vontade.
118
3. 15 As palavras finais
4. 1 O primeiro colóquio
A primeira tarde do curso de 1919 talvez seja a mais relevante dentre todas as
outras que se seguiram. Neste primeiro colóquio, Steiner traz a questão dos
temperamentos infantis como objeto de uma nova psicologia e prática pedagógica.
Para dar início à explanação sobre os temperamentos, Steiner pede aos professores
que não tenham em mente, a princípio, a quantidade de alunos na sala de aula. A
grande questão a ser levada em conta é heterogeneidade das crianças que ali estarão.
Essa diferença de comportamento e índole, na Antroposofia entendida como
temperamento, pode ser reduzida a quatro tipos: melancólico, colérico, sanguíneo e
fleumático. E de onde vem esta compreensão? Como vimos, na ciência espiritual
considera-se a composição quadrimembrada do ser humano distinguidos pelos
corpos físico, etérico, astral e do EU. Naturalmente, quando o ser humano nasce nada
disso se encontra plenamente desenvolvido e na harmonia preestabelecida pela
ordem cósmica. Isto quer dizer que um destes quatro elementos acaba prevalecendo
sobre os demais e, aí, encontra-se o papel da educação e do ensino: possibilitar a
harmonização destes quatro membros.
O temperamento melancólico é aquele no qual existe predominância do EU. A
criança tende a ficar ruminando as ideias, “cismando interiormente”, não sendo fácil
chamar sua atenção para as impressões do mundo exterior. “Elas ficam calmamente
fechadas em si, mas nunca temos a impressão de elas estarem, de fato, interiormente
desocupadas: parecem estar, no íntimo, em plena atividade” (STEINER, 2015b, p.15).
As crianças coléricas são aquelas que manifestam sua vontade por uma espécie de
destempero furioso, são os casos onde há predominância do corpo astral. Aquelas
crianças que se interessam rapidamente por algo e logo em seguida perdem o
interesse, são crianças onde o corpo etérico predomina, é o temperamento chamado
sanguíneo. Por último, temos as crianças que passam a impressão de estar, em seu
íntimo, completamente desocupadas e sem qualquer manifestação de interação com
o mundo exterior, revelando a predominância do corpo físico sobre elas no chamado
temperamento fleumático. Steiner reitera existem outras características que revelam
122
[...] deveremos ter na consciência que mostrar algo que precisa ser
observado é diferente de emitir um julgamento a seu respeito. Ao emitir
um julgamento, devemos dirigir-nos a um grupo diferente do que ao
mostrar algo. Se apresentarmos algo destinado a atuar especialmente
sobre os sentidos, deveremos dirigir-nos com especial atenção ao
grupo sanguíneo. Ao tecer uma reflexão a respeito do que foi
observado, deveremos dirigir-nos às crianças melancólicas. Detalhes
mais precisos serão dados mais tarde. Contudo, é necessário
adquirirmos a habilidade para dirigir nossas palavras e apresentações
cada vez a grupos diferentes. Com isso conseguiremos que um grupo
preencha a lacuna de outro [...] os grupos se complementam,
aprendem um do outro, intercambiam interesses. (STEINER, 2015b,
pp.15-16).
Isso não quer dizer que o professor deva gastar horas preparando a sua
abordagem, mas que deve se fortalecer para elaborar animicamente o trabalho
pedagógico. Steiner então propõe aos presentes que respondam como estes
temperamentos se manifestam nas crianças e qual a melhor forma de se lidar com
cada um. Ao falar sobre “lidar”, Steiner (2015b, p.16) diz que “o pior método para se
lidar com um temperamento é cultivar na criança, de certa maneira, as qualidades
opostas”, ou seja, o correto é ir ao encontro do temperamento procurando os
elementos adequados para contornar a situação. O ideal para uma criança colérica
123
em um ataque de fúria não é pedir para que se acalme, mas deixar que ela esgote
livremente sua fúria (e o autor reconhece que esta não é uma tarefa fácil). Outro
exemplo interessante é com a criança fleumática. Quando o professor encontra
acesso à sua falta de participação não deve exteriorizar esse interesse interior, ou
seja, deve procurar parecer isento. É o comportamento docente oposto no trato com
a criança colérica, quando o professor a observa com sangue frio enquanto ela se
enfurece. Isso não quer dizer que o professor deva ignorar seu mau comportamento,
mas que deve esperar o momento mais oportuno para conversar com a criança e
calmamente condenar sua atitude desmedida.
Steiner desenha um esquema para ilustrar como os temperamentos podem ser
opostos, tornando-se polos e os vizinhos que acabam se interpondo. Assim, esboça
um modelo de organização dos grupos na sala de aula “ao reunir um grupo fleumático,
os senhores deverão opor-lhe o colérico, estabelecendo entre eles os dois outros – o
melancólico e o sanguíneo” (STEINER, 2015b, p.19).
4. 2 O segundo colóquio
Os temperamentos não devem ser conceitos rígidos e bem definidos. Com este
exemplo da biografia humana o autor procura mostrar que “na realidade, tudo se
interpenetra [...] Assim, uma criança colérica é apenas predominantemente colérica,
e uma criança sanguínea, predominantemente sanguínea. A oportunidade para
alguém ser totalmente colérico só se oferece na adolescência”. Então o autor vai um
pouco mais longe e fala sobre a sociedade no geral. As realizações no âmbito cultural
geralmente são realizadas por pessoas que mantiveram um espírito mais juvenil, ou
seja, sanguíneo. No campo econômico, as melhores decisões são aquelas baseadas
na experiência, no espírito senil – a característica do fleumático. À carreira docente,
Steiner considera importante que se conserve um pouco da disposição infantil, “poder
tornar-se sanguíneo por decisão” (STEINER, 2015b, pp.34-35).
129
4. 3 O terceiro colóquio
4. 4 O quarto colóquio
baratos, e não o giz, para quebrar e indicar quantidades. Depois, o autor fala que a
soma é uma operação característica das crianças fleumáticas. Referindo-se ao
método de adição que parte da soma para as partes, Steiner recomenda que este
caminho seja feito com as crianças fleumáticas, utilizando-se feijões ou sementes. O
caminho inverso (das parcelas para a soma) deve ser feito pelas crianças coléricas.
Às crianças melancólicas reserva-se a oportunidade de fazer a subtração e, assim,
consequentemente, pede-se às sanguíneas que façam o caminho inverso. Steiner vai
mostrando aos professores que o ponto de partida será a adição, em seguida,
subtração, multiplicação e divisão. Todas as operações realizadas de maneira
concreta e partindo do todo para as partes. Os quatro temperamentos têm afinidade
com as quatro operações: “a soma é afim ao fleumático; a subtração, ao melancólico;
a multiplicação, ao sanguíneo; e a divisão, voltando ao dividendo, ao colérico”
(STEINER, 2015b, p.47). Para encerrar o assunto, Steiner recomenda que o ensino
não assuma um caráter tedioso, melhor será se as quatro operações forem logo
apresentadas e colocadas em prática.
Um professor indica que talvez fosse interessante começar com a
estereometria (cálculo do volume dos corpos sólidos). O filósofo rejeita a indicação
dizendo que a criança sente dificuldade em ter uma visão global do espaço. Por esse
motivo, melhor que se inicie com as formas planificadas. “A criança tem uma visão
fortemente bidimensional, sendo violentada quando tem de passar à terceira
dimensão, à profundidade” (STEINER, 2015b, p.47). Não é adequado que ela use a
fantasia para representar um corpo sem que esteja munida de elementos para tal
representação.
Surge mais uma questão referente aos desenhos de formas. Steiner
recomenda que, para crianças sanguíneas, sejam oferecidas formas que incentivem
a repetição. Para as melancólicas, algum objeto de reflexão como uma forma mais
complexa onde a criança poderá pintar primeiro dentro, depois desenhar a mesma
forma e pintar de forma inversa. É preciso movimentar a fantasia.
Sobre a narração de contos, Steiner observa que “seria bom o professor
acostumar-se a falar numa linguagem bem articulada, levando a criança a sair do
dialeto”. Quando a narrativa deseja atingir aos fleumáticos, o autor propõe que se use
o truque “da surpresa e da curiosidade”, isto é, o professor deve fazer pequenas
131
4. 5 O quinto colóquio
entende que a melhor saída é sempre provocar nos alunos sentimentos que os façam
recuar de atitudes ruins. Além do bom humor, manter a calma e serenidade também
são aspectos fundamentais de um professor que soluciona conflitos.
4. 6 O sexto colóquio
O sexto colóquio tem início com a repetição dos exercícios fonéticos do dia
anterior e apresentação de mais alguns. A discussão pedagógica vem logo a seguir,
quando Steiner passa a falar sobre a leitura de textos em prosa e poesia. Partindo da
leitura de uma fábula, as primeiras observações do autor são as de que os textos
podem ser lidos com diversas entonações e que não se deve enfatizar o título daquilo
que será lido. Segundo Steiner, a leitura de “um texto em prosa ou uma poesia deve
atuar sobre a alma de modo que esta se alegre com a impressão recebida”, portanto,
o professor que lê textos a seus alunos, ou o lê junto com eles “explicando-o em
seguida de maneira pedante” estará arruinando conteúdo deste texto em relação aos
sentimentos e emoções dos alunos. Para que a criança se sinta preenchida pela
leitura é preciso que compreenda instintivamente o que está contido no texto, ou seja,
“uma compreensão pelo sentimento”. E como proceder de forma correta? O autor
aconselha aos professores que, antes da leitura, expliquem e forneçam todos os
elementos que possam contribuir para a compreensão do texto, garantindo que, desta
forma, “o prazer e a satisfação da criança aumentam” (STEINER, 2015b, p.65).
Então Steiner faz uma longa explicação, mostrando como falaria com seus
alunos sobre cães e seres humanos, fazendo comparações e citando algumas
situações com ambos para, depois, ler uma história sobre um cão pastor. A ideia é
que se crie um momento de conversa com as crianças antes da leitura. Dessa forma,
não será necessário fazer explicações após a leitura e, assim, cada criança acolherá
a história de uma maneira, levando consigo suas interpretações e ressignificações. É
a maneira de deixar a fantasia continuar a trabalhar, mesmo depois do horário escolar.
O segundo tópico do colóquio trata, mais uma vez, da questão comportamental
dos alunos. Steiner havia solicitado aos presentes, no último colóquio, que pensassem
em uma maneira de lidar com os alunos santinhos e bem-comportados. O autor refere-
se àqueles “que sempre se colocam à frente por sua aparente ‘santidade’ e aplicação,
134
mas que não atuam em prol da classe”. Steiner lembra que não se deve, de maneira
alguma, expor as crianças diante da classe e, mais uma vez, recomenda a contação
de uma história para a toda a turma. Também recomenda que o professor distribua
tarefas entre esses alunos para reconhecer quais deles ali realmente estão dispostos
a ajudar o restante da sala: os “falsos” ajudantes logo mostrarão as caras. Um cuidado
que o professor deve ter é o de não incentivar em excesso aqueles alunos mais
dotados, sob o perigo transformarem o dom natural maior em egoísmo ambicioso.
Deve-se trabalhar no sentido de incentivá-los a compartilhar seus conhecimentos,
fazendo de seu dom algo proveitoso para todos do grupo-classe. Quanto aos
sabidinhos, o filósofo indica duas medidas: “[...] ter uma conversa não diante da
classe, mas a sós, de modo que eles percebam terem sido descobertos” e “[...] impor-
lhes tarefas superiores às suas forças, procurando deixar bem claro que ele deve
executá-las apenas por querer exibir-se” (STEINER, 2015b, pp.73-74).
Encerra-se o colóquio com a tarefa de se pensar o que fazer no caso de alunos
que desenvolvem uma admiração exaltada pelo professor ou professora.
4. 7 O sétimo colóquio
26 Expedições militares organizadas entre 1095 e 1291 pelas potências cristãs europeias, com o
objetivo declarado de combater o domínio islâmico na chamada Terra Santa, reconquistando Jerusalém
e outros lugares por onde Jesus teria passado em vida.
136
4. 8 O oitavo colóquio
de dieta e, caso não ajude, diz que pode ser positivo se a criança passar as primeiras
horas do dia de estômago vazio, para as aulas de alfabetização.
Ressalta, porém, que esta seria uma medida temporária e que dependeria
muito da colaboração dos pais. Para Steiner, as aptidões estão intimamente ligadas
aos hábitos alimentares das crianças.
4. 9 O nono colóquio
4. 10 O décimo colóquio
Mais tarde, quando você tinha seis ou sete anos, sua vida anímica o
capacitou a ir à escola, e a sentir em sua alma todas as alegrias que
a escola trouxe”. Então se deixa bem claro ao mostrar-lhe uma
samambaia, uma gimnosperma: “Veja, estas ainda não têm flores. Sua
alma era assim antes de você entrar para a escola. Agora, porém, que
você está na escola, penetrou em sua alma algo que se pode
comparar à planta ao florescer”. (STEINER, 2015b, p. 132)
141
Vivências ao surgir a
Samambaias
autoconsciência:
um resumo do estudo sobre botânica e surge uma polêmica: como tratar da educação
sexual? Steiner posiciona-se com bastante cautela, dizendo ser uma questão
complicada e indagando, então, quem deve ministrar o ensino, como o deve fazer e
em qual ocasião (talvez a disciplina de biologia)? O autor acredita que se o ensino
fosse dado de maneira correta, a solução estaria ali, diante de todos. Por isso aposta
na explicação do processo de crescimento das plantas como recurso casto e puro
para assunto tão debatido pela sociedade.
usar como meio o cálculo de juros. O filósofo, então, faz a demonstração das fórmulas
citando maneiras de explicá-las aos alunos. O objetivo é partir do conhecimento que
as crianças já possuem para fazer a conversão de números para letras, tornando as
fórmulas mais evidentes e concretas a elas.
“Nós aprendemos que uma soma 25 era igual a 8 mais 7, mais 5, mais
5, ou seja: 25 = 8 + 7 + 5 + 5”. Isso a criança já havia compreendido
antes, não é verdade? Depois dessa explicação, os amigos podem
dizer-lhe: “Aí (no lugar de 25) poderia estar outra soma, e aí (no lugar
de 8, 7, 5, 5) poderia haver outros números, podendo-se dizer também
que poderia haver ‘qualquer’ número. Pois bem, suponhamos que aí
houvesse, por exemplo, um S, uma soma; e ali houvesse a + b + c +
c. Porém se o c estivesse no lugar do primeiro 5, também deveria
figurar no lugar do segundo 5. (STEINER, 2015b, p.145)
dos povos. O filósofo pede que os professores se atentem durante as aulas para que
deixem claro aos alunos as diferenças que existem entre os movimentos migratórios:
os casos onde a terra já estava ocupada e os casos onde não havia ocupação. É
igualmente importante esclarecer a diferença entre os sistemas políticos, como por
exemplo a mudança de reino para estado. Fala-se também sobre a expansão do
Cristianismo entre os germanos.
Das orientações sobre o ensino de música, aconselha-se a deixar os alunos
menos adiantados em contato com aqueles que já dominam os exercícios mais
elaborados. Assim também deve acontecer com o desenho e a pintura, evitando-se,
sempre que possível, fazer uma divisão das turmas por níveis. Para o ensino de
línguas, Steiner recomenda o trabalho com poesias até o quarto ano, passando para
o lírico e o épico, bons textos em prosa artística e cenas dramáticas a partir dos doze
anos.
O último assunto trata de uma questão bastante pertinente no âmbito escolar:
são os boletins de avaliação. Steiner os considera dispensáveis considerando que o
aluno permanece na escola, só seriam necessários, então, caso o aluno a deixasse
por definitivo. Reconhece que os pais e responsáveis precisam acompanhar o
desenvolvimento dos alunos, mas entende que muito mais proveitoso seria se o
professor aproveitasse o seu tempo para ajudar aqueles com dificuldade em vez de
ficar anotando em sua caderneta tudo o que acontece em sala de aula. Isso, no
entanto, não significa que os pais não serão comunicados sobre o rendimento de seus
filhos. O autor também orienta que os trabalhos avulsos devem ser avaliados de forma
livre, sem obedecer a esquemas determinados. As avalições gerais, portanto, só
serão úteis para comunicações aos pais e às questões burocráticas exteriores.
Tendo consciência de que ainda haveria muito a ser dito, Rudolf Steiner reserva
o último dia do curso para fazer um apanhado geral de tudo o que fora exposto e
discutido a fim de nortear o currículo da Escola Waldorf Livre. O ensino estruturado
de acordo com o desenvolvimento do ser humano em formação, deve levar em conta
146
a conexão de um assunto a outro, fazendo com que o trabalho pedagógico siga uma
linha coerente no decorrer dos anos.
Para o primeiro ano, fica estabelecido o objetivo geral de que a criança deve
ser capaz de escrever de maneira simples e estar familiarizada com textos impressos.
A partir de narrativas de contos de fadas, serão incentivadas reproduções orais,
incentivando a passagem da fala popular para a linguagem mais erudita e, insistindo
na pronúncia correta, semeando o fundamento para a ortografia correta. A linguagem
pictórica por meio de formas será introduzida paralelamente às narrativas, sendo
trazidas às crianças formas simples, redondas e angulosas, alinhadas às produções
artísticas com tinta. Dessa forma, trabalham-se as cores e suas combinações. O
processo de alfabetização é permitido, então, desta maneira, do desenho à escrita,
como foi amplamente discutido ao longo do curso. As aulas de canto têm como
objetivo desenvolver tanto a sensibilidade acústica quanto a articulação dos órgãos
da fala. Em relação ao ensino de geografia, que não é posto para o primeiro ano, o
professor deve procurar desenvolver as bases deste ensino, despertando nas
crianças o interesse pelas redondezas da localidade onde vivem.
Para o segundo ano, prevê-se a continuidade das narrativas e sua reprodução
oral. A criança deve desenvolver a escrita aos poucos, reescrevendo as narrativas e
assim tornando-se capaz de registrar aquilo que lhe é ensinado sobre os animais,
plantas, florestas e prados das redondezas. A gramática deve ser apresentada,
trazendo uma noção das classes de palavras e, consequentemente, desenvolver a
elaboração de frases.
O terceiro ano será, em essência, uma continuação do segundo no que se
refere à linguagem, leitura e escrita. Cabe a esta etapa “ampliar a habilidade de
formular por escrito o que foi visto e lido”. Deve-se provocar na criança a sensibilidade
consciente para a pronúncia de sons breves e longos dando a ela uma noção “das
espécies de palavras, dos componentes e da construção de uma frase, ou seja, da
colocação de sinais de pontuação – vírgula, ponto, etc.” (STEINER, 2015b, pp.162-
163).
Dando sequência ao que foi proposto no terceiro, o quarto ano continua a
aperfeiçoar o trabalho com a linguagem. São inseridos os poemas, dentre os quais as
crianças devem se atentar ao ritmo e a essência, bem como a redação de cartas de
147
***
CONSIDERAÇÕES FINAIS
A leitura da trilogia A arte da educação (2015a, 2016b, 2015b) nos revela que,
para uma compreensão mais aprofundada da cosmovisão antroposófica e sua
aplicabilidade pedagógica, deve-se considerar o estudo de outras obras28 da produção
steineriana, tidas como elementares. São obras concebidas no período entre 1886 e
1910, época em que Rudolf Steiner elaborou e fundou a Antroposofia.
Ao desenvolver essa forma de observar e entender o mundo e o ser humano,
Steiner colocava-se em posição oposta ao movimento científico racionalista da época
apresentando a realidade em outros planos além do físico, que é percebido pelos
sentidos humanos em uma observação comum. A Ciência Espiritual admite, então, a
existência de “entidades e processos mentais e psíquicos que são tão possíveis de
serem captados quanto é possível captar a realidade física circundante”
(ROMANELLI, 2015, p.50) e, para isso, apresenta uma teoria do conhecimento,
fundamentada no desenvolvimento dos níveis de consciência do ser humano, na
tentativa de se chegar a perspectiva da realidade espiritual.
28 Em ordem cronológica: O método cognitivo de Goethe (1886), Verdade e Ciência (1891), A filosofia
da liberdade (1894), Teosofia (1904), O conhecimento dos mundos superiores (1909) e A ciência oculta
(1910).
29 DURAND, Gilbert. O Imaginário – ensaio acerca das ciências e da filosofia da imagem. Tradução de:
MORIN, Edgar. Ciência com Consciência. Rio de Janeiro: Ed. Bertrand Brasil, 1998.
151
30
By individualisation is meant the appropriate integration of general concepts into specific percepts
(since their generality is restricted in its expression to an individualised form), and by generalisation is
meant the active bringing to expression and cognitive apprehension of conceptual contexts with their
own inherent lawfulness (since the individual thought-act is integrated into the general thought-context).
These two forms of learning are mutually dependent, for the permeation of a percept by a concept
152
education, and need to be learned and retained. It lies rather in the fact that representations give no hint
to consciousness of their cognitive origins, namely, the mind’s own activity in productively combining
percept and concept. Epistemologically speaking, they suppress our participation in the construction of
reality, thus casting our conscious experience in the mould of subject-object dualism. Consciousness in
representation-mode construes the world as something opposite to its own being - an entity set apart in
principle.
153
32 It is the dispositional and conditional abilities which are formed in this active constituting of reality. In
this sense, then, the aim of learning in Waldorf education is the formation of dispositions and conditions.
154
professor de classe, que acompanha a mesma turma por todo ensino fundamental,
tem a chance de revisitar o ensino com uma nova roupagem a cada ano. Dessa forma,
o despertar de cada aluno para determinado assunto também é respeitado. A
autonomia docente é extremamente valorizada e encorajada.
O professor, aliás, é visto como o grande realizador da pedagogia. Segundo
Lanz (2016a) deve possuir três qualidades na composição de seu ser para que se
caracterize como professor Waldorf: a primeira é um conhecimento profundo da
natureza humana segundo a visão antroposófica; a segunda característica é ter o
amor como base do comportamento social em relação aos alunos, e por fim, possuir
qualidades artísticas – não necessariamente referentes à capacidade estética como
trabalhos desenvolvidos por pintores, artistas e músicos, mas sim possuir a
maleabilidade da fantasia e da criatividade. O dever do exercício da autoeducação é
importantíssimo e constante: deve estar sempre em busca de equilíbrio para se tornar
uma figura digna de imitação e admiração, mantendo, além do desempenho mental
afetivo, uma postura moral.
Deve ainda ter consciência de que sua tarefa pedagógica assume um
compromisso não apenas com o indivíduo, mas com a sociedade no geral. As
ferramentas básicas para a prática docente são a imaginação, a inspiração e a
intuição. A formação de professores também é algo muito particular dentro da
concepção pedagógica antroposófica. São cursos de imersão, geralmente oferecidos
em módulos distribuídos ao longo de quatro anos que não se rendem ao reducionismo
intelectual, mas abarcam a visão ampliada do pensar, sentir e querer no trabalho com
ciência, atividades criativo-artísticas e desenvolvimento pessoal – o desenvolvimento
do pensar. O sistema de auto governança é outro ponto distinto da Escola Waldorf
que em grande parte envolve o comprometimento do corpo docente.
A complexidade, abrangência e extensão da trilogia de Steiner nos permite
fazer diversos apontamentos além destes que já fizemos. No entanto, voltando àquela
inquietação inicial enquanto professora da área de linguagem, existe um detalhe
amplamente explorado pelo autor no decorrer de sua obra que talvez tenha me saltado
mais aos olhos: a relação do ler e escrever e o lugar da alfabetização na Pedagogia
Waldorf. A renovação da arte pedagógica proposta pelos volumes II e III da trilogia
vem recheada de pressupostos metodológico-didáticos acerca do ler e escrever.
156
Steiner entende a escrita e a leitura como grandes realizações humanas, como uma
convenção da linguagem. Não é algo inerente a natureza humana, por isso o processo
de alfabetização é encarado com tanto cuidado na Pedagogia Waldorf. Como já
falamos extensamente sobre o processo de aprendizagem, apontaremos aqui as
questões que dizem respeito ao método e à maturidade para o ensino do ler e
escrever.
Como vimos, a antropologia antroposófica reconhece a importância do
desenvolvimento físico, anímico e espiritual do ser humano em formação. Até mais ou
menos os sete anos de idade, existe um dispêndio de energia maior para o preparo
da condição física da criança que evidencia sua completude na troca dos dentes e em
um desenvolvimento neurológico e sensorial que tem sua expressão no domínio
corporal, na linguagem oral, na fantasia e na capacidade do pensar. Isso explica
porque a alfabetização, que é uma atividade mais ligada ao intelecto, é introduzida
apenas nesta fase. A tarefa da criança no primeiro setênio, então, é ter essas
capacidades desenvolvidas de maneira prazerosa no brincar e nas atividades que
priorizam o movimento.
A linearidade e coerência da alfabetização se dá, desse modo, por meio da
história da escrita. Steiner acredita que, assim como na história da humanidade, na
qual a tradição oral foi, aos poucos, sendo substituída pelo desenho e, posteriormente,
pela escrita, a criança deve “refazer” este caminho evolutivo para que compreenda e
internalize a função da escrita. O primeiro setênio, ou o período da Educação Infantil,
é tido como espaço de desenvolvimento da oralidade por meio de narrativas orais,
poesias, canto e música. A única comunicação material que a criança realiza nesta
fase é incentivada na sua maneira mais natural de expressão: o desenho e a pintura.
No primeiro ano é que se inicia o processo de alfabetização de fato e, na medida em
que as crianças são apresentadas às letras, são introduzidas também ao desenho de
formas.
O desenho de formas é uma particularidade da Pedagogia Waldorf
desenvolvida ao longo de todo o ensino fundamental.
FALA
1) O elemento vocálico, como sentimento de si próprio.
2) O elemento consonântico, como consciência e imitação do mundo.
3) A gramática, como consciência de linguagem em sua estrutura.
4) A estilística, a métrica poética, como aquisição de instrumentos para
bem se expressar.
ALFABETIZAÇÃO
1) Desenhar, escrever – treino da própria vontade (motricidade).
2) Vivência estética e leitura da própria escrita (sentimento).
3) Leitura de outras escritas – observação, intelecto.
OBRAS CITADAS
LANZ, Rudolf. A pedagogia Waldorf: caminho para um ensino mais humano. 12ª ed.
São Paulo: Antroposófica, 2016a.
STEINER, Rudolf. A arte da educação I: o estudo geral do homem, uma base para a
Pedagogia. Tradução de Rudolf Lanz e Jacira Cardoso. 5ª ed. São Paulo:
Antroposófica, 2015a.
162
OBRAS CONSULTADAS
ECO, Umberto. Como se faz uma tese. 15ª ed., tradução de Gilson Cesar Cardoso
de Souza. São Paulo: Editora Nova Perspectiva, 2000.