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OPINIÃO

por | EDUARDO DE OLIVEIRA FERNANDES*

“Mas a mensagem aqui e agora não é para desvalorizar o


RSECE que bem precisa de ser mais exigente para acompanhar
os objectivos que se anunciam para a EPBD que ai vem. Antes
preocupa por em evidência os valores que subjazem ao RCCTE e
o potencial deste como regulamento do futuro para Portugal”.

Revisão da Regulamentação dos Edifícios


em Portugal: RCCTE, RSECE e SCE

É
bom que num tempo em que o conhecimento evolui muito lizados de aquecimento e muito menos com sistemas ou aparelhos Outra coisa é o nível da sempre necessária ventilação, não necessa- permutador acima referida. Num edifício dever-se-á distinguir entre a
rapidamente, nomeadamente, no que respeita ao ambiente de arrefecimento. riamente em níveis muito elevados na habitação, a menos que haja energia que o edifício usa para desempenhar a sua função enquanto
interior e a energia nos edifícios, haja oportunidades de ir revendo A experiência da Parque Expo mostrou que o nosso clima, apesar de fumadores e que não esteja excluída a presença de fungos e humidades edifício e os outros usos de energia que, tendo lugar habitualmente
a legislação, sem rupturas nem contradições. Entristece sempre ver a tudo, requer algum aquecimento no Inverno mas não de arrefecimento e não seja cuidada a exaustão de gases provenientes de queima no dentro de edifícios, não são inerentes nem definidores da qualidade
forma algo negativa ou negativista com se apreciam os Regulamentos, mecânico, dito ar condicionado, a menos que se esteja em presença interior. Ventilação que poderá ser intensificada em determinados da arquitectura nem da construção. A energia consumida na cozinha
mesmo por parte de personalidades que obtiveram o reconhecimento de mau projecto de arquitectura. períodos do dia e do ano por abertura estratégica das janelas também ou na água quente sanitária ou no audiovisual não tem nada que ver
da sociedade. Não se valoriza o que os regulamentos significam como Chegados aqui é necessário clarificar dois conceitos: o do conforto por razões de conforto térmico e que se impõe sempre que houver com o edifício. Esta separação é essencial que seja feita. Quando os
ponto de encontro entre o avanço do conhecimento e a capacidade térmico e do que significa energia ‘nos edifícios’ para evitar cair no a previsão de fumadores. A recente legislação sobre o banimento da alemães diziam em 1987 que seria possível reduzir de 80% a energia
de um país em responder aos desafios. Se aqueles que a sociedade diálogo de surdos. actividade de fumar em lugares públicos não abrange residências mas para o aquecimento nos edifícios na Alemanha queriam dizer que
reconhece como mais capazes caem na via fácil de criticar, enquanto O conforto é um parâmetro complexo cuja definição se identifica com é nesta sede, em sintonia com as orientações da OMS e da DG Sanco seria possível projectar e construir edifícios com 30kWh/m2.ano na
outros com responsabilidade pública os ignoram e desprezam na a de saúde. A OMS define saúde como um estádio de bem-estar que se devem resolver problemas que a saúde detecta em fim de Alemanha para o aquecimento. Ora isso já está a acontecer. Esta deve
primeira oportunidade, só nos podemos sentir tristes. E avançar. Mas psicológico e fisiológico. É evidente que se houver doença não há linha. A ventilação é a solução final para qualidade do ar interior. Mas ser a nossa base de raciocínio. Por muito que custe há que reconhecer
avançar não enquistados em esquemas mais ou menos redutores e bem-estar. Mas se não houver doença, a definição acima identifica-se se não se cuida de banir ou reduzir a intensidade das fontes, o recurso que nós partimos de uma base de muito baixos consumos nos edifícios
seguidistas de soluções estranhas à nossa cultura. Haja pois, neste com o conforto que relativamente ao ocupante de um edifício deve à ventilação em excesso poderá ter um preço em uso de energia que, habitacionais e que nesta matéria, o SCE mais do que induzir a redução
processo, que parece trivial, demasiado confinado e técnico, que ter comportar o conforto acústico, o conforto visual ou lúminico e o con- por outro lado, se deseja reduzir. Se um edifico licenciado em Portugal do consumo de energia nos edifícios, apenas – e já é muito! – vai ajudar
a grandeza de quem interfere com as condições de vida de milhões forto térmico. Muito embora estes aspectos do conforto devam todos em 2015 não distinguir entre níveis de ventilação para casa de fuma- a que o consumo para o conforto cresça menos. Outros consumos,
de seres, o seu conforto e a sua saúde, isto, para além do ambiente, fazer parte de uma avaliação integrada e holística que não esqueça dores e de não fumadores, assinalando as diferenças em provisões como os da iluminação, dos frigoríficos e demais máquinas no interior
incluindo, o ambiente global. ainda as condições psicológicas de interesse pela actividade que se para diferentes níveis de ventilação, estaremos a falhar o momento dos edifícios devem e podem ser um factor de compensação para
É bom que esta revisão se faça em consonância com o progresso desenvolve, de afabilidade com as pessoas com quem se trabalha histórico. E não se pense sequer admitir como já se ouviu alguém com aqueles aumentos tornando o uso dos edifícios menos dependente
que tem vindo a ser notável a nível da CE, nomeadamente com a e, até, e não menos importante, do histórico trazido de casa para o protagonismo no processo de revisão dizer que vem aí a ventilação da energia e, em particular, da electricidade, a energia mais cara
EPBD de 2002, entretanto já parcialmente revista e que aponta para trabalho, vamo-nos concentrar apenas no conforto térmico. Coloca-se mecânica com permutador, como é obrigatório na Finlândia. Vá a por definição. Mas aquela redução deve ser encarada noutra sede.
uma versão toda nova que se anuncia como extremamente exigente então a questão de saber qual é o cabaz dos parâmetros mensuráveis falta de senso na importação dessa praga como acontece com o uso Fizeram-se recentemente uns números mediático-políticos sobre a
para o futuro. que definem as condições de conforto térmico. As condições serão indiferenciado do ‘pladur’ e não sei onde encontraremos espaço em substituição de lâmpadas. Tivesse sido feito um exercício idêntico
É bom que em Portugal a revisão mantenha os dois regulamentos, naturalmente diferentes de pessoa para pessoa e, daí que o conceito Portugal para construir todos os ‘igloos’ energeticamente eficientes … com dimensão nacional em torno dos frigoríficos e os resultados de
RCCTE e RSECE, porque em Portugal todo este esforço regulamentar do Professor Fanger adoptado pela ASHRAE (Standard 55-2004), que A questão da ventilação, de tão sensível que é como aspecto relevante redução do consumo do total das famílias portuguesas teriam sido
tem pouco impacto efectivo na energia consumida para mais de implica, para tipos de vestuário e de actividade padronizados, a fixa- de saúde pública, reclama da ética profissional e da gestão da coisa espectaculares. É o que diz a lei de Pareto: há que escolher as poucas
80 % da área construída, campo de intervenção do RCCTE, e o RSECE ção de condições de temperatura e de humidade relativa, admite, à pública ser encarada nesta sede e a este nível. E não se pense que acções que aportam a grande parte dos resultados. Nós em, Portugal,
que tem efectivo efeito em termos de imediata eficiência energética partida, 10 a 20% de ocupantes descontentes. isto tem que ver com a qualidade do ar exterior. Também tem. Mas na área da energia tão pouco sabemos isso.
e carece de ser mais exigente podendo, com o tempo, passar a Acontece que em 2004 a mesma ASHRAE sentiu a necessidade de não em última instância. A qualidade do ar ambiente ou ar exterior
integrar sem problema um capítulo de um novo Regulamento Geral definir um cabaz de parâmetros alternativo libertando da padronização é uma obrigação pública. Ponto final. A qualidade do ar interior nos ***
de Eficiência Energética já que é de instalações energéticas puras e do vestuário. Esta definição alternativa de conforto vertida na mesma edifícios de habitação é uma questão, em última instância, de saúde
duras que se trata. norma acima referida baseia-se em que o ónus da satisfação das pública mas, a nível da acção, também da esfera da privacidade. E Como se depreende, apesar de focalizados nas questões do RCCTE,
Mas a mensagem aqui e agora não é para desvalorizar o RSECE que condições de conforto não está apenas nos sistemas vs clima mas se há regras para instalar exaustores e proceder à queima de com- muitos aspectos reportam-se também ao RSECE. Mas, sobre este
bem precisa de ser mais exigente para acompanhar os objectivos está também no contributo comportamental do ocupante, tendo bustíveis no interior dos edifícios também deverão existir regras para valerá a pena escrever mais tarde assim como sobre o papel da água
que se anunciam para a EPBD que aí vem. Antes preocupa pôr em em conta a sua aptidão a regular o seu vestuário. Assim, ficou claro a actividade de fumar e para garantir a ausência ou a atenuação da quente solar no RCCTE. Em boa verdade não é legítimo adicionar a
evidência os valores que subjazem ao RCCTE e o potencial deste como de uma vez por todas que a criação de condições de conforto num intensidade das fontes de poluição interna. energia que e expectável captar do Sol com a energia expectável usar
regulamento do futuro para Portugal. espaço ocupado por várias pessoas não pode ser imputado ao edifício no aquecimento nominal calculado com o RCCTE.
ou aos seus sistemas mas tem que contar com a participação activa *** A abordar também a questão da revisão do processo de honorários
*** de cada um na regulação do seu próprio nível de vestuário. Parece que impeça que o engenheiro projectista se sinta lesado por propor
banal e até retrógrado. Mas, no fundo, o que não fazia sentido era a A outra questão suscitada acima é a da energia nos edifícios. A ques- melhores soluções quando o investimento que serve de base aos seus
É comum dizer-se, e nós todos somos testemunhas disso, que em exclusividade do outro conceito que se aceita à falta de melhor em tão merece alguma reflexão aqui porque, por um lado, se vive um honorários vai ser reduzido. A isto não estão atentas as Ordens Profis-
Portugal se passa (sente) em geral mais frio no Inverno do que em certos casos mas que matava o leque de outras possibilidades sem período de alguma euforia balofa e perversa criada artificialmente sionais. Mas pior do que isso são os sinais como este de que na única
países mais a Norte. E isso é atribuído à não existência de sistemas de ar condicionado. com a aplicação do SCE identificando certificados com redução dos lista para a Direcção da Especialização em Climatização da Ordem dos
aquecimento. Notícias veiculadas sem crítica pelos jornais dão conta Esta abertura do Standard 55-2004 não é suficientemente valorizado consumos de energia ‘overnight’ e, por outro lado, porque se prepara Engenheiros o candidato a vice presidente é o presidente da APIRAC.
de que, na Europa, Portugal será o país onde se morre mais de frio. entre nós mas é crucial explorá-lo para fazer a diferença entre o a vinda de uma nova EPBD. Com a tendência de sermos seguidistas Está tudo dito. À mulher de César não basta(ria) ser honesta…
Compulsando as estatísticas verifica-se que o aquecimento ambiente RCCTE e o RSECE, ajudando a definir opções para o conforto nos edi- ‘à outrance´, e nos esquecermos da relevância das especificidades de
nas casas dos portugueses representa menos energia do que para fícios em Portugal. De facto, em Portugal, muito do conforto sem ar cada clima, ao transpor a nova Directiva esta pode transformar-se em (*) Professor da FEUP
a água quente sanitária da ordem dos 50% . Como sabemos, não é condicionado é defensável, possível e desejável por razões de saúde mais uma porta aberta à colonização tecnológica acrítica de soluções, Iniciador e impulsionador do processo de Regulamentação
generalizada a prática de construir habitações com sistemas centra- e de racionalidade energética e económica. práticas e critérios como seria o caso da ventilação mecânica com dos Edifícios em Portugal (1981-2006)

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