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Introdução

O presente estudo pretende  analisar um fenómeno decorrido no ano de 2017

numa escola secundária de Lisboa, onde três adolescentes cometeram suicídio, através

do mesmo método, em três meses, com um intervalo de aproximadamente um mês entre

um suicídio e outro. As informações foram recolhidas através do relato da comunicação

social   na   revista   visão  “Quando   um   jovem   decide   deixar   de   viver”,   de   autoria   de

Roberto Schmidt em 15 de agosto de 2017; apresentação do Projeto “+ Contigo” pelo

enfermeiro   António   Nabais   do   Hospital   de   Dona   Estefânia,   durante   a   reunião   de

apresentação pública oficial do Plano Local de Saúde ACES Lisboa Central, no Centro

de Informação Urbana de Lisboa, em 27 de junho de 2018 e através do relato de alguns

jovens frequentadores do Espaço Jovem do Projeto Intervir da Junta de Freguesia de

Marvila, com os quais conversei no dia seguinte ao receberem a notícia do suicídio do

amigo e durante as cerimónias fúnebres deste, que foi o primeiro jovem que cometeu

suicídio em 2017 na referida escola.

Durkhein (1982 [1897], sociólogo francês e autor do mais conhecido trabalho

sociológico sobre o suicídio, compreendeu o fenómeno como social e responsabilizou a

‘fragilidade moral’ da então sociedade contemporânea como a raiz de todos os males

sociais, incluindo o suicídio. A morte voluntária é definida pela psiquiatria como um

fenómeno   individual,   enquanto   que   as   ciências   sociais   o   descrevem   como   um

comportamento   colectivo   (Meneghel  et   al.,   2004).   Apesar   destas   divergências   é


consenso que este é um fenómeno multideterminado,  que está presente em todas as

faixas etárias, culturais e sociais e constitui­se em um tema de grande complexidade, o

que dificulta o estabelecimento pelos investigadores de uma relação de causa entre o ato

(suicídio   consumado)   e   um   motivo   causador   (Dutra,   2002).   Uma   vez   que   muitos

indivíduos em risco de suicídio não são identificados, ou muitas vezes, a identificação

ocorre   tardiamente,   esforços   têm   sido   empreendidos   com   o   intuito   de   identificar   e

manejar factores de risco a esse comportamento (Borges e Werlang 2006).

De acordo com a Organização Mundial de Saúde (Wordl Health Organization –

WHO, 2010), o suicídio constitui­se em um problema de saúde pública mundial, pois

está, em muitos países, entre as três principais causas de morte entre indivíduos de 15 a

44 anos e é a segunda principal causa de morte entre indivíduos de 10 a 24 anos. O

suicídio é um fenómeno complexo e multideterminado, que resulta da interacção de

factores  biológicos, genéticos,  psicológicos,  sociais,  culturais  e do ambiente.  (OMS,

2000).

Nem sempre é fácil perceber as razões pelas quais algumas pessoas cometem

suicídio, deste modo é muitíssimo importante que os técnicos de saúde e agentes de

educação tenham conhecimento dos factores de risco e de protecção que podem levar os

jovens ao suicídio ou protege­los perante as adversidades, para que possam ajudá­los a

encontrar outras alternativas mais adaptativas diante dos seus problemas.
Contextualização

O suicídio refere­se ao desejo consciente de morrer e à noção clara do que o ato

executado pode gerar (Araújo  et al., 2010). Para Seminotti  et al  (2006), o suicídio é

interpretado como a impossibilidade do indivíduo em encontrar diferentes alternativas

para os seus conflitos, optando finalmente pela morte. O indivíduo encontra­se portanto

em luta para manter o equilíbrio entre si e o meio, com sentimento de incapacidade na

resolução de problemas e no encontro do equilíbrio, o que leva a que o indivíduo veja a

morte como única saída, o suicídio é uma tragédia familiar e pessoal e causa sofrimento

aos que encontram­se envolvidos com a vítima (Seminotti, et al., 2006).

De acordo com Pereira et al (2015) o comportamento suicida é classificado em

quatro categorias: 

1) Ideação suicida:  engloba os pensamentos, ideias e desejos de morrer,

envoltos em alguma passividade.

2) Intenção suicida: quando os pensamentos e ideias levam à delineação de

um plano de suicídio, exista uma ação envolvida.

3) Tentativa   de   suicídio:  quando   é   iniciado   um   comportamento   com

intenção de se auto lesar, mas sem resultado fatal.
4) Suicídio   consumado:  quando   a  tentativa   de  suicídio   é  mais   letal  e   o

planeamento   é   mais   minucioso,   concretizando   assim,   a   vítima   o

objectivo de morrer.

Deste modo, a decisão de cometer suicídio não ocorre de maneira rápida, sendo

que   com   frequência   o   indivíduo   que   comete   suicídio   manifestou   anteriormente

algum sinal com relação à ideia de atentar contra a própria vida. Diversos estudos

demonstram que há uma grande probabilidade de, após uma tentativa de suicídio,

outras virem a surgir, até que uma possa ser fatal (Borges, et al., 2008; Dutra, 2002;

Espinoza­Gomez  et   al.,   2010).   Portanto,   entre   a   ideação   suicida,   tentativas   e

concretização da morte, se houver algum familiar, professor ou técnico de saúde

atento a tais sinais, poderá haver um tempo propício para a intervenção necessária.

De acordo com diversos estudos a presença de  sintomas depressivos  – como

sentimentos   de   tristeza,   desesperança,   humor   deprimido,   falta   de   motivação,

diminuição do interesse ou prazer, perda ou ganho significativo de peso, problemas

de sono, capacidade diminuída de pensar ou concentrar­se – é um importante fator

de risco para o suicídio e a adolescência é considerada um período propício tanto

para   a   ideação   quanto   para   as   tentativas   de   suicídio,   principalmente   quando

associada à depressão (Bahls e Bahls, 2002; Baptista, 2004; Freitas e Botega, 2002;

Kokkevi et al., 2010; Araújo et al., 2010).
A solidão é um sentimento muito comum em adolescentes que tentam suicídio.

Tais jovens relatam sentir falta de ter amigos  e reclamam não ter ninguém para

dividir   experiências   e   tristezas,   apresentam   maior   probabilidade   de   desenvolver

problemas emocionais, comportamentais e afectivos (Dutra, 2002).

A falta de convivência com os pares durante a infância ou adolescência pode

constituir­se como fator de risco ao suicídio, pois as trocas afectivas  com pares,

nesta fase do desenvolvimento, reduzem o impacto das experiências adversas (Pietro

e Tavares, 2005). Por outro lado a investigação sobre as relações interpessoais entre

pares   demonstram   que   estas   influenciam   significativamente   o   desenvolvimento

social   das   crianças   e   adolescentes,   incluindo   o   desenvolvimento   de   habilidades

sociais, afectivas e cognitivas. As experiências vividas no grupo de pares podem

influenciar   as   características   individuais   dos   adolescentes,   incluindo

comportamentos,   temperamentos,   cognições   e   habilidades   para   resolução   de

problemas, além de influenciar na sua auto­estima e amenizar o impacto de eventos

estressores,   constituindo   em   importante   fonte   de   apoio   emocional   e   social.   A

convivência   com   os   pares,   especialmente   na   adolescência,   pode   servir   como

importante fator de protecção ao suicídio (Daudt et al., 2007).

Um   estudo   brasileiro   investigou,   dentre   outras   variáveis,   os   motivos   que

originaram tentativas de suicídio em 12 adolescentes atendidos em um hospital de

emergência  (Vieira  et al.,  2009). A principal  razão  apontada pelos  jovens  como


causa do suicídio foi o “amor não correspondido”, seja este amor no sentido de

namoro como também no sentido dos relacionamentos familiares com pais pautados

pela fragilidade dos vínculos afectivos. O sofrimento psíquico também foi apontado

como um fator de forte influência para que o adolescente buscasse a tentativa de

suicídio   como   um   meio   para   resolver   seus   problemas   e   conflitos.   Neste   estudo

verificou­se que quando os adolescentes obtém insucesso na tentativa de suicídio, na

maioria das vezes, depara­se com a indignação, o estranhamento e a incompreensão

não apenas por parte dos serviços de emergência que, muitas vezes, não promovem

um ambiente de escuta e acolhimento a esses jovens.

De acordo com Dutra (2002), devido a preconceitos, muitos dos profissionais da

área da saúde podem sentir­se despreparados para lidar com tentativas de suicídio,

não apenas devido à falta de formação técnica, mas também pelo facto da tentativa

de suicídio accionar sentimentos, crenças e valores pessoais que os deixam receosos

e confusos, sem saber como agir junto ao jovem que tentou suicídio. Deste modo

além de instrumentalizar teoricamente os profissionais de saúde para a intervenção

nesses casos

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