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Mensagem, Fernando Pessoa

Algumas interpretações, símbolos e


outras mensagens da Mensagem
Aqueles portugueses do futuro, para quem
porventura estas páginas encerrem qualquer lição, ou
contenham qualquer esclarecimento, não devem
esquecer que elas foram escritas numa época da Pátria
em que havia minguado a estatura nacional dos homens
e falido a panaceia abstracta dos sistemas. A angústia e a
inquietação de quem as escreveu, porque as escreveu
quando não podia haver senão inquietação e angústia,
devem ser pesadas na mão esquerda, quando se tome, na
mão direita, o peso ao seu valor científico.
Serão, talvez e oxalá, habitantes de um período
mais feliz (…) aqueles que lerem, aproveitando, estas
páginas arrancadas, na mágoa de um presente infeliz à
saudade imensa de um futuro melhor.

Fernando Pessoa, Da República, p. 105, Ática (1979)


Epígrafe latina da obra
• “Benedictus Dominus Deus noster qui dedit nobis
signum”:
– “Bendito sejas Deus nosso Senhor, que nos deu sinal.”
– Expressão latina comum em obras rosa-crucianas.
– É um aviso e um anúncio ao leitor: Mensagem é uma
obra de símbolos.
– O símbolo magno: Jesus Cristo – logos – o
intermediário intelectual entre a vontade de Deus e
razão humana.
O meu intenso sofrimento patriótico, o meu
intenso desejo de melhorar o estado de Portugal
provocam em mim – como explicar com que ardor,
com que intensidade, com que sinceridade! – mil
projectos que, mesmo se realizáveis por um só
homem, exigiram dele uma característica
puramente negativa em mim – força de vontade.
(…)
Ninguém suspeita do meu amor patriótico,
mais intenso do que o de todos aqueles a quem
encontro ou conheço.

Fernando Pessoa, Páginas Íntimas e de Auto-Interpretação, pp. 7-8 Ática (1966)


Estrutura Externa
Divisão em 3 partes (com subdivisões)
1 ª parte – “Brasão” (19 poemas)
I – Os Campos
1º “O dos Castellos”
2º “O das Quinas”
II – Os Castellos
1º “Ulysses”
2º “Viriato”
3º “Conde D. Henrique”
4º “D. Tareja”
5º “D. Afonso Henriques”
6º “D. Diniz”
7º I “D. João, o Primeiro”
7º II “D. Filipa de Lencastre”
III – As Quinas
1º “D. Duarte, Rei de Portugal”
2º “D. Fernando, Infante de Portugal”
3º “D. Pedro, Regente de Portugal”
4º “D. João, Infante de Portugal”
5º “D. Sebastião, rei de Portugal”
IV – A Coroa
1º “Nuno Álvares Pereira”
V – O Timbre
1º “A Cabeça do Grypho/ O Infante de D. Henrique”
2º “Uma asa do Grypho/ D. João, o Segundo”
3º “A outra asa do Grypho/ Afonso de Albuquerque”
Brasão Real do séc. XV

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Epígrafe latina de “Brasão”
• “Bellum sine bello”:
– “Guerra sem a guerra.”/ “Guerra sem combate.”/
“Guerra sem guerrear.”
– “Potência sem ato” (Agostinho da Silva)
– é o poder associado à recusa consciente da
violência, recusa essa que enobrece o poder.
– ideal de conquista espiritual e humana - pela
difusão da cultura portuguesa - a via para o
Quinto Império.
1ª parte – “Brasão”
• Referências à fundação da nação e às
figuras históricas que, pela sua ação,
mais se destacaram na História de Portugal,
até à época dos Descobrimentos
Só duas nações – a Grécia passada e Portugal
futuro – receberam dos deuses a concessão de
serem não só elas mas também todas as outras. (…)
Tristes de nós se faltarmos à missão que
Aquele que nos pôs ao Ocidente da Europa, e tais
nos fez quais somos, nos impôs quando nos deu
este nosso aceso e transcendido espírito
aventureiro. Depois da conquista dos mares deve
vir a conquista das almas.

Fernando Pessoa, Ultimatum e Páginas de Sociologia Política, pp. 134 e 240, Ática
(1980)
Estrutura Externa
Divisão em 3 partes (com subdivisões)
2ª parte – “Mar Português”(12 poemas)
I “O Infante”
II “Horizonte”
III “Padrão”
IV “O Mostrengo”
V “Epitaphio a Bartolomeu Dias”
VI “Os Colombos”
VII “Occidente”
VIII “Fernão de Magalhães”
IX “Ascensão de Vasco da Gama”
X “Mar Portuguez”
XI “A Última Nau”
XII “Prece”
Epígrafe latina de “Mar Português”
• “Possessio maris”:
– “Posse do mar.”
– o desvendar do mar ignoto pelo Portugal dos
séculos XV e XVI que representa a vitória do
querer e da ousadia sobre a ignorância.
– privilégio dos triunfos do espírito sobre os ganhos
materiais; poucas referências ao império físico e
nenhuma às riquezas materiais.
Navegadores antigos tinham esta frase gloriosa:
“Navegar é preciso; viver não é preciso.”
Quero para mim o espírito desta frase, transformada a
forma para a casar com o que eu sou: viver não é necessário;
o que é necessário é criar.
Não conto gozar a minha vida; nem em gozá-la penso.
Só quero torná-la grande, ainda que para isso tenha de ser o
meu corpo e a minha alma lenha desse fogo.
Só quero torná-la de toda a humanidade, ainda que
para isso tenha de a perder como minha.
Cada vez mais assim penso. Cada vez mais ponho na
essência anímica do meu sangue o propósito impessoal de
engrandecer a pátria e contribuir para a evolução da
humanidade.
É a forma que em mim tomou o misticismo da nossa
Raça.

Fernando Pessoa, nota manuscrita pelo poeta, publicada pela primeira vez na 1ª edição de Obra
Poética, Edições Nova Aguilar
2ª parte – “Mar Português”
• Introduz a significação puramente simbólica
das realizações dos portugueses ao
desbravarem os mares, dando “novos
mundos ao mundo”
Estrutura Externa
Divisão em 3 partes (com subdivisões)
3ª parte – “O Encoberto” (13 poemas)
I – Os Símbolos
1º “D. Sebastião”
2º “O Quinto Império”
3º “O Desejado”
4º “As Ilhas Afortunadas”
5º “O Encoberto”
II – Os Avisos
1º “O Bandarra”
2º “António Vieira”
3º “Terceiro”
III – Os Tempos
1º “Noite”
2º “Tormenta”
3º “Calma”
4º “Antemanhã”
5º “Nevoeiro”
Há só uma espécie de propaganda com que se pode
levantar o moral de uma nação – a construção ou renovação e a
difusão consequente e multimoda de um grande mito nacional.
De instinto, a humanidade odeia a verdade, porque sabe, com o
mesmo instinto, que não há verdade, ou que a verdade é
inatingível. O mundo conduz-se por mentiras; quem quiser
despertá-lo ou conduzi-lo terá que mentir-lhe deliberadamente,
e fá-lo-á com tanto mais êxito quanto mais mentir a si mesmo e
se compenetrar da verdade da mentira que criou. (…)
Temos, felizmente, o mito sebastianista, com raízes
profundas no passado e na alma portuguesa. Nosso trabalho é
pois mais fácil; não temos que criar um mito, senão que renová-
lo. Comecemos por nos embebedar desse sonho, por o integrar
em nós, por o incarnar. Feito isso, cada um de nós
independentemente e a sós consigo, o sonho se derramará sem
esforço em tudo o que dissermos ou escrevermos, e a atmosfera
estará criada, em que todos os outros, como nós, o respirem.
Então se dará na alma da nação o fenómeno imprevisível de
onde nascerão as Novas Descobertas, a Criação do Mundo Novo,
o Quinto Império. Terá regressado El-Rei D. Sebastião.
Fernando Pessoa, Obra Poética e em Prosa, vol. III, pp. 652-654
Epígrafe latina de “O Encoberto”
• “Pax in Excelsis”
– “Paz nas Alturas.”/ “Suprema Paz.”
– mensagem de paz e fraternidade, “um apelo à
unidade e universalidade” (R. Bréchon).
– tema do Quinto Império e do Desejado: a paz
universal será apanágio do Quinto Império.

– “Valete, Fratres!”: expressão latina que encerra a


obra (e despedida habitual dos membros de certas sociedades
secretas)
• “Felicidades, Irmãos!”: o Quinto Império será o reino da
fraternidade
Todo o Império que não é baseado no Império Espiritual é
uma Morte de pé, um Cadáver mandado. (…)
Criando uma civilização espiritual própria, subjugaremos
todos os povos; porque contra as artes e as forças do espírito
não há resistência possível, sobretudo quando elas sejam bem
organizadas, fortificadas por almas generais do Espírito. (…)
Criemos um Imperialismo andrógino, reunidor das
qualidades masculinas e femininas: imperialismo que seja cheio
de todas as subtilezas do domínio feminino e todas as forças e
estruturações do domínio masculino. Realizemos Apolo
espiritualmente. (…)
Assim temos que no Quinto Império haverá a reunião das
duas forças separadas há muito, mas de há muito aproximando-
se: o lado esquerdo da sabedoria – ou seja, a ciência, o
raciocínio, a especulação intelectual; e o seu lado direito – ou
seja o conhecimento oculto, a intuição, a especulação mística e
cabalística.
De aí o ser o Império português ao mesmo tempo um
império de cultura e o mesmo império universal.
Fernando Pessoa, Portugal, Sebastianismo e Quinto Império, Publ. Europa-América, Mem-Martins, 1986
3ª parte – “O Encoberto”
• Anuncia-se o Quinto Império, a importância
da figura mítica de D. Sebastião e das
profecias de Bandarra e do Padre António
Vieira.
• Apelo à mudança de atitude dos portugueses
do séc. XX e a passagem do caos noturno à
fase do renascimento.
Quinto Império
• Império de fraternidade universal vivido na
Terra;

• Preconiza o renascimento humano numa


outra era;

• Regresso ao Paraíso Perdido: após a morte


(“O Encoberto”) terá lugar o Renascimento –
momento em que a eternidade – união entre
o Homem e Deus – será reconquistada.
Os Heróis
• Adquirem sentido enquanto figuras míticas;

• Valor da ação dos seus feitos na história e evolução da


Humanidade;

• Realização de uma missão que os imortalizou;

• Através das suas provas concretizou-se uma obra;

• Os portugueses cumpriram um desejo divino, cujo


caminho é um processo iniciático que conduz ao
aperfeiçoamento progressivo do ser humano, em
direção a Deus.
Estrutura Tripartida
• Ideia de que as profecias se realizam três vezes em
três tempos distintos.

• Na tradição cabalística: nº 3 – potencial de


transformação e unificação de duas polaridades
opostas = o espiritual governa o físico e a mente
governa a matéria.

• Na tradição cristã: nº 3 – Trindade Pai, Filho e Espírito


Santo; no Génesis: criação do mundo em 6 dias – 3
dias para o Céu e a Terra, outros 3 para povoar o
mundo criado.

• Fases da existência – 3 – nascimento: “Brasão”;


percurso da vida: “Mar Português”; morte: “O
Encoberto”
Simbologia dos Números
• Simboliza o Ser, a Revelação.

• Ideia harmónica entre o consciente e o inconsciente: união


dos contrários.

• Perfeição.

• Os pólos unem-se numa totalidade que os concilia,


resultando numa energia que dá ao humano a comunhão
com o transcendente.

• “Nuno Álvares Pereira” – único poema sob o título “A


Coroa”: unidade; o centro onde coexistem
harmoniosamente forças antitéticas = dimensão sobre-
humana.
• Símbolo da divisão (o criador e o ente criado).

• Dualidade: expressão de contrários ou de


complementaridade.

• Paradoxo da existência: a vida e a morte.

• Princípios antagónicos: passivo e ativo. “Os Campos”: 2


poemas. 1º poema: Portugal = campo pronto a ser
fecundado. 2º poema: Cristo, símbolo do sofrimento e
tormenta, exemplo das provações a passar, para se
chegar ao princípio ativo.
• União entre Deus, o Universo e o Homem.

• Totalidade.

• Ligado a Cristo – 3 vertentes: a de rei, a de padre, a de profeta.

• Conjunto de poemas – “Timbre”: “A Cabeça do Grypho/ O Infante D.


Henrique”; “Uma Asa do Grypho/ D. João II” e “A outra asa do Grypho/
Afonso Albuquerque” – estas personagens míticas cumprem o arquétipo
do rei e do padre, pelo seu poder e espiritualidade.

• Conjunto de poemas – “Os Avisos”: “O Bandarra”; “António Vieira” e


“Terceiro” – cumprem a função profética do anúncio do Quinto Império.

• Fases da existência: nascimento, crescimento e morte.

• Mensagem liga-se ao ciclo da vida: “Brasão” = nascimento da Nação; “Mar


Português” evidencia o seu crescimento e o seu momento áureo histórico;
“O Encoberto” preconiza a morte, à qual se segue o Renascimento.
• Da Ordem, do Equilíbrio, da Harmonia.

• Perfeição.

• Três conjuntos de poemas: “As Quinas”, “Os Símbolos” e “Os


Tempos”.

• “As Quinas” – 5 chagas de Cristo = o seu sofrimento para a salvação


da Humanidade (as figuras de D. Duarte, D. Fernando, D. Pedro, D.
João e D. Sebastião são engrandecidas).

• “Os Símbolos” – 5 poemas em que os valores simbólicos unificantes


assumem maior relevo.

• “Os Tempos” – anuncia-se o fechar de um ciclo e incita-se ao início


de outro, que instaurará a Ordem a partir do Caos (o momento
presente). Será um tempo de harmonia, em que Humanidade
conhecerá a sua dimensão divina, num reino Espiritual – o Quinto
Império.
• Período temporal unificante – a semana.

• Totalidade das energias após a completude de um ciclo.

• “Os Castellos” – série de 7 poemas: títulos de personagens


históricas (exceptuando “Ulysses”).

• Renovação de um ciclo que se inicia com os filhos de D. Filipa


de Lencastre e termina com D. Sebastião.

• Número mágico associado ao Poder e ao ato de Criação – na


Bíblia: 7º dia – descanso de Deus depois da criação do Mundo
= ligação entre Deus e o Homem (a sua obra) – “As Quinas”:
explicita a relação entre o divino e o humano.
• Unidade – 1 ano tem 12 meses.

• Número da cidade santa – a Jerusalém Celeste que terá 12 portas e


na qual terão lugar os 12 apóstolos. 12 apóstolos = eleição de um
novo povo; preconizam a fidelidade a Cristo.

• Símbolo das mutações operadas no interior do ser humano e da


perpétua evolução do Universo.

• Marca o fina de um ciclo involutivo, ao qual se sucede a morte, que


dá lugar ao Renascimento.

• “Mar Português” – 12 poemas: encerra referências míticas ao


período áureo da História nacional (que fecha um ciclo) ao qual se
seguiram 4 séculos de trevas – presentes em “O Encoberto”, no qual
se apela ao Renascimento.
Símbolos unificadores da obra
Brasão – o passado inalterável

Campo – espaço de vida, fecundidade, alimento e de ação

Quinas – chagas de Cristo: dimensão espiritual

Castelo – refúgio e segurança

Coroa – perfeição e poder

Timbre – poder e posse legítima; marca dada por Deus; sagração


do herói para missão transcendente – através do conhecimento

Grifo – terra (leão) e céu (águia): criação de uma obra terrestre e


celeste

Padrão – marco; sinal de presença da cristandade; obra da


civilização cristã
Mar – vida e morte (dinamismo das ondas); espaço iniciático;
ponto de partida; reflexo do céu; princípio masculino

Terra – casa do homem; espelho do céu; paraíso mítico;


princípio feminino

Mostrengo – o desconhecido; as lendas do mar; os obstáculos a


vencer

Nau– viagem; iniciação aquisição de conhecimentos

Ilha– refúgio espiritual; espaço de conquista; recompensa do sacrifício

Noite– morte; tempo de inércia; tempo de germinação; certeza de vida

Manhã – luz; felicidade; harmonia; vida; o novo mundo

Nevoeiro – indefinição; promessa de vida; força criadora; novo dia


Em síntese…
Assunto: “a essência de Portugal e a sua missão a cumprir” –
Portugal a haver.

O herói: “são símbolo de atitudes”; “figuras incorpóreas que


ilustram o ideal de ser português”; involuntário – “o braço do
herói é movido pela vontade divina”; herói “desvendador e
dominador de mundos”; “a insatisfação é o seu fado: sem a
grandeza da alma que os torna infelizes nada vale a pena” (in
Jacinto Prado Coelho, Diversidade e Unidade em Fernando Pessoa)

Quinto Império – Portugal a haver: “é a mística certeza do vir


a ser pela lição do ter sido. É Portugal-espírito, Portugal – ente
de cultura, esperança tanto mais forte quanto a hora da
decadência a estimula, nevoeiro que não é mais do que a
condição negativa necessária para surgir o Salvador” (in António
Machado Pires, «Os Lusíadas de Camões e a Mensagem de Fernando Pessoa»)
Desejo ser um criador de mitos, que é a tarefa mais alta
que pode obrar alguém na humanidade.

Só aquilo que vale a pena custa e dói. Bendita a dor e a


pena pelas quais o Mundo se transforma.
Fernando Pessoa

Bibliografia:
Hipólito, N. (2010). As mensagens da Mensagem – Mensagem de Fernando Pessoa, anotada e
comentada. Dissertação não publicada.
Jacinto, C. e Lança, G. (1998). A análise do texto – Mensagem, Fernando Pessoa. Porto: Porto
Editora.
Mimoso, J. M. (s.d.). Mensagem de Fernando Pessoa anotada. Disponível em
www.tabacaria.com.pt

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