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A Biblia Hebraica e o Alcorao em Dialogo - Reflexoes Sobre Alguns Temas Comuns Aos Dois Livros Sagrados-Libre
A Biblia Hebraica e o Alcorao em Dialogo - Reflexoes Sobre Alguns Temas Comuns Aos Dois Livros Sagrados-Libre
Alguns Temas Comuns Aos Dois Livros Sagrados | por Carlos Augusto Vailatti | 2012
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ARTIGO TEOLÓGICO
A Bíblia Hebraica e o Alcorão em Diálogo: Reflexões Sobre Alguns Temas
Comuns aos Dois Livros Sagrados1
por
Carlos Augusto Vailatti
Doutorando em Estudos Judaicos e Árabes, com concentração em Estudos Judaicos, pela Universidade de
São Paulo (USP), Mestre em Teologia, com especialização em Teologia Bíblica, pelo Seminário
Teológico Servo de Cristo (STSC), Bacharel em Teologia pela Faculdade Betel / Instituto Betel de Ensino
Superior (IBES) e também Bacharel em Teologia pela Escola Superior de Teologia (EST). Atualmente, é
professor de Teologia no Seminário Teológico Evangélico do Betel Brasileiro e na Faculdade Betel /
Instituto Betel de Ensino Superior (IBES).
RESUMO
O presente texto tem o objetivo de refletir sobre alguns temas comuns existentes
tanto na Bíblia Hebraica quanto no Alcorão, a saber: Deus, o Livro Sagrado, a Criação,
Abraão, Determinismo versus Livre-Arbítrio e Escatologia. O estudo desses temas,
ainda que sucinto, nos mostrará como o judaísmo e o islamismo os enxergam a partir de
suas respectivas fés.
ABSTRACT
The present text has the objective of reflect on some commom themes existent
both in the Hebrew Bible and in the Qur’an, namely: God, the Holy Book, Creation,
Abraham, Determinism versus Free Will and Eschatology. The study of these issues,
though brief, will show us how judaism and islam sighted them from their respective
faiths.
1
Esse artigo foi apresentado pela primeira vez em forma de trabalho na Universidade de São Paulo (USP)
em julho de 2012.
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INTRODUÇÃO
2
PATERSON, Andrea C. Three Monotheistic Faiths – Judaism, Christianity, Islam. Bloomington,
AuthorHouse, 2009, p.139.
3
Tanakh é o acrônimo usado para se referir às três principais divisões da Bíblia Hebraica: Tōrâ
(Pentateuco), Nevī‘īm (Profetas) e Ketūvīm (Escritos). Hoje, em ambiente acadêmico cristão, a fim de
promover o diálogo interreligioso entre judeus e cristãos, por ex., dá-se preferência ao uso do nome
“Primeiro Testamento” em vez do conhecido “Antigo Testamento”, como designação da Bíblia Hebraica.
(Para maiores informações quanto à discussão sobre essas nomenclaturas, veja: ZENGER, Erich et al.
Introdução ao Antigo Testamento. [trad. Werner Fuchs]. São Paulo. Edições Loyola, 2003, pp.19-21).
4
GNILKA, Joachim. Bíblia e Alcorão – O Que os Une, O Que os Separa. [trad. Irineu J. Rabuske]. São
Paulo, Edições Loyola, 2006, pp.44,45.
5
A minha transliteração e tradução do texto grego estão baseadas em: RAHLFS, Alfred. Septuaginta.
Stuttgart, Deutsche Bibelgesellschaft, 2004, p.378.
6
BARRERA, Júlio Trebolle. A Bíblia Judaica e a Bíblia Cristã: introdução à história da Bíblia. [trad.
Ramiro Mincato]. Petrópolis, Vozes, 1995, pp.183,184.
7
O termo qur’ān significa tradicionalmente “recitação, leitura”. Para outras possibilidades de tradução do
termo, veja: LEAMAN, Oliver. (ed.). The Qur’an: an encyclopedia. New York, Routledge, 2006, p.521.
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“aproximadamente do seu quadragésimo ano de vida até sua morte, isto é, entre os anos
610 e 632”.8 A composição definitiva do Alcorão só ocorreu a partir de 632, logo após a
morte de Maomé.9
Estas informações de cunho histórico são importantes para o nosso trabalho, pois
nos servem de base para comprovar a ordem cronológica em que os três livros sagrados
surgiram em sua forma escrita definitiva: Bíblia Hebraica (II século e.c.), Novo
Testamento (IV século e.c.)10 e Alcorão (VII século e.c.). Não obstante isso, esses
dados, além de apontarem para a anterioridade da Bíblia Hebraica em relação ao Novo
Testamento e ao Alcorão, também nos ajudam a compreender porque estes dois últimos
fazem inúmeras referências e alusões, diretas e indiretas, à Bíblia Hebraica, a qual lhes
serve inúmeras vezes de fonte.11 No caso da Bíblia Hebraica e do Alcorão em particular,
nota-se, portanto, um entrelaçamento textual o qual ocorre, contudo, apenas neste
último, que, ao ocupar-se das histórias e das tradições da Bíblia Hebraica, acaba por
reconhecê-las e legitimá-las dentro de seu próprio contexto de fé. Ora, essa
intertextualidade presente no Alcorão nos será especialmente importante, pois nos
permitirá refletir sobre alguns temas compartilhados por estas duas fés, a judaica e a
muçulmana, descortinando assim diante de nossos olhares algumas incríveis
semelhanças conceituais e temáticas entre ambas. Em nosso estudo, veremos que há
mais elementos que unem a Bíblia Hebraica e o Alcorão, do que os separam.
No presente trabalho, escolhemos como objeto de nossas reflexões seis temas que
são compartilhados entre a Bíblia Hebraica e o Alcorão. Esses temas são: Deus, o Livro
Sagrado, a Criação, Abraão, Determinismo versus Livre-Arbítrio e Escatologia. A
escolha pela abordagem desses assuntos em nossa pesquisa se deve não apenas à
importância que o pensamento bíblico e qurânico lhes conferem em seus textos, mas se
deve, antes de tudo, ao caráter agregador desses temas, que permite, por sua vez, maior
proximidade e diálogo entre judeus e muçulmanos, os principais observadores dos
princípios contidos nestes dois livros sagrados.
8
GNILKA, Joachim. Bíblia e Alcorão – O Que os Une, O Que os Separa, p.47.
9
Idem, Ibidem, p.48.
10
CULLMANN, Oscar. A Formação do Novo Testamento. [trad. Bertoldo Weber]. São Leopoldo,
Sinodal, 2001, p.92.
11
O Alcorão também faz muitas referências ao Novo Testamento e, mais particularmente, às tradições
sobre Jesus. Porém, tais referências não são tão numerosas quanto aquelas que o Alcorão faz à Bíblia
Hebraica.
3
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1. DEUS
O primeiro tema comum à Bíblia Hebraica e ao Alcorão que nós destacamos aqui
é: Deus. Não poderia ser diferente. No Tanakh, Deus é conhecido principalmente como
’ēl ou ’ĕlōhīm. Aliás, deve-se dizer que o termo semítico ocidental, ’ēl, que tem relação
com o ugarítico il(u), é comumente usado nas línguas semíticas para se referir a “deus”
em sentido amplo.12 Já o termo árabe usado com referência a Deus, allāh, é a forma
contraída de al-ilah (literalmente, “o Deus”).13 Provavelmente, a evolução do termo (de
al-ilah para allāh) deve ter acontecido por assimilação do “i” nesta última forma do
vocábulo. Tal assimilação pode ter ocorrido devido ao uso bastante freqüente da
palavra.14 Quanto ao tetragrama divino (YHWH), este curiosamente não é mencionado
no Alcorão.15 Seja como for, tanto ’ēl quanto allāh são vocábulos muito semelhantes em
termos de sua morfologia e significado.16
Aliás, um dos temas comuns à Bíblia Hebraica e ao Alcorão é o monoteísmo. Na
Bíblia Hebraica, a centralidade da fé monoteísta se destaca, de maneira que ninguém
pode duvidar que um de seus grandes temas seja o “seu monoteísmo puro, penetrante e
inflexível”.17 Vemos no Tanakh,18 por exemplo, que “Deus é um” (Deuteronômio 6.4),
que “não há outros deuses diante dele” (Êxodo 20.3) e que, tal fato é admitido,
inclusive, pelo próprio Deus, que diz: “fora de mim não há Deus”, “fora de mim não há
outro” e “eu sou o Senhor, e não há outro” (Isaías 45.5,6). Esta unicidade divina
12
POPE, Marvin H. El in the Ugaritic Texts. Vol.2. [Vetus Testamentum: Supplements]. Leiden, Brill,
1955, p.1; CHANAN, Ami Ben. Qur’an-Bible Comparison: A Topical Study of the Two Most Influential
and Respectful Books in Western and Middle Eastern Civilizations. Bloomington, Trafford Publishing,
2011, p.316. Para outras informações sobre o termo ’ēl e a sua relação com Yahweh, veja: DAY, John.
Yahweh and the Gods and Goddesses of Canaan. New York, Sheffield Academic Press, 2000, pp.13-41.
13
CAMPO, Juan E. Encyclopedia of Islam. [Encyclopedia of World Religions]. New York, Infobase
Publishing, 2009, p.34.
14
GNILKA, Joachim. Bíblia e Alcorão – O Que os Une, O Que os Separa, p.86.
15
Khalil entende que Yahweh era o nome do Deus particular de Israel. (Cf. KHALIL, Shauqi Abu. Atlas
of the Qur’an: Places, Nations, Landmarks. Houston, Darussalam Publications, 2003, p.63).
16
COOGAN, Michael David. (ed.). Stories From Ancient Canaan. Louisville, The Westminster Press,
1978, p.12. Veja também: HASTINGS, James. Encyclopedia of Religion and Ethics. [Vol.11]. Whitefish,
Kessinger Publishing, 2003, p.248.
17
YOUNGBLOOD, Ronald F. The Heart of the Old Testament: a survey of key theological themes.
Grand Rapids, Baker Book House, 1998, p.13.
18
Todas as citações da Bíblia Hebraica, salvo indicação contrária, são extraídas de: ALMEIDA, João
Ferreira de. (trad.). Bíblia Sagrada. [Edição Revista e Corrigida]. Rio de Janeiro, Imprensa Bíblica
Brasileira, 1991.
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também encontra eco nas páginas do Alcorão,19 que afirma: “Vosso Deus é o Deus
único. Não há deus senão Ele” (A Vaca, 2.163), “Não há deus senão Ele” (o Gado,
6.106) e, nas palavras do próprio allāh, “Não adoteis dois deuses. Somente eu sou o
Deus único” (As Abelhas, 16.51).
Ora, mas será que a maneira como a Bíblia Hebraica compreende a Deus é
exatamente a mesma pela qual Ele é compreendido no Alcorão? Para Gnilka, há uma
diferença decisiva na imagem de Deus retratada nos dois livros. Segundo ele, “o Deus
da Bíblia age na história”. Já o Deus retratado no Alcorão, “mantém-se fora da
história”.20 Em outras palavras, se na visão bíblica Deus se relaciona com os seres
humanos, na visão qurânica, por outro lado, Ele permanece inacessível, devido à Sua
absoluta transcendência.21
Contudo, na visão do Alcorão, o Deus da Bíblia Hebraica e o Deus do próprio
Alcorão são o mesmo Deus: “Cremos no que nos foi revelado [o Alcorão] e no que vos
foi revelado [a Bíblia Hebraica e o Novo Testamento]. Nosso Deus e vosso Deus é o
mesmo”. (A Aranha, 29.46).22
Seja como for, a compreensão do Alcorão sobre a unicidade divina, somada às
declarações semelhantes que tanto o Tanakh quanto o Alcorão fazem sobre Deus, como
vimos acima, favorecem uma aproximação entre as duas teologias, bem como,
contribuem para a existência de um proveitoso diálogo interreligioso capaz de promover
uma maior proximidade entre judeus e muçulmanos.
19
Todas as citações do Alcorão, salvo indicação contrária, são extraídas de: CHALLITA, Mansour.
(trad.). O Alcorão. Rio de Janeiro, BestBolso, 2011.
20
GNILKA, Joachim. Bíblia e Alcorão – O Que os Une, O Que os Separa, p.93.
21
Idem, Ibidem, p.94. Essa idéia da transcendência divina pode ser vista no seguinte trecho do Alcorão:
“E a nenhum mortal é dado que Deus lhe fale, exceto por revelação ou por detrás de um véu ou por
intermédio de um Mensageiro enviado para transmitir o que Deus determinar”. (A Consulta, 42.51).
22
Os acréscimos entre colchetes são meus.
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2. O LIVRO SAGRADO
23
ROTH, Cecil. (ed.). The Standard Jewish Encyclopedia. Jerusalem, Massadah Publishing Company
Ltd., 1958/9, p.306.
24
CHALLITA, Mansour. (trad.). O Alcorão. Rio de Janeiro, BestBolso, 2011, p.11.
25
KALTNER, John. Introducing the Qur’an for Today’s Reader. Minneapolis, Fortress Press, 2011, p.3.
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Além disso, esse conteúdo meta-histórico também tem estado presente na Bíblia
Hebraica desde sempre, fato este que explica o profundo impacto que ela tem exercido
no mundo (principalmente ocidental) em termos de avanços em questões éticas e
sociais, por exemplo, as quais receberam novas dimensões e novo tratamento a partir
dos valores ensinados neste livro sagrado.27
É evidente que não podemos negar os inúmeros males praticados ao longo da
história em nome da religião e em nome de Deus. Contudo, tais atrocidades perpetradas
em nome do sagrado não sobrepujam, a meu ver, os incontáveis benefícios que estes
dois livros têm proporcionado à humanidade de uma forma geral.
Aliás, o Alcorão novamente nos fornece uma postura reconciliadora com a Bíblia
Hebraica, ao declarar: “Creio em todos os Livros que Deus fez descer [...]. Que não haja
discussões entre nós. Deus nos unificará. É para Ele que todos caminhamos” (A
Consulta, 42.15) e “Antes dele [o Alcorão], havia o Livro de Moisés: uma orientação e
uma misericórdia. E este livro corrobora o outro em língua árabe para advertir os que
prevaricam e trazer boas-novas aos benfeitores” (As Dunas, 46.12).
O reconhecimento da Bíblia Hebraica como livro sagrado por parte do Alcorão e o
compartilhamento da crença comum da sacralidade de seus livros também se constituem
fatores que contribuem substancialmente para o diálogo e para uma maior proximidade
entre estes dois “povos do livro”.
26
KHALIDI, Tarif. The Qur’an. New York, Viking Penguin, 2008, p.xvi.
27
STRAUSS, Mark L. How to Read the Bible in Changing Times: understanding and applying God’s
word today. Grand Rapids, Baker Books, 2011, p.2.
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3. A CRIAÇÃO
28
GNILKA, Joachim. Bíblia e Alcorão – O Que os Une, O Que os Separa, p.99.
29
Essa concepção também está presente em várias solenidades judaicas, como, por exemplo, na festa de
casamento, durante a qual é pronunciada a seguinte bênção: “Bendito és tu, Senhor nosso Deus, Rei do
Universo, que criaste tudo para a tua glória”. (Cf. DORFF, Elliot N. & ROSETT, Arthur. A Living Tree:
The Roots and Growth of Jewish Law. Albany, State University of New York Press, 1988, p.502).
30
Minha transliteração do texto hebraico baseia-se em: ELLIGER, K. & RUDOLPH, W. (eds.). Biblia
Hebraica Stuttgartensia. Stuttgart, Deutsche Bibelgesellschaft, 1997.
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encontramos no Tanakh vários registros sobre a palavra criadora divina. Eis alguns
exemplos: “E disse Deus: haja luz. E houve luz” (Gênesis 1.3),31 “pela palavra do
Senhor foram feitos os céus” (Salmo 33.6), “Porque [Deus] falou, e tudo se fez;
mandou, e logo tudo apareceu” (Salmo 33.9). A importância dada à “palavra” como
elemento criador do universo é explicitamente declarada no Sêfer Ietsirá (Livro da
Criação), o qual afirma que “foi através das letras do alfabeto hebraico que o Universo
foi criado”.32 Além disso, o Sêfer Ietsirá ainda diz:
31
A fórmula wayyō’mer ’ĕlōhīm yehī...wayehī, “e disse Deus: ‘haja’...e houve” é recorrente no primeiro
capítulo de Gênesis, o qual apresenta as várias etapas (dias) da criação do mundo sendo criadas através da
palavra divina. Veja: Gênesis 1.3,6,9,11,14,20,24,29,30.
32
KAPLAN, Arieh. Sêfer Ietsirá: O Livro da Criação. [Trad. Erwin Von-Rommel Vianna Pamplona].
São Paulo, Editora e Livraria Sêfer Ltda, 2002, p.58.
33
KAPLAN, Arieh. Sêfer Ietsirá: O Livro da Criação, p.58.
34
SHERBOK, Dan Cohn. A Concise Encyclopedia of Judaism. Oxford, Oneworld Publications, 1998,
p.129.
35
Estas duas referências targúmicas foram extraídas de: BARCLAY, William. Great Themes of the New
Testament. Louisville, Westminster John Knox Press, 2001, p.28.
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36
ALI, Michael Nazir. Islam, a Christian Perspective. Philadelphia, The Westminster Press, 1983, p.15.
37
COWAN, J. Milton (ed.). A Dictionary of Modern Written Arabic. [Arabic-English]. Wiesbaden, Otto
Harrassowitz Verlag, 1979, p.33.
38
CROLLIUS, Ary A. Roest. The Word in the Experience of Revelation in Qur’ān and Hindu Scriptures.
[Documenta Missionalia | Vol. 8]. Roma, Gregorian & Biblical Press, 1974, p.58.
39
GNILKA, Joachim. Bíblia e Alcorão – O Que os Une, O Que os Separa, p.111. À semelhança do uso
mágico de mēmrā’ no judaísmo rabínico, Nicholson descreve um emprego mágico similar do termo ’amr
no Alcorão. Segundo ele, “Deus criou o anjo chamado Ruh da sua própria luz e, a partir dele, Ele criou
o mundo e o tornou seu órgão da visão no mundo. Um de seus nomes é a Palavra de Alá (’Amr Allāh)”.
(NICHOLSON, Reynold Alleyne. Studies in Islamic Mysticism. Charleston, Forgotten Books, 1967,
p.103).
40
CROLLIUS, Ary A. Roest. The Word in the Experience of Revelation in Qur’ān and Hindu Scriptures,
pp.67,68.
41
Idem, Ibidem, p.74.
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4. ABRAÃO
42
Aqui, o termo ‘ivrī (“hebreu”) pode ser derivado do verbo ‘āvar, “atravessar”. Se esta opinião estiver
correta, então o vocábulo pode estar apontando para o fato de os hebreus, em seu passado distante, serem
nômades que viviam andando de um lugar para o outro. (Cf. HOROWITZ, Edward. How the Hebrew
Language Grew. Jersey City, KTAV Publishing House, 1993, p.48).
43
WILSON, Marvin R. Our Father Abraham: Jewish Roots of the Christian Faith. Grand Rapids, Wm.
B. Eerdmans Publishing Company / Dayton, Center for Judaic-Christian Studies, 1989, p.4. O autor
prefere usar aqui a expressão “nação hebraica” em vez de “nação judaica” por entender que o adjetivo
“hebraica” descreve melhor os aspectos lingüísticos e culturais do povo de Israel, enquanto que o adjetivo
“judaica” carrega uma conotação mais extensa e contemporânea. Para maiores informações sobre Abraão,
veja ainda: GARDNER, Paul. (ed.). Quem é Quem na Bíblia Sagrada. [trad. Josué Ribeiro]. São Paulo,
Vida, 2000, pp.10-16.
44
BASKIN, Judith R. (ed.). The Cambridge Dictionary of Judaism & Jewish Culture. Cambridge,
Cambridge University Press, 2011, p.2.
45
Abraão é citado em 35 dos 114 capítulos do Alcorão. (Cf. PETERS, F. E. Islam: a guide for Jews and
Christians. New Jersey, Princeton University Press, 2003, p.9). Como a tradução do Alcorão que está
sendo utiliza neste trabalho, feita por Mansour Challita, emprega o nome “Abraão”, também adotarei esse
nome aqui, em vez de usar o nome “Ibrahim”.
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46
Outra tradução diz que “Abraão não era nem judeu nem cristão, mas monoteísta sincero, moslim. E não
era dos idólatras”. (Cf. NASR, Helmi. (Trad.). Tradução do Sentido do Nobre Alcorão para a Língua
Portuguesa. Al-Madinah Al-Munauarah, Complexo do Rei Fahd para a impressão do Alcorão Nobre,
S.d.).
47
Essa lenda sobre Abraão e os ídolos de seu pai aparece em um famoso conto midráshico. Isso significa
que o conto era bastante antigo, a ponto de Maomé já conhecê-lo em sua época e empregá-lo no Alcorão.
Para saber mais sobre esse conto, veja: PATTERSON, José. Angels, Prophets, Rabbis and Kings from the
Stories of the Jewish People. Wallingford, Peter Lowe, 1991, p.22ss; UNTERMAN, Alan. (ed.).
Dicionário Judaico de Lendas e Tradições. Rio de Janeiro, Jorge Zahar Editor, 1992, p.11.
48
KHALIDI, Tarif. (Trad.). The Qur’an, p.365.
49
ALI, Maulana Muhammad. The Holy Qur’ān: Arabic Text, English Translation and Commentary.
Lahore, Pakistan, Ahmadiyyah Anjuman Isha‘at Islam, 1973, p.860. Para um excelente estudo
comparativo sobre o sacrifício de Isaque relatado na Bíblia Hebraica versus o sacrifício de Ismael
encontrado no Alcorão, veja: FIRESTONE, Reuven. Comparative Studies in Bible and Qur’ān: A Fresh
Look at Genesis 22 in Light of Sura 37. In: HARY, Benjamin H., HAYES, John L. & ASTREN, Fred.
(eds.). Judaism and Islam Boundaries, Communication, and Interaction: Essays in Honor of William M.
Brinner. Leiden, Brill, 2000, pp.169-184.
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a sua fé em suas Escrituras.50 Ora, se Ismael e Isaque eram, ambos, filhos de Abraão e,
portanto, irmãos, logo, não há motivo para que judeus e muçulmanos não partilhem da
mesma bênção de seu personagem ancestral.
50
ELKAYAM, Asher. The Qur’an and Biblical Origins: Hebrew, Christian and Aramaic Influences In
Striking Similarities. Bloomington, Xlibris Corporation, 2009, p.37.
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O ser humano é “livre” em suas ações ou está fadado a vestir sempre uma “camisa
de força invisível” que tolhe a sua liberdade? Antes de verificar sucintamente como a
Bíblia Hebraica e o Alcorão abordam essa controversa questão, é necessário definirmos
primeiro o que queremos dizer com os termos “determinismo” e “livre-arbítrio”.
Segundo Rudman, determinismo é:
51
RUDMAN, Dominic. Determinism and Anti-Determinism in the Book of Koheleth. [The Jewish Bible
Quarterly]. Vol.XXX, Nº 2. Jerusalem, Jewish Bible Association Press, 2002, p.1.
52
KANE, R. Free Will and Values. Albany, State University of New York Press, 1985, p.22.
15
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teológica que, ora enfatiza o determinismo divino, ora ressalta a liberdade humana.
Como o Tanakh ensina estas duas verdades, então, torna-se necessário apresentar uma
“terceira via” argumentativa que leve em consideração estes dois pontos extremos em
conjunto. Creio que Arthur W. Pink faz isso muito bem, ao dizer:
53
PINK, A. W. Deus é Soberano. São José dos Campos, Editora Fiel, 1997, p.5. Os acréscimos entre
colchetes são meus.
54
Algumas suras falam sobre a responsabilidade humana de forma ampla, destacando, portanto, o
conceito de livre-arbítrio. Alguns exemplos: 4.84; 10.41; 42.30; 46.19; 57.11.
55
Aqui, o Alcorão entende tradicionalmente que o pronome na primeira pessoa do plural, “nós”, que
ocorre indiretamente no início da oração e diretamente no seu final seja uma referência a Deus. Para uma
ampla discussão sobre o significado desse pronome em todo o Alcorão, como uma possível referência a
Deus, aos anjos, ou a uma mera figura de linguagem, veja: MCCANTS, William F. Founding Gods,
Inventing Nations: Conquest and Culture Myths from Antiquity to Islam. New Jersey, Princeton
University Press, 2012, pp.37-40.
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Todavia, assim como ocorre com a Bíblia Hebraica, o fato de o Alcorão também
conter ensinamentos tanto sobre a liberdade humana quanto sobre o determinismo
divino, requer, de igual modo, uma posição equilibrada sobre o assunto. Dessa vez, o
pensador muçulmano, aiatolá Nasir Makarim Shirazi, nos ajuda com sua concisa, mas
certeira opinião, ao dizer:
56
SHIRAZI, Nasir Makarim. Principios Basicos del Pensamiento Islamico. (Vol. IV: Justicia Divina).
Tehran, Bonyad Be‘zat, 1987, p.43. Há entre os muçulmanos um grupo chamado qadarīah que nega a
predestinação absoluta e acredita no poder (qadr) do livre-arbítrio humano. (Cf. HUGHES, Thomas
Patrick. A Dictionary of Islam. New Dehli, AES Publications, 2001, p.478). O pensamento exposto por
Shirazi lembra a declaração do Pirkê Avot 3:15, que diz: ‟Tudo está previsto, [mas] a liberdade de
escolha é concedida”. (Cf. BERKSON, William. Pirke Avot: Timeless Wisdom for Modern Life.
Philadelphia, The Jewish Publication Society, 2010, p.126. O acréscimo entre colchetes é meu).
57
GEISLER, Norman. Eleitos, Mas Livres: uma perspectiva equilibrada entre a eleição divina e o livre-
arbítrio. São Paulo, Editora Vida, 2001, pp.47,48.
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6. ESCATOLOGIA
Essa escatologia histórica mencionada por Gnilka, a qual está presente na Bíblia
Hebraica, irá sofrer uma grande mudança com o surgimento da apocalíptica judaica.61
A partir do surgimento desse gênero literário, a história passa a ser compreendida de
outra forma. Agora, a ação definitiva de Deus se realiza não somente na própria história,
mas, sobretudo, além das fronteiras históricas, dando ensejo para que surjam, por
58
LIDDELL, H. G. & SCOTT, R. An Intermediate Greek-English Lexicon. [Founded upon the Seventh
Edition of Liddell and Scott’s Greek-English Lexicon]. Oxford, Oxford University Press, 1889,
pp.319,476-477.
59
PECK, Alan J. Avery. Eschatology (In Judaism). In: ESPÍN, Orlando O. & NICKOLOFF, James B.
(eds.). An Introductory Dictionary of Theology and Religious Studies. Collegeville, The Liturgical Press,
2007, p.410.
60
GNILKA, Joachim. Bíblia e Alcorão – O Que os Une, O Que os Separa, p.175.
61
A expressão “apocalíptica judaica” é usada para se referir a um tipo de gênero literário que emprega
imagens simbólicas e visões que descrevem acontecimentos futuros nos fins dos tempos. (Cf.
EISENBERG, Ronald L. Dictionary of Jewish Terms: a guide to the language of Judaism. Lanham,
Taylor Trade Publishing, 2011, p.18).
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exemplo, a esperança em uma vida no além, bem como, a crença na ressurreição dos
mortos (cf. Daniel 12.1-3).62
A apocalíptica judaica é importante não somente para a compreensão da
escatologia bíblica, mas também para a compreensão do próprio Alcorão, o qual
também compartilha esse mesmo tema em suas páginas. Aliás, verifiquemos isso com
maiores detalhes.
Na Bíblia Hebraica, encontramos várias referências ao “dia do Senhor”.63
Entender esse conceito não é algo fácil. Tal expressão pode fazer referência: a) a um
julgamento divino decisivo, breve ou remoto, na história, b) ao reinado soberano divino
sobre todas as coisas, ou c) à manifestação divina especial num contexto de julgamento
e salvação, bem como, nos principais eventos da história humana. 64 Seja como for,
parece que o sentido de “juízo” está mais presente nessa expressão.65 Esse conceito de
julgamento como o “dia” também aparece no Alcorão, onde lemos, por exemplo, sobre
“o Soberano do dia do julgamento” (Abertura, 1.4) e sobre “o último dia” (A Vaca,
2.228, 232).
Além disso, encontramos também na Bíblia Hebraica, em seu estágio tardio, uma
referência explícita à ressurreição, à vida eterna e ao sofrimento eterno: “e muitos que
dormem no pó da terra ressuscitarão, uns para a vida eterna, e outros para vergonha e
desprezo eterno” (Daniel 12.2). Esses mesmos elementos também podem ser
verificados no Alcorão, onde encontramos dezenas de referências ao “dia da
ressurreição”,66 além de várias outras menções feitas às recompensas e aos castigos
62
Neusner, Chilton e Graham chamam essa abordagem escatológica que aparece tanto no judaísmo
tardio, quanto no cristianismo e no islamismo de “compreensão linear, unidirecional e teleológica da
história”. (Cf. NEUSNER, Jacob, CHILTON, Bruce & GRAHAM, William. Three Faiths, One God: the
formative faith and practice of Judaism, Christianity, and Islam. Boston, Brill Academic Publishers,
2002, p.290).
63
Veja, por exemplo: Isaías 2.12; 13.6,9; Joel 1.15; 2.1,11,31; Amós 5.18-20; Sofonias 1.7,14; Zacarias
14.1.
64
CHAMPLIN, R. N. Enciclopédia de Bíblia, Teologia e Filosofia. Vol.2. [D-G]. São Paulo, Hagnos,
2001, p.440.
65
METZGER, Bruce M. & COOGAN, Michael D. (eds.). The Oxford Companion to the Bible. Oxford,
Oxford University Press, 1993, p.157.
66
Veja, por exemplo, as suras: 2.85, 113, 174, 212, 275; 3.55, 77, 161, 180, 185, 194; 4.87, 109, 141,
159; 5.14, 36, 64; 6.12; 7.32, 167, 172; 10.60, 93; 11.98, 99; 16.25, 27, 124; 17.13, 58, 62, 97; 18.105;
19.95; 20.100, 124; 21.47; 22.9 etc. (Para maiores informações sobre o significado do “dia da
ressurreição” no Alcorão, veja: MEHAR, Iftikhar Ahmed. Al-Islam: Inception to Conclusion.
Bloomington, AuthorHouse, 2003, pp.240-242).
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Confira, por exemplo, as suras: 2.85, 114, 162; 4.93, 102, 151 (sobre os castigos) e 2.58, 62, 112; 3.57,
136, 144 (sobre as recompensas).
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CONCLUSÃO
Este breve estudo que fizemos sobre alguns temas em comum entre a Bíblia
Hebraica e o Alcorão nos permitiu chegar às seguintes conclusões:
Primeira, a Bíblia Hebraica e o Alcorão falam sobre a crença em um Deus único,
o qual é, ao mesmo tempo, o Criador de todas as coisas. Nestes dois livros sagrados, o
politeísmo é fortemente rejeitado como idolatria, pois o que importa, de fato, é a fé em
’ēl / allāh (termos estes que, como vimos, possuem afinidades morfológicas e
semânticas) e a obediência (ou “submissão”) à Sua vontade. Este Deus único usou a Sua
Palavra (mēmrā’ / ’amr) como instrumento da Sua obra criadora, trazendo assim à
existência os céus, a terra e o próprio homem.
Segunda, o Deus único da Bíblia Hebraica e do Alcorão resolveu dar-se a
conhecer à humanidade. Para isso, Ele escolheu se auto-revelar através de um livro
sagrado que traz consigo o registro das Suas divinas palavras, que devem ser lidas,
estudadas e praticadas. E este (s) livro (s) sagrado (s), por sua vez, veio (vieram) a ser
escrito (s) através da instrumentalidade de Seus servos: Moisés (especialmente) e
Maomé.
Terceira, a Bíblia Hebraica e o Alcorão conferem, ambos, grande destaque à
pessoa de Abraão. Ele é tanto o patriarca dos judeus, que se veem como seus filhos
(“filhos de Abraão”), quanto é o pai de Ismael, ancestral do povo árabe, segundo as
tradições judaica e árabe.
Quarta, tanto a Bíblia Hebraica quanto o Alcorão apresentam em suas páginas a
tensão existente entre o determinismo divino e o livre-arbítrio humano. Apesar de o
Alcorão pender mais para o primeiro destes conceitos do que o Tanakh, contudo, ambos
mencionam tais elementos em seus escritos, retratando assim a sua compreensão
teológica, cosmológica e antropológica da complexa relação Deus-homem-mundo.
Quinta, a escatologia também é um tema comum à Bíblia Hebraica e ao Alcorão.
Porém, é um assunto muito mais trabalhado neste último, que, valendo-se
principalmente da apocalíptica judaica, acabou desenvolvendo um conteúdo
escatológico mais rico e variado do que aquele apresentado no Tanakh. Entretanto, os
dois livros ressaltam tal tema, à sua maneira, em seus textos.
Finalmente, a sexta e última conclusão à qual pudemos chegar neste trabalho e,
talvez, a mais importante de todas, é que toda esta afinidade temática, todo este
compartilhamento de conceitos e crenças (ainda que de forma parcial) por parte da
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