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TRIBUNAL MARÍTIMO

AR/MCP PROCESSO Nº 26.808/12


ACÓRDÃO

F/B “CERPINHA”. Embarcação trafegando com deficiência de equipagem,


pela baía do Guajará, PA, sem ocorrências de danos materiais, acidentes
pessoais, tampouco poluição ao meio ambiente fluvial. Descumprimento às
NORMAS da Autoridade Marítima, para a segurança da navegação, ao
colocar deliberadamente a embarcação em tráfego, com a sua tripulação
incompleta, e com um marinheiro não habilitado, colocando em risco a
incolumidade e a segurança da embarcação e as vidas de bordo e a própria
navegação. Condenação do 2º Representado. Declaração de Extinção de
Punibilidade do 1º Representado, nos moldes do art. 62, do CPP, c/c art. 155,
da Lei nº 2.180/54.

Vistos, relatados e discutidos os presentes autos.


Tratam os autos do fato da navegação, tipificado no artigo 15, alínea “a”
(deficiência de equipagem), da Lei Orgânica deste Tribunal (Lei nº 2.180/54),
envolvendo o F/B “CERPINHA”, constatado pela Equipe de Inspeção Naval, da
Capitania dos Portos da Amazônia Oriental, por volta das 08h50min de 15 de março de
2010, durante navegação nas proximidades da ilha de Mucuras, baía de Guajará, PA, sem
registros de danos materiais, pessoais, tampouco poluição ao meio ambiente fluvial.
Extrai-se dos autos que por volta das 04h30min de 15 de março de 2010, o
F/B “CERPINHA”, de 20,00m de comprimento e 97,00 AB, inscrito no porto de Belém,
PA, classificado para a atividade de transporte de carga, em área de navegação interior
(fl. 42), como propriedade de Alfredo Tembra Filho, sob a mestrança do Contramestre
Fluvial Andre Luiz Barbosa da Costa suspendeu da cidade de Ponta de Pedras, ilha de
Marajó, PA, com destino a Belém, PA, transportando um caminhão “munck” e um motor
gerador.
A viagem transcorria sem anormalidades, até que por volta das 08h50min do
mesmo dia, nas proximidades da Ilha das Mucuras, na baía de Guajará, PA, foi o F/B
“CERPINHA” abordado por uma lancha da Capitania dos Portos da Amazônia Oriental
e, em seguida, inspecionada pela Equipe de Inspeção e esta constatou que o F/B estava
com deficiência de equipagem, no caso a bordo apenas o Comandante e um marinheiro
de máquinas, sendo este não habilitado, após o que, foi o F/B conduzido para o porto da

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Caravelas localizado na orla fluvial de Belém, onde ficou apreendido, para providências
cabíveis.
Em sede de IAFN instaurado pela Capitania dos Portos da Amazônia Oriental
(Portaria Nº60/CPAOR, fl.02) foi ouvida 01 (uma) testemunha, o Sr. Andre Luiz Barbosa
da Costa, Comandante do F/B (fls. 30/30v) que declarou: a tripulação não estava de
acordo com o Cartão de Tripulação de Segurança, tanto em quantidade, quanto em
habilitação, faltavam 02 (dois) Marinheiros Fluviais de Convés e que a tripulação, como
também a embarcação não fora despachada junto a Capitania dos Portos. Afirmou, após a
inspeção, a embarcação foi apreendida, não sabendo informar se a mesma já fora
liberada. Por fim, atribuiu a causa do fato em questão, ao proprietário que não contratou
pessoal habilitado em quantidade suficiente, de acordo com o Cartão de Tripulação de
Segurança, para guarnecer o F/B “CERPINHA”.
Os Peritos em laudo de exame pericial de fls. 08 a 10, consignam que quando
da perícia realizada em 27/03/10 a embarcação se sencontrava em bom estado de
conservação; e navegação, não apresentava qualquer avaria, dotada com material de
salvatagem completo e em bom estado; extintores de incêndio, equipamentos de auxílio a
navegação, e também radio VHF, todos em perfeito estado de conservação e
funcionamento.
Não foi apresentado o Comprovante do Seguro Obrigatório DPEM.
Apuraram ainda os Peritos que quando da ocorrência do fato, as condições
de tempo eram boas. Não chovia, ventos fracos, maré de vazante, visibilidade boa,
segundo os tripulantes.
O Comandante estava ciente que a tripulação estava incompleta.
Apontam o fator operacional como contribuinte para o fato.
Na análise dos Peritos, a CAUSA DETERMINANTE para a ocorrência do
fato da navegação em lide foi “a embarcação ser posta para navegar, deliberadamente,
com a sua tripulação incompleta, e com um marinheiro não habilitado, colocando em
risco a segurança da navegação e as vidas de bordo”.
Às fls. 43 a 52, Documentação relativa ao F/B CERPINHA, a destacar Cartão
de Tripulação de Segurança (CTS), Termo de Responsabilidade, Pedido de Despacho,
este datado de 01/03/10 e Passe de Saída, válido até 27/03/2010 e outros documentos.
Juntados ainda aos autos, outros documentos de praxe e CD com as
principais peças do IAFN.
O Encarregado do IAFN em relatório de fls. 54/56, após descrever as

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diligências realizadas, características da embarcação envolvida, analisar e transcrever
resultado da perícia, trechos do depoimento da única testemunha ouvida, em consonância
com as conclusões dos Peritos, encerrou o IAFN apontando como possíveis responsáveis,
nos termos do art. 15, alínea “a”, da Lei nº 2.180 de 1954, o Sr. André Luiz Barbosa da
Costa, Comandante”, e solidariamente, o Sr. Alfredo Tembra Filho, proprietário, ambos
do F/B “CERPINHA, por colocarem a mesma a trafegar, deliberadamente, com a
deficiência da equipagem.
Devidamente notificados (fls. 58/63), apresentou defesa prévia o Sr. Andre
Luiz Barbosa da Costa (fl. 60) alegando, em resumo, que o defendente foi obrigado pelo
proprietário a desatracar do porto com destino a Belém, juntamente com mais um
tripulante, sendo este não habilitado.
Assim, solicita uma diminuição da multa, pois o defendente teve que cumprir
as ordens do proprietário, que também não contratou tripulação suficiente de acordo
com o Cartão de Tripulação de Segurança.
Após análise dos autos, a Procuradoria Especial da Marinha - PEM, em
promoção juntada às fls. 70 a 73 representou, com fulcro no artigo 15, alínea “a”
(deficiência de equipagem), da Lei nº 2.180/54, contra Alfredo Tembra Filho, na
condição de proprietário e contra André Luiz Barbosa da Costa, este na condição de
Comandante, ambos do F/B CERPINHA, sustentando: (...). Considerando que a causa
determinante do fato da navegação em questão foi a atitude deliberada de colocar a
embarcação para navegar com uma tripulação em desacordo com o CTS, ou seja,
incompleta e com um tripulante não habilitado exercendo a função de Marinheiro
Fluvial de Máquinas e considerando que a deficiência de equipagem, que punha em
risco a incolumidade e segurança da embarcação, as vidas e fazendas de bordo, se acha
suficientemente provada e demonstrada, ambos devem ser responsabilizados.
O primeiro representado, Alfredo Tembra Filho, proprietário e armador do
ferry boat “CERPINHA”, por não ter contratado tripulantes em número suficiente e
com a devida habilitação para operar a embarcação, deixando de armá-la de acordo
com o CTS. E, o segundo, o CMF André Luiz Barbosa da Costa, Comandante da
embarcação por aceitar empreender a viagem, mesmo estando ciente de que o “ferry
boat” estava com deficiência de equipagem e conhecendo os riscos que tal deficiência
representava”.
Por todo o exposto requer o recebimento da presente Representação, para
julgada procedente sejam os Representados condenados nas penas e custas processuais

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estabelecidas na Lei nº 2.180/54, com as alterações nela introduzidas pela Lei nº
8.969/94, não antes de protestar por todos os meios de prova em direito admitidos, na
ocasião oportuna e se necessário”.
Por fim, a PEM aponta as infrações ao RLESTA, art. 19, inciso I (falta de
despacho da embarcação junto à Capitania) e à Lei nº 8.374/91, art. 15 (não apresentação
de bilhete de seguro obrigatório DPEM vigente à época do fato), cometidas pelo
proprietário do F/B “CERPINHA”, Alfredo Tembra Filho, e que sejam comunicadas à
Capitania dos Portos da Amazônia Oriental, Agente Local da Autoridade Marítima.
Recebida a Representação (fl. 80), o 1º Representado Alfredo Tembra Filho
que não consta do Rol de Culpados deste Tribunal (fl. 93) deixou de ser citado, em razão
do seu óbito, ocorrido em 17 de fevereiro de 2012, devidamente comprovado (fls. 104-
107), e dado a conhecer à PEM (fl. 109), esta em manifestação às fls. 111 requereu a
extinção da punibilidade do primeiro Representado, o que foi deferido pela Juíza Relatora
em Despacho à fl. 116, com fundamento no art. 62, do C.P.P., c/c art. 155, da Lei
Orgânica deste Tribunal (Lei nº 2.180/54), por conseqüência foi o Sr. Alfredo Tembra
Filho (1º Representado) excluído do feito.
Já o 2º Representado, Andre Luiz Barbosa da Costa, sem antecedentes neste
Tribunal (fls. 134), devidamente citado (fl. 83) foi defendido por I. Advogado constituído
(fls. 113/114), que em sua defesa (fls. 97/98) alega: (...). Ao Requerente é imputada à
responsabilidade pelo fato da navegação capitulado no art. 15, “a”, da Lei nº 2.180/54,
deficiência de equipagem, sendo que tal circunstância colocaria em risco a segurança
da navegação, da própria embarcação e das vidas e fazendas de bordo.
Depreende-se dos autos que a infração da qual está sendo responsabilizado
ocorreu devido o ferry boat “CERPINHA”, de propriedade do Senhor Alfredo Tembra
Filho, trafegava com deficiência de equipagem, eis que viajava com a tripulação
incompleta e tripulante sem habilitação, mesmo em que pese o Requerente estar
habilitado, porem sem a carteira marítima armada.
Ademais, o Requerente não deve ser responsabilizado pelas deficiências
constantes na embarcação, pois esta não é de sua propriedade, assim, não possuindo a
responsabilidade pelas ações ou omissões no caso em tela, não podendo ser
responsabilizado por atos que não são de sua incumbência, como a contratação de
tripulantes devidamente habilitados, viajar com tripulação completa, além da armação
de carteiras marítimas.
Ressalta-se ainda que o Requerente é pessoa humilde e necessita do

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emprego para sustentar sua família. Devido. ao estado de necessidade, permaneceu
laborando na embarcação para poder dar o sustento a sua esposa e filhos, que
dependem exclusivamente do Requerente.
Logo, reitera-se que o Requerente não pode ser responsabilizado pelas
infrações da embarcação, vez que não é de sua propriedade, sendo apenas um simples
empregado que necessita do salário para dar o mínimo de condições a sua família. O
Código Penal Brasileiro em seu artigo 24 tipifica a conduta antijurídica do Estado de
Necessidade, senão vejamos:
Art. 24 - Considera-se em estado de necessidade quem pratica o fato para
salvar de perigo atual, que não provocou por sua vontade, nem podia de outro modo
evitar, direito próprio ou alheio, cujo sacrifício, nas circunstâncias, não era razoável
exigir-se.
Trata-se de causa excludente de ilicitude, segundo a qual, não se pode
exigir conduta diversa da pessoa que age nessas circunstâncias, vez que estas são
excepcionais. Há uma situação de força maior, de violência moral. Assim sendo, mesmo
em que pese à embarcação encontrar-se irregular, o Obreiro necessitava laborar para
sustentar sua família que depende unicamente dessa renda para suas necessidades mais
básicas, sob pena de ver sua esposa e filhos passando fome, demonstrando-se o estado
de necessidade, assim, ocorrendo à excludente de ilicitude e a conseqüente inocência do
Requerente sobre qualquer irregularidade da embarcação.
Destarte, considerando que o Requerente é primário e de bons antecedentes,
reside no distrito da culpa, tem família e ocupação lícita (marítimo), como nada deve a
Justiça, especialmente no caso vertente, portanto, seja imediatamente, REJEITADA A
REPRESENTAÇÃO e a total improcedência das acusações e a consequente inocência
do Requerente”.
Aberta a instrução, nenhuma prova foi produzida.
Em alegações finais, a PEM em manifestação à fl. 123v ratifica os termos de
sua inicial de fls. 70 a 73. Enquanto o 2º Representado manteve-se silente, conforme
Certidão à fl. 127.
Isto posto, assim decidimos.
De todo o exposto, considerando as provas trazidas à colação dão conta de
demonstrar, sem sombra de dúvidas, que o F/B “CERPINHA” trafegava ao arrepio das
NORMAS da Autoridade Marítima para a Segurança do Trafego Aquaviário, em especial
o item 0105, Capítulo I, da NORMAM 13/DPC, deste modo expondo a risco à

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incolumidade e a segurança da citada embarcação, vidas e fazendas de bordo e a
segurança do tráfego Aquaviário.
Considerando a declaração de extinção de punibilidade no pólo passivo do
proprietário da citada embarcação, o 1º Representado Alfredo Tembra Filho, face o seu
óbito, antes de formalizada sua Citação, comprovada pelos juntados às fls. 104 a 107, em
despacho da Juíza Relatora (fl. 116), com fundamento no art. 62, do CPP, c/c 155, da Lei
Orgânica deste Tribunal (Lei nº 2.180/54);
Considerando que o 2º Representado Andre Luiz Barbosa da Costa sabendo
da deficiência de equipagem, e ainda, com um tripulante, na função de Marinheiro de
Máquina não habilitado, mesmo assim, aceitou suspender com a embarcação da cidade
de Ponta de Pedras, Ilha de Marajó, PA, com destino à Belém, PA, conforme se extrai de
suas declarações em sede de IAFN (fls. 30/30v), repetidas em defesa prévia (fl. 60) e
também em defesa técnica perante este Tribunal (fls. 97/98), inclusive procurando se
justificar com o frágil argumento de ter sido o defendente obrigado pelo proprietário a
desatracar do porto com destino a Belém, juntamente com mais um tripulante, sendo este
não habilitado, requerendo assim, sua exculpabilidade e se este não for o entendimento
desta Corte Marítima, requer “uma diminuição da multa, pois o defendente teve que
cumprir as ordens do proprietário, que também não contratou tripulação suficiente de
acordo com o Cartão de Tripulação de Segurança”.
Considerando ainda, o contido no artigo 58, da citada Lei nº 2.180/54.
Por todo o exposto e por tudo o mais que dos autos consta, julgamos
procedente a Representação de autoria da D. Procuradoria Especial da Marinha - PEM
(fls. 70 a 73) para responsabilizar o 2º Representado Andre Luiz Barbosa da Costa, pelo
fato da navegação em lide, tipificado no artigo 15, alínea “a”, da mesma Lei nº 2.180/54,
por seu agir imprudente, quando, na condição de Comandante do F/B “CERPINHA”
aceitou empreender a viagem, mesmo estando ciente de que o “ferry boat” estava com
deficiência de equipagem e conhecendo os riscos que tal deficiência representava para a
segurança e incolumidade da embarcação, vidas e fazendas de bordo e a segurança do
tráfego aquaviário. Na aplicação, contudo, deve-se observar o disposto nos artigos 124,
inciso IX, 127, 139, incisos II e IV, alínea “d”, todos da mesma Lei.
Assim,
ACORDAM os Juízes do Tribunal Marítimo, por unanimidade: a) quanto à
natureza e extensão do fato da navegação: embarcação trafegando com deficiência de
equipagem, pela baía do Guajará, PA, sem ocorrências de danos materiais, acidentes

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pessoais, tampouco poluição ao meio ambiente fluvial; b) quanto à causa determinante:
descumprimento às NORMAS da Autoridade Marítima, para a segurança da navegação,
ao colocar deliberadamente a embarcação em tráfego, com a sua tripulação incompleta, e
com um marinheiro não habilitado, colocando em risco a incolumidade e a segurança da
embarcação e as vidas de bordo e o tráfego aquaviário; e c) decisão: julgar procedente a
Representação de autoria da D. Procuradoria Especial da Marinha (fls. 70 a 73) para,
considerando o fato da navegação, tipificado no artigo 15, alínea “a”, da Lei Orgânica
deste Tribunal (Lei n° 2.180/54), como decorrente da conduta imprudente do Sr. André
Luiz Barbosa da Costa, na condição de então Comandante do F/B “CERPINHA”,
condená-lo à pena de Repreensão, prevista no art. 121, inciso I, c/c os artigos 124, inciso
IX, 127, 139, incisos II e IV, alínea “d”, todos da mesma Lei. Custas processuais, na
forma da Lei. Declarar extinta a punibilidade do 1° Representado, Alfredo Tembra Filho,
face o seu óbito (art. 62, do CPP, c/c art. 155, da mesma Lei n° 2.180/54).
Publique-se. Comunique-se. Registre-se.
Rio de Janeiro, RJ, em 08 de agosto de 2018.

MARIA CRISTINA DE OLIVEIRA PADILHA


Juíza Relatora

Cumpra-se o Acórdão, após o trânsito em julgado.


Rio de Janeiro, RJ, em 11 de outubro de 2018.

WILSON PEREIRA DE LIMA FILHO


Vice-Almirante (RM1)
Juiz-Presidente
PEDRO COSTA MENEZES JUNIOR
Primeiro-Tenente (T)
Diretor da Divisão Judiciária
AUTENTICADO DIGITALMENTE

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Assinado de forma digital por COMANDO DA MARINHA
DN: c=BR, st=RJ, l=RIO DE JANEIRO, o=ICP-Brasil, ou=Pessoa Juridica A3, ou=ARSERPRO, ou=Autoridade Certificadora SERPROACF, cn=COMANDO DA MARINHA
Dados: 2018.12.10 13:48:19 -02'00'

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