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FÍGURAS HÍBRIDAS: A DISTINÇÃO ENTRE AS

OBRIGAÇÕES PROPTER REM E AS OBRIGAÇÕES COM


EFICÁCIA REAL

DENISE ELLEN SIEBRA PIRES1


MARCUS MAURICIUS HOLANDA2

Resumo: Híbrido é o que se origina do cruzamento ou mistura de espécies diferentes. Tal nomenclatura,
no Direito Civil, refere-se a tipos específicos de obrigação pelo fato delas assumirem peculiaridades
limiares entre o direito real e o direito obrigacional. Nesse contexto faz-se necessária uma sucinta
explanação sobre o direito real e o obrigacional. No direito real, há uma relação de domínio que se
estabelece entre um sujeito e uma coisa, compondo uma relação de posse. Enquanto que o outro se refere
a uma prestação que une sujeito ativo ao sujeito passivo, em uma relação triangular. De modo que podemos
situar as figuras híbridas como uma amálgama de ambos. Procuraremos demonstrar neste artigo do que se
trata e qual a diferença entre duas figuras híbridas de que trata este trabalho: As obrigações propter rem e
as obrigações com eficácia real, conforme menciona a legislação e a doutrina.

Palavras-chave: Direito Civil. Obrigações. Figuras hibridas. Direito real.

ANAIS do VIII Encontro de Pesquisa e Extensão da Faculdade Luciano Feijão.


ISSN 2318.4329
INTRODUÇÃO

Híbrido é o que se origina do cruzamento ou mistura de espécies diferentes. Tal


nomenclatura, no Direito Civil, refere-se a tipos específicos de obrigação pelo fato deles
assumirem peculiaridades limiares entre o direito real e o direito obrigacional. Nesse
contexto faz-se necessária uma sucinta explanação sobre o direito real e o obrigacional.
No direito real, há uma relação de domínio que se estabelece entre um sujeito e uma coisa,
compondo uma relação de posse.
Enquanto que o outro se refere a uma prestação que une sujeito ativo ao sujeito
passivo, em uma relação triangular. De modo que podemos situar as figuras híbridas como
Sobral-CE, novembro de 2015.

uma amálgama de ambos. Procuraremos demonstrar neste artigo do que se trata e qual a

1
Graduanda do 5º Semestre do Curso de Direito da Faculdade Luciano Feijão. E-mail:
denisesiebra95@gmail.com
2
Mestre em Direito Constitucional pela Universidade de Fortaleza (UNIFOR). E-mail:
mmholanda@hotmail.com
diferença entre duas figuras híbridas: as obrigações propter rem e as obrigações com
eficácia real, conforme menciona a legislação e a doutrina.
Para o presente estudo, houve pesquisa nos diplomas legais, de modo especial, o
Código Civil. Assim como a análise de obras doutrinárias. Do mesmo modo, como item
auxiliar, houve a análise de artigos pertinentes à matéria em questão.
O objetivo deste artigo é tratar de forma clara um assunto ainda permeado de
dúvidas no Direito das Obrigações: a distinção das obrigações propter rem e as obrigações
com eficácia real. Cada uma com suas peculiaridades e conforme menciona a doutrina
majoritária, muito diferentes no que tange a sua aplicação nos casos concretos.
Isto porque a obrigação propter rem é uma obrigação que surge para o indivíduo
por ele ser titular de um direito sobre uma coisa, um bem. O termo propter rem significa
“por causa da coisa”. Dado isso, diversos questionamentos se fazem presentes como, por
exemplo, o caso do IPTU, será que este poderia ser considerado uma obrigação propter
rem? Determinada parte da doutrina considera que não, já que o IPTU é considerado um
tributo, enquanto que outra parte, o considera sim como exemplo de obrigação propter
rem já que se vincula à coisa, no caso o imóvel. Daí surgem diversas dúvidas quanto a
outros elementos obrigacionais como IPVA, débitos com água, luz, energia: todos
desconsiderados pela doutrina maior como exemplos de obrigações propter rem.
Já as obrigações com eficácia real se assemelham a uma obrigação comum
(pessoal) em sua essência, mas por força de contrato, adquire oponibilidade erga omnes.

FÍGURAS HÍBRIDAS OU INTERMEDIÁRIAS

As figuras híbridas são assim chamadas devido estar no limiar entre um direito
pessoal e um direito real. Entende-se por direito obrigacional aquele no qual compreende
o conjunto de bens e obrigações do indivíduo, no qual compreende o sujeito ativo
(credor), o sujeito passivo (devedor) e a prestação (dar, fazer ou não fazer). A prestação
é o elo que une o sujeito ativo ao sujeito passivo. No âmbito do direito obrigacional há
uma relação inter partes, pois não se vincula e nem prejudica a terceiros, salvo se a lei
determinar.
Enquanto que o direito real é aquele que se estabelece entre um sujeito e uma
coisa na qual o sujeito exerce domínio sobre o objeto. Os direitos reais, de uma forma
geral, são aqueles que incidem sobre uma coisa, um bem. Nos direitos reais há o jus
persequendi, ou seja, é o direito de perseguir o bem onde que quer ele esteja, a obrigação,
nesse caso, vai se dar devido a coisa, não se separando dela. Os direitos reais possuem
eficácia erga omnes uma vez que terceiros podem sofrer consequências da relação.
Dada a explicação inicial, podemos agora afirmar que as figuras híbridas são uma
amálgama de direitos obrigacionais com direitos reais. São portanto figuras
intermediárias no que tange a um direito e outro. Existem alguns casos em que o direito
obrigacional está vinculado a um direito real são os casos das figuras híbridas que são
classificadas em obrigações propter rem, ob rem ou in rem; obrigações com eficácia real
e ônus real. Trataremos das duas primeiras, objeto de nosso estudo, nos próximos tópicos.
Conquanto, não se pode confundir uma figura híbrida com outra, dada as
peculiaridades inerentes a cada uma dentro da relação. Alguns autores de doutrinas
minoritárias costumam utilizar as obrigações com eficácia real como uma subespécie de
obrigações propter rem, o que é altamente desmitificado por outra parte da doutrina que
as colocam como espécies das figuras híbridas. Abaixo segue um quadro-resumo das
principais peculiaridades de ambos os direitos que compõem as figuras hibridas:

Direito das Obrigações Direito Real


Relação humana; Relação entre sujeito e coisa;
Eficácia inter partes; Eficácia erga omnes;
Dois titulares (sujeito ativo e sujeito passivo); Um titular exerce domínio sobre a coisa;
Limitado no tempo; Perene;
Direito relativo. Direito absoluto.

OBRIGAÇÕES PROPTER REM

O termo propter rem significa “por causa da coisa”. Tais obrigações surgem
devido o sujeito ser titular de um direito sobre a coisa, elas nascem espontaneamente sem
que haja dependência da vontade do devedor. Assim, o direito de que se origina é
transmitido para os sujeitos da relação. Um exemplo muito comentado na doutrina é a
taxa condominial. A obrigação propter rem possui oponibilidade inter partes já que
vincula o sujeito ativo com o sujeito passivo, assim em um contrato de prestação de
serviços as partes estão vinculadas por força de uma prestação, terceiros não sofrem
vinculação. Trata-se de um grande exemplo de obrigação propter rem, em que a obrigação
é repassada para os novos sujeitos da relação. Desse modo, se houver inadimplência de
uma taxa condominial, o suposto novo inquilino deve arcar com as dívidas anteriores.
Alguns doutrinadores divergem quanto ao IPTU, se pode ser considerado uma obrigação
propter rem. A doutrina majoritária considera que não, pois o IPTU é um tributo que
possui natureza de prestação personalíssima e compulsória. Já a doutrina minoritária
acredita que o IPTU pode sim ser considerado um exemplo de obrigações propter rem já
que se vincula à coisa, no caso o imóvel. No entanto não podemos, neste artigo, fazer
nenhum juízo, pois não há nenhuma decisão peremptória de tribunais superiores que por
meio de um entendimento esclareça a dúvida quanto a natureza do IPTU. Ficaremos,
portanto, com a decisão da doutrina majoritária, que acredita não ser o IPTU considerado
obrigação propter rem. Nesse contexto também não se pode afirmar ser obrigações
propter rem, as taxas de energia elétrica e as taxas de água.
O Código Civil e a doutrina trazem outros tipos de exemplos de obrigações
propter rem, a obrigação imposta ao condômino de concorrer para as despesas de
conservação da coisa comum (artigo 1.315); a do condômino, no condomínio em
edificações, de não alterar a fachada do prédio (artigo 1.336, III); a obrigação que tem o
dono da coisa perdida de recompensar e indenizar o descobridor (artigo 1.234); a dos
donos de imóveis confinantes, de concorrerem para as despesas de construção e
conservação de tapumes divisórios (artigo 1.297, § 1º) ou de demarcação entre os prédios
(artigo 1.297); a obrigação de dar caução pelo dano iminente (dano infecto) quando o
prédio vizinho estiver ameaçado de ruína (artigo 1.280); e a obrigação de indenizar
benfeitorias (artigo 1.219). Assim também são classificadas como obrigações propter rem
a obrigação dos proprietários ou possuidores no condomínio edilício de não prejudicar a
saúde e a segurança dos demais condôminos.
São características das obrigações propter rem: a) O devedor não se obriga por
sua vontade, e sim pelo fato de ser proprietário do bem; b) O devedor se exonera da
obrigação se renunciar ao direito de propriedade ou abandonar a coisa; c) O sucessor a
título singular assume automaticamente a dívida, ainda que não saiba de sua existência.

OBRIGAÇÕES COM EFICÁCIA REAL

Carlos Roberto Gonçalves conceitua obrigações com eficácia real como sendo
aquelas “que, sem perder seu caráter de direito a uma prestação, transmitem-se e são
oponíveis a terceiro que adquira direito sobre determinado bem”. Sendo assim, as
obrigações com eficácia real, em sua essência, assemelham-se com uma obrigação
comum (pessoal) mas que em virtude do seu registro, nos termos da lei, passa a ter uma
oponibilidade erga omnes. A diferença é que a obrigação com eficácia real possui eficácia
contra terceiros, ou seja, a obrigação não vai vincular apenas as partes. De uma forma
geral, podemos afirmar que a obrigação com eficácia real mantém sua natureza pessoal
(relação de pessoa a pessoa), porém quando conduzida ao registro imobiliário adquire
eficácia erga omnes. O artigo 8° da lei do inquilinato é um exemplo para este tipo de
obrigação:

Se o imóvel for alienado durante a locação, o adquirente poderá denunciar o


contrato, com o prazo de noventa dias para a desocupação, salvo se a locação
for por tempo determinado e o contrato contiver cláusula de vigência em caso
de alienação e estiver averbado junto à matrícula do imóvel (lei 8.245 de 18 de
outubro de 1991).
O artigo 8° da lei do inquilinato traz uma hipótese de obrigação com eficácia real,
uma vez que o imóvel for averbado na matrícula, durante a locação, eventuais novos
compradores devem respeitar o contrato. Nesse caso, o contrato não passa a ter efeitos
apenas entre os sujeitos mas também contra terceiros. É uma proteção ao inquilino contra
eventuais novos compradores que pleiteiem a desocupação do imóvel. Se o imóvel for
alienado (no sentido de ter sua propriedade transferida para um terceiro) durante a
locação, o artigo 8º da Lei 8245/91 autoriza o adquirente a denunciar a locação,
concedendo ao inquilino que habita o imóvel o prazo de 90 dias para desocupá-lo. Essa
denúncia deve ser feita pelo comprador dentro do prazo de 90 dias a contar do registro do
imóvel, sob o risco de assumir a locação e, assim, não poder entrar no seu bem.
São características das obrigações com eficácia real: a) assemelha-se a uma
obrigação comum, em sua essência; b) possui oponibilidade erga omnes; c) certas
obrigações resultantes de contratos imobiliários, alcançam, por força de lei, a dimensão
de Direito Real.

CONCLUSÃO

Pretende-se com o presente trabalho explicar sobre o que são as figuras hibridas
bem como delimitar as diferenças existentes entre as obrigações propter rem e as
obrigações com eficácia real, enraizamentos daquelas. Destacamos dois tipos de figuras
híbridas: obrigação propter rem e obrigação com eficácia real. A primeira refere-se à
obrigação pela qual o devedor deve cumprir determinada prestação por ser titular de um
direito sobre a coisa. A doutrina utiliza como exemplo a taxa condominial do imóvel que
é imposta ao locatário. Há ainda uma ampla discussão em torno dos tributos, a exemplo
do IPTU, será que este poderia ser considerado uma obrigação propter rem? Autores
como Pablo Stolze acreditam que sim. Isto porque, segundo ele, seria uma obrigação que
acompanha a coisa, assim como na obrigação propter rem. No entanto, a doutrina
majoritária faz distinção entre tributos e obrigações propter rem. Nesse sentido, as taxas
de iluminação pública e a água também não seriam consideradas, por exemplo. Segundo
o entendimento doutrinário, não há semelhança entre as obrigações propter rem e as
obrigações com eficácia real, não podendo ser tratadas como sinônimas ou como espécie
da outra da outra. Isso porque a obrigação com eficácia real é uma obrigação comum, em
que há uma relação pessoal entre credor e devedor, mas como o próprio nome sugere sua
eficácia é real, ou seja, seus efeitos são tais quais os do direito real - erga omnes, possível
a partir de um registro que torna a obrigação oponível a terceiros. A exemplo citaremos
o Art. 8° da lei do inquilinato, que diz que se o contrato for averbado na matrícula,
eventuais novos proprietários do imóvel devem respeitar o fim da locação. Percebemos,
portanto, que não se trata de uma relação entre as partes, como numa obrigação comum,
pois a partir do momento em que é feita a averbação no registro, os seus efeitos se
sobressaem a terceiros.
Por fim, feitas tais distinções é importante mencionar a importância das figuras
híbridas no Direito Civil Brasileiro uma vez que permitem que entendamos a dinâmica
das obrigações no seio da sociedade bem como os diversos tipos de obrigações interagem
com os sujeitos da relação.

HYBRID FIGURE: THE DISTINCTION BETWEEN OF


PROPTER REM OBLIGATIONS AND THE ACTUAL
EFFICIENCY OBLIGATIONS
Abstract: Hybrid is what comes from the crossing or mixture of different species. This nomenclature, in
the Civil Law, refers to specific types of obligation by the fact they take thresholds peculiarities between
real right and obligatory right. In this context a brief explanation is necessary about the real right and the
obligation law. In the real right, there is a control relationship that is established between a man and a thing,
composing an ownership relationship. While the other refers to a installment that unites active subject to
passive subject, in a triangular relationship. So that we can locate the hybrid figures as an amalgam of both.
Try to demonstrate in this article what it is and what the difference between two hybrid figures mentioned
in this work: The propter rem obligations and actual efficiency obligations, as stated in the legislation and
doctrine.

Keywords: Civil law. Obligations. Hybrid figures. Actual law.

REFERÊNCIAS

GONÇALVES, Carlos Roberto: Direito civil brasileiro - teoria geral das obrigações. 8. ed. vol. 2. São
Paulo: Editora Saraiva, 2011.
GAGLIANO, Pablo Stolze; FILHO, Rodolfo Pamplona. Novo Curso de Direito Civil – Obrigações,
abrangendo os códigos civis de 1916 e 2002. 9. ed. vol. 2. São Paulo: Editora Saraiva, 2008.

DINIZ, Maria Helena. Direito Civil Brasileiro: Teoria Geral das Obrigações. 20. ed. v. 2. São Paulo:
Saraiva, 2004.

Dicionário jurídico. 2. ed. vol. 3. São Paulo: Saraiva, 2005.

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