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A epistemologia de Karl

Popper: racionalismo crítico

Prof. Fernando Lang da Silveira

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Austríaco de nascimento (1902),
imigrou nos anos 30, fugindo do
nazismo; inicialmente esteve na
Nova Zelândia, estabelecendo-se
depois na Inglaterra. Na London
School of Economics foi professor
de Filosofia da Ciência; em 1964
recebeu o título de cavaleiro (Sir).

A filosofia de Popper, o
racionalismo crítico, ocupa-se
primordialmente de questões
relativas à teoria do
conhecimento, à epistemologia.

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Ainda na Áustria, em 1934, foi publicado
o seu primeiro livro, Logic der Forschung (
A Lógica da Pesquisa Científica, que se
constituiu em uma crítica ao positivismo
ou empirismo lógico do Círculo de Viena,
defendendo a concepção de que todo o
conhecimento é falível e corrigível,
virtualmente provisório.

O pensamento de Popper também


abrangeu a esfera da política e da
sociedade, não sendo objeto desta
apresentação.

Popper debateu suas polêmicas idéias


com importantes pensadores do século
XX. Na Física foram seus interlocutores,
entre outros, Albert Einstein e Erwin
Schröedinger. www.if.ufrgs.br/~lang/
Um dos objetivos da ciência é a obtenção de afirmações com alto nível
de generalidade (enunciados universais).

Matéria atrai matéria na razão direta das massas e na ..... .

O rendimento de uma máquina térmica não pode ser 100%.

Na pressão de 1 atm, o ponto de ebulição da água é constante (100o


C).

Quando a luz passa de um meio para o outro, muda sua direção de


propagação de tal forma que
n1 . senθ1 = n2. senθ2

Como tais afirmações são obtidas?

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A estrutura das explicações científicas

Uma explicação científica constitui-se em uma


dedução, sendo a conseqüência uma asserção da
coisa explicada.

A dedução tem em suas premissas no mínimo um


enunciado universal (lei ou princípio) e no mínimo
um enunciado singular (condição específica).

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Como um pedaço de madeira pode flutuar na água?

Enunciado universal (derivado da Lei de Arquimedes):


um sólido flutua em um fluido quando a sua
densidade é igual ou menor do que a densidade do
fluido.

Condição específica: este pedaço de madeira é menos


denso do que a água.

Consequência: este pedaço de madeira flutua na


água.
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Explicando a queda de uma pedra!

Enunciado universal 1: o lugar natural dos corpos pesados ou graves é


embaixo.

Enunciado universal 2: um corpo pesado, quando abandonado, tende ao seu


lugar natural, isto é, cai.

Enunciado universal 3: um corpo é grave ou pesado quando é composto pelos


elementos graves: terra e água.

Condição específica 1: esta pedra é constituída pelo elemento terra.

Condição específica 2: esta pedra encontra-se longe do seu lugar natural.

Condição específica 3: esta pedra foi abandonada.

Consequência: esta pedra cai.


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A estrutura das explicações científicas

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Explicar cientificamente é deduzir de leis ou princípios


e condições específicas uma consequência (uma
asserção da coisa prevista).
O esquema lógico das explicações científicas é
o mesmo das previsões e das aplicações
tecnológicas.

Nas previsões a consequência ainda não é


conhecida empiricamente, observacionalmente.

Nas aplicações tecnológicas, procura-se as


condições específicas que, combinadas com as
leis ou princípios, levam a uma desejada
consequência.
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A LÓGICA DEDUTIVA é:

Transmissora da verdade:
se as premissas são verdadeiras, a conseqüência é verdadeira.

Retransmissora da falsidade:
se a conseqüência é falsa, uma ou mais premissas são falsas.

Não-retransmissora da verdade:
se a conseqüência é verdadeira, pode uma ou mais premissas serem
falsas. Portanto, a verdade da conseqüência não garante a verdade das
premissas.

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Uma dedução válida!

Enunciado universal:
Todos os A são B.

Condição específica:
X é A.

Consequência:
X é B.
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A lógica dedutiva é transmissora da verdade:
se as premissas são verdadeiras, a conseqüência é
verdadeira.

Enunciado universal:
Todos os homens são mortais.

Condição específica:
O Papa é homem.

Consequência:
O Papa é mortal.
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A lógica dedutiva é retransmissora da falsidade:
se a conseqüência é falsa, uma ou mais premissas são falsas.

Enunciado universal:
Todos os metais são condutores elétricos.

Condição específica:
A porcelana é metal.

Consequência:
A porcelana é condutora elétrica.

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A lógica dedutiva é não-retransmissora da verdade:
se a conseqüência é verdadeira, pode uma ou mais
premissas serem falsas. Portanto, a verdade da
conseqüência não garante a verdade das premissas.

Enunciado universal:
Todos os mamíferos voam.

Condição específica:
O morcego é mamífero.

Consequência:
O morcego voa.

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Fluxo da verdade e da falsidade

Em uma dedução, a verdade desce e a falsidade sobe. Entretanto, o fluxo inverso não
ocorre. Ou seja, pressupostos falsos podem conduzir a consequências verdadeiras;
de consequências verdadeiras não se infere a verdade dos pressupostos.
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Não é tarefa da teoria do conhecimento a
reconstrução racional das fases que conduziram o
cientista à descoberta da teoria científica.

Não há caminho estritamente lógico que leve à


formulação de novas teorias.

As teorias científicas são construções que envolvem na


sua origem aspectos não completamente racionais,
tais como a imaginação, criatividade, intuição, etc. “As
teorias são nossas invenções, nossas idéias – não se
impõe a nós”. São tentativas humanas de descrever e
entender a realidade.
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A tarefa da epistemologia ou da filosofia da
ciência é reconstruir racionalmente “as
provas posteriores pelas quais se descobriu
que a inspiração era uma descoberta ou veio
a ser reconhecida como conhecimento”. Em
outras palavras, não deve a epistemologia se
preocupar em reconstruir a inspiração do
cientista (isto é tarefa da psicologia da
ciência) e não é importante para a questão
da validade do conhecimento em que
condições o cientista formulou a teoria.
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“As teorias podem ser vistas como livres criações da
nossa mente, o resultado de uma intuição quase
poética, da tentativa de compreender intuitivamente
as leis da natureza”.

O processo de criação de uma teoria pode envolver


aspectos não-racionais; a imaginação, a criatividade,
a especulação usualmente desempenham papel
importante. Inclusive a metafísica pode servir de
fonte. “Não há ‘fontes últimas’ do conhecimento.
Toda fonte, todas as sugestões são bem-vindas; e
todas as fontes e sugestões estão abertas ao exame
crítico”. www.if.ufrgs.br/~lang/
Método científico segundo Popper:

Método crítico de teste dedutivo

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Caso o resultado do teste empírico da consequência seja negativo
acontece a retransmissão da falsidade.

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Caso os enunciados singulares sejam dados como verdadeiros, a teoria
estará falseada.

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HIPÓTESE (enunciado universal):
 A velocidade de queda de um corpo depende do seu peso; quanto maior é o
peso, maior é velocidade da queda.

CONDIÇÕES ESPECÍFICAS:
 Esta pedra é muito mais pesada. do que este pedaço de giz.
 Os dois corpos são abandonados simultaneamente a 2,0 m do solo.

CONSEQUÊNCIA:
 A pedra atinge o solo muito antes do pedaço de giz.

Resultado do teste (experimentação):


A conseqüência é falsa pois ambos os corpos atingem o solo (quase)
simultaneamente.

Como a conseqüência é falsa, e dado que as condições específicas são


verdadeiras, a hipótese com alto nível de generalidade está falseada.

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HIPÓTESE (enunciado universal):
 A rapidez da queda de um corpo depende do seu peso; quanto maior é o peso,
maior é a velocidade da queda.

CONDIÇÕES ESPECÍFICAS:
 Esta pedra é mais pesada. do que esta pena.
 Os dois corpos são abandonados simultaneamente a 2,0 m do solo.

CONSEQUÊNCIA:
 A pedra atinge o solo antes da pena.

Resultado do teste (experimentação):


A conseqüência é verdadeira pois experimentalmente se verifica que a pedra
atinge o solo antes da pena.

Entretanto, como não há retransmissão da verdade para a hipótese com alto nível
de generalidade, a hipótese está corroborada  pode ser provisoriamente aceita.

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Caso a consequência seja dada como
verdadeira, não há retransmissão da
verdade para a teoria.

A teoria está corroborada e é


provisoriamente aceita.

No futuro é virtualmente possível


derivar alguma(s) consequência da
teoria que seja dada como falsa.

Portanto as teorias científicas são


refutáveis em princípio e nunca
podem ser tomadas com
definitivas.

O conhecimento científico é
provisório, falível e corrigível!

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Salvando a teoria da refutação: retransmitindo a falsidade às
observações.

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Newton instruiu o
astrônomo real
Flamsteed a fazer
correções adicionais
para refração da luz na
atmosfera em seus
cálculos astronômicos.

Estas correções
visavam adequar os
dados astronômicos às
previsões teóricas.

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Salvando a teoria da refutação: retransmitindo a falsidade às
condições específicas.

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Por volta de 1820 observou-se que a
órbita de Urano  descoberto em 1781
e então considerado como o último dos
sete planetas do sistema solar  não
correspondia à órbita prevista
(diferença de até 0,025 graus).
Desta forma uma consequência da
Mecânica de Newton se mostrava
falseada.
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Entretanto previsão acurada e precisa
de qualquer órbita planetária requer 
além da Mecânica Newtoniana  um
modelo para o sistema solar. Tal
modelo deve especificar a massa de
cada planeta, a posição e velocidade
de cada planeta em um dado
momento.

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A partir de 1835, diversos
astrônomos atribuíram a
discrepância entre a órbita
observada e a calculada, não à
Mecânica de Newton mas ao
modelo do sistema solar. Lançaram
a hipótese da existência de um
planeta transurânico.
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O inglês Adams (1843) e o francês Le
Verrier (1845), independentemente,
supondo a existência de um planeta
não conhecido calcularam a posição do
novo planeta.
Finalmente, os astrônomos alemães
Galle e d'Arrest em 1846, orientados
por Le Verrier, conseguiram observar o
oitavo planeta  Netuno.
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Desta forma, a Mecânica
Newtoniana foi “salva da
refutação” através da
hipótese de que havia
algo errado nas
condições específicas e
não nas Leis de Newton.
Entretanto a suposição
sobre a existência de um
planeta transurânico –
Netuno – não era ad-hoc
pois de fato era testável
também.
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A detecção de
Netuno por Galle
transformou a
aparente refutação
da Mecânica
Newtoniana em
uma bem sucedida
corroboração da
teoria de Newton.

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O problema da demarcação

Como se pode distinguir as teorias científicas das não-


científicas, pseudocientíficas, metafísicas?

Resposta empirista-indutivista
Verificabilidade

As teorias científicas são verificáveis através da


observação e/ou experimentação.

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Crítica de Popper à verificabilidade como critério
de demarcação
Os enunciados com alto nível de generalidade (leis, princípios),
quando combinados com as condições específicas, permitem a
dedução de enunciados com baixo nível de generalidade. Esses
enunciados são em princípio testáveis, isto é, através da
observação e/ou experimentação serem dados como
verdadeiros ou falsos.

No primeiro caso, como a lógica dedutiva não permite


retransmitir a verdade para os enunciados universais, a
verificabilidade dos mesmos é impossível.

Ou seja, adotado como critério de demarcação a verificabilidade,


conclui-se que a Física, a Química, ... são pseudociências.
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Se o critério da verificabilidade for adotado apenas para
as consequências das teorias  os enunciados com
baixo nível de generalidade  até os pronunciamentos
dos oráculos, dos feiticeiros, dos astrólogos serão
considerados científicos.

"Amanhã poderá chover!"

"Em 2001 morrerá um político importante."

"A cor preferida dos cancerianos é o branco; entretanto,


dependendo do ascendente pode ser ..."

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Critério de demarcação proposto por Popper

Refutabilidade

As teorias científicas são potencialmente refutáveis. Os


enunciados com alto nível de generalidade (leis, princípios),
quando combinados com as condições específicas,
permitem a dedução de enunciados com baixo nível de
generalidade. Tais enunciados são testáveis,
potencialmente refutáveis , podendo através da
observação e/ou experimentação serem dados como
verdadeiros ou falsos.

Caso venham a ser dados como falsos, a lógica dedutiva


permite a retransmissão da falsidade para as leis ou para os
princípios. www.if.ufrgs.br/~lang/
Mesmo não havendo a possibilidade de
demonstrar a verdade de uma dada teoria T2,
algumas vezes se pode defender racionalmente
que ela se aproxima mais da verdade que outra
teoria T1; tal ocorre quanto T2 explica todos os
fatos corroboradores (conteúdo de verdade) e
os problemáticos para T1 (conteúdo de
falsidade), adicionalmente explicando fatos
sobre os quais T1 não se pronunciava: a teoria T2
tem então um excesso de conteúdo em relação
à T1.

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Isto se dá com a Teoria Geral da Relatividade em relação à Teoria
de Newton: www.if.ufrgs.br/~lang/

A segunda é uma excelente aproximação da primeira para baixas


velocidades e campos gravitacionais fracos.

Todos os problemas que a antiga teoria resolveu com sucesso, a nova


também resolve e alguns, como o caso do periélio anômalo de
Mercúrio, não resolvido pela Mecânica Newtoniana, também são
explicados pela Teoria Geral da Relatividade.

Adicionalmente a teoria de Einstein fez predições sobre aspectos da


realidade sobre os quais a de Newton não se pronunciava (é o caso do
desvio da luz por campos gravitacionais, corroborado no eclipse de
1919). “Contudo, Einstein jamais chegou a acreditar que sua teoria
fosse verdadeira. Chocou Cornelius Lanczos, em 1922, ao dizer que
sua teoria não era mais que um estágio passageiro: chamou-lhe
„efêmera‟”. Também “buscou uma melhor aproximação da verdade
durante quase quarenta anos, até a sua morte”.
Isto se dá com a Teoria Geral da Relatividade em relação à Teoria
de Newton:

A segunda é uma excelente aproximação da primeira para baixas


velocidades e campos gravitacionais fracos.

Todos os problemas que a antiga teoria resolveu com sucesso, a


nova também resolve e alguns, como o caso do periélio anômalo
de Mercúrio, não resolvido pela Mecânica Newtoniana, também
são explicados pela Teoria Geral da Relatividade.

Adicionalmente a teoria de Einstein fez predições sobre


aspectos da realidade sobre os quais a de Newton não se
pronunciava (é o caso do desvio da luz por campos
gravitacionais, corroborado no eclipse de 1919).

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