Você está na página 1de 26

O empirismo de

Hume

Retrato de David Hume, Allan Ramsay, óleo sobre tela,


Retrato
Scottish de David
National Hume,Gallery,
Portrait Allan Ramsay, óleo 1766
Edimburgo, sobre tela,
Scottish National Portrait Gallery, Edimburgo, 1766
Empirismo

D. Hume (1711-1776) foi um dos maiores filósofos do século XVIII.


Defendeu o primado da experiência, expôs as debilidades da mente
humana e considerou que todo o nosso conhecimento é apenas provável
e verosímil.

Empirismo é a doutrina epistemológica que defende o primado da


experiência e dos sentidos. O empirismo «opõe à tese do racionalismo (…) a
antítese que diz: a única fonte do conhecimento humano é a experiência. Na
opinião do empirismo, não há qualquer património a priori da razão.
A consciência cognoscente não tira os seus conteúdos da razão; tira-os
exclusivamente da experiência»
(J. Hessen).
Impressões e ideias

 Aos conteúdos da nossa mente Hume chama perceções. Estas distribuem-se por duas
categorias principais: as impressões e as ideias.

 As impressões consistem em experiências e tanto podem ser externas como internas.

 As ideias abrangem os nossos conceitos, bem como aquilo que imaginamos ou


recordamos.

 As impressões distinguem-se das ideias pela sua maior vivacidade.

 Princípio da cópia: todas as ideias são cópias de impressões. 

 O princípio da cópia é empirista, pois diz-nos que todos os conteúdos da nossa mente
têm a sua origem na experiência.
Elementos do conhecimento

Perceções

Grau de Ideias
Impressões maior força e menor
(pensamentos)
vivacidade

São as representações
das impressões, ou as
São as perceções mais suas imagens
vívidas e fortes, como enfraquecidas.
As ideias derivam das
as sensações, emoções Exemplo: a memória
impressões, são cópias
e paixões. da cor de uma flor.
delas.
Exemplo: a cor de uma (As ideias da memória
flor. são mais fortes e
vívidas que as da
imaginação.)
Não existem ideias
inatas.
Ideias
Impressões
(pensamentos)
Simples

Exemplo: Exemplo:
Não admitem qualquer
sensação visual de um memória de um tom
separação ou divisão.
tom de verde. de verde.

Podem ser divididas em


partes, resultando da Exemplo:
Exemplo:
combinação das pensar numa certa
ver uma certa maçã.
impressões ou das ideias maçã.
simples.

Complexas

Ideias simples derivam de impressões simples, mas muitas ideias complexas não resultam de impressões
complexas.
A ideia de Deus, por exemplo, referindo-se a um Ser infinitamente inteligente, sábio e bom, é uma ideia complexa
que tem por base ideias simples que a mente e a vontade compõem, elevando sem limite as qualidades de bondade
e sabedoria. Nenhum objeto da experiência sensível lhe corresponde.

Ler páginas 163 a 165 do manual


Princípio de associação de ideias

Hume não se limitou a classificar os tipos de conhecimento e a determinar


a origem das nossa ideias. Procurou estabelecer os princípios de
associações de ideias na mente humana. Considera que existem três
princípios de associação de ideias a saber:
• Semelhança,
• Contiguidade.
• Causalidade.
A semelhança

 A semelhança: quando duas ideias são semelhantes, a consideração de


uma delas conduz-nos à consideração da outra. Por exemplo, é natural
que a contemplação de um retrato nos faça pensar na pessoa retratada.
A contiguidade

 A contiguidade: quando duas ideias são contíguas no espaço ou no tempo,


a consideração de uma delas evoca a consideração da outra. Por exemplo,
e sei que a sala de estar se situa no alinhamento da entrada de minha casa,
é natural que me venha à mente a representação de um desses espaços
sempre que penso no outro . O mesmo acontece quando dos
acontecimentos são contíguos no tempo: se é costume jantar ao pôr do sol,
é natural que pense em comida de cada vez que o sol se põe.
A contiguidade

 A causalidade: quando representamos duas ideias como correspondentes a


uma relação causa -efeito. Por exemplo, se pensarmos numa ferida é
comum pensarmos na dor que naturalmente lhe está associada.
Princípios de associação de ideias

Semelhança Contiguidade no Causalidade


tempo e no espaço (causa e efeito)

Exemplo: Exemplo: Exemplo:


uma ave desenhada a recordação de uma o vinho que se bebeu
num papel faz lembrar festa de aniversário em excesso (causa) faz
uma ave que vemos leva à recordação dos pensar nas
voar. amigos que estavam desagradáveis
presentes. consequências que daí
advirão (efeito).

Ler páginas 165/166 do manual


Tipos ou modos de
conhecimento
Não estão A sua
dependentes justificação
RELAÇÕES DE QUESTÕES DE
do confronto encontra-se na
com a IDEIAS FACTO experiência
experiência. sensível.
Conhecimento a Conhecimento a
priori, traduzido posteriori,
São sempre traduzido em
verdadeiras, em em proposições
necessárias. proposições
quaisquer contingentes.
circunstâncias.
Negá-las implica Verdades Poderiam ter
contradição. Verdades
necessárias. sido falsas.
São os contingentes.
Exemplo: Negá-las não
conhecimentos da Exemplo: «As
«2 + 4 = 6.» implica
lógica e da estrelas cintilam.»
contradição.
matemática.

Os conhecimentos a priori nada nos dizem de substancial acerca do mundo.

Ler páginas 168/169 do manual


 Outro princípio empirista é a afirmação de Hume: todo o nosso
conhecimento proposicional é ou de relações de ideias ou de questões de
facto.
 As relações de ideias definem-se por poderem ser conhecidas a priori. São
intuitiva ou demonstrativamente certas.
 São verdades necessárias.
 Nada afirmam ou implicam sobre a existência de entidades concretas.
 As questões de facto definem-se por terem de ser conhecidas a posteriori.
 São verdades contingentes
 Afirmam ou implicam a existência de entidades concretas.
 Hume não nega a existência de conhecimento a priori, mas defende que,
para sabermos o que existe na realidade concreta, temos sempre de recorrer à
experiência.
O problema da causalidade

 A ideia de causalidade coloca um enorme desafio ao empirismo de David


Hume, pois, embora aparentemente seja inquestionável que somos
detentores dessa ideia, a sua origem a sua não parece ser tão clara. Afinal,
de onde vem a ideia de causalidade?
 Não se trata de uma relação de ideias, pois da sua negação não resulta
qualquer contradição . Por exemplo, ao ver uma bola de bilhar mover-se em
direção a outra posso conceber uma série de respostas possíveis: posso
imaginar que ambas as bolas ficam paradas, que se a segunda fica parada e a
primeira volta para trás, que a primeira para e a segunda se desloca numa ou
outra direção, etc
O problema da causalidade

Resta-nos a possibilidade de se tratar de uma questão de facto, pelo que a


veracidade do princípio da causalidade não pode ser estabelecida senão através
da experiência. No entanto a experiência não responde a isto, pois tudo o que
vemos são dois acontecimentos surgirem frequentemente associados, mas não
temos qualquer impressão sensível do que é essa suposta conexão necessária
entre ambos.

( Nota: realizar tarefa sobre o texto “Um Adão Inexperiente” de David Hume
-Teams)
OS PROBLEMAS DA CAUSALIDADE E DA INDUÇÃO

Há muitas afirmações que não podemos justificar se nos


basearmos apenas no testemunho da memória ou na
experiência imediata dos sentidos.

Exemplos
“A causa da dor deste dente é a cárie.”
(A relação de causa-efeito nunca chega a ser observada.)

“O próximo papel que deitarmos à água molhar-se-á.”


(Isso ainda não foi observado.)

“Todos os gatos são carnívoros.”


(Só observámos alguns gatos e não todos.)

Segundo Hume, todos os raciocínios relativos à questão de


facto parecem fundar-se na relação de causa e efeito.
Só através desta relação podemos ir além do testemunho da
memória e dos sentidos.
O PROBLEMA DA CAUSALIDADE

Relação de causalidade ou relação de causa e efeito


(ou relação causa-efeito)

O conhecimento desta relação não é obtido por raciocínios a priori.

Ele deriva totalmente da experiência, ao apercebermo-nos de que certos


objetos ou fenómenos particulares se combinam constantemente uns
com os outros.

A relação de causa e efeito é normalmente concebida como sendo uma


conexão necessária.

Acreditamos que aquilo a que chamamos efeito não pode ocorrer sem
aquilo a que chamamos causa e que esta causa produzirá
necessariamente aquele efeito.
Mas não dispomos de qualquer impressão relativa à ideia de conexão
necessária entre fenómenos.

A única coisa que percecionamos é que entre dois fenómenos, eventos


ou objetos se verifica uma conjunção constante.

Concluímos então que existe entre eles uma relação de causalidade e


que essa relação de causalidade constitui uma conexão necessária.

Tal conexão não é racionalmente justificável.


Esta ideia de conexão necessária tem apenas um fundamento
psicológico: o hábito ou costume.

O hábito ou costume é um guia imprescindível da vida prática, mas reduz-


se a um sentimento ou a uma tendência de cariz psicológico, não
constituindo um princípio racional.

O problema da relação de causalidade articula-se com o problema da


indução, equivalente ao problema da uniformidade da natureza.

A ideia de que a natureza é uniforme associa-se à crença na similitude dos


eventos e na suposta conexão necessária entre alegadas causas e alegados
efeitos.
Raciocínio causal

 Todos os raciocínios relativos a questões de facto assentam na relação de


causa e efeito, ou seja, na relação de causalidade.

 As relações causais nunca podem ser descobertas a priori. Para inferirmos


um efeito a partir de uma causa, ou o inverso, precisamos sempre de nos
apoiar na experiência.

 Para fazermos uma inferência causal, temos de nos basear em


regularidades observadas ou conjunções constantes. Por exemplo:

1. Ocorreu um raio.
2. Aos raios têm-se seguido trovões.
3. Logo, provavelmente irá ocorrer um trovão.
Uniformidade da Natureza e indução

 Ao fazer inferências causais estamos sempre a pressupor que a natureza se


comporta de uma maneira uniforme, isto é, que a causas semelhantes seguem-
se efeitos semelhantes – e, assim, que o futuro assemelhar-se-á ao passado.
 Este é o princípio da uniformidade da Natureza.

 Temos, pois, temos de completar o raciocínio anterior:

1. O futuro assemelhar-se-á ao passado.


2. Ocorreu um raio.
3. Aos raios têm-se seguido trovões.
4. Logo, provavelmente irá ocorrer um trovão.
Uniformidade da Natureza e indução

 Como poderemos justificar o pressuposto de que o futuro se assemelhará ao


passado? De acordo com Hume, é impossível justificá-lo.

1. Se o princípio da uniformidade da natureza é justificável, então pode ser


justificado
demonstrativamente ou indutivamente.
2. Mas este princípio não é justificável demonstrativamente.
3. E também não é justificável indutivamente.
4. Logo, o princípio da uniformidade da natureza não é justificável.

 O problema da indução é o desafio de responder a este argumento cético de


Hume.
O hábito

 As inferências causais podem não ser racionalmente justificáveis, mas são


psicologicamente explicáveis.

 Elas resultam da lei psicológica do hábito ou costume.

 De acordo com esta lei ou princípio, sempre que a mente humana se depara
repetidamente com acontecimentos de um certo tipo (como raios) seguidos por
acontecimentos de outro tipo (como trovões), fica com a expectativa de que um
acontecimento do segundo tipo ocorra sempre que se depara com um
acontecimento do primeiro tipo.
A ideia de conexão necessária

 Quando julgamos que um acontecimento causa outro, presumimos que existe


uma conexão necessária entre os dois: que a causa está ligada ao efeito, de tal
forma que o efeito tem de se seguir à ocorrência da causa.
 Qual é a origem da ideia de conexão necessária?
 Pelo princípio da cópia, esta ideia tem de derivar de impressões.
 Mas, em cada caso particular de causalidade, nunca temos qualquer impressão
de uma conexão necessária.
 A impressão de conexão necessária consiste num sentimento produzido pelo
hábito.
 Assim, a conexão entre a causa e o efeito não existe entre os próprios
acontecimentos.
 Ela existe, por assim dizer, apenas na nossa cabeça.
 Parece-nos, por exemplo que os acontecimentos de beber água e de deixar
de ter sede estão conectados, mas, na verdade, essa conexão é imaginada por
nós pela força do hábito – e projetada nos acontecimentos.
Recapitulando

O PROBLEMA DA INDUÇÃO

Qualquer argumento indutivo pressupõe (como premissa) o princípio de que o


futuro se assemelha ao passado

Princípio da uniformidade da natureza

A natureza sempre funcionará da mesma forma, de modo previsível e regular,


ou as leis da natureza são invariáveis.

Mas será que este princípio é racionalmente justificável? Se o não for, também
a indução o não será.
Empirismo de Hume

Fenomenismo Ceticismo

A realidade (pelo menos Hume é um filósofo cético;


aquela a que acedemos) mas afasta-se do ceticismo
acaba por se reduzir aos radical, adotando um
fenómenos, ou seja, àquilo ceticismo mitigado ou
que aparece ou que se moderado.
mostra
O CETICISMO DE HUME

Muitas das coisas que julgamos saber não as sabemos de facto.

Não são racionalmente justificáveis a indução, a crença no princípio da


uniformidade da natureza e a crença em conexões causais.

Não é legítimo afirmar que temos um conhecimento científico dos


fenómenos.

São injustificáveis a crença na existência do mundo exterior e a crença em


realidades que transcendam o domínio da experiência (como uma
substância pensante ou Deus).

A capacidade cognitiva do entendimento humano apresenta limites e


tem uma natural propensão para o erro.
O CETICISMO DE HUME (continuação)

Hume afasta-se do ceticismo radical.

Duvidar de tudo, abandonar a crença na existência do mundo


exterior, no princípio da causalidade ou no princípio da
uniformidade da natureza implicaria:

- uma hesitação constante e a vida prática tornar-se-ia impossível;


- as ciências não se poderiam desenvolver, visto assentarem nas
relações causais estabelecidas entre os fenómenos.

Você também pode gostar