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Hume

O problema da origem do
conhecimento céticos radicais. Teremos, pois, de
partir da experiência e não da razão.

Ao racionalismo de Descartes, para


Qual é a origem do conhecimento
quem a razão é a fonte principal de
humano?
conhecimento, Hume opõe a sua
perspetiva empirista, segundo a qual o
Qual é a fonte principal do
conhecimento deriva
conhecimento humano?
fundamentalmente da experiência,
tendo todas as crenças e ideias uma
base empírica, até as mais
complexas.
A resposta empirista
Se Descartes privilegiava a razão e o
conhecimento a priori, As nossas perceções - os conteúdos
da nossa mente - são classificadas por
David Hume privilegia a experiência e Hume segundo o critério do grau de
o conhecimento a posteriori e admite força e vivacidade com que afetam
que a capacidade cognitiva do a mente.
entendimento humano é limitada.
De acordo com este critério, as
é na experiência, ou nas impressões perceções que apresentam maior grau
dos sentidos, que o fundamento do de força e vivacidade designam-se por
conhecimento deve ser procurado. impressões, podendo estas ser
externas ou internas. Nelas se incluem
Impressões e ideias não só as sensações, como também
as emoções e as paixões, quando
Hume sustenta que, se fosse possível vemos, ouvimos, sentimos, ama-a
atingi-la (ele pensava que não o era), mos, odiamos, desejamos ou
a dúvida universal recomendada por queremos.
Descartes seria incurável - e nunca o
poderia conduzir a qualquer certeza.

Mesmo que ela o conduzisse a um


princípio original como o cogito, não
se poderia avançar um passo para
além dele, exceto usando aquelas
mesmas faculdades das quais
supostamente já desconfiamos.

Segundo Hume, Descartes não


encontrou um fundamento para o
conhecimento capaz de refutar os
As são as Grau de complexidade
perceções menos intensas, fortes e vivas.
Elas são as representações das impressões, As impressões e ideias podem ser
ou seja, são as imagens enfraquecidas das simples ou complexas
impressões, nunca alcançando vivacidade,
intensidade e força iguais às destas
últimas. O pensamento mais vivo é,
inclusive, inferior à sensação mais baça. As ideias simples derivam das
impressões simples correspondentes
Exemplo: uma impressão é a perceção e representam-nas de modo exato,
visual da cor de uma flor; uma ideia é a mas muitas ideias complexas
memória dessa sensação. (formadas, por exemplo, na
imaginação) não têm qualquer
Uma impressão é a sensação de dor impressão que lhes corresponda.
provocada por uma queimadura; uma
ideia é a lembrança dessa sensação de dor Por outro lado, muitas das impressões
complexas nunca são exatamente
ou a sua antecipação através da
copiadas em ideias
imaginação.
Se não pudermos indicar a impressão
Relação entre impressões e correspondente a uma determinada
ideias ideia, então estamos perante uma
ficção - embora também as ficções
As ideias são produto das impressões. As tenham por base, em última instância,
nossas ideias (ou perceções mais fracas) as impressões, uma vez que são
são, de modo direto ou indireto, cópias ideias construídas a partir delas.
das nossas impressões (ou perceções mais
intensas). É o chamado princípio da cópia. Exemplo a ideia de Deus, como nos
Não podem, pois, existir ideias para as diz o texto anterior, deriva da reflexão
quais não tenha havido uma impressão sobre as operações da nossa própria
prévia. Se as ideias são cópias das mente e de elevarmos, sem limite, as
impressões e são causadas por estas, qualidades de bondade e sabedoria.
então não existem ideias inatas. Nenhum objeto da experiência
sensível lhe corresponde.
Embora o nosso pensamento pareça
As ideias e as impressões são os
possuir uma liberdade ilimitada, ele
elementos do conhecimento, e não há
encontra-se confinado dentro de
conhecimento fora dos limites
limites muito estreitos. O poder criativo
impostos pelas impressões.
da mente exerce-se apenas sobre os
materiais que nos são fornecidos
pelos sentidos e pela experiência
Se afirmarmos, por exemplo. e o todo é proposições só pode ser determinado
maior do que as suas partes, que 7 + 5 = 12 recorrendo à experiência.
ou que uma casa amarela tem cor, estamos
a produzir enunciados independentes dos Tais proposições expressam verdades
factos, daquilo que acontece no mundo, da
existência ou não do todo, das partes, dos contingentes - verdades que
números 7,5, 2, ou de casas amarelas. poderiam ter sido falsas, caso as coisas do
mundo tivessem sido diferentes. Negar
Estas proposições verdadeiras referem-se à essas proposições não implica uma
relação entre as ideias em causa. A relação contradição.
entre essas ideias é independente da
experiência e dos factos, embora elas não Exemplo
deixem de derivar da experiência. O valor
de verdade destas proposições não está Declarar que o Sol não é composto de
dependente do confronto com a hidrogénio não implica: contradição. Não é
experiência, sendo estabelecido pela logicamente contraditório negar uma
simples operação do pensamento, através afirmação relativa a factos.
da análise do significado dos conceitos ou
dos termos usados. Tendo todas as ideias uma origem
empírica, não dispomos de
Tais proposições, sendo evidentes, conhecimentos a prior sobre o mundo. O
expressam verdades necessárias - verdades conhecimento a priori nada nos diz acerca
que nunca poderiam ter sido falsas, ou que do mundo, acerca daquilo que existe e
são verdadeiras em todos os mundos acontece
possíveis.

Negar essas proposições implica uma


contradição. É logicamente contraditório
negar que 5+5 = 20 ÷ 2.

Estamos perante conhecimento a priori.


Assumem estas características, sobretudo,
Os conhecimentos da lógica e da
matemática (geometria, álgebra,
aritmética), incluindo, assim, todas as
afirmações que sejam certas de modo
intuitivo ou demonstrativo/dedutivo.

As características do
conhecimento de factos são
diferentes.

Se afirmo que estou a estudar, que chove


ou que a Terra gira em torno do seu
próprio eixo, estou a apresentar enunciados
relativos a factos e cuja justificação se
encontra na experiência sensível, nas
impressões. O valor de verdade destas
A causalidade Segundo Hume, é na relação de causa e efeito
que se baseiam todos os nossos raciocínios
Segundo Hume, os princípios de conexão acerca dos factos. Só mediante esta relação é
entre as ideias são os seguintes que podemos ir além do testemunho da
memória e dos sentidos.

Exemplo
recordamo-nos de ter visto aquilo que
denominamos "fogo" e de ter experimentado a
sensação que denominamos "calor". Também
observámos, até agora, que ao fogo sempre se
seguiu o calor. Assim, chamamos causa ao
fogo e efeito ao calor, e inferimos a existência
de um da existência do outro. Estamos perante
uma inferência causal.
A análise da relação de causa e efeito
assume particular relevância na teoria do
conhecimento de Hume.
De acordo com Hume, o conhecimento da
relação de causa e efeito não é obtido por
Se o limite dos nossos conhecimentos é
raciocínios a priori (pela razão), mas deriva
imposto pelas impressões, então, em rigor,
totalmente da experiência, ao apercebermo-
o nosso conhecimento dos factos
nos de que certos objetos ou fenómenos
restringe-se às impressões atuais e às
particulares se combinam constantemente uns
recordações de impressões passadas. Só
com os outros. Trata-se, portanto, de um
com base nessas impressões e recordações
conhecimento a posteriori e não a priori - a
é que podemos justificar as nossas crenças.
razão, sem a ajuda da experiência, é incapaz
Uma vez que não dispomos de impressões
de fazer qualquer inferência a respeito de
do que acontecerá no futuro, também não
questões de facto.
podemos ter conhecimento de factos
futuros.
Por outro lado, a relação de causa e efeito é
normalmente concebida como sendo uma
Apesar disso, há factos que esperamos que
ligação ou conexão necessária. Ou seja,
se verifiquem no futuro e há afirmações
acreditamos que aquilo a que chamamos causa
que fazemos e que não podemos justificar
produzirá necessariamente aquilo a que
se nos basearmos apenas no testemunho da
chamamos efeito. Por outras palavras,
memória ou na experiência imediata dos
consideramos que a causa tem o poder de
sentidos, ou seja, tais afirmações dizem
produzir necessariamente o efeito.
algo que vai para além da experiência e
da informação que os sentidos nos
No entanto, não dispomos de qualquer
fornecem.
impressão que corresponda à ideia de conexão
necessária entre dois fenómenos, eventos ou
objetos singulares. A única coisa que a
Exemplos: experiência nos revela é que entre dois
fenómenos, eventos ou objetos se verifica uma
1. Todos os gatos são carnívoros conjunção constante: um deles - a que
2. O fogo é a causa do calor chamamos efeito - ocorreu sempre a seguir ao
outro - a que chamamos causa. Concluímos
3. Amanhã vai chover então que existe entre eles uma relação de
causalidade e consideramos que esta
constitui uma conexão necessária.
Não havendo um fundamento objetivo para a
Por isso, a ideia de conexão necessária tem ideia de conexão necessária entre causas e
apenas um fundamento psicológico. Após a efeitos, e sendo essa ideia projetada no mundo
experiência repetida de uma conjunção pela nossa mente, Hume apresenta uma
constante entre dois fenómenos, perspetiva cética a respeito do
acontecimentos ou objetos, somos levados conhecimento científico dos fenómenos.
pelo hábito ou costume a esperar que apareça
um a partir do aparecimento do outro. É, As ciências empíricas assentam em
portanto, o hábito que cria em nós a raciocínios acerca de causas e efeitos. Ora,
expectativa de que essa conjunção continuará uma vez que a experiência não nos mostra que
a verificar-se no futuro, levando-nos à crença há relações causais reais entre os fenómenos e
de que entre tais fenómenos, acontecimentos visto que o princípio de causalidade não é
ou objetos há uma relação causal, entendida objetivo, o conhecimento científico dos
como conexão necessária. fenómenos naturais é posto em causa

Assim, o sentimento de expectativa,


produzido pelo hábito, de que se apresente o
efeito quando a causa se apresenta é a
impressão a partir da qual formamos a ideia
de conexão necessária. Esta ideia é, portanto,
uma criação da nossa mente, não sendo
originada por qualquer propriedade objetiva
das coisas. E é devido ao hábito que a mente
projeta no mundo a ideia de conexão
necessária entre fenómenos.

O hábito não é um princípio de justificação


racional, mas sim um mecanismo psicológico
e um guia imprescindível na prática da vida,
tornando útil a experiência e fazendo-nos
esperar, para o futuro, uma série de eventos
semelhantes aqueles que se verificaram no
passado. E o hábito, e não o raciocínio, que
está na base de todas as nossas inferências a
partir da experiência
O problema da indução

O problema da indução, naturalmente Uma vez que o princípio da uniformidade da


associado ao problema da causalidade, e a natureza não é racionalmente justificável,
questão , de saber se as inferências indutivas também não há justificação racional para as
estão ou não justificadas. Hume defende que conclusões dos argumentos indutivos, ou
não estão, revelando-se cético em relação ao seja, para as crenças obtidas por indução (por
papel que a razão desempenha ao tentar generalização ou por previsão).
justificar essas inferências.
Em suma, segundo Hume, não temos uma
justificação racional para confiar na indução
ou para acreditar que ela é fiável.

O que nos leva a acreditar na regularidade da


natureza, e está na base das nossas
inferências indutivas, é um princípio mais
forte do que o raciocínio: o hábito ou
costume.

Nestas duas inferências, vamos para lá da


experiência. Além disso, as premissas
parecem fornecer boas razões a favor da
verdade da conclusão. Hume, no entanto,
defende que as premissas em causa não
justificam racionalmente as conclusões.

Segundo Hume, qualquer argumento


indutivo pressupõe a ideia de que a natureza
é uniforme e que a causas semelhantes se
seguem efeitos semelhantes. Trata-se de um
princípio conhecido como princípio da
uniformidade da natureza. De acordo com
este princípio, o futuro assemelha-se ao
passado, isto é, a natureza sempre funcionará
da mesma forma, de modo previsível e
regular.
não sabemos, exemplo, se as impressões que
temos de uma flor são causadas por uma flor
que existe independentemente de nós. Uma
realidade que seja distinta das perceções e
O eu exterior al elas não se pode afirmar com base
nas impressões dos sentidos nem com base
Descartes, como vimos, tinha a certeza da na relação de causa e efeito, pois não temos
existência das substâncias pensante, extensa experiência ou impressão de tal realidade.
e divina, de cujos atributos essenciais
podemos ter ideias claras e distintas. Hume Sendo assim, a crença na existência do
apresenta uma perspetiva bem diferente a mundo exterior - ou seja, a crença na
esse respeito. existência de uma realidade que seja a causa
das nossas impressões e que seja distinta
Descartes achara indubitável a existência do delas e exterior a elas - é uma crença que não
eu pensante. Hume, por sua vez, considerava é justificável em termos racionais, embora
que cada ser humano é apenas um feixe ou não se possa eliminar o instinto de acreditar
coleção de diferentes perceções que se que o mundo exterior existe.
sucedem umas às outras, num perpétuo fluxo
e movimento.

Perante a questão de saber se não terá de


existir um eu que tenha essas perceções - um
eu como realidade ou substância distinta das No que se refere a Deus, reconhecendo que o
nossas ideias e impressões -, Hume que concebemos como existente também o
respondeu que não temos boas razões para podemos conceber como não existente,
pensar que tal entidade exista. Hume considera que não existe um ser cuja
não existência implique contradição. Como
É a memória que nos permite reconhecer a tal, o argumento ontológico (que pretende
continuidade e extensão da sucessão de demonstrar a existência de Deus apenas com
perceções, pelo que devemos considerá-la base na ideia de Deus) é desde logo excluído.
como a fonte da identidade pessoal. Hume colocou igualmente objeções a outras
provas da existência de Deus, o que não
significa que negasse categoricamente a
existência de tal ser. Em todo o caso, a
Por instinto ou predisposição natural, somos afirmação de que Deus existe não é
levados a acreditar na existência de um racionalmente justificável.
mundo exterior, ou seja, um mundo
independente da nossa perceção ou dos
nossos conteúdos mentais.

Mas só temos acesso ao conteúdo das nossas


mentes, isto é, a única realidade de que
estamos certos é constituída por perceções
(impressões e ideias). Assim, também não
sabemos se as perceções são causadas por
objetos exteriores –
Ceticismo moderado e o Hume adota um ceticismo moderado ou
fundacionalismo mitigado. Esta atitude constitui uma forma

O ceticismo de Hume é um ceticismo ⇒ de evitar cair no dogmatismo


moderado onde muitas das coisas que
julgamos saber não as sabemos de facto. ⇒ de salvaguardar a imparcialidade e a
moderação nas opiniões e nos juízos
Bastará pensar que as crenças acerca de
factos não observados não se encontram ⇒ de apartar a mente dos preconceitos
justificadas. Assim:
⇒ de nos defendermos das afirmações
⇒ Não observamos conexões necessárias precipitadas e temerárias
entre fenómenos, pelo que as crenças
relativas a leis causais (por exemplo, a crença ⇒ de evitarmos decisões imprudentes
de que o consumo excessivo de sal causa
hipertensão) não são conhecimento. ⇒ de nos precavemos contra certas
investigações afastadas da experiência e das
⇒ A indução não é fiável (seja por informações dos sentidos (como as da
generalização, seja por previsão), pelo que as tradição metafísica anterior a Hume).
crenças obtidas indutivamente (por exemplo,
a crença de que todos os cães são carnívoros Hume encontrou na experiência dos sentidos
ou de que amanhã vai nevar na serra da (nas impressões) o fundamento do
Estrela) não são conhecimento. conhecimento. Trata-se de um
fundacionalismo empirista.
⇒ Não são racionalmente justificáveis as
crenças em realidades que transcedam o
domínio da experiência: por exemplo, as
crenças na existência do mundo exterior, na As
existência de um eu e na existência de Deus. são, pois, as crenças de que se está a ter esta
ou aquela experiência. A estas crenças - que
A capacidade cognitiva do entendimento permitem evitar a regressão infinita da
humano não só apresenta limites como tem justificação - subjaz a natureza da experiência
uma natural propensão para o erro. sensorial e percetual, ou seja, subjazem as
impressões dos sentidos. Elas derivam,
Em todo o caso, Hume não é um cético portanto, da experiência sensível imediata.
radical ou pirrónico.
Deste modo, as crenças básicas, os únicos
Se duvidássemos sistematicamente de tudo, princípios autoevidentes e convincentes,
se abandonássemos a crença na existência do encontram-se, segundo Hume, na experiência,
mundo exterior, a crença na existência de não havendo forma de justificar as crenças
relações causais efetivas entre os fenômenos acerca do que não é objeto de observação.
pu a crença no princípio da uniformidade da
natureza, cairemos numa hesitação constante
e a vida prática tornar-se-ia impossível.
Críticas a Hume constante: por exemplo, o acontecimento em
que o Universo começou a existir (da
O tom de azul desconhecido definição de causa apresentada por Hume
seguir-se-ia que o Universo não pode ter tido
Uma primeira objeção foi sugerida pelo uma causa).
próprio Hume, com o contraexemplo do tom
de azul desconhecido.

Uma pessoa a quem seja apresentado um


vasto leque de tons de azul, à exceção de um
tom em particular, que também nunca viu
antes, pode formar uma ideia deste tom de
azul desconhecido, mesmo sem ter tido a
impressão correspondente. Segundo a teoria
de Hume, isso seria impossível, já que essa
pessoa nunca teve qualquer impressão
simples à qual pudesse corresponder a ideia
desse tom de azul.

Hume, no entanto, não se revelou muito


preocupado com este contraexemplo ao
princípio da cópia (que mostra que as ideias
simples não derivam sempre, em todas as
circunstâncias, das impressões
correspondentes), considerando tratar-se de
um exemplo demasiado singular para o levar
a modificar os seus princípios filosóficos
básicos.

Objeção à noção de causa

A segunda objeção, apresentada por Thomas


Reid, incide sobre a noção de causa
apresentada por Hume: algo que é anterior ao
efeito e que, de acordo com a experiência, foi
seguido constantemente por ele. Ora, de
acordo com Reid, há acontecimentos que se
sucedem constantemente (conjunção
constante), mas entre os quais não
consideramos existir uma relação causal -
não consideramos que o dia e a noite sejam
causa ou efeito um do outro e, no entanto,
sempre estiveram conjugados - e há
acontecimentos singulares, que
normalmente admitimos que foram
causados, em relação aos quais não temos
experiência de qualquer conjunção

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