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REL ATO B

DE ALA
RAGAEXPERIÊNCIA

PSICOPEDAGOGIA E CONSTELAÇÃO FAMILIAR


SISTÊMICA: UM ESTUDO DE CASO

Ana Lucia de Abreu Braga

RESUMO - Este artigo pretende apresentar o caso de uma criança de


nove anos, com queixas de dificuldades de aprendizagem. A criança mostrou
na avaliação um desempenho defasado daquele esperado para sua faixa
etária e para o ano escolar cursado por ela. Apresentou grandes dificuldades
em escrita, leitura e matemática; apesar de sua inteligência, não conseguia
corresponder ao que a escola exigia dela. Por cinco meses ficou em terapia
psicopedagógica, sem melhoras significativas. Após este tempo, tanto com a
intervenção “jogo da percepção” ou “jogo da família”, como com a constelação
familiar sistêmica, a criança passou a aprender os conteúdos escolares,
mostrando progressos significativos até o final do ano escolar. A constelação
familiar sistêmica, de orientação fenomenológica, é vista aqui como
intervenção determinante do progresso evolutivo da criança. Esta abordagem
parte do princípio de que as leis sistêmicas, quando desrespeitadas, trazem
desequilíbrios, que criam emaranhamentos e sofrimentos para os familiares.
Muitas dificuldades de aprendizagem podem ser vistas como emaranhamento
sistêmico. Este artigo tem o objetivo de apresentar este novo trabalho,
constelação familiar sistêmica, como abordagem de terapia familiar breve e
possível parceira da psicopedagogia.

UNITERMOS: Relações familiares. Família. Aprendizagem. Transtornos


da aprendizagem.

Ana Lucia de Abreu Braga - Psicopedagoga Clínica e Correspondência


Institucional pelo Hospital das Clínicas da USP – Rib. Ana Lucia de Abreu Braga
Preto. Sócia titular da ABPp. Mestre em Psicologia Rua Abrão Caixe, 566 – Jd. Irajá – Ribeirão Preto – SP
Educacional pela UNICAMP. Terapeuta corporal neo – CEP: 14020-630
reichiana. Terapeuta em Constelações Sistêmicas. E-mail: anaabbraga@yahoo.com.br
Site : www.analuciabragaconstelacao.com.br

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INTRODUÇÃO Neste sentido, para pensar uma intervenção


A experiência da prática na clínica psico- nesse terreno dos problemas de aprendizagem
pedagógica tem demonstrado que crianças com torna-se necessário ao psicopedagogo ampliar sua
queixas de dificuldades de aprendizagem visão de mundo, de educação, das dificuldades
muitas vezes surpreendem pelo nível de de aprendizagem e, especialmente, sua visão de
inteligência que apresentam. Os casos família.
envolvendo problemas de aprendizagem são É da prática clínica que vem a constatação de
complexos e as avaliações confirmam tal que muitas crianças com dificuldades na
complexidade, uma vez que se verifica aprendizagem demonstram até certa “facilidade”
dificuldade em fechar diagnósticos precisos: na compreensão e execução de tarefas no
dislexia, dislexia de desenvolvimento, disgrafia, consultório, possuem famílias que colaboram no
hipercinesia, transtorno do déficit de atenção e tratamento e seguem as orientações e, desta
hiperatividade – TDAH, transtornos neuroló- forma, apresentam potencial para uma evolução
gicos, transtornos psiquiátricos, dificuldades positiva nos aspectos defasados (queixa),
emocionais, dificuldades familiares, dificuldades contudo, não apresentam melhora suficiente para
de ensinagem. São, de fato, muitas possibi- obter um bom desempenho escolar em curto ou
lidades e inúmeras vezes nos deparamos com médio prazo. Ou seja, não evoluem no que “é
aspectos de diversos transtornos e alterações que necessário”.
podem afetar a aprendizagem, compondo o caso A busca de uma compreensão aprofundada
de um mesmo sujeito. desses casos, bem como a necessidade de
A criança que apresenta dificuldades na experimentar novas metodologias diante de tal
aquisição e no desenvolvimento da linguagem desafio, pede novas abordagens teóricas, para
oral – que envolve a fala e a audição, da lin- além do tradicional. Temos, então, a perspectiva
guagem escrita – leitura e escrita, e no conhe- sistêmica de Minuchin et al.3 e muitos outros, e
cimento matemático, está com problemas de sua aplicação dentro da psicopedagogia4, e o
aprendizagem e são inúmeras as definições para trabalho de Bert Hellinger5, filósofo e terapeuta
as dificuldades de aprendizagem, desde as que alemão que iniciou e difundiu pelo mundo a
privilegiam a origem biológica, passando pelo abordagem das constelações familiares. Tal
emocional, àquelas que vêem a família como abordagem parte da visão sistêmico feno-
“produtora de sintoma”, como afirma Polity1. menológica, que potencializa o psicopedagogo a
Panúncio-Pinto2 discute que quando uma expandir também seu olhar sobre o sistema
criança apresenta dificuldades na escola isso escolar, visando a educação e até mesmo sistemas
pode ter muitos significados. Assim, pondera que maiores, além do que acontece no meramente
muito frequentemente o “problema de com- escolar, incluindo as dificuldades de apren-
portamento”, a agressividade, a timidez, os dizagem, os conflitos relacionais, o intra e o extra-
problemas de aprendizagem e a queda no ren- escolar. Nesta visão, torna-se importante olhar
dimento escolar são entendidos isoladamente para o fenômeno como “aquilo que se manifesta
como “problema da criança” . É importante a si mesmo, de modo que não o parcializa ou o
pensar que essa criança-aluno é uma face desse explica a partir de conceitos prévios, de crenças
sujeito que, além de estar na escola, está também ou de afirmações sobre o mesmo, enfim, de um
na família, a qual é parte de uma comunidade, referencial teórico”, como afirmam Martins e
que se inscreve num contexto de bairro, de cidade Bicudo6. A pessoa é vista como parte do sistema,
e assim por diante. “Na escola, essa criança traz estendendo a compreensão de sistema enquanto
as marcas de outros contextos, que embora campos mórficos ou morfogenéticos7 e as di-
estejam extramuros, se fazem presentes de muitas ficuldades de aprendizagem como emara-
formas dentro da escola2 . nhamentos sistêmicos, padrões de repetição

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relacionados ao sofrimento existente no “campo”, transtornos de aprendizagem e questões


que vão além das representações dos pais e da relacionadas ao mau funcionamento da escola,
família do escolar. de um modo geral.
A abordagem da pedagogia sistêmica ganhou Nos sistemas familiares, questões vivenciadas
grande importância com a professora e terapeuta por gerações anteriores, como por exemplo,
alemã Marianne Franke-Gricksch, que expe- injustiças cometidas, mortes precoces, suicídios,
rimenta em sua classe, com alunos adolescentes, podem inconscientemente afetar a vida de seus
os movimentos sistêmicos de Bert Hellinger, além familiares com enfermidades inexplicáveis,
de atender em seu consultório e supervisionar depressões, novos suicídios, relações de conflito,
professores e diretores8. transtornos físicos e psíquicos, dificuldade de
Este artigo tem por objetivo a apresentação estabelecer relações duradouras com parceiros,
de um caso de dificuldades de aprendizagem em comportamentos conflitantes entre familiares,
que foi utilizada a Constelação Familiar Sistêmica dificuldades ou distúrbios de aprendizagem,
como intervenção, coadjuvante no processo de entre outros.
terapia em psicopedagogia. Para tanto, serão Há duas modalidades de atendimento: a
apresentadas inicialmente as principais idéias e grupal e a individual. No grupo há a participação
conceitos que integram a compreensão dessa das pessoas como representantes da família (isto
abordagem terapêutica, para em seguida é, do sistema familiar) do cliente. Indivi-
apresentar o caso de dificuldades de apren- dualmente, realiza-se a intervenção com o auxílio
dizagem, discutido à luz dessa perspectiva. de figuras ou bonecos, e quando esta intervenção
é realizada com crianças, pode ser chamada de
COMPREENDENDO A CONSTELAÇÃO jogo da família ou jogo da percepção.
SISTÊMICA FAMILIAR Bert Hellinger10 descobriu que por amor,
Constelação sistêmica familiar é uma lealdade e fidelidade à família, quando algum
transformadora e polêmica abordagem terapêutica ancestral deixa situações por resolver, pessoas
de nossa época. Seus paradigmas são sustentados de gerações seguintes trarão o sentimento e o
por teorias científicas de vanguarda, tais como o comportamento, a ação para a resolução dessas
modelo dos Campos Morfogenéticos de Rupert situações, “emaranhando-se” e permanecendo,
Sheldrake9. De uma forma completamente nova assim, prisioneiros a fatos e eventos pelos quais
e inusitada, essa técnica é capaz de identificar não são responsáveis e dos quais sequer têm
pontos de tensão psicológica ou emocional que conhecimento. Esta é a herança afetiva, uma
condicionam comportamentos humanos e nem transmissão transgeracional de problemas
sempre revelam suas origens tais como ema- familiares, que acaba criando uma sequência de
ranhados e desordens no sistema tratado. destinos trágicos.
É um trabalho que busca na família a origem As constelações atualmente atendem a outros
de dificuldades, bloqueios, padrões compor- tipos de sistema, organizações de todos os tipos,
tamentais que trazem sofrimentos desenvolvidos como empresas, escolas, pois percebeu-se que
pelas pessoas ao longo da vida. Destina-se a as leis descobertas por Hellinger atuam em todos
todas as pessoas que desejam trabalhar suas os sistemas, não apenas no familiar. Nos sis-
relações familiares e amorosas, separações, temas organizacionais, como a escola, por
desequilíbrios emocionais, problemas de saúde, exemplo, questões que envolvem as relações
comportamentos destrutivos, envolvimento com entre professores e alunos, indisciplina, pais e
drogas, perdas e/ou luto, dificuldades finan- escola, dificuldades de aprendizagem, ou
ceiras, dificuldades nos relacionamentos, entre mesmo a melhora nos relacionamentos para uma
outras dificuldades. E no caso da psicopeda- satisfação e sucesso, são configuradas a partir
gogia clínica e institucional, as dificuldades e da trama que se desenrola com os represen-

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tantes, quando, então, soluções são apontadas8. percebido sem se observar o todo. É um trabalho
Dentro dessa abordagem, o conceito de que se ocupa de questões relacionadas a
sistema ganha importância fundamental. O emaranhamentos sistêmicos. Ao pensar no tipo
sistema pode ser descrito como um conjunto de de questões que são trazidas pelos clientes, é
elementos que permanecem unidos ou vinculados possível abranger duas ordens de problemas: os
em função de um interesse comum ou de forças psicológicos / psicopedagógicos e os sistêmicos.
que os permeiam. “Os sistemas familiares têm Os psicológicos implicam as dificuldades de uma
uma força tão grande, vínculos tão profundos e pessoa na vida, de um modo geral, e quando
algo tão comovente para todos os seus membros tratados em terapias convencionais, ganham
– independentemente de como se comportem com melhoras. Os psicopedagógicos são aqueles que
relação a eles (...). A família dá a vida ao tratam das dificuldades de aprendizagem e de
indivíduo. Dela provém todas as suas ensinagem, e que também ganham melhoras com
possibilidades e limitações” 5. o atendimento psicopedagógico. Os sistêmicos,
O sistema é regido pela consciência de grupo, no entanto, são “resistentes” às terapias, ou seja,
ou Grande Consciência, que é mais ampla e está mesmo com um tratamento psicológico de longo
ligada a necessidades do grupo e tem como prazo, com um atendimento psicopedagógico
objetivo a manutenção deste. A pessoa, em sua onde os pais também colaboram, permanecem
consciência individual, é impulsionada pelas sem grandes melhoras.
forças do grupo independente de que delas tenha As questões sistêmicas envolvem aspectos
alguma consciência. É necessário que se olhe factuais da vida do sistema, em geral fatos
para o todo, mas, na verdade, não se tem acesso dramáticos, que causaram desordens, dese-
à consciência do grupo, só é possível observar e quilíbrios e que “pedem” reparação como, por
perceber o efeito através de seus resultados. Nossa exemplo, doenças, depressões, transtornos físicos
consciência individual atua para nos manter e psíquicos, suicídios, abortos, mortes precoces,
vinculados. Ela manifesta-se quase como uma voz. alcoolismo, brigas por herança, entre outros.
Essa consciência pessoal é limitada tanto na sua Estas questões, como já foi dito, estão ligadas à
percepção quanto na sua dimensão. Ela se coloca consciência maior, que é a consciência coletiva.
moralmente acima. A razão está na consciência Esta determina os emaranhamentos e os tipos de
individual11. sofrimentos individuais.
Nas Constelações Sistêmicas é preciso deixar Quando a pessoa configura sua Constelação,
de lado a consciência pessoal. Para se encontrar ela entra em contato com uma imagem que em
a solução, deve-se abandonar a consciência parte é fruto de sua consciência individual e outra
individual e ir além, além inclusive do bem e do é fruto de uma consciência maior que ela não
mal. O trabalho sistêmico fenomenológico conhece, mas que se manifesta na configuração.
possibilita uma nova percepção, que às vezes nos A partir dos movimentos que acontecem na
chega por meio dos sentidos e não neces- Constelação, a pessoa pode criar uma nova
sariamente da compreensão e da razão. Ele nos imagem e essa nova imagem é que atua dentro
faz olhar para algo, nos permitindo ser tocados do sistema. A imagem inicial é limitada e a
por aquilo, mesmo que nossa mente não entenda. imagem final é ampliada.
Para sair da consciência pessoal e ir para a Quando uma dinâmica é revelada, algo vem
consciência grupal é preciso deixar de lado à tona. É o ponto mais importante do trabalho.
crenças, conceitos, verdades e até mesmo a Às vezes é possível dar mais alguns passos e às
consciência pessoal. vezes não, pois para o terapeuta sistêmico, ou
O trabalho com Constelações Sistêmicas nos constelador, não se trata de alterar ou mudar algo,
permite acessar algo que está presente no sistema se trata da busca da força que permeia aquela
e que muitas vezes não é compreendido, nem dinâmica, e encontrar posicionamentos dentro do

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sistema, ou completar frases que de alguma forma Sistêmica. Ela tem a ver com a ordem nas posições,
não têm sido permitidos. O primeiro passo, com o lugar que cada um ocupa. A consciência
portanto, é a revelação da dinâmica. Depois, o coletiva, aquela que serve como “vigia” dentro
reconhecimento de uma nova ordem. Quando, dos sistemas, diz que o todo é mais importante
em uma Constelação, se acompanha a dinâmica que a soma de suas partes, e pede por
dos fatos e se está em sintonia, muitas vezes isso “ restauração” das infrações. Neste sentido,
é o suficiente, e em geral não depende de uma quando as pessoas estão fora de seus lugares,
compreensão racional. É a possibilidade de se pode-se olhar para possíveis emaranhamentos,
ter um novo olhar para o sistema. No sentido que têm como efeito o sofrimento vivenciado,
terapêutico, a revelação da dinâmica do sistema tanto na família como nas organizações.
é a própria intervenção. As gerações seguintes, inconscientemente,
Existem forças que atuam sobre a consciência colocam-se a serviço do que aconteceu ante-
de grupo 10 . Essas forças são: pertinência, riormente, tentando, por exemplo, corrigir
hierarquia e equilíbrio. Quando essas forças não injustiças. Para Hellinger10, “sempre que ocorre
são respeitadas, são criados os emaranhamentos. um acontecimento trágico numa família, uma
As consequências do desrespeito às ordens, os pessoa em posição posterior violou a hierarquia,
efeitos desse desrespeito são o surgimento de arrogando-se o que pertence a pessoas em
doenças, conflitos, sentimentos de infelicidade e, posição anterior. Esta presunção frequentemente
no caso da escola, as dificuldades e os transtornos tem um caráter puramente objetivo e não
de aprendizagem e de comportamento. As subjetivo”. O conflito da família onde filhos se
gerações seguintes (ou quem chega depois) sentem maiores que os pais são tão diversos que
passarão a reproduzir esses efeitos de forma vão desde as brigas, xingamentos e desrespeitos
inconsciente. mais comuns até aqueles onde filhos não falam
Um dos aspectos que causa desequilíbrio mais com os pais, ou que falam tão mal dos pais
sistêmico é a pertinência. Segundo a Lei da que agem em sua vida exatamente como eles,
Pertinência, ninguém pode ficar fora, excluído do sem se dar conta disto. Na escola vemos o
sistema; todos os membros têm direito a pertencer. desrespeito aos professores, o não reconhecimento
Quando ocorre a exclusão de um dos elementos do lugar do mestre. E o sofrimento de ambas as
do sistema, gerações seguintes emaranham-se partes (alunos e professores), emaranhados com
com este membro, identificando-se com ele, esta ordem sistêmica.
tentando, de algum modo reintegrá-lo. É uma O Equilíbrio é a terceira Força ou Lei presente
tentativa vã, já que o que move este elemento em todos os sistemas. Há uma necessidade de
que veio depois, além da necessidade de compensação entre perdas e ganhos, dar e
compensação, é o amor cego, fantasioso e infantil. receber, e como uma Lei Sistêmica, ela atua em
Fatos como mortes precoces, mortes ocorridas todos os níveis; consciente ou inconscientemente,
com menos de vinte e cinco anos, morte do pai tem-se a necessidade de compensação, e às vezes
ou da mãe, deixando filhos pequenos, abortos isso ocorre fazendo com que se perca algo, com
espontâneos ou provocados, mortes durante o que se vivencie algo de ruim, mesmo sem a
parto, suicídios ou tentativas, assim como crimes aparente necessidade ou sem se perceber de onde
onde se exclui intencionalmente ou não a vítima isto vem. É como se houvesse um sentido de
ou o agressor, são essencialmente importantes; equilíbrio. Ele diz se há crédito ou débito com
assim como os assassinatos, as crianças alguém. É quase matemático: se você deu algo,
abandonadas, os que utilizam drogas, então você espera receber algo também (ainda
prostituição, deficiências, entre outros fatos que que não seja na mesma moeda). O outro, por sua
possam estar ligados a exclusões. vez, sente uma pressão para retribuir, dar
Hierarquia é uma outra Força, a segunda Lei também. Se deve algo, há uma pressão para

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pagar, para devolver, para quitar. Se esta troca representação é parte do fenômeno que ocorre
for efetiva, produtiva, positiva, a relação será fértil neste tipo de trabalho, onde o terapeuta e os
e rica. E isto ocorre tanto no positivo quanto no participantes disponibilizam suas percepções para
negativo. A troca equilibra as relações, tornando “ver” o que acontece na dinâmica do sistema do
possível uma convivência longa e saudável. Se, cliente. Este “ver” dá-se de diversos modos: as
em uma negociação há equilíbrio, então há pessoas têm sensações físicas como tremores,
também liberdade, alegria e portas abertas para arrepios, dores, calor, frio, suores; sentimentos
próximas negociações. Os dois lados ficam diversos como alegria, raiva, tristeza, descon-
satisfeitos. Caso contrário, uma das partes não fiança, entre tantos outros. E há, na maioria das
se sente bem. E quando há dívida, uma das partes vezes, o reconhecimento pelo cliente do
fica presa. A dívida funciona como uma comportamento, dos sentimentos, do modo como
necessidade de pagar algo para que o equilíbrio a pessoa representada é ou foi na realidade, por
retorne. Ela (a dívida) muitas vezes atua como vezes com a detecção de sintomas físicos, mesmo
um fantasma, retorna, assombra, pode ser não tendo o cliente dado nenhuma informação
transformada em sentimentos de culpa, atuando sobre o que ocorre em seu sistema e sobre as
secundariamente, sem que se perceba sua pessoas representadas.
origem. Os que recebem pouco – injustiçados -, O terapeuta, então, faz a sua leitura do que
muitas vezes também ficam presos nesse está física e espacialmente colocado no campo
sentimento, que se secundariza, fazendo com que da representação do sistema familiar do cliente e
a pessoa se sinta uma vítima eterna, com que dá o direcionamento que julga adequado ou
transforme sua vida em verdadeira pobreza. necessário, buscando não a expressão de
Nos sistemas familiares, é comum a sentimentos e sim a ordem sistêmica, segundo
observação de sentimentos de vazio ligados a não as leis sistêmicas, visando a reconciliação e o
receber (tomar) os pais, o que significa que os restabelecimento do fluxo amoroso no sistema. A
filhos querem receber apenas o que é bom dos percepção dos representantes, utilizando a mente
pais, e rejeitar o que não é bom. Para tomar os expandida9 é a mesma que o terapeuta utiliza
pais é necessário receber tudo o que eles têm de dentro deste campo energético que se abre ao se
bom e de ruim. Não é possível selecionar, separar. configurar um sistema. A orientação fenome-
Muitas vezes os pais estão disponíveis – prontos nológica não permite que o terapeuta seja levado
para se relacionar com o filho apenas como são, por associações e caracterizações, ou por seme-
com o que têm (não é possível dar aquilo que lhanças com membros do sistema, como em
não se tem). E o filho critica, julga, condena, muitas outras abordagens, especialmente as que
nega, reclama e simplesmente não recebe, não trabalham com o psicológico. No trabalho
toma seus pais12. O que traz solução é o bem, o sistêmico, o importante é olhar os acontecimentos
respeito e o amor. Outros tipos de compensação, essenciais, os fatos, os destinos e as dinâmicas
que na maioria das vezes estão vinculados ao de relacionamentos.
sofrimento das pessoas, não trazem solução, A partir dos movimentos sistêmicos se abre
apenas causam mais desequilíbrios sistêmicos. também a possibilidade de movimentos dentro
O campo do cliente, nas Constelações, é da família e do restabelecimento da ordem e do
configurado com o auxílio dos participantes do equilíbrio, o que significa possivelmente a
grupo, que se colocam como em um teatro, para eliminação do sofrimento da pessoa e também de
representar os familiares ou elementos do sistema outros elementos do sistema, mesmo que esses
a ser trabalhado. O cliente posiciona todos os estes não estejam presentes no momento da
escolhidos para representar as pessoas constelação. Isto é o que tem sido observado em
importantes, segundo o terapeuta, e senta-se, depoimentos de inúmeras pessoas que
para observar a movimentação que se segue. A constelaram. Este fenômeno ocorre em função da

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ressonância mórfica e dos “campos”, dos quais agressividade, de dispersão e dificuldades de


fazemos parte12. aprendizagem. Passou por avaliação em fevereiro
Outro conceito central para compor a de 2008, iniciando em seguida o trabalho com
abordagem familiar sistêmica é o “campo”. O uma sessão semanal. A criança, do sexo
biólogo Rupert Sheldrake7 propõe a idéia dos masculino, com oito anos e nove meses, filho de
campos morfogenéticos, que nos auxiliam na pais separados, mora com a mãe em uma relação
compreensão de como os sistemas adotam suas de dependência financeira, com a avó materna.
formas e comportamentos característicos. No caso O pai viu a criança poucas vezes. A avó ficava
das famílias, padrões de sofrimento que muitas com a criança à noite, quando a mãe estava na
vezes se repetem geração após geração, como os faculdade.
hábitos: cada tipo de sistema possui seu próprio Na avaliação psicopedagógica foram vistos
tipo de campo. Os campos mórficos, tal como os aspectos relacionados à leitura e à escrita, à
campos conhecidos da física, são regiões que se compreensão, ao conhecimento lógico-
estendem no espaço e se prolongam no tempo, matemático, à psicomotricidade e ao funcio-
com padrões de influência organizadores namento emocional. A criança mostrou-se
potenciais, suscetíveis de se manifestarem adequada, curiosa, colaboradora e participativa
fisicamente. São campos que levam informações, em tudo o que foi proposto pela terapeuta durante
campos de memória. O processo pelo qual o o processo de avaliação. Em relação à linguagem
passado se torna presente no seio de campos oral, mostrou-se fluente, coerente, com voca-
mórficos chama-se ressonância mórfica: Há muitos bulário rico, interagindo sem dificuldades, apesar
tipos de campos porque há muitos tipos de coisas de muitas respostas monossilábicas, sendo
e padrões dentro da natureza...7. necessário certo incentivo para que dialogasse.
O reconhecimento da existência dos campos Quanto à linguagem escrita, apresentou
morfogenéticos permite que nas Constelações muitas dificuldades, como por exemplo, erros por
Familiares sejam concebidas as repetições de segmentação, troca de letras, omissões, pontuação
padrões, pois o modo como foram organizados e acentuação. Mostrou resistência em escrever,
no passado influencia taxativamente o modo escreveu textos pobres. Conseguiu identificar
como as pessoas no seio da família funcionam alguns erros em sua escrita, apenas quando foi
hoje. Há uma espécie de memória integrada nos solicitada a revisar o texto.
campos mórficos. E os fatos, os eventos ocorridos Leu de modo fluente, porém com alguns erros,
na família, por exemplo, podem tornar-se como por exemplo, erros por omissão de letras,
regularidades, “hábitos”. por troca de letras e na antecipação de palavras
Na intervenção sistêmica fenomenológica de pouco conhecidas. Demonstrou compreender o
Constelações, há a possibilidade de uma interação que leu de um modo geral, segundo o que lhe
inteligente, do acesso em outros níveis foi apresentado, oralmente. Não mostrou o mesmo
energéticos, da consciência e da mudança no desempenho quando foi solicitado que fizesse a
sistema, pois o campo mórfico é uma estrutura compreensão escrita. Nestes momentos a criança
alterável, a partir do que Sheldrake7 chama de mostrou confusão, desconexão, parecendo
ressonância mórfica e, neste sentido, não apenas realmente não ter compreendido o texto lido.
o cliente que constela beneficia-se, mas todo o Mostrou-se também dispersiva, apresentando
sistema pode beneficiar-se. uma ansiedade e uma “tentativa de fuga” da
tarefa, que certamente prejudicavam seu
DIFICULDADES DE APRENDIZAGEM: O desempenho escolar.
RELATO DE UM CASO Com relação à matemática, mostrou um
A criança foi encaminhada para o tratamento desempenho semelhante ao descrito ante-
psicopedagógico pela escola, com queixas de riormente: conseguiu resolver alguns problemas

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mentalmente, realizar operações matemáticas conseguia (ou acreditava não conseguir)


(adição, subtração, multiplicação e divisão) desempenhar. Mostrou uma grande insegurança
oralmente, demonstrando dificuldades em fazê- e desconfiança no outro. Parecia ter uma crença
lo no papel, inclusive com resistências a este tipo exagerada no “não saber”, mostrando-se algumas
de atividade de forma escrita. vezes “preguiçosa” ou resistente, opositora,
Mostrou-se interessada por brinquedos e quando, na verdade, o que ocorria era o medo
jogos, apesar de mostrar certa dificuldade na de errar e de não ser apreciada. Mostrou-se
execução de alguns jogos que exigiam um também arrogante e onipotente, estando esse tipo
raciocínio rápido ou jogadas que envolviam de funcionamento (de comportamento e de
categorias mais complexas do pensar, como a sentimento) ligado à crença de que é inadequada
análise, a probabilidade, a antecipação, o colocar- e não amorável. Em suas histórias, algumas vezes
se no lugar do outro. Nesses momentos também reconheceu sua agressividade, porém deter-
apresentou muita facilidade para dispersar, minando - todas às vezes - a culpa do outro.
dizendo ter esquecido, ou não saber, distraindo- A família concordou que era necessário um
se com outra coisa qualquer. Contudo, mostrou espaço para que a dinâmica da psique pudesse
aprender rápido, facilidade em aprender ser “olhada” e trabalhada com ela, assim como
estratégias, apenas observando certas jogadas e com sua família, além do aspecto pedagógico.
algumas dicas da terapeuta. A intervenção psicopedagógica deu-se
Mostrou clara preferência por jogos “mais semanalmente, com uma sessão de orientação à
fáceis”, apesar da visível vontade de experimentar família mensalmente. Foi utilizada a abordagem
os “mais difíceis”. sócio-construtivista, com sessões semi-estru-
Usou muito as expressões “não sei” e “não turadas, atividades programadas pelas duas
consigo”, em todo tipo de tarefa que lhe parecia partes – terapeuta e cliente – abrangendo aspectos
mais difícil. pedagógicos e emocionais.
Apresentou uma excelente memória visual e De março a dezembro de 2008 ocorreram
auditiva. Não apresentou dificuldades psico- progressos, porém insuficientes.
motoras, apesar de utilizar força exagerada no Em algumas sessões com a criança foram
traçado. Apresentou boa relação com o espaço, utilizados os “jogos de família” ou “jogo da
mostrou-se boa observadora. percepção”. No entanto, esta mostrou resistência
Em relação ao funcionamento emocional, como em entrar no jogo. Na realidade, o trabalho com
já apontado anteriormente, a criança parecia estar figuras, papéis no chão ou bonecos funciona como
vivendo um momento de alta ansiedade. Para esta se tivéssemos representantes no grupo, que são
avaliação, foram aplicadas, além da observação posicionados pelo cliente do mesmo modo como
e da entrevista, os inventários Beck 13 de é feito nas Constelações grupais. Vivencia-se no
depressão, ansiedade com a criança e também consultório, entre terapeuta, cliente e bonecos, o
com a mãe em relação à criança. mesmo tipo de percepções, incluindo todos os
A criança apresentou, portanto, dificuldades canais do sentido, como a visão, a audição e outras
na atenção/concentração, apesar de ter mantido sensações experimentadas pelos representantes,
o foco durante toda a avaliação, nas atividades com a diferença de que o terapeuta acaba sendo
que considerou fáceis, ou que eram realmente o maior foco das percepções e tem maior
de seu interesse. Como já dito, parecia tentar responsabilidade no explicitar dessas percepções,
“fugir” das atividades mais complexas, tentando já que o “campo”, responsável pelos efeitos que
mostrar o que já conhecia e o que já sabia fazer. se observa em uma Constelação, também está
Mostrou um desenho empobrecido para sua presente no trabalho individual. Muitas vezes,
idade. Mostrou uma auto-estima profundamente em poucas sessões, é possível ver com
rebaixada, desistindo facilmente do que não profundidade as dificuldades de uma pessoa e

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de seu sistema, tendo em vista o princípio tão presunçoso em relação à mãe. A mãe a separava
breve quanto possível e tão efetivo quanto do pai. A filha estava ligada a uma criança
necessário, como um ponto de partida que auxilia abortada pelos pais; ela acreditava poder “cuidar”
um forte processo de ajuda14. deste excluído pela mãe, o que a afastava ainda
Neste trabalho lidamos com pontes visuais e mais dos pais. Também tomava partido de sua
com a reordenação dentro do sistema da pessoa. avó em relação a sua mãe. A mãe olhava para a
No entanto, as constelações vão além: elas atuam avó do mesmo modo como sua filha a olhava: com
em um campo onde há espaço para imagens cobrança e arrogância. A avó também concordava
anímicas e energias ou forças que conduzem a que a criança ficasse longe do pai.
dimensões difíceis de serem descritas, para Houve grande dificuldade de reconciliação
vivências de fenômenos de campos anímicos que entre a mãe e a avó e a mãe e o pai, que também
estão além da mera observação14. era visto pela avó como um fraco. O pai se afastou
Pelas dificuldades da criança em entrar no de todos, não sendo possível – na constelação –
jogo lúdico e de percepção, em setembro foi uma reconciliação com a família e com a filha,
sugerida a intervenção Constelação Familiar para que continuou olhando para ele com distan-
a criança, no grupo. A mãe preferiu participar do ciamento. Os pais permaneceram bem distantes
trabalho sem a criança. entre si.
As crianças, no entanto, são capazes de A mãe do cliente não viu a constelação de
participar, compreender e aprender com as sua própria mãe. Este é um recurso considerado
constelações familiares. Ouvem a palestra com saudável nas constelações familiares no sentido
atenção, e entram nos papéis sem dificuldades, de colocar os filhos em seus lugares, sem
mostrando uma grande sensibilidade e percepção, intromissões, sem interferências na vida dos
inclusive julgando menos e se disponibilizando pais.
mais que os adultos. Como a avó participa ativamente da educação
No entanto, pais podem constelar pelos filhos, da criança, ficando com ela todos os dias à noite,
pelo menos enquanto esses são crianças. Após sendo responsável financeiramente por ela, foi
14 anos, a não ser que haja um grande impe- entendido como necessária a orientação, e esta
dimento, como no caso de pessoas deficientes foi convidada a participar de uma sessão com a
mentais, a própria pessoa deve colocar seu filha, mãe da criança. Ela criticou duramente a
problema para o terapeuta. Desta forma, lidamos filha e o neto, sendo as queixas centrais
com a não interferência, com congruência, um relacionadas à falta de obediência, de respeito,
dos grandes aprendizados no trabalho de de carinho e de gratidão de ambos em relação a
constelação sistêmica. A mãe participou de um ela e àquilo que ela provê aos dois.
grupo de final de semana para conhecer o trabalho Esta sessão aconteceu por volta de um mês
em um mês e no outro mês foi constelar. Seguindo após a constelação da criança. Após todas as
a orientação da constelação para ela, no mês críticas, a avó teceu elogios referentes às
seguinte a avó da criança, mãe da mãe, também mudanças que havia observado no neto no último
foi constelar, configurando a relação mãe x filha, mês. As alterações mais significativas foram
ou seja, avó e mãe da criança, também sem a referentes ao seu comportamento. Segundo ela,
mãe da criança em seu trabalho. a criança ficou mais amorosa, respeitosa, menos
Na constelação da avó, foram configurados a malcriada, conversando sobre tudo com a avó e
mãe da criança, que agora será chamada de filha, os demais familiares. A criança mostrou mais
a avó da criança (mãe), o avô (pai) e a bisavó disponibilidade para as atividades e as tarefas
materna (avó). que deveria realizar em casa, inclusive com a
Foi visto que a filha estava distante de seu própria avó, que também auxiliava o neto nas
pai, crítica e com um olhar desafiador e tarefas escolares.

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Na constelação da criança foram constelados exigências da escola e da vida. Mostra-se segura,


o pai, a mãe e a criança. Posteriormente foi firme, com “conteúdo”. Apropriada daquilo que
incluída ainda a avó materna. A constelação sabe, mesmo quando lê algo mais “difícil”,
apontou para uma grande dificuldade entre a mãe devolve a leitura à terapeuta. Parece mais aberta,
e a avó, assim como para um distanciamento entre colaboradora, disponível para o que se propõe.
a mãe e o pai da criança. O mais impressionante em relação a esta
O pai olhava para o filho com um olhar criança é o modo como tem lidado com as pessoas.
amoroso, porém o filho o olhava com cobrança e Está segura de si, segura de suas possibilidades
arrogância. A mãe se interpunha entre os dois. para se relacionar.
Apesar da mãe ter aceito investir na cons- Segundo ela própria,
telação do filho, não faltar ao tratamento, receber “Eu melhorei. Com a família eu brigava muito.
as orientações, parece estar muito magoada e Ainda brigo, mas não brigo tanto. Brigava mais
firme na atitude de não aproximação da criança com a bisavó e a avó e não com o bisavô. Com a
com o pai, forma inconsciente de honrar sua mãe, mãe também. Hoje com a mãe brigo mais ou
que fez exatamente como ela faz hoje, afastan- menos. Ela está mais feliz comigo. Na escola eu
do-a do pai e da família do pai, olhando para o brigava demais, conversava demais. Não
homem com desprezo. Este é um núcleo fechado conseguia escrever, tinha dificuldades com
hermeticamente para esta mãe. português, inglês, matemática, brigava com uns
Segundo Hellinger12, o modo como tomamos colegas. Hoje brigo e converso mais ou menos e
nossos pais é o modo como tomamos a vida. Se está mais fácil para aprender as coisas. Está mais
temos uma resistência contra nossos pais, temos fácil para aprender geografia, história e
uma resistência contra a vida. E para toda ciências”. 17.02.09
criança, a vida passa também pela escola. Observa-se certo sofrimento relacionado ao
Em muitas constelações observamos situações pai e à lealdade à mãe e à avó. Ela não tem
não resolvidas durante a dinâmica realizada. permissão para gostar ou se aproximar do pai.
Inúmeras vezes termina-se sem solucionar o Parece mais fácil sentir-se órfão de pai do que
problema colocado. Isso, na verdade, não faz admitir a falta e a existência da paternidade, do
diferença, pois o movimento posterior na família mesmo modo como foi para sua mãe.
e na vida do “constelado”, não é possível de ser
controlado, com ou sem final feliz na constelação. CONSIDERAÇÕES FINAIS
A imagem final da constelação da criança foi Muitos dos sintomas apresentados pela
negativa, permanecendo a criança dividida criança no início do trabalho desapareceram.
entre o pai e a mãe, mas se aproximando um Como descrito, melhorou na escola, com boas
pouco mais do pai, mesmo com a contrariedade notas, compreensão em relação ao estudado lá.
da mãe. Os professores não reclamam mais, a família não
Apesar disto, a criança mostrou melhoras é mais chamada para ouvir as reclamações sobre
significativas, em todos os campos da vida, em a criança, tanto com relação à aprendizagem,
especial um grande progresso na escola. A escola quanto com relação ao comportamento. Aliás, a
não “reclama” mais, a criança passou a aprender, criança tem se mostrado até ousada e arrogante
a dominar os conteúdos propostos sem em relação aos professores e ao conhecimento;
dificuldades. tem demonstrado achar que sabe muito, que não
A criança, no início, dizia o tempo todo “não tem mais dificuldades para nada, o que pode se
sei”, “não consigo”. Atualmente conversa com transformar em um problema, caso este
grande desenvoltura, utilizando raramente estas comportamento persista. No entanto, a mudança
expressões. Responde a tudo, pensa, se organiza é visível. Mudanças na escola, em casa e com os
de outros modos em relação ao pensamento e às amigos.

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BRAGA ALA

Quanto ao sofrimento que envolvia as grandes mudanças na vida. Inúmeras vezes não
dificuldades de aprendizagem desta criança, é possível estabelecer uma relação direta entre o
pode-se afirmar que este diminuiu signifi- que é tratado na constelação e as mudanças na
cativamente. Neste momento não há dificul- vida. Contudo, as mudanças podem ser
dades de aprendizagem. Nem na leitura, na observadas e descritas, como no caso aqui
escrita, em português, na matemática, em apresentado. Os campos mórficos são campos
inglês, em ciências, que eram as “mais difíceis”, que aprendem. Algo entra em ordem e as
ou outra matéria escolar. Para a escola a criança mudanças se processam.
está entre os bons alunos. Praticamente não há São necessárias pesquisas sobre os resultados
mais queixas de dispersão ou agressividade. das constelações familiares em todos os tipos de
E, apesar da criança continuar no atendimento doenças, transtornos, dificuldades.
até o meio do ano, como combinado com a A consolidação da compreensão da utilização
família, pelas queixas iniciais, ela poderia estar da abordagem terapêutica constelação familiar
de alta. sistêmica requer outros estudos de casos e
Após as constelações familiares têm sido investigações com delineamentos que permitam
comum depoimentos de pessoas relatando maior controle na avaliação dos resultados.

SUMMARY
Psychopedagogy & systemic familiar constellation:
a study of one case

This article intends to present the case of a nine year old child presenting
complaints of learning difficulty problems. The child presented in the
evaluation a delayed performance compared to the standards expected to its
age and school year. Also presented great difficulties in writing, literature
and mathematics and despite great intelligence, could not correspond to the
school’s demands. She remained for five (5) months in psychopedagogical
therapy, showing no significant improvements. After this time, working with
“family game” and “perception game”, and with the systemic familiar
constellation, the child began to show major improvements in school towards
the end of the year. The systemic familiar constellation, with a
phenomenological orientation, is viewed here as a determining intervention
on the child’s evolving progress. This approach begins with the principle
that the systemic laws, whenever disrespected, bring unbalances, which create
intertwining and suffering to the family. Many learning difficulties can be
seen as a systemic intertwining. This article has the objective of presenting
this new work, systemic familiar constellation, as a short family therapy
approach and a viable psycopedagogy partner.

KEY WORDS: Family relations. Family. Learning. Learning disorders.

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Trabalho realizado no Hospital das Clínicas da USP – Artigo recebido:4/5/2009


Ribeirão Preto, Ribeirão Preto, SP Aprovado: 15/7/2009

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