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CURSO FORMAÇÃO DE

mediadores de leitura

A FORMAÇÃO DE
PROFESSORES LEITORES E
Mediadores
de Leitura
Sarah Diva Ipiranga

Gra
tui
to!

2
FASCÍCULO
A FORMAÇÃO DE mação, experiência, docência, media-
ção, leitura, educação literária. Não há
PROFESSOR(A)- como fazer esse percurso sem a ajuda de
alguns professores-pensadores, docentes
LEITOR(A)? que, em sua prática, tanto exerceram o ofí-
Esse tema pode parecer contraditório, pois cio, quanto refletiram sobre a profissão de
pressupõe-se que todo docente tem uma forma a permitir que a docência avançasse
história de leitura agregada a si. No entanto, no que ela tem de mais fundamental: a lei-
hoje, diante do acúmulo de atividades, da tura formadora ou a formação leitora. A
especificação cada vez maior dos estudos partir do roteiro desenhado, as noções de
e da complexa rede de competências em formação e mediação vão se intercalar pro-
que se tornou o trabalho em sala de aula, movendo uma visão ampla desses proces-
os professores estão se distanciando desse sos (por meio dos conceitos apresentados)
prazer primeiro e fundamental da leitura. e, ao mesmo tempo, particular (através
Todos com certeza têm uma boa história dos exemplos), para que o professor(a)-
a contar sobre os livros que os encantaram e -leitor(a) possa elaborar sua vivência e
tornaram sua vida mais especial. Felizmen- compreender a sua atuação como for-
te, falta-nos o tempo e não o que contar. mador e mediador.
E é a partir desse pressuposto, de que todos Interessado em saber mais? Inscreva-se
são, a sua maneira, leitores, que esse mó- em nosso curso. Está inscrito? Pois não dei-
dulo se organiza. Ele pretende propiciar um xe de visitar sempre a nossa sala de aula
reencontro com a leitura que habita dentro virtual. Acesse:
de nós, mas que está silenciada pelos afaze-
res, pela tecnologia e/ou pelo cansaço. ava.fdr.org.br
Para que as informações não fiquem
dispersadas, organizamos um roteiro para
que você, leitor(a), entenda o que é for-

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1.
FORMAÇÃO E
CULTURA
A palavra formação está relacionada ao
chamado bildung, vocábulo alemão que
designa o aperfeiçoamento do homem.
Podemos dizer que a formação, ao con-
trário do que muitos pensam, não tem
um objetivo definido, ela é em si o meio
e o fim. O que isso significa? Significa que
formar-se faz parte da própria existência
humana e que ela contém, no seu próprio
processo, o seu sentido. Vejamos algumas
concepções de formação para que esse
conteúdo fique mais claro.

PARA ALÉM
DO TEXTO
Friedrich Hegel (1770-1831),
alemão, é considerado um dos mais
importantes e influentes filósofos
da história. Sua obra maior é
Fenomenologia do espírito.

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PUXANDO
PROSA
E já que estamos nos referindo
metaforicamente ao reino do
paladar para tratar do tema,
você sabia que a palavra saber
Segundo a antiga tradição mística, Essa visão nos aproxima de um outro tem a mesma origem da palavra
o homem carrega consigo a imagem de conceito, o de cultura. Formação não é sabor? Saber uma coisa é, em
Deus em sua alma. No entanto, tal ima- necessariamente um sinônimo de cul-
verdade, provar do seu sabor.
gem está pulsando dentro dele, mas não tura, mas ambos estão relacionados. O
necessariamente em ação. Para que isso primeiro termo tem uma conotação mais Por isso, em Portugal, quando
ocorra, é necessário que o humano se íntima, uma conquista “espiritual e mo- uma pessoa vai dar opinião sobre
forme, se cultive, produza algo de bom ral”, que repercute na sensibilidade. Já o gosto de uma comida, ela diz
através do conhecimento que vai agre- a cultura tem um componente externo “essa comida sabe bem” ou “sabe
gando. Dessa maneira, a centelha divina mais forte, um esforço para ter contato
dará frutos. Numa outra perspectiva, He- com formas artísticas e saberes disponí- mal” de acordo com o seu gosto.
gel, filósofo essencial para a compreen- veis em sua comunidade. E para você, que saberes lhe
são do assunto de que estamos tratan- Por isso, podemos também compreen- parecem mais saborosos?
do, afirma que o homem está inserido der a cultura como uma consequência
na natureza e tem percepção imediata da formação e, ao mesmo tempo, sua
dos acontecimentos. No entanto, para aliada no caminho do aperfeiçoamento.
se diferenciar dos animais, ele precisa Já que a formação é a possibilidade de
sair do seu estado natural e romper com o homem não ser somente o que bebe
o imediatismo. Tal processo de cresci- ou o que come, que tem outras “fomes e
mento e diferenciação só se dará com sedes”, a cultura vem então para suprir
a formação. Por meio do conhecimento, essas demandas e contribuir para que o
da arte, da autoanálise, da meditação caminho formativo se fortaleça.
etc., o ser humano encontra nova pátria
para os seus sentimentos e emoções, que
serão transformados e sofisticados.

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2.
FORMAÇÃO,
EXPERIÊNCIA E
DOCÊNCIA
E o professor? O professor é aquele que se
forma e forma. Vejam que lugar maravilho-
so ele ocupa em toda essa história. Tanto é
consequência como causa, partida e che-
gada. Nele, a formação alcança o brilho dos
místicos citados anteriormente e a ação de
que nos fala Hegel. O docente, portanto,
congrega em si duas ações fundamentais:
primeiro, ele deve ser responsável por um
processo de formação interior cuidadoso,
depois, de posse desse aperfeiçoamento,
vai transformá-lo de maneira a ajudar o
outro a se formar.

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Georges Gusdorf, filósofo francês que A experiência, que vem do latim expe-
escreveu um livro precioso chamado Pro- riri (provar), é, literalmente, o que nos
fessores para quê (2003), atentou bem acontece quando provamos algo. Por isso
para essa cadeia em que o mestre está a informação não é experiência, ela vem de
inserido: “Cada existência forma-se e afir- um lugar que nos é estranho e que sobrevoa
ma-se em contato com existências que a nossa mente. Vejamos isso hoje: chuvas tor-
cercam” (Gusdorf, 2003, p. 4). Aqui temos renciais de notícias, furacões de mensagens
mais uma reflexão: o eu não se forma instantâneas, ciclones de postagens em mí-
sozinho e o outro é necessário para que dias. Isso nos torna mais formados? Claro
esse caminho seja contínuo. Para aque- que não. E o pior, nem informados. Excesso
les que podem argumentar dizendo não quer dizer verdade. Ao contrário...
que filosofar é fácil, pois fica-se fora Por outro lado, a experiência nos forma,
do mundo, vale recuperar uma pois traz o gosto do vivido para o pen-
história antiga e cruel vivida pelo samento. E o melhor disso é que nos co-
filósofo-professor e que revela loca sempre abertos a novas experiências,
bastante a força da formação e acontecimentos, reformulações, pois nun-
do sentido de ensinar. Gusdorf ca é definitiva e derradeira. Infelizmente,
passou quatro anos num campo muitas vezes, quando queremos dizer que
de prisioneiros na Alemanha. O uma pessoa é inflexível, creditamos isso a
que fez ele: deu aula para todos, sua formação. Mas não é para ser assim,
inclusive outorgando-lhes um tí- pois o caminho da formação é uma porta,
tulo. Para o pensador francês, a entre aberta e fechada. Fechada para o que
guerra, que silencia os homens, não cabe, para o falso, o duvidoso, e aberta
teria que ser vencida justamente para outras aventuras que trabalhem a fa-
pelo seu avesso: a formação. vor do melhor do homem.
O professor tem, então, a difícil Assim, a docência somente existe se
tarefa de transformar os homens. uma formação lhe antecipar e constituir por
E, para fazer isso, é necessário estar meio de experiências constantes e renova-
bem formado e não necessariamente in- doras. Como uma parte das experiências é
formado, como hoje nos é tão cobrado. E íntima e individual, vamos tratar de uma
qual é realmente a diferença entre a for- agora que é indispensável aos professores e
mação e a informação? A experiência. deve ser vivida inalienavelmente: a leitura.

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3.
LEITURA E
FORMAÇÃO
Hoje, entre as publicações especializadas
na área pedagógica, multiplicam-se os
livros sobre formação de professores-lei-
tores. Percebe-se que há um esforço con-
centrado para se trabalhar essa questão
junto ao professorado. Mas por que isso
se dá, se o(a) professor(a)-leitor(a) é uma
moeda de cara e coroa? Ou seja, não existe
professor(a) sem leitura! Entretanto, pelos
motivos já explanados no início deste fas-
cículo, tem-se perdido realmente a cone-
xão com o ato de ler (e) os livros, contradi-
toriamente colocado em segundo plano.
Antes vêm os planos de aula, os exercícios,
as provas, o planejamento, não é mesmo?
Nas aulas de Literatura, que seria o espaço
privilegiado desse exercício, lidamos com
pedaços de textos, fragmentos que pedem
uma leitura rápida, dissociada do melhor
que as palavras podem oferecer. E nesse
campo pedregoso, afundam professores e
alunos, prisioneiros de uma máquina en-
louquecida pelo excesso.

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Um bom exemplo desse exercício é a
crônica “O primeiro livro de cada uma das
minhas vidas”, de Clarice Lispector. Nele,
a escritora comenta sobre uma pergunta
que lhe foi feita: qual o principal livro da
sua vida? Ela responde que já teve muitas
vidas, então irá falar dos livros de cada vida
que teve. Assim, entre a primeira infância e a
maturidade, ela elege quatro vidas que são
Então, se ler não é apenas correr com ressignificadas pelas livros e autores: O pa-
as estrofes de um poema para resolver um tinho feio, Reinações de Narizinho, Herman

PARA ALÉM
exercício em uma aula, o que é realmente? Hesse, Katherine Mansfield etc.
Segundo Roland Barthes, ler é muito mais Para cada livro, era associada uma emo-

DO TEXTO
do que decodificar uma mensagem, isso ção, uma época específica, um sentimento,
fica para o código morse e outras lingua- um desejo. Imagine-se, então, nessa volta
gens cifradas. Ler, para ele, é essencialmen- ao tempo pelos livros e monte o quadro da
te “escrever” o que se passa com você sua vida leitora. Recupere essa estante que
na hora da leitura. Ler é perceber as asso- Roland Barthes proferiu sua aula está na memória e faça com que ela volte a
ciações que são feitas, articulá-las, sem, no inaugural no Collège de France, em 1977. atuar sobre a vida que você tem hoje. Será
entanto, fechar a compreensão num dado Essa aula, magistral pela simples e, ao possível? Pensamos que sim.
seguro ou lugar único. Isso pode parecer, mesmo tempo, complexa abordagem do
a princípio, difícil de compreender, mas o assunto tratado (a força do texto literário),
que ele está tentando nos dizer é que o(a) pela humildade intelectual e pela sabe-
leitor(a) é um(a) escrevente constante das doria do mestre, transformou-se em um
suas memórias leitoras e que não existe livro, Lecon, que foi traduzido no Brasil:
escrita sem leitura. Para Barthes, autor,

PARA LER E
Aula (Ed. Cultrix). Em pouco mais de 40
texto e leitor(a) fazem parte de uma co- páginas, ele faz um passeio pela história
munidade com direitos iguais. da língua com posições avançadas sobre
Outra associação feita por ele é: ler é
jogar. E jogo tem regras e jogadores, não
o texto literário. Leitura essencial!
SE EMOCIONAR
é? Pois observem como é difícil tirar uma
criança de uma brincadeira. A brincadeira
(o jogo) é séria para ele, naquele momento A crônica de Clarice Lispector
nada está acima de acertar a bola de gude Esse momento é único e pessoal, aqui referenciada pode ser
no buraco ou de realizar a última seção do mas com repercussão para a vida inteira. encontrada no livro Aprendendo a
jogo de pedrinhas, quando se jogam todas Por isso, a primeira coisa a ser feita pelos viver, uma coletânea de crônicas e
ao alto e tem-se que recolher em única professores é recuperar as suas expe- textos autobiográficos da autora,
mão todas as pedras. A mesma coisa acon- riências de leitura. Somente assim, ao re- em que seu percurso de formação
tece no ato de ler: há um processamento ver a sua formação, ele poderá mediar pro- é liricamente recuperado nas
mental e sensorial no contato que mantém cessos coletivos de leitura. E como fazer experiências que traz para nós
o texto que será guardado na memória e isso? Ora, relembrando e trazendo à tona, através de seu estilo particular.
acionado pelas articulações que o próprio se possível de forma escrita, as reminiscên-
mundo oferece. cias desse encontro.

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4.
O PAPEL DOS
CLÁSSICOS
Ítalo Calvino afirma que os clássicos são
livros que nunca terminamos de ler, pois
sempre estão a pedir novas leituras e novos
encontros. Isso desmistifica a ideia do clás-
sico como algo fixo, que ficou parado num
tempo pretérito. Pelo contrário, clássico é
o livro que viaja e traz para cada leitor, em
tempos diversos, um reencontro e uma no-
vidade. Por isso, é essencial aos professo-
res que recuperem ou iniciem a leitura de
textos que são fundamentais para a com-
preensão da literatura e do seu poder na
formação humana.
A lista é imensa, mas o(a) leitor(a) põe a
mesa de acordo com os gostos que têm e
com os sabores que deseja provar.

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Há bastante tempo havia muitas cole-
ções, como Coleção dos clássicos universais,
Tesouro da Juventude etc. Hoje ficaram no
esquecimento e são tratadas como peça de
museu ou visão estereotipada da literatura.
Quanto engano! A palavra universal não
PARA LER E
quer dizer totalidade, ela significa na ver-
dade conhecer o outro. Ser “universal” é
SE EMOCIONAR
sair de si e do seu cotidiano e migrar para
outras experiências, abrir-se para a alterida-
Há vários textos em que escritores
de através da expressão de outros povos e
narram a importância da leitura
culturas. Nada como ler Zorba, o grego, de
na formação das suas vidas. O
Nikos Kazantzákis, e mergulhar
primeiro (delicado, imaginativo e
no imaginário helênico e sua
extremamente lírico) é Memórias de
constituição particular, ou a
um aprendiz de escritor, de Moacir
Rússia densa e inquietante de
Scliar. O escritor gaúcho, também
Crime e castigo, de Dostoiévski,
médico, recupera os primeiros
por exemplo.
momentos da sua vida no Bom
O homem sedento não tem
Retiro, bairro de Porto Alegre, e de
como compartilhar a água. O pro-
como os livros forjaram o homem
fessor só pode mediar uma boa
em que ele se tornou. Os outros
leitura com seus alunos se es-
dois estabelecem um diálogo entre
tiver saciado, pleno. E isso,
séculos: José de Alencar, em Como e
com certeza, é função dos
porque sou romancista, publicação
clássicos. Podemos dizer
póstuma de 1872, é revivido no artigo
que tais livros são a comi-
Até aqui, tudo bem! (Como e por que
da que pesa e que permite
sou romancista - versão século 21),
ao corpo caminhar. Eles
do jornalista e escritor Luiz Ruffato.
formam, alimentam, sus-
Neles, os autores falam dos livros
tentam, fazem com que o
que foram importantes e decisivos na
corpo fique firme, edifica-
mudança que queriam empreender
do pelas boas leituras.
em suas vidas. Vamos ler?
Depois dos clássicos, e
ao lado deles, uma porta
se abre para um sem núme-
ro de textos, gêneros, signos
mil que invadem o dia a dia
dos leitores. No entanto, sem
essa formação, abrimos a porta
para mensagens pobres, que ocupam
o lugar do bem dizer. A boa notícia é que
essa descoberta ou redescoberta pode ser
feita em conjunto, com professores e alunos
traçando os passos seguros nesse compar-
tilhamento de ausências e presenças.

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5.
EDUCAÇÃO LITERÁRIA
E LETRAMENTO
LITERÁRIO
Dentre os estudos mais modernos
sobre as práticas leitoras, duas ex-
pressões ganham destaque: edu-
cação literária e letramento li-
terário. Esta última tem estado
na maior parte das discussões
sobre o tema e traz para a li-
teratura um termo da área da
linguística: letramento. Rildo
Cosson, cujo livro Letramen-
to literário: teoria e prática
(2006) é referência indiscu-
tível, investe boa parte das
suas pesquisas nas formas
de mediar a leitura em sala
de aula. Sua concepção con-
firma muito do que já foi apre-
sentado aqui (a necessidade
de os professores serem leitores
ativos, a importância de leituras
formadoras etc.), além de modu-
lar alguns parâmetros para que essa
mediação possa acontecer da melhor
maneira possível e que “permita que a
leitura literária seja exercida sem o aban-
dono do prazer, mas com o compromisso
do conhecimento que todo saber exige”
(COSSON, 2006, p. 23).

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Uma fusão aparentemente impossível Podemos compreender esses três pas-
é proposta: prazer e compromisso. Ora, sos como as primeiras condições de um
essa talvez seja a grande mediação a se exercício de leitura que esteja assentado
fazer na escola: combinar a vivência plena
do texto literário (suas potencialidades) e a
numa ideia de educação literária. Então,
devemos lembrar do outro lado da moeda: PUXANDO
responsabilidade da leitura que ela elabo-
ra (fugir do excesso de subjetividade que
caracteriza muitas das abordagens do texto
o trabalho exaustivo da escrita.
Guimarães Rosa a isso se refere nas car-
tas que envia para um de seus tradutores
PROSA
literário). Certamente é tarefa difícil, mas (Curt Meyer-Clason): “Em geral, quase toda
a única possível para se conseguir obter frase minha tem de ser meditada. Quase Leia a entrevista “A internet nos
êxito nesse propósito. todas, mesmo as aparentemente curtas, deixa estúpidos”, da revista Super
simplórias, comezinhas, trazem em si algo Interessante com o professor Mark
Subjetividade: visão individual, de meditação e aventura” (ROSA). Como, Baeurlein, autor da polêmica obra
particular, pessoal. portanto, querer que trabalho tão sensível e The dumbest generation, aqui
Literariedade: caráter intrínseco meticuloso possa caber numa leitura rápida citado, e reflita sobre o que ele diz.
que faz do literário um texto singular. e sem compromisso? Você concorda, discorda? Qual a sua
Dessa forma, o professor precisa lidar opinião? Acesse o link a seguir:
Para subsidiar o trabalho dos com fruição e reflexão para que seu pro- https://super.abril.com.br/tecnologia/
professores, Cosson apresenta uma cesso de mediação leve efetivamente a a-internet-nos-deixa-estupidos-
série de sequências nas quais o tex- uma educação literária. A professora por- entrevista-com-mark-bauerlein/
to literário pode ser trabalhado de tuguesa Margarida Vieira Mendes também
forma a manter a integridade da sua considera essa associação a melhor manei-
literariedade e abrir espaço para ra de constituir um processo amadurecido
o protagonismo do(a) aluno(a), de leitura e aprendizagem:
como também para a mediação con- a literatura obriga sempre o aprendiz – seja
ciliadora e firme do(a) professor(a). ele professor ou aluno – […], a uma respos-
No entanto, tudo que está proposto ta emocional, a um juízo, a um ato verbal
pelo letramento é uma consequência da de outra natureza, i.é, a um gesto desau-
educação literária. Sem ela, boa parte do tomatizado, pessoal, avesso à repetição. O
trabalho cai no automatismo, na repeti- estatuto peculiar das obras literárias como
ção, na divisão burocrática de tarefas e na seres incompletos, ávidos de interpretação
mera informação. e exigindo uma permanente revisão das ca-
Mark Baeurlein, estudioso dos mo- tegorias que aspiram a descrevê-los, gera
dos de leitura, seleciona alguns itens hábitos disciplinares de aprendizagem
que são essenciais para que uma leitura e de produção de saber, fabrica atitudes
realmente verdadeira possa se estabele- que, por sua vez, marcam o próprio modo
cer: (1) a vontade de experimentar e do conhecimento, sacudindo fórmulas e
compreender, (2) a existência de pou- ideias feitas (MENDES,  1997, p.146).
cas interrupções e (3) a receptividade
para aprofundar o pensamento.

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e) Incentivar uma apropriação do texto
literário nas suas potencialidades linguísti-
cas, semânticas, interativas;
f) Redimensionar a posição do escritor/
leitor dentro da cadeia de leitura e mostrar
a subjetividade que está envolvida nesse
processo e a singularidade contextual como
ativadora da escrita;
g) Colocarmo-nos no lugar da escrita
e perceber as dimensões que cercam este
ano. A partir dessa visão, olhar para os tex-
a) Perceber que a visão de literatura tos literários trabalhados em sala de aula de
que o docente tem é a mesma que imprime uma maneira mais complexa e ao mesmo
Nesse mundo composto por palavras, às aulas; tempo atenta às sensibilidades;
um outro mundo é reorganizado e o exercí- b) Inserir os professores na sua própria h) Inserir a subjetividade do(a) profes-
cio da docência move-se pelo conhecimen- vivência com os textos para que possam, sor(a) como essencial à prática docente, da
to e pelas experiências vividas e colhidas na através desse contato fundador, redimen- mesma forma como a do(a) escritor(a) é de-
e com a leitura. Para que isso se reflita no sionar sua prática em sala de aula; terminante no seu ofício;
papel do(a) professor(a) como mediador(a) c) Modificar uma visão superficial do i) Propiciar a interferência real no texto
e formador(a) de leitores, é preciso que a texto literário e apresentar propostas de literário através de exercícios formadores e
cadeia significante da educação literária leitura que, apesar da exiguidade do tempo motivadores. Assumir o lugar de protago-
(texto, escritor, leitor, leitura, escola, práticas das aulas, não abrem mão da profundidade nista em relação às atividades e colocar os
educativas) seja efetivamente considerada. que cerca o ato de ler; conhecimentos adquiridos numa prática
A fim de que essa concepção fique clara, ex- d) Mostrar a importância de uma leitura leitora conjunta, em que o docente encon-
pomos alguns objetivos que precisam estar intensa e profunda, que amplia o lugar ha- tre seu ponto de intervenção e construção
em destaque na ação pedagógica: bitual como a obra é apresentada; do conhecimento.

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6.
UM LIVRO NA CABEÇA,
REFERÊNCIAS
ALENCAR, José de. Como e por que sou ro-
mancista. São Paulo: São Paulo: Ed. Pontes,
OUTRO NA CABECEIRA 1990.
No caminho traçado até aqui, foram muitas
BARTHES, Roland. Aula. 7 ed. São Paulo:
as leituras compartilhadas. Para que esse ro-
Cultrix, 2005.
teiro possa ser também um mapa no percur-
so leitor que cada um de vocês vai elaborar, BAUERLEIN, Mark. The Dumbest Genera-
vamos relacionar em Referências, os livros tion. New York, NY: Tarche Penguin, 2008.
indicados com suas referências completas. E CALVINO, Italo. Por que ler os clássicos?
não se esqueçam, para que a formação real- São Paulo, Companhia das Letras, 2010.
mente aconteça, deve-se sempre ter um
livro na cabeça e outro na cabeceira. Para COSSON, Rildo. Letramento literário: teo-
cada livro apresentado aqui, escolha um ou- ria e prática. São Paulo: Contexto, 2006.
tro e assim vá montando suas estantes. DOSTOIÉVSKI, Fiódor. Crime e castigo. Por-
Lembre-se de que contamos com você to Alegre: LP&M, 2013.
para transformarmos o Brasil em um país de
GUIMARÃES, Alexandre Huady Torres; BA-
gente leitora.
TISTA, Ronaldo de Oliveira (orgs.) Língua
e literatura: Machado de Assis na sala de
aula. São Paulo: Parábola Editorial, 2013.
GUSDORF, Georges. Professores para quê:

PARA ALÉM
ROSA, João Guimarães. João Guimarães Rosa:
Por uma pedagogia da pedagogia. São
correspondência com seu tradutor alemão Curt

DO TEXTO
Paulo: Martins Fontes, 2003.
Meyer-Clason (1958-1967). São Paulo: Nova
HEGEL. Estética Poesia. São Paulo, Lisboa: Fronteira; Rio de Janeiro: Academia Brasileira de
Ed. Guimarães, s/d. Letras; Belo Horizonte: Ed. UFMG, 2003.
KAZANTZÁKIS, Niko. Zorba, o grego. 3 ed. RUFFATO, Luiz. Até aqui tudo bem! Como e por
O livro Língua e literatura: Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1977 (Cole-
Machado de Assis na sala de aula, que sou romancista (séc. 21). In: MARGATO,
ção Grandes romances) Izabel; GOMES, Renato Cordeiro (Orgs.). Espé-
da editora Parábola, traz um ótimo
estudo sobre as formas de leitura LISPECTOR, Clarice. Aprendendo a viver. cies de espaços: territorialidades, literatura, mí-
de um conto do escritor carioca, Rio de Janeiro: Rocco, 2004. dias. Belo Horizonte: Ed. UFMG, 2008.
“Pai contra mãe”, que podem ser MENDES, Margarida Vieira. Pedagogia da li- SCLIAR, Moacir. Memórias de um aprendiz de
desenvolvidas pelos professores. teratura. In: Românica, v. 6, 1997. escritor. São Paulo: Companhia Nacional, 1984.

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Sarah Diva Ipiranga (Autora)
É professora adjunta de Literatura Comparada do curso de Letras da Universidade
Estadual do Ceará (Uece). Pós-doutora em Literatura Brasileira pelo Centro de Estudos
Comparatistas da Universidade de Lisboa. É docente do Programa de Pós-Graduação
MIHL (Mestrado Interdisciplinar em História e Letras) e vice-coordenadora do Mestrado
Profissional em Letras.

Rafael Limaverde (ilustrador)


É ilustrador, chargista e cartunista (premiado internacionalmente) e xilogravurista. Formado
em Artes Visuais pelo Instituto Federal de Educação, Ciências e Tecnologia do Ceará (IFCE).
Escreve e possui livros ilustrados nas principais editoras do Ceará e em editoras paulistas.

Este fascículo é parte integrante do Programa Fortaleza Criativa, em decorrência do Termo de Fomento celebrado
entre a Fundação Demócrito Rocha e a Secretaria Municipal da Cultura de Fortaleza, sob o nº 05/2018.
Todos os direitos desta edição reservados à: EXPEDIENTE: FUNDAÇÃO DEMÓCRITO ROCHA (FDR) João Dummar Neto Presidente André Avelino de
Azevedo Diretor Administrativo-Financeiro Raymundo Netto Gestor de Projetos Emanuela Fernandes
Analista de Projetos Tainá Aquino Estagiária UNIVERSIDADE ABERTA DO NORDESTE Viviane Pereira
Fundação Demócrito Rocha
Gerente Pedagógica Luciola Vitorino Analista Pedagógica CURSO FORMAÇÃO DE MEDIADORES DE LEITURA
Av. Aguanambi, 282/A - Joaquim Távora
Raymundo Netto Coordenador Geral e Editorial Lidia Eugenia Cavalcante Coordenador de Conteúdo
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Emanuela Fernandes Assistente Editorial Amaurício Cortez Editor de Design e Projeto Gráfico Marisa
Tel.: (85) 3255.6037 - 3255.6148 - Fax (85) 3255.6271 Marques de Melo Diagramadora Rafael Limaverde Ilustrador
fdr.org.br ISBN: 978-85-7529-893-0 (Coleção)
fundacao@fdr.org.br ISBN: 978-85-7529-898-5 (Fascículo 2)

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