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GASTROENTERITE / Clostridium perfringens

(Intoxicação alimentar determinada pelo C. perfringens – FDA)

1 INTRODUÇÃO

A intoxicação alimentar determinada pelo Clostridium perfringens foi descrita pela


primeira vez em 1895 e novamente em 1945, mas sua importância não era considerada até
1953 (McCLUNG, 1945; HOBBS e cols., 1953)
O Clostridium perfringens pertence à família Bacillaceae e se apresenta sob a forma
de bacilo, G+, produtor de esporo, imóvel e anaeróbio.
São reconhecidos 05 tipos de Clostridium perfringens, distinguidos entre si pelas
toxinas produzidas. Tipo A, Tipo B,....Tipo E. Na tabela a seguir são apresentados os
diferentes tipos de Clostridium perfringens e as toxinas produzidas.

Tabela – Toxinas produzidas pelos diferentes tipos de Clostridium perfringens (VARNAN &
EVANS, 1992)

TIPO TOXINA
ALPHA BETA EPSILON IOTA
A + - - -
B + + + -
C + + - -
D + - + -
E + - - +
VARNAN & EVANS (1992)

Essas toxinas são distintas e não podem ser confundidas com a enterotoxina,
determinante de intoxicações de origem alimentar, produzida por cepas do Clostridium
perfringens tipo A (e algumas cepas dos tipos C e D). Assim, de todos os tipos, os
determinantes de gastroenterite são o A (mais importante) e algumas cepas C e D (VARNAN
& EVANS, 1991).

 Tipo A - além de agente de gastroenterite é também agente de uma série de enfermidades


extra-intestinais no homem e animais, incluindo gangrena gasosa, hemólise intravascular e
bacteremia.
 Tipo C - agente de enterite necrótica e enterotoxemia.
O Clostridium perfringens é a mais comum espécie de Clostridium isolada de infecções
humanas como abcessos, peritonites e outras afecções em tecidos moles.
2 MECANISMO DE PATOGENICIDADE

A patogenia é determinada pela ação de uma enterotoxina (fosfolipase C) liberada a


nível intestinal quando da esporulação. Inicialmente era admitido que a enterotoxina ou
recobria o esporo ou estava nas camadas que o recobrem. Mais recentemente foi verificada a
síntese de enterotoxina em cultivos não esporulados de Clostridium perfringens o que deixa
dúvida quanto a sua relação com o esporo. Agora é sugerido que a esporulação e produção
de enterotoxina são apenas fenômenos coincidentes que ocorrem sob condições ambientais
similares (ELEY, 1992).
A enterotoxina é um polipeptídio de 34.000 Daltons de peso molecular e sensível ao
o
calor, tendo sua atividade destruída em 5 minutos a 60 C.
A ingestão de um grande número de células viáveis é requerida para:
 permitir a sobrevivência de um número significativo à ação da acidez estomacal;
 iniciar o desenvolvimento no intestino.
O mecanismo de desencadeamento mais comum da doença seria:
O cozimento de um alimento contaminado (tipicamente carne em grandes porções),
onde o calor elimina o oxigênio dissolvido e induz a esporulação da bactéria. Quando
a temperatura começa a cair (próximo à ideal), os esporos germinam e as células
vegetativas começam a se multiplicar, a menos que a carne seja esfriada
rapidamente e conservada sob refrigeração até o momento do consumo. Este
microrganismo pode crescer em um amplo intervalo de temperatura (15 a 50oC),
tendo seu ótimo entre 43 e 47oC, onde apresenta um tempo de geração de 12
minutos. Se o produto que tem altas populações é ingerido, os microrganismos se
multiplicam ao alcançar o trato digestivo e a esporulação ocorre ao alcançar o
intestino delgado, com conseqüente liberação da toxina (ELEY, 1992).
MEAD e cols. (1982) estimam o número necessário em 106 a 108 UFC/grama de
alimento ingerido.
A enterotoxina pode também ser liberada no alimento, mas, em geral, a produção em
quantidade significativa é bastante rara. A enterotoxina tem ação citotóxica, com efeitos
observados entre 15 e 60 minutos tanto em cultura de células como em animais. A rápida
ação é um contraste com o efeito da toxina de Shiga que leva horas. Grosseiramente a ação
desta enterotoxina é muito parecida com a da cólera. Entretanto, a enterotoxina do C.
perfringens inibe a absorção de glicose, provoca perdas de íons (Na+ e Cl-) e água e
determina lesões na mucosa do intestino delgado (descamação nas vilosidades).
A enterotoxina pode ser detectada através de método biológico (teste em íleo ligado de
coelho) e métodos sorológicos, a partir de filtrados de cultura (imunodifusão em gel, Elisa).

3 ORIGEM DO AGENTE
O Clostridium Tipo A é comum no intestino do homem e, segundo BRANT e cols.
(1978), 80 a 100% da população humana saudável o elimina pelas fezes. Pode ser
encontrado ainda na microbiota oral, vaginal e na urina.
O Clostridium também pode ser encontrado no intestino de animais de sangue quente,
no solo e poeira, particularmente o Tipo A. Os Tipos B, C, D e E parecem ser parasitas
obrigatórios, sendo usualmente isolados em animais e ocasionalmente no homem.
Em água o C. perfringens pode ser usado como indicador de contaminação fecal.

4 FATORES QUE INFLUENCIAM O SEU DESENVOLVIMENTO

 Temperatura:
- ótima = 45oC - 47oC (tempo de geração de 10 a 12 minutos)
- entre 15 e 20oC cresce lentamente
- < 10oC e > 60oC não se desenvolve
 pH: crescem somente entre 5,0 e 9,0.
 aw: crescem em até 0,95
 Potencial de oxi-redução: são relativamente tolerantes ao O2, conseguindo se
desenvolver em potencial de até + 350 mV. O Eh normalmente cai após o cozimento, o
que permite a sua multiplicação em alimentos cozidos.
 Ingredientes de cura: NaCl e NaNO2 nas concentrações usualmente utilizadas nos
alimentos processados inibe o desenvolvimento.

5 ALIMENTOS ASSOCIADOS

Esporos de Clostridium perfringens podem ser encontrados em amostras de quase


todos os alimentos crus (reflete o padrão higiênico da obtenção), assim como do solo, águas
residuais e excrementos animais. Em alimentos cozidos podem também ser encontrados com
freqüência, tendo em vista o caráter de termoresistência.
Os alimentos que com mais freqüência estão relacionados com a enfermidade são
aqueles que depois de cozidos são esfriados lentamente e consumidos depois de longo
tempo. Isto faz com que a população mais susceptível seja aquela que se alimente em
instituições ou a partir de cozinhas industriais (como restaurantes, hospitais, prisões, escolas,
etc.), onde grandes quantidades de alimentos são preparadas várias horas antes de serem
servidos e, nesta circunstância, o Clostridium perfringens pode facilmente se desenvolver.

 carne e produtos cárneos: surtos típicos foram aqueles em que grandes pedaços de carne
foram cozidos e depois não refrigerados adequadamente. No caso há morte das células
vegetativas mas os esporos, dado à termoresistência, germinam, determinando novo
aumento no número de células. GENIGEORGIS (1986), reporta que 70% dos casos
ocorridos nos EUA envolveram produtos cárneos. Dados mais atuais confirmam as
observações do autor (CDC, 1998)
 leite e derivados: raramente estão envolvidos. Foi descrito um surto na Inglaterra,
envolvendo 6 pessoas e o consumo de queijo.
 peixe e subprodutos: pode ocorrer em peixes principalmente por contaminação no
processamento. Dois surtos foram descritos na Inglaterra, envolvendo 800 pessoas e o
consumo de maionese com salmão.
 outros alimentos, principalmente em molho e em grandes quantidades - favorece a
anaerobiose.

6 SINTOMAS DA INTOXICAÇÃO

Não existe fator predisponente ou condições específicas para o aparecimento da


enfermidade. O maior risco ocorre em locais onde alimentos são preparados em larga escala
como: hospitais, asilos, escolas, restaurantes e etc.
O período de incubação varia de 08 a 22 horas, com média de 10 horas, sendo que os
acometidos apresentam diarréia, dor e distensão abdominal por gases e, em alguns casos,
vômito. Nos casos mais graves a diarréia pode vir acompanhada por sangue e muco.
O quadro tem duração curta, com desaparecimento dos sintomas entre 1 e 2 dias. A
conseqüência mais comum é a desidratação, sendo necessário uma terapia de apoio.
O diagnóstico laboratorial pode ser realizado através do isolamento do clostrídio do
alimento suspeito e das fezes dos acometidos. Neste caso a sorotipagem é importante na
avaliação do surto - o mesmo sorotipo deve ser encontrado no alimento e nas fezes dos
acometidos, mas não nas fezes de indivíduos de risco mas não enfermos. O laboratório de
higiene alimentar localizado em Colindale, UK, usa em sua rotina 75 antisoros (VARNAN &
EVANS, 1991). Isto se faz necessário pelo fato de que esta bactéria é um componente normal
da microbiota fecal humana.
A detecção de enterotoxina de fezes permite confirmar a etiologia da intoxicação. Isto
pode ser realizado através de métodos biológicos, como:
 inoculação intradérmica em coelho e cobaio;
 inoculação em alça intestinal ligada de coelho;
 injeção intragástrica em rato recém nascido;
 ensaios de citotoxidade em cultivos de célula Vero.

7 CONDIÇÕES NECESSÁRIAS PARA SURTO

 que o alimento contenha ou se contamine com C. perfringens Tipo A;


 que o alimento apresente condições que favoreçam o seu desenvolvimento;
 que o alimento sofra um tratamento térmico e seja mantido em temperatura que permita a
germinação dos esporos;
 que os alimentos sejam ingeridos sem reaquecimento e com grande número de células
viáveis, oriundas de multiplicação;
 que as células liberem a toxina "in-vivo" o que pode ocorrer durante a esporulação.

8 MEDIDAS PREVENTIVAS

 condições de higiene na elaboração de produtos alimentícios;


 rápido e correto resfriamento de alimentos tratados pelo calor. Se em grandes quantidades
devem ser subdivididos em porções menores;
 alimentos quentes devem ser mantidos sempre em temperaturas superiores a 60oC ou
65oC;
 reaquecer de forma correta alimentos que necessariamente devam ser reaquecidos (como
sobras).

9 BIBLIOGRAFIA CONSULTADA

ELEY, A. Intoxicaciones alimentarias de etiología microbiana. Zaragoza: Acríbia, 1992. 208p.


FEHLABER, K., JANETSCHKE, P. Higiene veterinaria de los alimentos. Zaragoza: Acríbia,
1992. 669p.
FOOD AND DRUG ADMINISTRATION. Foodborne pathogenic microorganisms and natural
toxins. Clostridium perfringens. Center for Food Safety and Applied Nutrition. EUA. (material
obtido via internet)
GENIGEORGIS, C. Problems associated with perishable processed meats. Food Technology,
v.34, p.80-83, 1986.
HOBBS, B.C., ROBERTS, D. Food poisoning and food hygiene. 6a ed. San Diego: Singular
Publishing Group, 1993. 391p.
HOBBS, B.C., SMITH, M.E., OAKLEY, C.L., WARRACK, G.H., CRUICKSHANK, J.C.
Clostridium welchii food poisoning. Journal of Hygiene, v.51, p.74-101, 1953.
McCLUNG, L.S. Human food poisoning due to growth of Clostridium perfringens (C. welchii) in
freshly cooked chickens. Journal of Bacteriology, v.50, p.229-231, 1945
MEAD, G.C., ADAMS, B.W., ROBERTS, T.A., SMART, J.L. Isolation and enumeration of
Clostridium perfringens. In: Isolation and identification methods for food poisoning
organisms. CORRY, J.E.L., ROBERTS, D., SKINNER, F.A. (Eds.). London: Academic
Press, 1982.
POUMEYROL, M. Clostridium perfringens. In: BOURGEOIS, C.M., MESCLE, J.F., ZUCCA, J.
(Editores) Microbiologia alimentaria. V.1. Zaragoza: Acríbia, 1994, p.93-104.
VARNAN, A.H. & EVANS, M.G. Foodborne pathogens. London: Mosby Year Book, 1991.
557p.

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