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Síndrome Inflamatória da
Reconstituição Imune em HIV/Aids
Por Érico Arruda (*)
A
A terapia anti-retroviral (TARV)
combinada reduz drasticamente a
carga viral (CV) do HIV e aumenta
a contagem de linfócitos T-CD4
década de 1950. É melhor empre-
gado nas situações em que, após
uma resposta clínica favorável, há
recidiva ou piora de sinais e sinto-
b) CMV
Resposta inflamatória com uveíte,
que se acompanha de diminuição
visual, papilite, edema macular e
(CD4), que garantem diminuição da mas da doença. neovascularização. Ocorre em
incidência de infecções oportunis- A base fisiopatológica é o reco- pacientes com ou sem diagnóstico
tas (IO) e da mortalidade, além de nhecimento, pelo sistema imune, de de citomegalovirose prévia.
melhoria da qualidade de vida. antígenos associados com infecção A prevalência é de 8 a 16%, se
A recuperação da imunidade conhecida ou de antígenos persis- retinite por CMV prévia. A reação
pode associar-se com uma piora tentes e não-replicantes de infecção inflamatória pode envolver outros
(“paradoxal”) da IO subjacente ou prévia. órgãos como intestino, pâncreas e
com o aparecimento de outras ma- Sua incidência tem sido relatada corrente sangüínea. (ver pág. 8)
nifestações de natureza inflamató- entre 10 a 20% dos pacientes que c) Tuberculose – discutida nas
ria, anteriormente inexistentes ou iniciam TARV. Mas, pode alcançar páginas 3 e 4 deste boletim.
não evidenciadas. 45% em pacientes que iniciam d) Varicela zoster
As primeiras publicações são de TARV em vigência de uma IO. É uma das ocorrências mais co-
meados de 1997 e início de 1998, A maioria dos casos ocorrem muns (7 a 8% de todos os pacientes
quando dois grupos descreveram dentro dos primeiros três meses do tratados). Costuma apresentar-se
manifestações atípicas de retinite por início da TARV, ainda que existam até a 17 a semana do início da
citomegalovírus (CMV) e formação relatos com até dois anos após. TARV. A manifestação não é mais
de abscesso pelo complexo Myco- Alguns fatores de risco aponta- severa que no paciente sem infec-
bacterium avium (MAC), em pacien- dos em estudos: ção pelo HIV e o tratamento é con-
tes que haviam iniciado TARV há ● Uso de IP-r vencional. (ver pág. 7)
poucas semanas. Depois desses re- ● Nadir de CD4=100 cel/mm3 e) Leucoencefalopatia Multifocal
latos várias manifestações de diver- ● Queda rápida e significativa de Progressiva (LEMP)
sas doenças foram comentadas. CV (> 2.5 log até o início da SIRI, Tem um curso melhor que a
O nome dessa entidade noso- comparada aos níveis basais), o que doença na era pré-TARV. O início
lógica tem variado na literatura, mas significa dizer CV mais alta antes da é mais abrupto e a tomografia
a mais utilizada na literatura de lín- TARV. computadorizada de crânio mostra
gua inglesa é IRIS (Immune Recons- A seguir, serão apresentados al- captação de contraste. Corticos-
titution Inflamatory Syndrome). Em guns detalhes da SIRI relacionada teróide tem pouca atividade. (ver
português, poderíamos chamar de a algumas patologias específicas: pág. 8)
SIRI (Síndrome Inflamatória da a) MAC f) Criptococose
Reconstituição Imune); SRI (Sín- As manifestações mais comenta- Numa coorte francesa a mediana
drome da Reconstituição Imune); das são linfadenite focal ou difusa de tempo para início da TARV foi
DRI (Doença da Reconstituição (inclusive fistulosa), abscessos de 12 dias após o diagnóstico da
Imune) ou simplesmente Resposta cutâneos e musculares, osteomielite, criptococose (variando de 39 dias
Paradoxal. Esse último termo é ori- nefrite e meningite. A presença da antes a 60 dias após) no grupo de
ginário dos conhecimentos com tu- micobactéria usualmente só é evi- pacientes que desenvolveu SIRI; a
berculose e já era utilizado desde a denciada na cultura do linfonodo. mediana de tempo entre início de
2 InfectologiaHoje Ano II – nº 7 – Jul/Ago/Set 2008
TARV e início da SIRI foi de 8 me- Início da TARV deve ser encarada como exceção,
ses (variando de 2 a 37 meses). Em Os freqüentes relatos de SIRI, nos casos em que haja risco de vida
análise multivariada para fatores de relacionados às mais variadas afec- (geralmente nos acometimentos de
risco independentes, verificou-se ções e nas mais variadas mani- SNC e insuficiência respiratória).
que a ocorrência de SIRI estava festações clínicas, levou ao crescente
relacionada: receio de se iniciar precocemente a Conclusões
● Infecção por HIV revelada pela TARV em pacientes com diagnósti- A SIRI, apesar de ser um fenô-
criptococose (diagnóstico tardio); co de IO. Por outro lado, existem meno bem documentado, ainda ca-
● CD4 < 7 cel/mm3; análises que mostram melhor prog- rece de uma maior caracterização e
● Fungemia basal; nóstico de algumas dessas infecções, sistematização do diagnóstico e da
● TARV iniciada dentro de dois se a TARV é utilizada concomitante. abordagem terapêutica.
meses do diagnóstico da cripto- Para tentar responder a esse A base fisiopatogênica é a melho-
cocose, principalmente se iniciada conflito alguns ensaios estão em ra da resposta imune geral e especí-
após a terapia antifúngica. andamento. Recentemente, na Con- fica contra alguns antígenos.
Este tema será melhor discutido ferência Americana de Retrovirose Quanto pior e mais longa a imuno-
nas páginas 5 e 6. e Infecção Oportunista (CROI, depressão, maior o risco de SIRI.
g) Hepatites virais 2008), por Andrew Zolopa e cols., Pacientes com CD4 < 100 cel/
Os relatos são de agudização e foi apresentado resultados do estu- mm3 (principalmente os com alta
cirrotização de hepatite C e B, du- do randomizado ACTG A5164, que CV) devem ser monitorados de per-
rante TARV. O que torna difícil avaliou as duas estratégias (trata- to nas primeiras semanas de TARV.
distingüir se a elevação de enzimas mento concomitante da IO e do HIV O diagnóstico é de exclusão,
está relacionada à toxicidade dos versus tratamento da IO com retar- quando se descarta abandono do
anti-retrovirais ou à SIRI. do do tratamento do HIV), com 282 tratamento ou resistência do pató-
Numa coorte de 60 pacientes co- pacientes incluídos. Não houve di- geno causador da doença oportu-
infectados HIV/HCV e tratados ferença significante entre os grupos nista (as pesquisas diretas devem ser
com TARV, por pelo menos 16 se- para o desenvolvimento de SIRI negativas).
manas, foi evidenciado aumento (5,7% versus 8,5%, respectivamen- O prognóstico é geralmente bom,
persistente do RNA-HCV, princi- te) e houve menos progressão da do- mas pode evoluir de forma ines-
palmente naqueles com CD4 basal ença e morte, até a semana 48, no perada com vários óbitos descritos.
< 350 cel/mm3. Também há relatos grupo com tratamento associado Além disso, suscita muitas preocu-
de hepatite auto-imune. (ver pág. 8) versus o grupo com tratamento do pações e dúvidas quanto à melhor
HIV retardado (p=0,035). Nesse estratégia de tratamento.
estudo não foram incluídos pacien- Sua ocorrência não indica falha
tes com tuberculose. terapêutica da infecção oportunista
Outras doenças ou da infecção pelo HIV. A TARV
já descritas em SIRI Tratamento de rotina não deve ser interrom-
● Herpes genital O manuseio das manifestações pida. Deve-se continuar o trata-
● Condiloma ainda carece de padronização. As mento da IO, se houver. Excluindo
● Molusco contagioso manifestações são muito variadas na os casos de tuberculose, não se deve
● Leishmaniose sua gravidade. Desde uma simples retardar o início da TARV, com
● Pneumocistose elevação leve de enzimas hepáticas intuito de se evitar a ocorrência da
● Toxoplasmose cerebral (nos “flares” das hepatites virais), SIRI.
● Sarcoma de Kaposi até uma grave manifestação de lo-
● Exacerbação de foliculite ou calização no SNC, com hiperten-
outras dermatites são intra-craniana, nos casos de
● Parvovirose criptococose. Portanto, a aborda- (*) Érico Arruda é Mestre em
● Hanseníase gem vai diferir conforme o tipo e a Infectologia; médico infecto-
● Doenças Auto-Imunes (Doen- gravidade da situação. O uso de logista do Hospital São José de
ça de Graves, Lupus, Síndrome antiinflamatórios não-hormonais e Doenças Infecciosas, da Secre-
de Reiter, Guillain-Barré, Porfiria corticosteróide é a base da aborda- taria de Estado da Saúde do
Aguda e Sarcoidose) gem nos casos mais graves. Dosa- Ceará; vice-presidente da Socie-
● Doença de Peyronie gens e tempo de tratamento são es- dade Cearense de Infectologia.
peculações. A interrupção da TARV
Ano II – nº 7 – Jul/Ago/Set 2008 InfectologiaHoje 3
TB na Síndrome Inflamatória
da Reconstituição Imune
Por Roberto da Justa Pires Neto (*)
E
Embora já se tenha descrito SIRI
associada a várias doenças infecci-
osas (criptococose, CMV, herpes,
etc.) e não infecciosas (autoimunes),
SIRI relacionada à
tuberculose é
realizado no Rio de Janeiro/RJ,
SIRI ocorreu em dez de 84 pacien-
tes com co-infecção HIV/TB (12%).
A maioria (nove) recebeu TARV
sua ocorrência associada à tubercu- observada em pacientes durante a TATB, sendo que seis
lose (TB) em pacientes co-infectados em tratamento para TB, eram virgens de TARV. O tempo
com HIV é da maior relevância de- que apresentaram médio para aparecimento de SIRI
vido à elevada prevalência da TB, após início da TATB e TARV foi de
além da morbidade e mortalidade as- melhora clínica inicial 80,5 ± 43 dias e 61,7 ±59 dias, res-
sociadas a esta infecção. seguida de um pectivamente. Aumento de linfo-
A proporção de pacientes com co- recrudescimento dos nodo foi a única manifestação clíni-
infecção TB/HIV que apresenta ca de SIRI observada. Contagem
SIRI varia de 8 a 43% nos vários sintomas após início da de linfócitos T CD4+ < 100 cel/mm3
estudos publicados. Esta ampla va- terapia anti-retroviral foi constatada em 50% dos pa-
riação pode ser atribuída à hetero- cientes no momento do diagnósti-
geneidade dos estudos no que diz os pacientes. Os sintomas sistê- co da TB. Oito dos dez pacientes
respeito à metodologia aplicada, di- micos observados foram principal- com SIRI foram tratados com
ferenças nas características das po- mente febre e perda de peso. Já em corticosteróide (prednisona, 1mg/
pulações estudadas, diferenças nas relação a achados clínicos espe- kg/dia) até melhora dos sintomas.
definições de caso e no tempo esta- cíficos de órgãos, observaram-se Os outros dois pacientes foram tra-
belecido entre o diagnóstico da TB linfadenopatias, alterações pulmo- tados com antiinflamatório não-
e o início da TARV. nares (consolidações, infiltrados, esteróide. Remissão dos sintomas
SIRI relacionada à TB é definida nódulos pulmonares) e derrame ocorreu em todos os pacientes com
como condição clínica observada pleural. SIRI se manifestou como SIRI após média de 91±30 dias. Não
em pacientes em tratamento para exacerbação de sintomas em órgão houve morte relacionada a SIRI.
TB, que apresentaram melhora clí- previamente acometido em dez dos Um único paciente com SIRI ne-
nica inicial seguida de recrudesci- 19 pacientes, a maioria (nove) com cessitou ser internado. A incidên-
mento dos sintomas após início da sintomas relacionados a envol- cia de SIRI foi maior em pacientes
TARV, desde que o recrudescimen- vimento pulmonar. Sete outros com linfadenomegalia superficial no
to não seja relacionado a uma outra pacientes com TB pulmonar desen- momento do diagnóstico da TB, TB
doença oportunista, evento adver- volveram novas manifestações extrapulmonar, virgens de TARV e
so à droga ou terapia anti-tuber- clínicas relacionadas a outro sítio com contagem de linfócitos T-
culose (TATB) ineficaz por baixa anatômico que não o pulmão. Dois CD4+ < 100 cel/mm3. O espectro
adesão ou TB resistente. pacientes com TB disseminada de manifestações clínicas de SIRI
As manifestações clínicas da SIRI desenvolveram SIRI que culminou não se limita apenas aos relatados
associada à TB são variadas. Estu- com óbito. Manifestações intra- acima. Piora transitória de infiltrado
do prospectivo na África, analisan- abdominais atribuídas a SIRI foram pulmonar, derrame pleural e infil-
do 142 pacientes com TB em trata- documentadas em sete dos 19 trado miliar, assim como piora da
mento e infectados por HIV sem uso pacientes. Hepatomegalia com função respiratória, meningite e
prévio de ARV, documentou a elevação sérica de fosfatase alcali- lesões expansivas do SNC, também
ocorrência de SIRI em 19 pacien- na e gama-GT, mas sem elevação foram observadas em outros estudos
tes após início da TARV. Sintomas sérica de TGP, foram detectadas em envolvendo pacientes com co-
de SIRI se desenvolveram, em mé- quatro pacientes. SIRI foi auto-li- infecção HIV/TB.
dia, duas semanas após início da mitada na maioria dos pacientes.
TARV e tanto sintomas sistêmicos Apenas quatro pacientes necessita- Fatores de risco
como específicos de órgãos acome- ram de internação devido à SIRI. Alguns fatores de risco para SIRI
tidos foram observados em todos Em outro estudo, retrospectivo, foram definidos em pacientes com
4 InfectologiaHoje Ano II – nº 7 – Jul/Ago/Set 2008
C
Criptococose é micose de natureza
sistêmica de porta de entrada
inalatória, causada por fungos do
complexo Cryptococcus neoformans,
tema nervoso central (SNC). O es-
pectro clínico e as apresentações ra-
diológicas relacionam-se diretamen-
te ao estado imunológico do hospe-
temente como meningite ou menin-
goencefalite aguda ou subaguda.
Entretanto, lesões focais únicas ou
múltiplas em SNC, simulando neo-
atualmente com duas espécies: deiro. Nos pacientes soropositivos plasias, associadas ou não ao qua-
Cryptococcus neoformans e Crypto- e com doença criptocócica, os dro meníngeo, são observadas no
coccus gattii. A micose abrange duas pulmões estão envolvidos em apro- hospedeiro imunocompetente.
entidades distintas do ponto de vis- ximadamente 30% dos casos. A ma- Cefaléia e febre estão presentes
ta clínico e epidemiológico: nifestação pulmonar da doença pode em 76% e 65%, respectivamente.
● Criptococose oportunista, cos- se apresentar de diferentes formas e Meningite criptocócica deve ser
mopolita, associada a condições de combinações. Deve-se ressaltar que sempre considerada em pacientes
imunodepressão celular, causada imagens localizadas pulmonares soropositivos que apresentam cefa-
predominantemente por Crypto- (massas e nódulos) predominam no léia e febre inexplicada, demência
coccus neoformans. paciente imunocompetente, enquan- progressiva e confusão mental. A
● Criptococose primária de hos- to no imunocomprometido há o pre- hipertensão intracraniana (pressão
pedeiro aparentemente imunocom- domínio de infiltrado intersticial e de liquórica inicial medida por raquima-
petente, endêmica em áreas tropicais opacidade intersticial difusa. nometria > 200 mmH2O, com o pa-
e subtropicais, causada predominan- É recomendada a investigação da ciente em decúbito lateral) ocorre em
temente por Cryptococcus gattii. etiologia fúngica em todos os casos aproximadamente 50% dos pacien-
Ambas causam meningoence- de pneumonia em pacientes com tes com neurocriptococose, contri-
falite, de evolução grave e fatal, infecção pelo HIV. A investigação buindo para significativo aumento da
acompanhada ou não de lesão pul- deve ser realizada através de exa- morbimortalidade da doença.
monar evidente, fungemia e focos mes de imagem (radiografia e/ou O manejo inicial do paciente com
secundários para pele, ossos, rins, tomografia de tórax), da cultura e suspeita de neurocriptococose con-
supra-renal, entre outros. pesquisa direta de fungos no escar- siste no exame clínico e neurológi-
A mortalidade por criptococose ro, hemocultura, histopatologia e co rigoroso, com realização de fun-
é estimada em 10% nos países de- antígeno criptocócico sérico. do de olho e avaliação criteriosa da
senvolvidos, chegando a 43% nos O encontro de outras infecções presença de sinais focais. Conside-
países em desenvolvimento.A doen- oportunistas associadas à cripto- rando a elevada incidência de hiper-
ça ocorre como primeira manifesta- cocose pulmonar é comum, uma vez tensão intracraniana, ausência de
ção oportunista em cerca de 4,4% que esta micose tende a ocorrer em sintomas clínicos preditivos, e a sua
dos casos de Aids no Brasil (Minis- fases avançadas da Aids, quando o importância prognóstica, a punção
tério da Saúde, 2000). A Criptococose número de linfócitos T CD4 é infe- lombar com raquimanometria é fun-
neoformans associada à Aids predo- rior a 100 cel/mm3. damental para todo paciente com
mina nas regiões Sul, Sudeste e É imperativa a investigação de suspeita de meningoencefalite crip-
Centro-Oeste do Brasil. Ressalta-se doença disseminada e envolvimento tocócica. Preferencialmente deve ser
que em áreas de grande pressão do SNC pela infecção fúngica em precedida por exame de imagem
endêmica por C. gattii, observa-se todos os pacientes com envol- para afastar lesões expansivas intra-
significativa associação deste agen- vimento pulmonar por Cryptococcus cerebrais e prevenir complicações.
te com a infecção pelo HIV/Aids. spp. Esta investigação deve ser O diagnóstico da criptococose
A criptococose é uma das micoses realizada através do exame do LCR, no sistema nervoso central pode ser
de mais fácil diagnóstico por apre- incluindo a pesquisa, cultura e realizado através do exame mico-
sentar marcado tropismo neuroló- antígeno criptocócico, além da lógico direto com preparação da tin-
gico, abundância de elementos cultura no sangue e dosagem do ta da China, através da cultura para
fúngicos no liquor e nas lesões, pre- antígeno criptocócico sérico. fungos e através do antígeno cripto-
sença de cápsula característica, di- A meningoencefalite é a forma cócico liquórico. O padrão ouro
agnóstico imunológico e coloração clínica mais comumente diagnos- para o diagnóstico é a cultura, sen-
tecidual específica. ticada, ocorrendo em mais de 80% do positiva em 89% dos pacientes
O envolvimento pulmonar na dos casos, quer sob forma isolada não infectados pelo HIV e em 95%
criptococose é o segundo mais fre- ou associada ao acometimento pul- a 100% dos pacientes com HIV/
qüente após o acometimento do sis- monar. Apresenta-se mais freqüen- Aids. A cultura consiste também em
6 InfectologiaHoje Ano II – nº 7 – Jul/Ago/Set 2008
parâmetro evolutivo. O antígeno declinarem para níveis inferiores a tenso sem outras causas aparentes
criptocócico (CRAG) no LCR é um 100 cel/mm3. além da infecção criptocócica;
teste muito útil para o diagnóstico e A TARV deve ser instituída em ● Reação inflamatória intensa,
é positivo em 90% dos pacientes so- todos os pacientes com cripto- não usual, com supuração nos teci-
ropositivos. cocose e infecção pelo HIV; entre- dos afetados, presença de absces-
Nas formas graves, principalmen- tanto, não há uma definição do me- sos, necrose, freqüentemente com
te de SNC, seja o paciente infectado lhor momento, em virtude da possi- cultura negativa;
ou não pelo HIV, a fase de indução bilidade de toxicidade pelo uso de ● Espectro amplo de gravidade,
tem por objetivo negativação ou várias drogas, além da ocorrência com evolução para óbito em 30%
redução efetiva da carga fúngica, de Síndrome Inflamatória da Re- dos casos em algumas séries.
tendo como período mínimo de tra- constituição Imune (SIRI). Outras manifestações incluem
tamento duas semanas. A fase de criptococomas, cerebelite, pneumo-
consolidação compreende manu- Síndrome Inflamatória de nia cavitária e lesões de pele. Fato-
tenção de negatividade micológica Reconstituição Imune res de risco para desenvolvimento
e normalização de parâmetros clí- A SIRI é representada por piora da SIRI incluem intervalo curto en-
nicos e laboratoriais, por pelo me- ou reaparecimento de manifestações tre diagnóstico da criptococose e
nos oito semanas. Segue-se a fase de um processo infeccioso/inflama- início da TARV, fungemia e altos
de supressão, também chamada de tório apesar de terapêutica ade- títulos de antígeno criptocóccico no
manutenção, por mínimo de um quada, na qual os sintomas e sinais momento do diagnóstico.
ano, com tempo adicional variando não são explicados por aquisição
de acordo com a condição do estado recente de infecção, evolução clínica Tratamento
imune do paciente. de infecção já conhecida ou eventos Antifúngicos poderão ser pres-
A terapia de manutenção tem adversos. critos em função da extensão e gra-
sido preconizada pelo alto risco de Esta síndrome tem sido registra- vidade do quadro clínico, embora
recaída nos pacientes com acentua- da em 8-31% dos pacientes que ini- haja relatos de involução espontâ-
da imunossupressão e naqueles com ciaram TARV após o diagnóstico de nea sem uso de terapêutica especí-
HIV/Aids enquanto os linfócitos T meningite criptocóccica. A SIRI fica. Embora haja registros isolados
CD4+ estiverem em níveis inferio- comumente aparece entre 3-330 de utilização tanto de corticos-
res a 100 cel/mm3. Após a estabili- dias após a introdução da TARV, teróide como de interferon-gama,
zação dos linfócitos T CD4+ >100 sendo que em 50% dos casos o apa- demonstrando o escasso conheci-
a 200 cel/mm3, por mais de 6 meses, recimento da SIRI ocorreu após mento da imunopatogenia, ressal-
em pacientes aderentes a TARV, quatro semanas da introdução da ta-se a importância da análise con-
pode-se considerar a suspensão da TARV e em pacientes com linfócitos junta dos dados clínicos e de labo-
terapia antifúngica de manutenção. CD4 < 100 cel/mm3. ratório para uma conduta racional
As drogas disponíveis são: anfo- A manifestação mais comum é a diante do paciente. Os corticos-
tericina B, anfotericina B formula- meningite recorrente com liquor e teróides, bem como a interrupção
ções lipídicas (complexo lipídico e exames de imagem demonstrando da TARV podem ser prescritos nos
lipossomal), itraconazol e fluoci- inflamação, com características di- casos refratários.
tosina (5-FC). ferentes do quadro clínico-labo- A punção lombar pode ser neces-
Fluconazol deverá ser iniciado na ratorial habitual da criptococose, sária para diminuir a pressão intra-
fase de consolidação, quando o pa- sendo constituída por: uma das ma- craniana. Retardar a introdução da
ciente apresentar melhora clínica nifestações clínicas abaixo descritas TARV até a esterilização do liquor
definida por: melhora do status men- e cultura em material biológico da pode ser benéfico, entretanto, o mo-
tal, febre, cefaléia, sinais meníngeos lesão negativa para C. neoformans, mento exato e se a cultura negativa é
e/ou negativação da cultura do LCR por vezes aumento do título do importante para o início da TARV,
na segunda semana. Um risco antígeno no liquor, na vigência de ainda são questões duvidosas.
adicional do uso de fluconazol é a aumento dos linfócitos T CD4+ e
indução de resistência, embora rara; diminuição da carga viral.
por ser fungistático e não induzir à ● Doença localizada com nódu-
esterilização precoce do LCR, não los em diversos órgãos, isoladamen- (*) Thaís Guimarães é médica
é recomendável para terapêutica de te ou em múltiplas localizações, tais infectologista e doutoranda pela
ataque, mas preferencialmente para como pulmão, gânglios, fígado ou Unifesp; atua na área de contro-
a manutenção. baço; le de infecções hospitalares no
Nos pacientes com CD4+ > 100 ● Episódios de comprometimen-
HC-FMUSP, HSPE/SP e Hos-
a 200 cel/mm3 por mais de seis meses to de sistema nervoso central com pital Santa Cruz; coordenadora
e aderentes à TARV, recomenda-se meningites/meningoencefalites em de Divulgação da SBI.
a suspensão da terapêutica anti- geral, acompanhados de aumento Bibliografia base: Consenso de
fúngica de manutenção, devendo da pressão intracraniana; Criptococose SBI, SPI e SBMT,
ser reiniciada se os linfócitos T-CD4 ● Presença de quadro febril in-
2008.
Ano II – nº 7 – Jul/Ago/Set 2008 InfectologiaHoje 7
A
A terapia anti-retroviral (TARV)
em pacientes infectados pelo HIV
resulta em dramáticas reduções na
carga viral, elevação na contagem
A SIRI pode ser classificada em
categorias de acordo com o meca-
nismo fisiopatológico envolvido,
conforme demonstra a tabela 1. As
uma incidência aumentada de 4 a 5
vezes, aproximadamente, nos pa-
cientes em uso de TARV nos dois
primeiros meses, enquanto o her-
de células CD4+ e melhora da fun- principais infecções virais relacio- pes zoster manisfesta-se na forma
ção imunológica. Embora estas al- nadas à síndrome estão listadas na monodermal usual.
terações imunológicas correla- tabela 2. O tratamento de herpes simples
cionem-se com o benefício clínico, e herpes zoster são semelhantes ao
diminuindo a freqüência de infec- Principais manifestações tratamento convencional. Porém
ções oportunistas e prolongando a de infecções virais casos de herpes simples refratários
sobrevida do paciente, um sub- Herpes vírus ao tratamento têm sido descritos. O
grupo de pacientes apresenta uma As infecções pelos vírus da famí- envolvimento de sistema nervoso
deterioração clínica como conse- lia herpes vírus são responsáveis central é raro.
qüência direta de um rápido e desre- por uma grande parcela das infec- A utilização de corticoides nes-
gulado restabelecimento da respos- ções relacionadas à SIRI, chegan- sas duas patologias é discutível. Nos
ta imune antígeno-específica duran- do a 50%, em dois grandes estu- casos graves e refratários, associa-
te a TARV. Esta é denominada dos. O aumento nas taxas de inci- dos à SIRI, o seu uso está relacio-
Síndrome Inflamatória da Recons- dência de herpes simples e herpes nado à diminuição do tempo de evo-
tituição Imune (SIRI). zoster tem sido relatado nos meses lução da doença, melhora da dor
A SIRI ocorre principalmente iniciais após a introdução da TARV. aguda e da qualidade de vida. Esse
dentro dos três primeiros meses do O herpes simples genital tem uso, no entanto, não interfere na
início da TARV, durante a fase de
rápida reconstituição imune. Pode Tabela 1
ocorrer também, quando um esque- Categorias da Síndrome Inflamatória da Reconstituição Imune
ma anti-retroviral em falha é troca-
do por um esquema mais potente, Categoria Alvo Exemplos
ou quando a TARV é retomada “Mascaramento” Antígeno viável Retinite por CMV, herpes zoster
após uma interrupção.
Antígeno morto ou
As infecções virais, principalmen- Reação paradoxal Molusco contagioso, herpes simples
em processo de morte
te a infecção pelo citomegalovírus,
aparecem como sendo a terceira Autoimune Hospedeiro Doença de Graves
patologia mais envolvida na SIRI, Malignidade
Possível tumor ou
Sarcoma de Kaposi
perdendo apenas para infecções patógeno associado
pelo Mycobacterium avium complex e Outras condições
Variável Sarcoidose
pelo Cryptococcus neoformans. inflamatórias
A patogênese da SIRI é pouco co-
Tabela 2
nhecida. Sabe-se, no entanto, que os
seguintes tópicos estão envolvidos: Infecções virais e Síndrome Inflamatória da Reconstituição Imune
● Reconstituição imune celular
Agente Apresentação Clínica
em número e função;
● Redistribuição dos linfócitos; Varicela zoster Herpes zoster
● Defeitos na função regulatória; Herpes simples Herpes orogenital recorrente, Sarcoma de Kaposi
● Mudança no perfil de resposta
Citomegalovírus Retinite, vitrite, uveíte, edema macular citoide, comprometimento
T helper (Th1 versus Th2); de SNC (demência, radículo-mielopatia, encefalite), pancreatite,
● Modulação da apoptose; comprometimento de pulmão, cólon e pele.
● Susceptibilidade genética;
Parvovírus B19 Encefalite
● Carga antigênica.
A SIRI das infecções virais (her- Papiloma Vírus Exacerbação das lesões
pes zoster, citomegalovirus e leu- Molluscum contagiosus Exacerbação das lesões
coencefalopatia multifocal progres-
HBV e HCV Hepatite
siva - vírus JC) parece estar media-
da pelas células CD8+. Vírus JC Leucoencefalopatia desmielinizante
8 InfectologiaHoje Ano II – nº 7 – Jul/Ago/Set 2008
incidência ou duração da neuropatia biópsia hepática, conversão soro- maneira, deve-se ficar atento a to-
pós-herpética. O tratamento da lógica e mudanças na carga viral da dos os sinais possíveis de apareci-
neuropatia pós-herpética inclui hepatite B e C em pacientes com mento da SIRI.
opióides, anti-depressivos tricí- hepatite viral crônica podem ajudar A história clínica detalhada de
clicos, gabapentina e adesivos de no diagnóstico. todos os pacientes com suspeita de
lidocaina tópica. SIRI deve ser levantada incluindo:
Citomegalovírus Outras infecções virais ● Sintomas (febre, tosse ou qual-
As principais manifestações clíni- Leucoencefalopatia Multifocal quer sintoma específico). No caso
cas associadas à infecção pelo Progressiva (LEMP) das infecções virais, deve-se estar
citomegalovírus na SIRI são: vitri- Trata-se de doença desmielini- atento ao aparecimento de lesões
tes, papilites, edema macular cis- zante do cérebro causada pelo ví- cutâneas, aparecimento de reações
toide e uveítes. A retinite típica pelo rus JC. A LEMP na SIRI apresen- inflamatórias próximas as lesões
CMV distingue-se da retinite asso- ta lesões semelhantes à tradicional, pré-existentes;
ciada à SIRI pela falta de inflama- porém com alterações inflamatórias ● Histórico de infecções oportu-
ção ocular na forma típica e pela significantes ao exame de imagem. nistas (IO): diagnósticos recentes e
proliferação de células inflamatórias Quando submetida à biópsia cere- passados;
oculares na retinite por SIRI. Esta bral, apresenta resposta inflamató- ● Tratamento de IOs: data de iní-
última é decorrente da presença de ria exacerbada, com inflamação cio, duração da terapia, resposta clí-
antígenos de CMV residuais e pro- mononuclear perivascular e predo- nica, aderência, falhas e resistência;
teínas que servem de estímulo mínio de células T CD8+. ● Início da terapia anti-retroviral:
antigênico. O uso de corticoesteróide na data, regime e interação de drogas;
Os pacientes geralmente têm LEMP está autorizado quando há ● Histórico de CD4 e carga viral.
retinite por CMV quiescente e, com presença de reações inflamatórias se- O exame físico deve ser realizado
o início da TARV, apresentam sin- veras e edema com efeito de massa. com muita atenção (temperatura,
tomas visuais. O diagnóstico das Sarcoma de Kaposi freqüência cardíaca e respiratória) e
manifestações oculares da SIRI re- Uma minoria de pacientes pode, o exame oftalmológico deve ser rea-
querem um alto grau de suspeição. frente à SIRI, desenvolver Sarcoma lizado em todos os pacientes.
Os sintomas inflamatórios são: de Kaposi. Pode também exacerbar Pacientes que iniciaram a TARV
vitrite, papilite e edema macular re- as lesões pré-existentes, com apa- com CD4 < 100 cel/mm3 devem ser
sultando em sintomas de perda vi- recimento de novas lesões, inflama- monitorados clinicamente com cuida-
sual e escotomas. ção local ou desenvolver linfedema. do nas primeiras semanas de terapia.
O tratamento da retinite por Nestes casos, a quimioterapia pode Devem ser orientados sobre a SIRI e
CMV inclui ganciclovir ou vala- ser necessária para o tratamento que esta significa uma melhora
ganciclovir. O uso de corticoide das lesões. imunológica e não uma deteriorização
sistêmico apresenta certo grau de Molusco contagioso e clínica. A TARV não deve ser des-
sucesso, enquanto o tratamento da papiloma vírus continuada na maioria dos casos.
vitrite e uveite se beneficia com o Podem aparecer lesões novas ou
uso de corticosteróide intra-ocular. as lesões existentes ficarem mais
(*) Heverton Zambrini é médi-
Hepatite B e C exuberantes, com processo inflama-
co infectologista; Coordenador
Os doentes com hepatite viral tório localizado durante a SIRI. O
da Enfermaria de Infectologia
crônica B ou C podem enfrentar tratamento é da mesma forma que
do Hospital Heliópolis da SES/
“flares” ou, raramente, correm o ris- o habitual.
SP; médico assistente da Disci-
co de progredir para cirrose após o
plina de Infectologia do Hospi-
início da TARV. Desta forma é difí- Prevenção
tal das Clínicas da Faculdade de
cil a distinção entre uma hepatite Nas infecções virais tanto pode
Medicina da Universidade de
induzida por droga e uma hepatite ocorrer a forma de mascaramento
São Paulo.
associada à SIRI. Os achados da como a reação paradoxal. Dessa
INFECTOLOGIA HOJE Boletim trimestral de atualização técnico-científica da SBI, financiado pelo Programa Nacional de DST e Aids / Ministério
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